Outubro de 2010
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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MONOGRAFIAS

Onde está o MST?
De olho na primeira página

Por Aline Silva Correa Maia e Cláudia Regina Lahni*

RESUMO

Análise das capas de 9 e 10 de junho de 2007, dos jornais Tribuna de Minas e Folha de S.Paulo, a fim de verificar se houve notícias sobre o MST.

A data coincide com a realização da Parada GLBT, em São Paulo, bem como com a véspera do 5º Congresso Nacional do MST.

Questionamos se há espaço nos jornalísticos brasileiros para dois movimentos sociais em uma mesma edição.

Reprodução

PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo / Representação e Identidade / Movimentos Populares

1. Introdução

Os movimentos sociais populares no Brasil passaram a se reorganizar, consistentemente, no fim da década de 1970, após os duros anos de chumbo da ditadura militar, quando as pessoas se depararam com o não acesso aos seus direitos. Com isso, houve uma tomada de consciência coletiva e organização popular e sindical. Existem, hoje, no Brasil, movimentos sociais com grande maturidade em sua estrutura, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, que apresenta relevante capacidade de articulação e conscientização política.

Segundo dados disponíveis no site do MST, há no Brasil 350 mil famílias assentadas e 160 mil em acampamentos que, junto com outros militantes, totalizam cerca de dois milhões de pessoas. Há cerca de 160 mil crianças no ensino fundamental, 30 mil jovens e adultos no programa de alfabetização, 750 universitários e 58 jovens estudando medicina em Cuba. Em termos de estrutura, o MST conta com 500 associações de produção, comercialização e serviço; 49 cooperativas agropecuárias, 32 de prestação de serviço e 96 pequenas e médias empresas.

O MST é um movimento social que sobrevive à custa de sua organização, bem estruturada e coordenada. Para politizar e manter o movimento unificado, em que todos compartilhem dos mesmos ideais de luta para a reforma agrária, os sem-terra organizam encontros estaduais e nacionais, sendo o mais importante deles o Congresso Nacional. Neste, é definido o pensamento político e a palavra de ordem que vão gerir a luta de seus integrantes.

Às vésperas do 5º Congresso Nacional do MST, dedicamo-nos a observar se o Movimento - sólido e atuante no Brasil – seria reportado por dois jornais impressos brasileiros: a Tribuna de Minas, de Juiz de Fora, Minas Gerais, e a Folha de S.Paulo, de São Paulo - de abrangência regional e nacional, respectivamente.

Buscamos, especificamente, nas capas das edições de 9 e 10 de junho de 2007, manchetes, fotos ou chamadas que fizessem referência aos sem-terra. Partimos do questionamento se há espaço nos produtos brasileiros para dois grandes movimentos sociais em uma mesma edição, já que o período de análise dos impressos coincide com o fim de semana em que foi realizada a Parada do Orgulho GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), em São Paulo.

A partir de revisão bibliográfica, refletimos a seguir sobre os movimentos sociais na mídia – especificamente o MST -, sua noticiabilidade e os enfoques de representações que reverberam preconceitos arraigados no imaginário coletivo brasileiro.

2. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): a trajetória

A origem e a trajetória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estão atreladas à própria história do Brasil. Desde 1500, a concentração fundiária marca a direção do país. Basta lembrarmos a exploração de matéria-prima durante o período colonial para o mercado externo, os ciclos agrícolas da cana-de-açúcar e do café, bem como as lutas de resistências como Quilombos e Canudos.

De fato, o Brasil perdeu várias oportunidades históricas de efetuar a reforma agrária. A primeira delas foi após a abolição da escravidão, em 1888, como a fizeram os Estados Unidos, em 1862. A segunda chance foi com a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas promoveu a primeira industrialização. Quando o Japão industrializou-se, por exemplo, a reforma agrária foi realizada a fim de desenvolver o mercado interno e aumentar o poder de consumo.

