Outubro de 2010
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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ARTIGOS

Construção de sentido e produção de discursos:
A linguagem e subjetividade
dos textos midiáticos

Por Rodrigo Carvalho da Silva*

RESUMO

Este trabalho é uma proposta de se reconhecer como a mídia analisada se posiciona em relação ao cenário político atual.

A intenção é entender como esse posicionamento direciona a escolha de conteúdos e a construção de discursos, em relação à transmissão subjetiva de posições ideológicas particulares.

O objetivo é chegar a uma interpretação satisfatória do que está sendo observado e poder utilizar esta pesquisa como um modelo para a compreensão da maneira como ocorre a produção de sentido e a construção de discursos na mídia em geral.


Época, Edição 576. Reprodução.

PALAVRAS-CHAVE: Mídia / Análise do Discurso / Jornalismo Político

1. Introdução

A proposta deste trabalho é reconhecer como a mídia se posiciona em relação ao cenário político e econômico atual e entender como esse posicionamento direciona a produção de seus conteúdos e sentidos. Como objeto (corpus) desta pesquisa foram selecionados e analisados textos vinculados em uma das principais revistas semanais brasileiras: a Revista Época.

Como amostra foi analisado 1 exemplar da revista, publicado na primeira semana do mês de junho de 2009: Época (edição nº 576 de 1º de junho de 2009) [capa acima]. A revista em questão aborda temas relacionados ao cotidiano da sociedade brasileira e também mundial. A revista Época é publicada desde 1998 e sua circulação média é estimada em 420 mil exemplares por publicação.

2. Justificativa

Este estudo justifica-se pela possibilidade de se revelar, através da observação empírica, os discursos presentes na mídia analisada e entender através da análise dos textos (elementos linguísticos e conteúdos) como esses discursos são intencionalmente ou não construídos. O estudo dos discursos da mídia possui alta relevância, pois é capaz de provocar mudanças no pensamento individual e coletivo.

3. Objetivos

3.1. Objetivo geral

O trabalho pretende investigar a tendência da mídia analisada em abordar diversos temas através de abordagens enunciativas direcionadas ao contexto político e econômico atual.

3.2. Objetivo(s) específico(s)

O presente trabalho tem como objetivo reconhecer como a revista analisada se posiciona em relação ao cenário político e econômico atual e ainda analisar como esse cenário interfere na escolha de seus conteúdos e na construção de seus discursos, disseminando de forma subjetiva o posicionamento individual de determinados grupos. 

4. Contexto político e econômico atual

Os principais acontecimentos políticos e um breve histórico da atual situação econômica nacional e mundial (afetada pela crise) foram observados, descritos e considerados para a realização desta pesquisa.

4.1. Âmbito nacional

Aos poucos, a economia brasileira demonstra indícios de superação da crise (ao menos essa é a premissa existente no discurso do governo e também em boa parte das mídias brasileiras). Porém, todos esses indícios ainda não são suficientes para definir uma exata dimensão de como a crise econômica mundial afetou ou ainda afeta o Brasil.

Por um lado há o discurso positivista do governo (muitas vezes comprado pela mídia brasileira) que define que a crise foi apenas uma pequena turbulência (“uma marolinha” – como definiu o próprio presidente Lula em discurso público) e que já está no fim, tendo causado apenas algumas mudanças de estratégias na economia do país.

Por outro, há grupos políticos (talvez contrários ao governo) que consideram que os reflexos da crise ainda serão sentidos e que esse será um momento muito difícil para o país.

O governo Lula está chegando ao fim, já que as eleições para um novo presidente acontecem em 2010 e a possibilidade de um terceiro mandato já foi descartada com a pré-candidatura de Dilma Roussef (ex-chefe da Casa Civil) para o PT, sob a perspectiva de dar continuidade aos propósitos e trabalhos do atual governo. É importante ressaltar que Lula permaneceu oito anos no poder.

Com certeza tudo isso reflete na construção dos discursos das mídias e, sobretudo, é um fator determinante na escolha de conteúdos a serem abordados. De um modo geral, diversos temas acabam sendo tratados sobre o viés político e econômico.

