Outubro de 2010
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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DOSSIÊ: 60 ANOS DA TV BRASILEIRA

“Expressão Nacional”:
O debate público como função
da comunicação pública

Por Antonio Teixeira de Barros e Cristiane Brum Bernardes*

RESUMO

Estudo de caso sobre a participação popular no programa “Expressão Nacional” da TV Câmara. Trata-se de um dos mais importantes da grade da emissora com o objetivo de promover o debate sobre temas de abrangência nacional relacionados com a atuação do Poder legislativo. O estudo é baseado na premissa de que o debate público é uma das principais funções da comunicação pública.

Reprodução

A análise de conteúdo compreende o período de 2004 (quando o programa foi criado) até junho de 2009, totalizando 175 edições do “Expressão Nacional”, com a participação de 4.616 cidadãos. Em uma análise inicial, o tema de maior interesse dos telespectadores é a política interna, representada por assuntos sobre o processo legislativo, o funcionamento do Congresso e questões relacionados à vida partidária no país.

Conclui-se que os dados referentes à participação do público, apesar de relevantes, ainda são pouco explorados pela emissora. Sugere-se maior ênfase às políticas de estímulo à participação dos telespectadores, a fim de fortalecer a política editorial da emissora, em conformidade com seu projeto de comunicação pública.

PALAVRAS-CHAVE: TV Câmara / Poder Legislativo / Comunicação Pública

1. Introdução

Um dos princípios básicos da comunicação pública é a liberdade de expressão dos públicos, o que deve incluir o direito de expressar e receber informações e opiniões (FERRY, 2002). Com base nesse pressuposto é que se justifica um estudo de caso sobre o programa “Expressão Nacional”, produzido e veiculado pela TV Câmara, [1] emissora da Câmara dos Deputados.

Criado em 2004, o programa é um dos mais expressivos da grade da emissora no que se refere a promoção do debate público sobre temas de abrangência nacional relacionado com a agenda do Poder Legislativo, especialmente da Câmara dos Deputados. A principal razão para escolha do referido programa como objeto de estudo é o fato de ser o único da grade com participação dos telespectadores, por meio do serviço 0800 da instituição. [2]

Além disso, em sondagem realizada em agosto de 2009 com os usuários do serviço, o programa foi o mais citado pelos respondentes em questionário que indagava se o cidadão lembrava-se do nome de algum programa exibido pela TV Câmara, com 19.1% de citações. Em segundo lugar ficou outro programa de debates, o “Brasil em Debate” (14,4%). No cômputo geral, os programas de debates são os mais lembrados pelo público. [3]

É interessante destacar que as produções com debates e entrevistas ocupam 24,5% do total semanal da grade, ou seja, 41h15 por semana num total de 168 horas semanais. O maior tempo é destinado à transmissão das sessões do Plenário e das Comissões, com quase um terço do total semanal de horas de programação da emissora (27,9% ou 47h), seja ao vivo ou gravado. O noticiário representa (19,3% ou 32h30), seguido dos programas culturais (15,7% ou 26h30) e os documentários (10,8% ou 18h15).

Transmitido ao vivo, às terças-feiras, em horário nobre, às 21h30, o debate semanal reúne quatro convidados, dos quais dois são parlamentares, um representa o Poder Executivo e o outro a sociedade civil. Com essa composição, o objetivo é apresentar diversidade de opiniões.

A iniciativa pretende ampliar o escopo de análises e interpretações sobre os fatos, a fim de oferecer a seus públicos diversidade de enquadramentos e enfoques sobre os temas discutidos no Parlamento, inclusive com pluralidade de visões externas, para evitar que o debate seja entendido como mero prolongamento dos discursos parlamentares ou como estratégia de conexão eleitoral apenas.

O estudo de caso (YIN, 2005) foi combinado com a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 1977), recurso metodológico que permite o inventário dos temas dos debates organizado em categorias temáticas abrangentes, uma vez que o corpus do estudo compreende 174 edições do programa, exibidas no período de 26/11/2004 a 30/06/2009.

Os procedimentos e critérios de análise serão detalhados no item 4, que apresenta os resultados da pesquisa. Antes são discutidos aspectos como a relação entre debates públicos e comunicação pública; a questão da interatividade; e como esses elementos são contemplados na política editorial da TV Câmara.