Mas a política de Vargas só fez piorar a situação dos camponeses. Segundo Sanches e Silva (2006:13), “a partir de 1930, com Getúlio Vargas no poder, implanta-se um novo modelo econômico de industrialização que, ao mesmo tempo em que proporciona o desenvolvimento do país, também acelera o processo de concentração de renda, de riqueza e fundiária”.

Em 1961, quando Jango assume após a renúncia de Jânio Quadros, a possibilidade de distribuição de terras fica mais próxima com a implementação da reforma de base. Porém, o Golpe Militar, em 1964, põe fim às esperanças e as lutas populares sofrem violenta repressão. Ainda em 1964, Castelo Branco decreta a 1ª Lei de Reforma Agrária no país: o Estatuto da Terra. Este projeto se configurou como uma estratégia do governo militar com a burguesia para controlar a questão agrária, através da violência e da instauração de um modelo econômico que visava a acelerar a modernização da agricultura, com base na grande propriedade privada.

Com esta medida, a ditadura privilegiou as grandes empresas nacionais e estrangeiras e gerou desemprego e migração camponesa para a cidade. O Estatuto jamais foi implantado e só serviu para desarticular as lutas por terra. De 1965 a 1981, foram efetuadas apenas oito desapropriações, em média, por ano.

Em 1975, foi criada a Comissão Pastoral da Terra (CPT) pela ala progressista da Igreja Católica. O movimento ajudou a organizar as primeiras ocupações e influenciou a mística do MST com a Teologia da Libertação, através de uma releitura das Sagradas Escrituras sob a perspectiva do oprimido e condenando o capitalismo. Com as lutas pela reabertura política, em 1984, é realizado o 1º Encontro do MST, em Cascavel, no Paraná, onde foi reafirmada a necessidade de ocupação como ferramenta legítima dos trabalhadores rurais. Começou-se a pensar nos objetivos e linha política do movimento.

Em 1985, Curitiba é sede do 1º Congresso Nacional do MST, cuja palavra de ordem era “Ocupação é a única solução”. Durante o governo Sarney, os ruralistas se organizaram e criaram a UDR, União Democrata dos Ruralistas, baseada em três frentes: “o braço armado (violência no campo), a bancada ruralista no parlamento e a mídia como aliada” (Disponível em: http://www.mst.org).

Na Constituição de 1988, os ruralistas conseguiram impor emendas conservadoras. Contudo, os movimentos sociais tiveram uma importante vitória com os artigos 184 e 186, que atribuem à terra função social e que, quando violada, seja desapropriada para reforma agrária. Durante a presidência de José Sarney, foi criado o Plano Nacional de Reforma Agrária, cuja ideia central era a aplicação do Estatuto da Terra. Contudo, mais uma vez o projeto não saiu do papel.

A eleição de Fernando Collor, em 1989, representou um retrocesso na luta pela igualdade na distribuição de terras, já que ele era declaradamente contrário à reforma agrária e tinha como aliada a bancada ruralista. Repressão, despejos e várias prisões de sem-terra aconteceram nessa época.

Em 1990, realizou-se o 2º Congresso Nacional do MST, em Brasília, cuja palavra de ordem era “Ocupar, resistir, produzir”. A partir de então, todos os congressos nacionais passaram a ser realizados na capital federal.

Com o governo de Fernando Henrique Cardoso, a exportação agrária foi priorizada, visando a atender interesses do mercado internacional e a pagar a dívida externa. Mais uma vez a reforma é deixada de lado. Em 1995, o MST discute no 3º Congresso Nacional a necessidade do movimento conscientizar-se de que a luta no campo também devia estender-se à cidade. A palavra de ordem foi “Reforma Agrária, uma luta de todos”.

Durante o governo FHC ocorreram dois massacres de sem-terra que marcaram a história do movimento. O primeiro foi em julho de 1995, em Corumbiara, onde dois policiais e nove sem-terra morreram. Em abril de 1996, em Eldorado dos Carajás, um conflito deixou o saldo de 19 sem-terra mortos, 69 feridos e sete desaparecidos. Em 1997, um ano após este último episódio, o MST organizou a Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária. Em 2001, foi realizado o 4º Congresso Nacional do MST, com a motivação “Por um Brasil sem latifúndio”.