4.2. Âmbito mundial

A desordem econômica mundial incitada pela crise bancária nos Estados Unidos e Europa afeta o mundo inteiro em diferentes níveis.

Apesar do discurso antiamericano de muitos países da América Latina, atualmente e por influência da crise mundial, muitos governos latino-americanos, assim como o Brasil, acabaram tendo que firmar alianças com os Estados Unidos, com o objetivo de aquecer a economia americana e por consequência aquecer também a economia de seus próprios países, já que os EUA são o país que mais consome produtos e serviços no mundo.

Hoje vemos uma América Latina que, aos poucos, cresce economicamente. Esse crescimento foi arriscado pela crise, mas mesmo assim, muitos países da América do Sul apresentam grande influência no contexto político e econômico mundial. Mas o mundo continua com o “olhar” direcionado para os Estados Unidos.

Toda e qualquer tentativa de superar os impasses atuais terão de, obrigatoriamente, levar em conta os movimentos dos agentes econômicos no país norte-americano.

A presidência dos Estados Unidos passa por um novo governo. Tendo assumido como presidente no início de 2009, Barack Obama começa a mostrar as ações de seu trabalho, ainda mais levando em consideração que Obama assumiu a presidência em um contexto de crise.

Fora isso, a eleição de Obama se constitui em um fato histórico por representar uma reconciliação dos Estados Unidos com seu passado de conflitos étnicos e sociais.

Tudo indica que uma nova ordem econômica internacional se estabelecerá nos próximos anos.

5. Referencial teórico

5.1. Abordagens enunciativas e subjetividade da linguagem: suas marcas no discurso

De acordo com Benveniste (1988), a enunciação é o ato de colocar a língua em funcionamento por um ato individual de utilização. A língua é o aparelho formal da enunciação, no qual se estabelece uma relação entre o enunciador e seu enunciado.

Essa relação não se limita a uma simples codificação e decodificação mecânica entre emissor e receptor, pois se trata de um processo comunicativo no qual é possível destacar a existência implícita de pressuposições, ambiguidades e indeterminações que influenciam na produção dos sentidos e significações.

Um mesmo termo pode ser entendido através de duas formas de análise: uma que restringe o seu significado ao nível de compreensão, referindo-se a colocação do termo na frase, e outra que relaciona o uso e significado do termo ao nível interpretativo, referindo-se à produção de sentido em relação ao conteúdo do enunciado. O emprego do mesmo termo nos dois níveis de análise resulta em ambiguidade (CERVONI, 1989).

Segundo Cervoni (1989), para precisar as condições de verdade de uma frase é necessário nomear o locutor e o alocutário (utilizadores) através dos quais a frase pode se tornar enunciado. Também se deve levar em consideração o tempo e o lugar em que o enunciado é produzido, além do que pretende o locutor ao enunciar a frase.

As frases têm a previsão de realizar determinados tipos de atos de acordo coma as pressuposições que um enunciador faz em relação a seu co-enunciador. Essa pressuposição corresponde aos atos de linguagem, expressos através da escolha de determinadas formas verbais.

Os enunciados são compostos de escolhas linguísticas que orientam a mensagem para pontos de vista específicos do enunciador. O locutor escolhe também um modo de apresentação para expor o seu próprio discurso.

O discurso pode ser definido como uma linguagem usada para representar práticas sociais a partir de pontos de vistas. Assim, para cada relação e situação social é possível fazer uso de um tipo de discurso, considerando os objetivos pretendidos (FAIRCLOUGH, 1995).

Toda produção da linguagem desprende-se de alguém, é dirigida a outro alguém e sempre se refere a algum assunto, tempo e espaço. Em discursos subjetivos sempre há a presença de elementos linguísticos como adjetivos, metáforas e ironias. A subjetividade se manifesta por modalidades, dêiticos, conotações e pressupostos, além disso, o estudo da pessoa e do tempo conduz à subjetividade da linguagem.

Dessa forma, o autor pode encobrir-se através de construções linguísticas mais neutras, expondo seu discurso de forma implícita. Isso depende da atitude pessoal do enunciador diante ao seu referente (BENVENISTE, 1988).