2. O debate como função da comunicação pública

A comunicação pública começou a ser discutida há cerca de 30 anos. Entretanto, ainda não há consenso sobre o seu conceito. Elizabeth Brandão (2007) analisa a dificuldade de conceituação do termo no Brasil e relaciona cinco áreas diferentes de conhecimento e atividade profissional envolvidas:

1) comunicação organizacional;

2) comunicação científica;

3) comunicação governamental;

4) comunicação política;

5) e comunicação comunitária.

Brandão resume as diferentes formulações numa tentativa de síntese da comunicação pública como “um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a sociedade com o objetivo de informar para a construção da cidadania” (Cf. BRANDÃO, 2007:09). Ou seja, a comunicação pública vai além da atividade praticada pelos órgãos governamentais. [4]

A transparência e a participação democrática na gestão dos sistemas públicos de informação são apontados por Zémor (1995) como pilares da comunicação pública.

São, portanto, os dois pré-requisitos para o pleno funcionamento desses sistemas, pois, tratam-se das colunas necessárias para garantir o interesse geral. Sem a legitimidade do interesse geral, não é possível falar em comunicação pública. Essa ênfase no interesse geral é justificada pelo autor pela natureza dos serviços públicos de informação, cujo domínio público deve ultrapassar a esfera do Estado ou da instituição que produz os conteúdos.

Como se trata de uma comunicação que se situa no espaço público, o olhar do cidadão é mais relevante do que o controle do Estado. Neste pressuposto Zémor sustenta o argumento de que assegurar o interesse geral implica, necessariamente, transparência.

Segundo Zémor (2009), uma das principais funções da comunicação pública é promover e fomentar o debate público, a fim de oferecer alternativas aos modelos midiáticos baseados no pensamento único, nas dicotomias de pensamento e nos enquadramentos opinativos predeterminados por jornalistas, editores e proprietários dos veículos privados de comunicação.

Os debates públicos são defendidos por ele como elemento fundamental para o fortalecimento da esfera pública, entendida como um espaço no qual as demandas e reivindicações se exteriorizam. A comunicação é um elemento indispensável para a existência dessa esfera pública. Em sua visão, portanto, o debate público não apontará a decisão, apenas fará a concertação. “A prática participativa aumenta a democracia”, complementa.

Ouvir as demandas, as expectativas e as interrogações do público, segundo Zémor, deve ser a função primordial da comunicação pública. Além disso, a comunicação pública serve também para:

a) informar adequadamente o público, o que implica levar ao conhecimento da população noticiário abrangente e contextualizado, além de prestar contas sobre os serviços prestados pela instituição e valorizar a cultura dos receptores;

b) contribuir para assegurar e fortalecer as relações sociais (sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência do cidadão enquanto ator social e político);

c) acompanhar as mudanças, tanto as comportamentais quanto as da organização social;

d) alimentar o conhecimento cívico.

Jorge Duarte também ressalta esse caráter participativo do receptor da comunicação pública ao ressaltar que “comunicação não se reduz à informação”, mas, ao contrário, “é um processo circular, permanente, de troca de informações e de mútua influência” (DUARTE, 2009).

Por esse caráter democrático da comunicação pública, o autor sugere quatro eixos centrais de ação para os agentes que lidam com o interesse público:

1) Transparência – atuação responsável no trato da coisa pública;

2) Acesso – sociedade precisa obter informações com facilidade;

3) Interação – criação, manutenção e fortalecimento de comunicação e diálogo;

4) Ouvidoria social – interesse em conhecer e compreender a opinião pública.

Para estimular o debate público, é fundamental uma perspectiva interativa da comunicação. Zémor destaca, em relação à comunicação pública, exatamente a complexidade da relação com o cidadão receptor. Segundo sua análise, na comunicação pública o cidadão é um interlocutor ambivalente.

Enquanto eleitor, o usuário do serviço público detém o poder de decisão junto a seu fornecedor, pois é do legislador, do executivo federal, estadual ou municipal que vem a autoridade e a legitimidade política das decisões tomadas pelos representantes do poder público.

É, portanto, deste estatuto de co-decisor que provém a ambivalência, talvez mesmo a ambiguidade, do usuário dos sistemas públicos de comunicação. A relação colocada com o cidadão pelos serviços públicos não tem a simplicidade da relação comercial ou a clareza da relação contratual. Na verdade, é a característica ativa do receptor que estabelece a comunicação.