Com os oito anos de governo FHC, o país sofreu com o modelo econômico neoliberal, que acentuou a pobreza, a desigualdade, o êxodo rural e a falta de trabalho e terra.

No governo de Luiz Inácio Lula da Silva a tão esperada reforma agrária ainda não ocorreu. E as mudanças na estrutura fundiária e no modelo agrícola são pouco significativas. No caso do etanol, o governo está repetindo a mesma política agrícola de FHC. Por isso a palavra de ordem do 5º Congresso Nacional do MST, que ocorreu em junho de 2007, foi “Reforma Agrária, por justiça social e soberania popular”. O encontro reuniu perto de 18 mil pessoas. O MST debateu o projeto do agronegócio com interferência das transnacionais e discutiu a necessidade da realização da reforma agrária como forma de promoção da justiça social.

A história do MST está permeada pelo desleixo do governo e é por esse motivo que a luta contra este descaso está no âmago do movimento. Aliás, é contra a invisibilidade que o movimento também atua. Invisibilidade muitas vezes reforçada pelo pouco espaço que os meios de comunicação dão aos movimentos populares ou, em geral, quando o fazem, é para destacar aspectos violentos, caricatos ou mesmo grotescos. É o que nos propomos a refletir, a seguir.

3. Os movimentos sociais populares na mídia: representação, identidade e cidadania

Uma das funções básicas do jornalismo é a de informar e formar os cidadãos, com credibilidade e imparcialidade, mesmo sendo esta última um mito, mas que, de maneira entusiasta, é ensinada nas faculdades e perseguida em algumas redações. Porém, o que recorrentemente vemos, ouvimos e lemos na mídia passa longe da utopia acadêmica. A imparcialidade jornalística, muitas vezes, pode ser suprimida para atender a outros interesses, os dos donos de veículos e os da elite latifundiária, por exemplo.

Ao trabalhar apenas com uma fala, exclui-se a possibilidade da diversidade cultural tão presente no Brasil. O discurso reproduzido pela mídia, em geral, é o do homem, de pele branca, classe média e com alto poder de consumo. Mulheres, crianças, jovens, idosos, negros e indígenas, quando são representados, aparecem, na maioria das vezes, como coadjuvantes sociais ou personagens de estatísticas de violência e de abandono.

É certo que na atualidade se verifica uma tentativa dos meios de abrirem-se às comunidades. Mas, ainda há muito que avançar neste aspecto. De maneira geral, as representações feitas pelos meios de comunicação sobre determinado tema são elaboradas por escolha única destes mesmos veículos informativos. Se para manter uma identidade é preciso reafirmá-la o tempo todo, qual não é o papel dos mass media na construção e afirmação da identidade dos movimentos sociais, especificamente do MST, nosso foco neste texto?

Goffman (1999) já nos apontou que as interações cotidianas – entre as quais incutimos a influência da mídia na sociedade - são as chaves para que as pessoas se reconheçam no mundo. [1] Em uma sociedade em que as relações entre os indivíduos são crescentemente mediadas, percebemos a importância em apontar como uma realidade apresentada a partir de uma determinada angulação é capaz de formar opiniões e reforçar papéis sociais.

Construir a realidade implica estruturar os indivíduos, uma vez que encontramos nos meios “ampla oferta que estes proporcionam de modelos de pensamento e de ação de quadros simbólicos difundidos e impostos socialmente” (Cf. ESTEVES, 1999:04-05). É por este contexto que entendemos que do outro lado da televisão, do rádio, do jornal e do computador, os espectadores são alvos das representações pelas quais a mídia produz determinados tipos de identidade. 

Seguindo uma perspectiva construtivista dos problemas sociais, Alejandro Frigerio (1997) propõe que os assuntos que preenchem a pauta de discussões dos indivíduos são determinados pelo coletivo. As escolhas são feitas a partir de sete campos constituintes da sociedade, entre eles a mídia, que pode potencializar problemas levantados por outras arenas. Uma vez que a realidade social está em constante processo de criação, circulação e assimilação de significados, os meios de comunicação têm papel fundamental no processo de construção da realidade pública, pois é principalmente através deles que o indivíduo, a massa, adquire conhecimento sobre o que acontece no seu país, na sua cidade, no seu bairro.