Todo enunciado é modalizado através de modalidades que indicam o tipo de ato que a enunciação pretende realizar. De acordo com a tipologia de Antoine Culioli (1976), as modalidades podem ser classificadas da seguinte maneira:

Modalidade 1: Essa modalidade pode ocorrer através da asserção (validação do conteúdo através da afirmação ou negação), da interrogação (o enunciador interroga o co-enunciador), da injunção (o enunciador recorre a súplica, ao pedido ou a sugestão para expor a sua enunciação), ou através da hipótese (o enunciador coloca a hipótese de maneira absoluta ou então emitindo uma hipótese positiva).

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Modalidade 2: A modalidade epistêmica refere-se a incerteza do enunciador em relação à validação da relação predicativa. Oscila entre provável e improvável.

Modalidade 3: Chamada de apreciativa essa modalidade corresponde a análise do caráter do conteúdo da relação predicativa (bom, ruim, feliz, infeliz etc.). Revela o julgamento do enunciador sobre a relação sujeito-predicado.

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Modalidade 4: Intersubjetiva ou radical refere-se a relações entre sujeitos (sujeito enunciador e sujeito enunciado e sujeito enunciador e co-enunciador).

Os dêiticos são termos que designam os elementos constitutivos de toda a enunciação dentro do enunciado, sendo eles: o locutor, o alocutário, o lugar e o tempo da enunciação. A esses termos não é possível atribuir um significado exato sem ter o conhecimento das pessoas e do tempo que compõem a enunciação (CERVONI, 1989).

Nos mais diversos textos se encontram termos, tais como “assim”, “portanto”, “desse modo”, que são inseridos para determinar ao leitor que uma construção está sendo operada.

A linguagem é o que possibilita a comunicação, seja ela falada, escrita, visual ou através de sinais (gestos). Sempre que um indivíduo precisa se comunicar com alguém ele faz uso de algum tipo de linguagem. Ela apresenta componentes que permitem ao indivíduo transmitir exatamente o que se quer. Através dos mecanismos da linguagem um locutor provoca em seu interlocutor um comportamento correspondente com a mensagem transmitida.

A linguagem é um fenômeno natural que ocorre através do processo: estímulo e reação. Muitas vezes, ela pode representar o papel de discurso, uma vez que o discurso é o resultado da linguagem posta em ação. Através da linguagem o homem se constitui como sujeito. Nós somos o que pensamos e falamos. A partir deste contexto, surge a subjetividade da linguagem (BENVENISTE, 1988).

A compreensão de um texto pode ser alcançada através da união de considerações em relação ao contexto em que ele foi enunciado e da interpretação dos elementos existentes no próprio texto que conferem significado ao discurso. Todo enunciado é produzido por um sujeito enunciador (aquele que constrói o discurso). Já o co-enunciador é responsável por desconstruir o enunciado de acordo com suas próprias percepções.

A subjetividade é dada no contexto. Um exemplo é quando se refere a algum indivíduo utilizando-se elementos linguísticos que exprimem valores de julgamento ou qualificações. É o caso dos valores axiológicos que geralmente são adjetivos, substantivos ou expressões com caráter avaliativo ou afetivo.

Segundo Kerbrat-Orecchioni (1980), existem dois tipos de formulações de discurso. Um chamado de objetivo, que exclui a existência de um enunciador individual, e outro, chamado de subjetivo no qual o enunciador é explicitado e implicitamente avalia a enunciação (utilização de dêiticos e adjetivos afetivo-axiológicos).

Em um discurso os valores axiológicos podem ser observados a partir de escolhas lexicais, das escolhas da posição sintática e nas entonações da voz. Toda unidade léxica é composta de subjetividade, uma vez que, palavras são símbolos (KERBRAT-ORECCHIONI, 1980).

Um enunciador emprega termos axiológicos imaginando que o co-enunciador tenha repertório para compreender esses valores, porém quando isso não ocorre, é possível que ocorram interpretações ambíguas em relação a um mesmo enunciado.