Na visão de Pierre Zémor, portanto, a missão da comunicação pública não se resume a informar o público, mas também a aproximar as instituições públicas da sociedade e do cidadão. Para isso, as organizações devem, em sua avaliação, desenvolver campanhas de informação e ações de comunicação de interesse geral, a fim de tornar conhecidas as instituições. Em suma, a comunicação pública, em linhas gerais, é aquela que se volta para o interesse público, não só ao oferecer informações, mas sobretudo, ao captar e atender às demandas deste mesmo público.

É preciso, contudo, fazer algumas considerações sobre a programação televisiva de forma geral e, mais especificamente, sobre o gênero “debate” antes de prosseguirmos. Como ressalta Souza (2004), emissoras com pouco poder financeiro têm neste tipo de produção uma opção vantajosa, pois o debate não exige grandes investimentos, além do cenário e do transporte dos convidados (Cf. SOUZA, 2004:143).

O número de convidados pode determinar o tipo de programa, além de abrir a possibilidade de diversificar os temas numa mesma edição, mas não é esse o caso do “Expressão Nacional”, que se limita a um tema por edição.

O diretor do programa, Clauder Diniz, [5] menciona, a esse respeito, uma dificuldade que foi comum durante algum tempo, mas já solucionada: o limite de gastos com passagens pela emissora inviabilizava, muitas vezes, a participação de convidados especialistas em certos assuntos ou representativos de grupos sociais importantes. “Precisamos trazer pessoas de qualquer lugar do país.

O programa chama-se “Expressão Nacional”, não pode ficar restrito a convidados do Distrito Federal”, comenta. Ainda que o problema orçamentário tenha sido resolvido, os produtores reclamam que a burocracia envolvida nos procedimentos da Câmara dificulta, muitas vezes, o convite a alguns especialistas localizados pela equipe em cima da hora.

Patrick Charaudeau (2007), por outro lado, alerta que as próprias mídias reivindicam o papel de esclarecimento da opinião pública para o debate televisivo. Na opinião dele, entretanto, tal gênero de produção apresenta um “simulacro de troca democrática, porque exclui das mídias os sem-nome e entroniza os que aí se encontram convocados, criando uma censura pela ausência” (2007:259-260).

O autor ressalta que o debate constitui um “acontecimento provocado”, pois é completamente organizado e gerenciado pela instância midiática, definidora do tema, do formato de apresentação, dos convidados e das perguntas que serão feitas (Cf. CHARAUDEAU, 2007:218). Isso significa que tanto os convidados quanto o apresentador têm um papel específico a desempenhar para a manutenção da polêmica, o grande atrativo para o público.

Charaudeau acredita, portanto, que “o debate – particularmente o debate televisionado – é mais uma máquina de fabricar espetáculo do que de informar o cidadão” (2007:221).

3. A política editorial da TV Câmara e os pressupostos da comunicação pública

Em alguns poucos estudos realizados sobre os veículos de comunicação legislativos, especialmente no Brasil, os canais e emissoras são vistos como “um instrumento auxiliar” no processo de construção da efetiva participação popular na política (Cf. RENAULT, 2004:136). Tais veículos seriam “potencialmente” importantes para a ampliação das práticas democráticas (JARDIM, 2006) ou mesmo instâncias essenciais na produção legislativa atual (COOK, 1989).

Um ponto em comum nos estudos sobre os veículos de comunicação legislativos é a percepção de que o funcionamento de tais veículos introduz modificações significativas no próprio processo de produção legislativa (COOK, 1989; FREITAS, 2004; RENAULT, 2004; SANTOS, 2005).

Seja na maior presença dos parlamentares no plenário e nas reuniões de comissões, seja no aumento do tempo dos discursos, na maior quantidade de falas, na contratação de mais profissionais de imprensa, ou na simples preocupação com o visual e com a oratória adequada aos meios eletrônicos.

Além disso, alguns estudos também apontam que a cobertura dos veículos legislativos “quebrou o monopólio da mídia comercial na definição da agenda pública" (Cf. SANTOS, 2005:23) e levou para a casa dos cidadãos informações em tempo real e mais detalhadas sobre o funcionamento do Parlamento (Cf. RENAULT, 2004:132).