Entre tantos eventos diários, a mídia seleciona – de acordo com critérios da empresa de comunicação e do perfil do veículo – os suficientemente importantes para se transformarem em notícia. Se as mídias selecionam, priorizam, enfatizam e recortam para nos transmitir uma informação sobre determinado fato, também estamos diante de um processo de seleção, ênfase e recorte de problemas que compõem a nossa realidade; indo além, estamos diante de um processo de construção da própria realidade.

É da mídia – esta, influenciada por uma soma de elementos como a política editorial da empresa e o contexto da própria sociedade em que está inserido o meio de comunicação - o poder de determinar para qual tema será dada mais ou menos cobertura. Logo, se o MST está ou não em pauta é uma questão, muitas vezes, de escolha dos próprios meios. Mais: quando está na mídia, a forma como o Movimento será apresentado e reapresentado dependerá do recorte e da ênfase feitos pelos profissionais da mass media.

De acordo com Frigerio (1997), a sociedade depende dos meios de comunicação para ter acesso aos acontecimentos. Quanto menos experienciamos um fato, mais dependentes somos da mídia para nos reportá-lo. E, se temos apenas a visão desta mídia sobre um fato, mais homogêneas serão as opiniões sobre este acontecimento.

É através do jornalismo que obtemos um complexo processo de estruturação do real a partir da percepção e da interpretação de um fato. Se inicialmente o jornalismo fornecia as bases para que as pessoas pudessem formular suas próprias opiniões, hoje ele vai interferir na própria estruturação da visão de mundo pelo receptor, pois entendemos que:

(...) as notícias são construções, narrativas, “estórias”. As notícias são elaboradas com a utilização de padrões industrializados, ou seja, formas específicas que são aplicadas aos acontecimentos, como, por exemplo, a pirâmide invertida. (...) Assim, o jornalismo e os jornalistas podem influenciar não só sobre o que pensar mas também como pensar. (Cf. TRAQUINA, 2004:203). [2]

Nesta linha, incorporamos nossa reflexão centrada na (in)visibilidade do MST – salvo se for para reportar conflitos envolvendo os sem-terra. Em “Notas sobre a Condição do MST enquanto Fonte Jornalística”, Paula Reis Melo (2005) discute a presença do Movimento nos meios de comunicação através dos critérios de noticiabilidade. De acordo com Melo (2005), o MST tem conseguido existir socialmente porque tem aparecido na mídia. “Estar na pauta é, portanto, existir”.

Mas a estudiosa também ressalta que ao pensarmos matérias sobre o MST logo nos vem à mente ocupações de terras e de prédios, marchas e bloqueios de estradas - porque são estes os enfoques recorrentemente reportados por jornais, rádios e TV’s. A relação entre o MST e a mídia seria, segundo Melo, possibilitada por um jogo de interesses: o movimento quer aparecer – para existir socialmente -, enquanto os meios de comunicação querem captar um evento noticiável – principalmente se este “evento noticiável” estiver relacionado ao conflito, à baderna promovida por “arruaceiros”; critérios de noticiabilidade para o MST, em geral.

Em “Estilhaços de memórias – a ocupação sem-terra como não-lugar de memória”, Kleber Mendonça (2004) trabalha com conceitos de jornalismo e memória, mostrando como a mídia, ao retratar as ocupações do MST como invasões, colabora para a “ilegitimidade” das reivindicações do movimento e legitimidade da repressão aos militantes. Os acontecimentos registrados pelos meios de comunicação, segundo Mendonça, fundam uma luta, bem como provocam um “efeito de identidade”. Está em jogo uma memória clandestina dos sem-terra e a memória oficial produzida pelo discurso jornalístico.