5.2. A construção do sentido na mídia – Discurso jornalístico x discurso político

O discurso jornalístico tem caráter assertivo e constatativo. Com isso, segue a falsa premissa de que difunde apenas o que já é fato (GOMES, 2000). 

O jornalismo é supostamente realizado através de princípios como a objetividade e a impessoalidade, que na prática, são impossíveis de serem alcançados, pois mesmo inconsciente, um jornalista prima seu texto através de um repertório, ideologias e experiências particulares. Qualquer notícia tem o veículo ou o jornalista como porta-voz.

Se não há imparcialidade, se as notícias dadas significam na medida dos interesses políticos momentaneamente em jogo e se é inevitável que cada jornal interprete numa direção, então, como saber o que aconteceu? Ou, “como é que se pode chegar à verdade?” (...) pensar em tais questões é pensar também no modo de ler que um pesquisador precisa engendrar para trabalhar com os sentidos produzidos pelo discurso jornalístico. Dito de outra maneira, o discurso jornalístico produz leituras do mundo (...). (Cf. MARIANI, 1999:103).

Segundo Fairclough 1997, em alguns textos (principalmente os da mídia) é fácil identificar a que tipo de viés o discurso é essencialmente direcionado como, por exemplo, textos com caráter político, econômico, ideológico ou cultural. Porém, há outros textos que mesclam diferentes tipos de discurso e, por isso, são mais difíceis de serem analisados.

Em um só texto é possível encontrar ideias e características de diferentes discursos, produzindo assim diversas formas de sentido. Um discurso que pareça ser político pode na verdade se tratar de uma mera conversa informal e amigável, ou vice e versa.

Para Fowler (1994), a personalização é uma tendência também presente no discurso midiático. O ato de relacionar um acontecimento a um indivíduo específico ou a um grupo de pessoas transforma o caso em uma espécie de história noticiosa que desperta maior interesse do grande público, acostumado culturalmente a se identificar com narrativas e personagens.

O que ocorre é a fusão indireta do estilo jornalístico com o literário. “Trazer uma pessoa para mídia”, apresentando ele para a sociedade, com características facilmente aceitas pelo público, serve para atribuir credibilidade aos conteúdos midiáticos. Essa representação de comportamentos previsíveis intensifica os estereótipos sociais.

Um jornalista produz o seu texto de acordo com a ideia que ele faz de seu público e pensando na maneira como irá recebê-lo.  Assim, alguns indivíduos, integrantes de seu público, se identificam totalmente ou parcialmente com os personagens (enunciadores) de seu texto e com isso se tornam co-emissores de seu discurso (PINTO, 1999).

São pelo menos dois os movimentos que, interrelacionados, se somam na organização e funcionamento do discurso jornalístico: o relato dos acontecimentos tanto resulta da produção de leituras singulares (...) como implica a possibilidade de organizar, direcionar e agendar a leitura do público (...). (Cf. MARIANI, 1999:111).

Para Fausto Neto (2003), em relação à política o discurso da mídia é composto por estratégias enunciativas com poder de influenciar a opinião pública em relação à imagem de um candidato, construir cenários e até mesmo conduzir os resultados de uma eleição.

O discurso político somente pode ser difundido e se “fazer ouvir” através dos discursos da mídia.  Assim, o discurso midiático faz o discurso político existir. Sem a mídia, a política não poderia “se fazer pública”.

6. Metodologia

A pesquisa se divide em dois tipos de análise: descritiva e interpretativa. Na análise descritiva foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre abordagens enunciativas, análise do discurso, estudos semânticos e produção de sentido na mídia. Ao mesmo tempo também foi realizada uma pesquisa-qualitativa descritiva. A partir dos dados coletados, foram empregados os seguintes métodos e técnicas:

Métodos:

Fenomenológico
– Através da descrição direta da análise. A realidade é construída socialmente e entendida da forma como cada indivíduo a interpreta e a comunica. As considerações apresentadas neste trabalho traduzem um olhar parcial e subjetivo do pesquisador sobre a mídia analisada.