Apesar do potencial democrático, contudo, outras análises já apontam as dificuldades institucionais para realização da comunicação pública nos veículos legislativos, tais como o modelo de gestão e o perfil da programação (JARDIM, 2006), além das dificuldades inerentes aos gêneros televisivos, como citamos acima.

Na Câmara dos Deputados, um esforço reflexivo por parte dos servidores da Secretaria de Comunicação (Secom) levou à elaboração de um Manual de Redação dos veículos em 2004. No documento, uma das funções primordiais dos veículos é “contribuir para que os segmentos organizados da sociedade brasileira possam participar ativamente das decisões tomadas pelos parlamentares” (Cf. MALAVAZI, 2004:24).

A conexão com a comunicação pública é explicitada no Manual, pois esta surge para levar à população informações relevantes que são relegadas ao segundo plano pela mídia comercial. Exatamente a função a que se propõem os veículos da Câmara. O Manual diz, ainda, que os veículos da Câmara:

(...) pertencem à categoria de comunicação pública por estarem vinculados à instituição, mas principalmente por subordinarem seu trabalho cotidiano ao conceito de público: pertencente, destinado ou relativo ao povo, à coletividade; aquilo que é do uso de todos, de uso comum; aberto a quaisquer pessoas, conhecido de todos, manifesto, notório. (Cf. MALAVAZI, 2004:25-26).

Apesar do discurso oficial do Manual de Redação, alguns estudos percebem que a intenção política que subsidiou a criação dos veículos de comunicação do Legislativo brasileiro não foi somente voltada para a população. Como afirma Santos, os veículos legislativos são “mecanismos institucionais que foram criados com o objetivo de resgatar, ampliar ou aperfeiçoar o caráter de representação política” do Parlamento (2005:03).

Criada em 1998, a TV Câmara faz parte desse projeto mais amplo de comunicação institucional da Câmara dos Deputados, com rádio, TV, jornal impresso e agência online de notícias, como já abordado. Esse sistema baseia-se no princípio constitucional de que o cidadão tem direito à publicidade dos atos, decisões e demais atividades legislativas. Afinal, em tese, o trabalho de toda instituição pública deve ser acessível à sociedade.

Embora sejam veículos institucionais, o projeto editorial da Câmara dos Deputados enfatiza aspectos da comunicação pública como metas para seus veículos, tais como o alinhamento com o interesse público e a ênfase ao interesse social dos assuntos em debate na Casa (Cf. MALAVAZI, 2004:31). Esses critérios gerais também se aplicam à TV Câmara, cuja função prioritária é transmitir, ao vivo, as sessões do Plenário. O objetivo da emissora é ampliar a divulgação da atividade parlamentar e atingir o máximo de cidadãos.

A programação que veicula deve refletir a diversidade do País (...) e deve abranger tanto os assuntos cobertos pela grande imprensa quanto o que não é abordado pelo esse segmento. Sua linha de trabalho deve observar o critério jornalístico, com o diferencial de que procura uma cobertura mais aprofundada, mais completa. O apartidarismo não significa alheamento quanto às atividades dos partidos. Eles recebem cobertura segundo critérios jornalísticos, com acompanhamento das negociações, decisões e acordos firmados que terão reflexo sobre o dia-a-dia do Parlamento. (Cf. MALAVAZI, 2004:32).

Com sua programação, a TV Câmara pretende ampliar o escopo dos temas discutidos sobre o Parlamento na sociedade brasileira. A abertura promovida pelas casas legislativas através dessas iniciativas de comunicação é considerada por alguns especialistas como uma mudança nas regras do jogo político, com potencial de aumentar a interlocução do Poder Legislativo com a sociedade civil e de aumentar os graus de accountability e de responsiveness dessas instituições (ANASTASIA, 2001; RENAULT, 2004).