Seguindo o proposto por Mendonça, entendemos que a ocupação promovida pelo MST transforma-se em invasão no discurso midiático, já que, como identificou Fábio Cardoso Marques (2006:38), “na cobertura dos movimentos sociais de esquerda, a grande imprensa, de um modo geral, revela bastante preconceito e causa grande desinformação sobre as ideias e propostas desses movimentos”.

Concomitante a esta realidade, é importante ressaltar que as minorias, como o MST, têm papel relevante na democracia representativa. Em primeiro lugar, precisamos entender minoria como um termo qualitativo, e não quantitativo. Logo, compreenderemos que “só no processo democrático a minoria pode se fazer ouvir”, como postulou Muniz Sodré (2005).

Diante da desigualdade social e da falta de acesso aos direitos básicos do ser humano, os movimentos sociais se configuram como uma importante bandeira de luta para uma mudança social, como afirma Peruzzo:

Os movimentos ocupam um espaço cujas expectativas e reivindicações os canais vigentes não estavam conseguindo absorver, como aquelas relacionadas às necessidades de moradias, de melhoria e acesso a bens de consumo coletivo, às discriminações raciais e sexuais, às condições gerais da vida. Todavia, no decorrer do processo, também esses vão se fortalecendo como instrumento de luta dos trabalhadores. (Cf. PERUZZO, 1998:54).

Como saída encontrada para a falta de espaço na mídia, os movimentos sociais fazem uso da comunicação popular e comunitária. Peruzzo (1998) define esse espaço como “meio de conscientização, mobilização, educação política, informação e manifestação cultural do povo. É um canal por excelência de expressão das denúncias e reivindicações dos setores organizados da população oprimida”.

Em sua organização, além de lutar pelo direito de acesso à terra, o MST também batalha pela democratização da comunicação. Para isso, o Movimento criou o setor de comunicação responsável por orientar as discussões e encaminhamentos internos e com a sociedade. O principal veículo é o Jornal Sem Terra, mas o uso do rádio em assentamentos e acampamentos é recorrente. O Movimento também mantém um site, com informações sobre a história do grupo e a atualidade. 

4. Parada Gay às vésperas do Congresso do MST: quem apareceu?

No fim de semana em que foi realizada a Parada do Orgulho GLBT, em São Paulo, nada lemos sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nas capas dos jornais Tribuna de Minas e Folha de São Paulo. Supomos que não há espaço nos produtos jornalísticos brasileiros para dois importantes movimentos sociais em uma mesma edição.

Por conta do factual - a ‘Parada’ na capital paulista -, matérias relacionadas ao evento gay ganharam as páginas dos impressos, inclusive com amplo destaque nas capas. O MST, mesmo às vésperas de seu 5º Congresso Nacional, que aconteceu de 11 a 15 de junho, em Brasília, não foi lembrado. Sequer uma linha sobre o movimento foi escrita nas edições de 9 e 10 de junho dos jornais analisados, conforme constatamos.

Nenhum caderno trouxe reportagem ou foto-legenda tendo o MST como tema.

Celebrando 23 anos de luta e colocando em pauta, mais uma vez, a questão da terra no Brasil, militantes de todo o país estiveram reunidos durante cinco dias no Ginásio Nilson Nélson, em Brasília. Reforçamos que o Congresso teve início no dia seguinte à Parada do Orgulho GLBT, este último, sim, um evento presente nas edições analisadas. No entanto, vale destacar que apesar de reportada, a Parada Gay ganhou matérias focadas quase que exclusivamente na “curiosidade” que o evento pode despertar do que na questão do respeito à diversidade proposta pela manifestação.

Por exemplo, a “festa” e figuras “exóticas” foram contempladas em reportagens que ocupavam mais de uma página, em detrimento à discussão de direitos e deveres dos seres humanos – que poderia ter rendido interessante pauta já que a Parada propõe um debate sobre os indivíduos e sua cidadania. 

Mesmo não estampando em sua capa manchete sobre o MST às vésperas de seu congresso, a Folha de São Paulo de 9 de junho de 2007 apresentou reportagem no caderno Dinheiro que nos chamou a atenção por, de alguma forma, relacionar-se à questão da terra no país. Tratava-se de ampla matéria sobre o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento. O foco da cobertura eram as rodovias quase prontas e que constavam na lista de obras do programa.