Técnicas:

Documentação indireta
Levantamento de dados (marcas textuais e estratégias discursivas) nos textos publicados na revista e também levantamento de dados (conceitos) nas referências bibliográficas que puderam embasar a análise proposta por este trabalho.

Observação
Essa observação se deu através de um olhar reflexivo e crítico sobre as marcações linguísticas encontradas, de forma explícita ou implícita, nos textos.

Análise de conteúdo
Classificação dos elementos de cada texto em categorias pré-estabelecidas com base nas teorias estudadas. Através da análise descritiva foi possível elaborar uma análise interpretativa dos diferentes conteúdos presentes em cada texto e ainda o apontamento da relatividade presente nos textos midiáticos, através da conexão entre discurso, subjetividade e contexto.

7. Discussão dos resultados

7.1. Análise descritiva - Descrição dos elementos textuais (marcas linguísticas) e análise de conteúdo

Revista Época – Edição Nº 576 – Editora Globo – 1º de junho de 2009

Nº da página da revista: 48-50

Título do texto: “A tendência é a vitória de Dilma”

Tipo de texto: Entrevista

Autores: Guilherme Evelin e Ricardo Mendonça

Conteúdo: Entrevista com o ex-deputado José Dirceu sobre a sucessão da presidência brasileira.

O próprio tema da entrevista exemplifica a preocupação da mídia em abordar o contexto político brasileiro atual, em específico o momento pré-eleitoral e o apontamento de possíveis candidatos. A entrevista ainda aborda a crise econômica mundial.

Já no título e na linha fina a mídia se utiliza da opinião do entrevistado para apresentar a tendência do país continuar sendo governado pelo mesmo partido, prevendo não somente a candidatura, mas também a vitória de Dilma Rousseff. Essa abordagem representa a construção do discurso através de especulações e fortes indícios de predictibilidade.

Título: “A tendência é a vitória da Dilma” (modalidade epistêmica em meio à asserção). A mídia prevê a vitória de Dilma utilizando-se de uma declaração do entrevistado, para credenciar a ele as responsabilidades por essa previsão.

Linha fina: O ex deputado diz que a ex-chefe da Casa Civil é favorita em 2010 porque o país não quer mudar de rumo (asserção – o entrevistado justifica sua previsão).

Antes de iniciar as perguntas e respostas segue um texto narrando o que fazia o entrevistado no momento em que concede a entrevista: “Ao receber Época, fazia três coisas ao mesmo tempo. Estava grudado no noticiário da TV sobre o câncer da ministra Dilma Rousseff, despachava com assessores assuntos de seu blog e se preparava para uma reunião...”.

Essa narrativa revela o posicionamento da revista em ressaltar que apesar do entrevistado estar sem mandato há quase quatro anos, o mesmo continua atento ao contexto político brasileiro e assim possui credibilidade para expor sua opinião sobre os temas discutidos. É o que revela trechos da própria narrativa referindo a José Sarney: “Atento aos bastidores de Brasília, procura mostrar entusiasmo com a candidatura de Dilma à Presidência, para qual, diz ele, não há alternativas”.

Uma das perguntas relaciona a crise econômica com a nova candidatura: “A crise econômica não atrapalha a candidatura da Dilma?”. Como resposta, ao invés de responder objetivamente se a crise pode influenciar na vitória de Dilma, o entrevistado, demonstra ser aliado ao governo atual (PT), respondendo que a crise já está acabando e cita informações de crescimento econômico no país. “Nós estamos saindo da crise....

Quando questionado novamente em relação à doença de Dilma o entrevistado responde assertivamente: “Não. O PT não piscou. Fez o certo. A Dilma é candidata. Não vejo nenhuma razão em mudar os planos por causa de um câncer....

Após outra pergunta a revista insisti e apresenta outra questão relacionada a doença de Dilma. Que tipo de impacto a doença de Dilma poderá ter no eleitorado? Essa questão apresenta uma modalidade epistêmica com alto teor de predictibilidade, prevendo que a doença terá impacto nas urnas, talvez até mesmo positivo.