Como afirma um dos profissionais envolvidos na produção jornalística da emissora, a respeito da importância dos debates na instituição:

Quando se fortalece o jornalismo aqui dentro da Câmara dos Deputados, a partir de 1998 e, especialmente, a partir da Agência Câmara de Notícias, os jornalistas voltaram a prestar a atenção no que acontecia nos corredor das comissões, que é o verdadeiro coração da Câmara dos Deputados. Pauta-se muito o conteúdo produzido aqui dentro, porque aqui dentro se produz conteúdos que interessam a todo mundo. Não um ou outro assunto, mas praticamente todos os assuntos. A Câmara tem uma formação tão plural, que nós vemos tratados aqui assuntos de uma diversidade muito superior ao que você vai ver na maioria dos Parlamentos do mundo. (...) E veja bem, não seria nem desejável que um país ficasse votando muitas leis, mas a multiplicação de projetos de lei é a multiplicação do debate. Por exemplo: o casamento homossexual nunca aconteceu, mas o debate que houve desde a apresentação do projeto, em 1997, se eu não me engano, pela Marta Suplicy, e depois o relatório do Roberto Jefferson, ele não mudou a lei, mas ele mudou a jurisprudência. Hoje a justiça aceita, as empresas já colocam isso como benefício, por que o debate promove as mudanças. Mais do que fazer leis, eu acho que o papel do Congresso é o debate. E, nesse sentido, o jornalismo é um setor fim da atividade do Legislativo, uma atividade fim, não uma atividade meio. [6]

Com base no pressuposto de dar divulgação às atividades do Parlamento, a TV Câmara produz alguns programas em que a participação dos telespectadores é solicitada e incentivada. O programa "Participação Popular" é uma produção semanal em que pessoas da sociedade vão ao estúdio da TV Câmara e debatem projetos de relevância para o cidadão com dois deputados.

O “Câmara Ligada”, voltado para o público jovem, é um programa de auditório com a presença de estudantes do ensino público do Distrito Federal. Nele, um deputado discute com os jovens e com os convidados artísticos – geralmente uma banda ou cantores – um tema ligado aos problemas dos jovens.

Outra produção com esse viés participativo é o “Expressão Nacional”, em que o cidadão participa ao vivo e pode enviar perguntas por e-mail ou pelo telefone gratuito da Câmara.

Esse programa é, portanto, um exemplo emblemático da política editorial da emissora e constitui o foco de análise deste artigo, por integrar uma estratégia de interatividade característica do que podemos denominar comunicação pública.

4. O programa “Expressão Nacional”
           
Conforme esclarece o texto de divulgação institucional na página da TV Câmara, o programa “Expressão Nacional” é um

(...) debate ao vivo, com a participação do cidadão, sobre os principais temas em discussão na agenda do Congresso Nacional. A oportunidade para que deputados, sociedade civil organizada e Executivo debatam as soluções para os problemas do país. A população participa com perguntas por meio do telefone 0800-619619 (ligação gratuita) ou pelo e-mail expressaonacional@camara.gov.br.

Apesar da emissora ter alguns programas de auditório, com a participação de cidadãos, e de todas as produções receberem mensagens eletrônicas dos telespectadores, o “Expressão Nacional” é o único programa em que as pessoas que não estão nos estúdios podem participar diretamente, com perguntas e reflexões sobre o assunto veiculadas ao vivo, enquanto a produção está no ar.

De certa forma, é a única chance de participação direta que os cidadãos brasileiros que não vivem no Distrito Federal têm na emissora. Por isso, a importância estratégica da produção na grade de programação da TV Câmara.
           
Em sondagem realizada em agosto de 2009 pela equipe da Seção de Atendimento ao Cidadão (vinculada à Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados), verificou-se que o programa é o mais lembrado pelos cidadãos que responderam espontaneamente à pesquisa, conforme informado anteriormente. Este fato, aliado à peculiaridade da produção ser a única com espaço para o cidadão de todo o Brasil opinar ao vivo, justifica a importância de uma análise detalhada do programa.

Atualmente, quatro pessoas trabalham para o programa ao ar: diretor, produtor, apresentadora e editor de reportagens. O programa, de três blocos de 18 minutos, leva ao estúdio dois deputados – com posições divergentes e de partidos diferentes, um representante do Executivo e um representante da sociedade civil.

O primeiro bloco começa com uma reportagem que apresenta o tema, para início da discussão e apresentação dos convidados. No segundo bloco, sonoras ou informações sobre o assunto introduzem um outro aspecto da discussão. No terceiro bloco, os convidados respondem às questões enviadas pela população. As perguntas são enviadas por e-mail, diretamente para a produção, ou por telefone. As ligações gratuitas são atendidas pela equipe do Serviço de Atendimento ao Cidadão, pelo 0800, e enviadas por correio eletrônico para a produção do programa.