Na página B3, o jornal estampou o título “Área indígena e invasão podem atrasar vias”, em que frisava como (mais um) aspecto problemático do PAC o fato de algumas rodovias terem áreas de ocupação ao longo do traçado. De acordo com a reportagem, seriam campos em que a desapropriação ainda está em negociação. Assim, há apenas uma citação de um “entrave” para o PAC, mas sem aprofundamento da questão: não se fala quem ocupa a área, desde quando, para onde serão transferidos etc. O foco da matéria era o “obstáculo” a ser enfrentado pelo PAC.

Na segunda-feira, dia 11 de junho, o site Folha Online, do jornal Folha de S.Paulo, publicou matéria com o título “MST realiza passeata em Brasília para cobrar reforma agrária”. A reportagem não é assinada e fala sobre o início do congresso em Brasília, objetivos e expectativa de reunião de 17 mil representantes. A fonte para o texto foi Gilmar Mauro, integrante da coordenação nacional do MST. O texto traz a informação de que mais de 230 mil famílias estariam acampadas pelo país, das quais 140 mil seriam integrantes do movimento dos sem-terra. A matéria é delimitada às respostas do lead: o que, quem, quando, como, onde, por que; sem mais informações.

Para comparação, na semana em que foi realizado o 5º Congresso do MST, checamos de 11 a 15 de junho, pela manhã, os sites Uai (O Estado de Minas), O Tempo, Hoje em Dia e Agência Brasil, a fim de localizar, na capa destes meios, manchetes ou chamadas de matérias relacionadas ao evento dos sem-terra. Só encontramos o que procuramos no site da Agência Brasil. Interessante notar que uma agência de notícias do governo federal foi quem se ocupou do assunto – ao menos no período de nossa análise – na sua página principal.

Entendemos esta preocupação como uma tentativa da administração do país mostrar que está atenta à causa do MST, ou, ainda, cobrindo amplamente o 5º Congresso, o Governo Federal já estaria se antecipando às possíveis críticas e embates com o movimento.

Em linhas gerais, o conteúdo das matérias disponibilizadas no site da Agência Brasil não ultrapassou as barreiras do lead. O que lemos na Internet se restringiu a registros rápidos do que se passava em Brasília: o lançamento de um curso de alfabetização; entrevista com o Ministro do Desenvolvimento Agrário rebatendo críticas dos sem-terra; a marcha de 17 mil militantes até a Praça dos Três Poderes. Nada que fugisse do lugar comum, daquilo que já sabemos e conhecemos de outras coberturas. É certo que o evento, bem como o MST, não foram enfocados de forma sensacionalista. [3] Mas também não houve diferenciação da cobertura apática a qual somos submetidos muitas vezes.

Observamos, ainda, que enquanto o MST se reuniu para discutir propostas de reforma agrária, avaliar o movimento e traçar novos rumos, pouco se falou sobre o encontro na grande mídia. Mas, duas semanas depois do Congresso, numa situação de ocupação de uma área (Ocupação de São João, 24/06), os sem-terra ganharam as páginas dos jornais nacionais: rotulados como invasores e baderneiros, em um enfoque negativo, reverberando visões (e pré-conceitos) profundamente enraizadas no imaginário coletivo quando o assunto é MST.

Roberto Amaral Vieira (1992) aborda o imaginário social formado a partir da televisão. Mas, por entendermos cabível, aplicamos aqui o discurso deste autor para a mídia em geral: os meios intervêm no cotidiano dos indivíduos e propagam comportamentos, ideologias e sensações. Por interferir na realidade ao narrá-la, temos nos meios de comunicação uma ferramenta de transferência do subjetivo para o objetivo, como escreve Roberto Amaral Vieira, uma vez que “o real não é o ocorrido, não é o evento em si, é o real conhecido, como ele foi narrado, e não apenas visto” (Cf. VIEIRA, 1992:120).