Ao receber a pergunta negativa: “Por que o presidente não consegue convencer os próprios aliados?”, apresentada com base em diversas declarações de Lula que ele mesmo não quer o terceiro mandato, mas seus parlamentares continuam a insistir no assunto, José Dirceu responde de forma positiva.

O entrevistado ainda declara: A maioria dos eleitores não condena o terceiro mandato, porque o terceiro mandato, se aprovado pelo Congresso, não será inconstitucional...”, deixando a entender, que a hipótese de um terceiro mandato ainda não foi totalmente descartada. No fim da resposta o entrevistado revela de forma subjetiva que se o terceiro mandato não acontecer será por pura estratégia: “O problema é outro: nós não devemos fazer isso”.

Mediante a essa declaração a revista questiona e o entrevistado foge dizendo que o terceiro mandato não interessa para o país e para a democracia, sem revelar os reais motivos que o terceiro mandato de Lula não interessa para o partido (PT).

7.2. Análise interpretativa

Levando em consideração a análise descritiva dos elementos textuais que caracterizam o posicionamento político e econômico da mídia em estudo, pretende-se agora, através de uma análise interpretativa, entender como essa produção de sentido está relacionada com as práticas sociais.

A comunicação pode ser entendida como o processo social de sentido. Ela é realizada através dos discursos, da subjetividade e do contexto em que é aplicada. Nesse sentido, a mídia tem o poder de abrir espaço para posições concordantes com seus interesses e, ao mesmo tempo, silenciar outros posicionamentos divergentes com suas ideologias.

Outra abordagem bastante utilizada é a especulação, quando os jornalistas – especialistas na formação da opinião pública – agem como “agenciadores de apostas”, transmitindo interesses e convicções particulares ao leitor.

Dentro da parte de política é comum observar matérias sobre acusações, conflitos, e negociações diplomáticas. Já na parte de economia, atualmente são comuns textos relacionados à crise financeira mundial e seus reflexos.

De acordo com o contexto político atual, o enquadramento da temática política, em âmbito nacional, se dá através da cobertura de previsões em relação aos possíveis candidatos a presidência do Brasil nas eleições de 2010.

A pré-candidatura de Dilma Roussef está sendo articulada pelo ex-ministro José Dirceu (tema explorado com destaque pela revista, já que José Dirceu aparece na seção de entrevista). A vida pessoal da candidata também é um tema bastante explorado, inclusive especulando se isso poderia atrapalhar ou ajudar sua vitória nas urnas. Durante a entrevista duas questões foram reservadas e direcionadas para a doença que Dilma.

A prática dos veículos de comunicação de evidenciar as referências individuais, através de estereótipos e da exploração de detalhes pessoais, inclusive de imagens, faz com que o público se reconheça e se inspire nos modelos de personagens apresentados, ou que o público rejeite o personagem e mantenha uma visão negativa sobre ele.

Porém, essa especificidade midiática é ilusória, uma vez que o mundo apresentado pelo discurso da mídia, na verdade é um conjunto de padrões pré-estabelecidos com base em interesses particulares e convenções sociais implantadas talvez pelo capitalismo, e que em nada representam a verdadeira singularidade social (FOWLER, 1994).

Em períodos não eleitorais é comum que esse enquadramento seja feito através de notícias que ressaltem as intenções e ações de indivíduos ou grupos políticos que pretendem ostentar ou se manter no poder. Neste momento são apresentadas ao leitor (que também é eleitor) as diferentes propostas dos candidatos com o objetivo de que este possa “escolher” qual é o mais apropriado.

Nesta fase, a mídia tende a fornecer informações sobre os candidatos para direcionar a escolha do eleitor. Mas, será que é mesmo o eleitor quem escolhe? Ou essa escolha seria feita pela mídia através do direcionamento de seu discurso?

Em âmbito mundial, a cobertura política é enquadrada através do início do governo de Barack Obama e o reflexo de suas ações para o mundo, sobretudo para a América Latina e em especial para o Brasil. Conflitos diplomáticos também são explorados. 

Na temática econômica, assim como em âmbito nacional, é visível a influência da crise econômica na seleção de conteúdos e nos enquadramentos escolhidos.