O programa está no ar desde novembro de 2004, sempre com periodicidade semanal. Apresentado semanalmente, ao vivo, na terça-feira à noite, o “Expressão Nacional” discute temas polêmicos que estão na pauta de votação da Câmara. O debate se dá entre dois deputados que defendem pontos de vista diferentes, um representante do Executivo e um representante da Sociedade Civil. Os questionamentos da população são respondidos ao vivo pelos participantes do programa.

Segundo o diretor da produção, Clauder Diniz, a produção foi formatada para ser exibida nas sextas-feiras pela manhã. Logo no primeiro ano, contudo, começaram a ser feitas sessões de debate e solenes no Plenário neste horário. Como a exibição ao vivo do Plenário tem prioridade sobre qualquer programa na emissora, o “Expressão Nacional” passou para as noites de terça-feira. Até 30 de junho de 2009, período escolhido para esta análise, foram 175 edições, que receberam, no total, 4.613 ligações de telespectadores atendidos pela Seção de Atendimento ao Cidadão da Câmara (Serviço 0800). Os números da Tab. 1 revelam uma média de 26,4 ligações por programa.

Número de Programas Atendidos pela Central
174
Total de Participação Popular
4613
Média de participações populares por Programa
26,4
Tab. 1. Total e média de atendimentos desde 2004.

Mas essa média de participação por programa muda de ano para ano (Tab. 2). Apesar de estrear no mês de novembro, quase no final do ano, o “Expressão Nacional” teve uma boa participação em 2004. Naquele ano, em média 32,5 telespectadores participaram em cada edição. O número caiu levemente nos dois anos seguintes, para 31,96 em 2005 e 28,32 em 2006, tornando a subir para 32,46 em 2007. Em 2008, contudo, a participação média por edição caiu para 17,96 ligações, total que se manteve praticamente igual no primeiro semestre de 2009 (17,95).

Ano
Número de programas
Número total de participações
Média de participações
por programa
2004*
4
130
32,50
2005
31
991
31,96
2006
37
1048
28,32
2007
41
1331
32,46
2008
42
754
17,96
2009**
20
359
17,95
TOTAL
175
4.613
Tab. 2. Média de participação desde 2004.
*Programa começou a ser veiculado em 26 de novembro de 2004.
**Até 30 de junho de 2009.

Segundo o diretor, a participação do público é realizada, prioritariamente, por telefone. Poucas mensagens chegam diretamente pelo e-mail. Todas as perguntas não respondidas durante o programa são encaminhadas aos participantes para que sejam atendidas posteriormente. Clauder Diniz explica que, nos casos em que há pouca participação dos telespectadores, a produção também elabora perguntas para os convidados, com colaboração, inclusive, dos técnicos que atuam na emissora.

Muitas vezes, o programa acaba sendo exibido ao vivo apenas pela internet. Isso ocorre nos dias em que a sessão do Plenário se estende além do horário habitual (21h). Nessas situações, o “Expressão Nacional” é gravado e exibido posteriormente na emissora. Nestes casos, segundo o diretor, a participação do público é bastante reduzida. Em casos extremos, o último bloco acaba ficando mais curto.

Ele informa ainda que um objetivo futuro da equipe é que as perguntas dos cidadãos possam ser respondidas já no segundo bloco do programa. Isso ainda não ocorre, segundo Diniz, por conta da logística do setor de atendimento. “Eles recebem a ligação por telefone, escrevem a pergunta do cidadão e o texto é revisado por outra pessoa antes de ser enviado para a produção. Acabam chegando apenas no final do segundo bloco”, explica.
           
Analisando os dados sistematizados pela Seção de Atendimento ao Cidadão, percebe-se que a participação do público é bastante variável em relação aos programas. Pode oscilar entre 0 (zero), ou seja, nenhuma ligação ou e-mail, até 130 telefonemas para o Serviço 0800, o recorde de participação computado nos quase cinco anos analisados. Agrupando os dados referentes à participação do público em cada edição, percebemos que quase a metade das produções, ou 46,38% delas, recebeu entre 10 e 29 ligações.