Concordamos com Vieira que escolher a angulação que será dada a uma notícia, priorizar ou não determinados aspectos, bem como selecionar como será a transmissão de um fato são ações que revelam como a realidade é construída pela mídia e, mais, como os meios de informação detêm o poder de controle do que chamamos de real: “tudo aquilo que não é registrado não é real, não é objeto do meu conhecimento porque não foi noticiado. E, na medida em que noticio, transformo o fato” (Cf. VIEIRA, 1992:120).

Assim, se um evento do MST não ganhou espaço na mídia, é como se ele não tivesse existido. Ou, ainda, se ganha espaço nos jornais, torna-se realidade da forma como foi abordado.

5. Considerações finais

Neste estudo, observamos que não há espaço para dois grandes movimentos sociais em um mesmo jornal brasileiro. Em geral, percebemos que não há espaço nem para um movimento social, a não ser que seja para dar visibilidade ao mesmo sob um enfoque sensacionalista e que vai reforçar opiniões já enraizadas no imaginário dos brasileiros, inclusive por serem recorrentemente reapresentados pela própria mídia.

Assim, às vésperas de seu 5º Congresso, o MST não foi noticiado. Mas, a Parada do Orgulho GLBT, em São Paulo - o assunto factual -, esta sim ganhou as páginas dos dois jornais impressos analisados nesta pesquisa, ainda que por uma angulação sensacional. No entanto, dias depois do Congresso, por ocasião de uma ocupação de terra, o MST foi retratado.

Há ainda de se considerar que tomando a lente da violência como a única forma de vislumbrar grupos populares, percebe-se verdadeiro desprezo para com as reais identidades destas coletividades, bem como a construção de outras, pelo menos para o espectador, que não tem outra opção de conhecimento sobre os fatos naquele momento, a não ser o jornal em mãos.

A não-presença de matérias sobre o MST nas edições analisadas reforça a invisibilidade deste movimento, mesmo às vésperas de seu mais importante evento nacional, onde seus membros reúnem-se para discutir a política de distribuição de terras no país além de traçar os rumos do Movimento.

Ou seja, se o jornalismo é o espaço público, onde o MST não se faz presente, onde está, então, este movimento popular? Talvez às margens, assim como outras iniciativas que partem do povo. Mas, se é para reportar o negativo que possa estar atrelado a estes grupos, aí sim os teremos retratados no espaço público, enfatizando noções consensuais sobre o funcionamento da sociedade e tudo aquilo que é celebrado pelo senso-comum, em detrimento da controvérsia de posicionamentos.

Percebemos a legitimação da fala hegemônica, conforme descreve Traquina sobre os estudos de Gaye Tuchman. “Os grupos sociais que atuam fora do consenso são vistos como marginais e a sua marginalidade é tanto maior quanto mais se afastarem do social legitimado, através da afirmação e da demonstração de atos de violência” (Cf. TRAQUINA, 2004:198).

As representações do MST que ganham visibilidade na mídiaajudam o espectador a criar sua imagem sobre este grupo. No entanto, apresentando fragmentos da realidade, os meios de comunicação acabam por reforçar os papéis sociais conferidos às instituições e aos próprios cidadãos brasileiros.


NOTAS

[1] Pontuamos que a obra de Goffman não se refere especificamente à mídia. Mas, entendemos ser possível apropriarmos das ideias do estudioso para aplicá-las à Comunicação, a fim de analisar o processo interativo mídia-sociedade.

[2] Grifos dos autores.

[3] Para este trecho, adotamos a definição de Patias (2006) para jornalismo sensacionalista: aquele que extrai a carga emotiva e apelativa da notícia e a enaltece, quase fabricando uma nova notícia, que passa a se vender por si mesma, estando mais ligada à mercantilização.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Periódicos

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http://www.estaminas.com.br
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*Aline Silva Correa Maia é jornalista e mestre em comunicação pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e editora da TV Panorama em Juiz de Fora/MG. Cláudia Regina Lahni é mestra e doutora em jornalismo pela ECA/USP e docente da Faculdade de Comunicação da UFJF.

 

 







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