8. Considerações finais

Todo fenômeno social é constituído por ato, retorno, atividades, significados, participação, relação e situações. Considerando a relação entre jornalista e leitor, que foram tratados nesta análise como enunciador e co-enunicador, a atividade é exatamente a ação (atitude) do jornalista em redigir o seu discurso (ou seria o jornalista que redige o discurso do veículo e não dele propriamente?). Já o ato consiste na decisão/ação do leitor em ler o texto.

O significado pode surgir na troca de ideias (mesmo que a distância) entre jornalista que dissemina seu discurso e o leitor que o interpreta de maneira particular. A participação é a adaptação dos sujeitos ao processo geral que se desenvolve. O jornalista escreve – nesse contexto ele tem o poder de escrever o que quer e o que pensa, ou então, o que o veículo quer e deseja.

Já o leitor lê – assim ele tem o poder de interpretar da forma como pensa, ou da forma como foi induzido e ensinado a pensar ao longo dos anos sendo manipulado pelos meios de comunicação. A relação é o relacionamento intrínseco entre jornalista e leitor. Já a situação é o grupo de leitores e jornalistas inseridos em um contexto histórico, político e socioeconômico já pré-estabelecidos pelas práticas e relações sociais, sobre as quais se busca produzir sentidos, significados e interpretações.

Porém, quando pensamos nos sentidos que a construção do discurso da mídia produz na mentalidade dos leitores é preciso levar em conta que de acordo com o tipo de público atingido as mensagens provocam reações e pensamentos diferentes. Essa ocorrência é determinada pela capacidade crítica de cada grupo de leitores. Diversas categorias de público são ideologicamente independentes e demonstram capacidade de reinterpretar o conteúdo das mensagens.

Nessa linha de raciocínio, acredito que a mídia, ao produzir seu discurso, tem em mente qual o tipo de leitor (público-alvo) irá atingir de forma que suas posições ideológicas sejam “compradas”. Arrisco em dizer que este tipo de público ao comprar uma revista, compra na verdade o posicionamento daquela mídia em específico.

Um público crítico, antes de concordar com as mensagens transmitidas por uma única revista, procura opiniões diferentes em outras revistas e até em outros veículos, para assim poder compará-las e formular seu próprio posicionamento.

Esta análise limita-se em interpretar o discurso da mídia pesquisada (Revista Época), sem a preocupação de definir para ela um posicionamento político e econômico único e sem a pretensão de provocar mudanças no processo de construção de seu discurso. A intenção é exemplificar através desta análise subjetiva como os discursos da mídia são construídos e, dessa forma, estimular o pensamento crítico em relação à leitura de textos midiáticos.

Em um plano geral, as mídias jornalísticas podem superar o papel negativo que normalmente desempenham na democracia através de uma cobertura política e econômica com maior responsabilidade social. Os próprios meios de comunicação possuem um grande potencial para incentivar mudanças de paradigmas e motivar o pensamento crítico na população, como a participação política. Isso poderia acontecer através de interações entre os meios de comunicação e a sociedade. Democracia é a participação popular.

Com a análise dos textos foi possível observar que a revista Época, na parte de política possui matérias sobre acusações, conflitos, e negociações políticas. Já na parte de economia são comuns textos relacionados à crise financeira mundial e seus reflexos.

Para a realização de uma pesquisa mais aprofundada e que pudesse definir com maior embasamento de dados o tipo de discurso (posicionamento editorial em relação ao contexto político e econômico atual) da Revista Época seria necessário a realização deste estudo em um prazo estendido e em um número maior de edições da revista, comparando os discursos de cada uma, a fim de encontrar posicionamentos permanentes ou repetitivos.

Tomando como base essa única amostra analisada foi possível observar que a revista possui enfoques que direcionam a opinião do leitor sobre os temas abordados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral I. Campinas: Pontes Editores, 1988.

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CERVONI, J. A enunciação. São Paulo: Ática, 1989.

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*Rodrigo Carvalho da Silva é comunicador social com habilitação em jornalismo e pós-graduado em comunicação mercadológica pela Universidade Estadual Paulista (UNESP).

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 13 | Outubro | 2010
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