O segundo maior percentual diz respeito aos programas que recebem entre 30 e 49 participações, com 22,86%. Apenas 13,14% das edições receberam 50 ou mais telefonemas e 17,72% não alcançaram a marca de 10 ligações. É preciso enfatizar que apenas um programa não recebeu nenhuma ligação.

Número de participações
Número de programas
Percentual de programas
Menos de 10
31
17,72%
Entre 10 e 19
46
26,28%
Entre 20 e 29
35
20%
Entre 30 e 39
27
15,43%
Entre 40 e 49
13
7,43%
50 ou mais
23
13,14%
Tab. 3. Proporção de programas e ligações.

Segundo o diretor do programa, a pauta é escolhida por ele próprio, em discussão com os demais profissionais da emissora na reunião semanal de pauta, e sempre enfoca temas de abrangência nacional que envolvam também a participação do Executivo (além dos debates no Poder Legislativo). Em relação aos temas abordados, verifica-se que eles seguem, não com exatidão cronológica, o que o Plenário da Câmara coloca em votação ou em discussão.

Ou seja, o programa mostra a pauta da Câmara e os temas que mobilizam os discursos dos parlamentares. Como ressalta o diretor, os temas do programa têm uma dimensão mais conceitual, não há um enfoque de questões práticas, como é feito em outras produções da emissora. A participação do público varia de acordo com esses temas que são mobilizados. Assim, assuntos polêmicos, que estão sendo tratados pelo restante da mídia, geralmente recebem mais atenção do público.

Mas isso não é regra fixa. O recorde de participação ocorreu no programa do dia 10 de julho de 2007, que trouxe o tema “Arlindo Chinaglia e o Primeiro Semestre de 2007”. Naquele dia, 130 ligações de telespectadores foram recebidas pelo 0800 para comentar ou perguntar sobre as realizações do presidente da Câmara à época.

Provavelmente, tal abordagem não tenha sido apresentada em outros veículos de comunicação, o que mostra o diferencial que as mídias legislativas têm, inclusive junto ao público, por tratarem com profundidade temas relativos ao Poder Legislativo.

Clauder Diniz ressalta ainda que o programa foi exibido no mesmo dia e horário em que a seleção brasileira de futebol decidia uma vaga para a final da Copa América contra o Uruguai. “Achamos que ninguém ia ligar, porque o programa foi ao ar na mesma hora do jogo, mas foi o nosso recorde de participação”, comemora.

No outro extremo, o recorde negativo aconteceu em 3 de março de 2005, uma quinta-feira, com o programa sobre “Promoção Social”. É de se destacar que o público, muito provavelmente, ainda não havia criado a identificação com o programa, criado poucos meses antes e interrompido durante o período do recesso de verão do Legislativo.

Pesa para isso o fato das mídias legislativas não realizarem campanhas de divulgação de suas produções em outras mídias, nem mesmo nos demais veículos da instituição. Apenas alguns anúncios da Agência Câmara são exibidos na TV Câmara e veiculados na Rádio Câmara, mas o contrário ocorre apenas raramente sob a forma de noticiário. Mesmo assim, o pouco apelo de um tema tão geral pode ter contribuído para que a edição tenha sido a única, em quase cinco anos de exibição do programa, a computar interesse zero do público.

Para avaliar quais os temas alcançam mais atenção do público, dividimos os assuntos tratados em oito grandes áreas: social, econômica, exterior, política, ambiental, segurança, saúde e educação. Alguns temas, obviamente, poderiam ser enquadrados ao mesmo tempo em mais de uma categoria temática.

Por exemplo, a discussão sobre o Plano Nacional de Educação, apesar de dizer respeito a uma área específica, também poderia ser categorizada como tema social ou político. Entretanto, para que não houvesse repetição dos assuntos em mais de uma categoria, resolvemos escolher aquela área que nos pareceu mais relacionada ao tema em questão.

Desse modo, a área social engloba assuntos das cidades, sobre minorias, questões culturais e de comunicação, direitos sociais, entre outros. A área econômica, além da economia propriamente dita, também inclui assuntos orçamentários e tributários.

O tema exterior contempla as discussões sobre fatos ocorridos em outros países e a relação do Brasil com eles. Política diz respeito aos temas do próprio Congresso, do Executivo e da organização política do país. O tema segurança inclui discussões sobre sistema carcerário, violência urbana e organização das forças policiais. Saúde, educação e ambiental são áreas típicas, que se explicam por si mesmas.

A partir dessa categorização, pudemos avaliar quais os temas privilegiados pelos produtores do “Expressão Nacional” nos quase cinco anos de existência do programa. Os dados são apresentados na Tab. 4.

Temas
Nº de programas
%
Político
49
28
Social
36
20,57
Econômico
36
20,57
Segurança
16
9,15
Exterior
11
6,29
Ambiental
9
5,14
Educação
9
5,14
Saúde
9
5,14
Tab. 4. Número de programas por tema.

Com base na análise dos dados, verifica-se que os temas políticos foram privilegiados pela produção do “Expressão Nacional”, com quase 30% das edições tratando dessa área temática.

As denúncias de grampos telefônicos, a impugnação de candidatos processados, o financiamento de campanha e uma série especial sobre as Eleições de 2006 são alguns dos exemplos de edições que trataram da política. Depois dessa área, temas sociais e econômicos dividem o segundo lugar em número de programas, com 20,57% das produções cada um.

Segurança, com 9,15% das edições, é outro assunto que merece destaque, além das edições dedicadas ao debate de questões de política externa, que chegam a 6,29% das produções. Meio ambiente, saúde e educação, com 5,14% das edições cada um, são os temas menos considerados.

Entre os 31 programas que não obtiveram 10 telefonemas do público, oito deles tratavam de temas sociais, enquanto outros oito discutiram questões econômicas. Cinco produções abordaram temas de política exterior, quatro de política interna, duas falaram de meio ambiente, duas de segurança, uma de saúde e uma tratou de educação.

No outro extremo, entre as 23 edições do “Expressão Nacional” que alcançaram maior interesse do público, nove trataram de temas políticos. Cinco programas abordaram temas sociais, outros cinco de segurança, dois de educação, um de saúde e um de economia. As áreas ambiental e exterior não estiveram presentes entre os programas com mais participações dos telespectadores.

Uma conclusão rápida que os números mostram é que a vocação do programa, definida por seus produtores, parece ser acertada. É preciso falar da política interna, especialmente de temas que tratam do processo legislativo e das condições de atuação do próprio Congresso Nacional.

Assuntos que, mencione-se, quase nunca são tratados em profundidade por outros veículos de comunicação. Assim, entre os 10 programas com maior participação de público, estão as edições que trataram do voto secreto no Plenário da Câmara, do Balanço do Ano Legislativo, do combate à corrupção e o já mencionado programa que trouxe como tema a atuação do ex-presidente Arlindo Chinaglia no primeiro semestre de 2007.

06/09/05
Política Pública de Saúde
62
14/11/06
Criação do Fundeb
63
28/03/06
Voto Secreto no Plenário da Câmara
64
30/08/05
Previdência Social
67
29/05/07
O Brasil ganha ou perde com os Bingos?
68
06/05/08
Mudanças na Aposentadoria
68
06/06/06
Segurança Pública
81
19/12/05
Balanço do Ano Legislativo
82
02/06/05
Combate à Corrupção
83
10/07/07
Arlindo Chinaglia e o Primeiro Semestre de 2007
130
Tab. 5. Programas com maior participação.

Por outro lado, entre os programas com menor participação dos telespectadores (Tab. 6), estão edições que trataram de economia, de direitos sociais, de meio ambiente e de assuntos que dizem respeito a alguns grupos organizados da sociedade, tais como os combatentes da malária ou o MST. Os dados podem levar a conclusão apressada de que tais assuntos não são de interesse público dos brasileiros.

03/03/05
Promoção Social
0
03/04/07
Legislação Trabalhista
1
08/11/05
Migração Ilegal
2
13/12/05
Salário Mínimo
2
27/01/09
Combatentes da Malária Pedem Reparação do Governo
2
24/03/09
Exploração das Florestas
2
12/02/08
Impostos no Brasil
3
02/06/09
O pior da crise já passou
3
04/07/06
Política Nacional de Esporte
4
29/04/08
A Reforma Agrária e o MST
4
Tab. 6. Programas com menor participação..

Para investigar as razões de tão pouca participação seria necessária, obviamente, uma avaliação mais profunda das condições de produção de cada uma das edições e, inclusive, das condições de recepção do programa pelos telespectadores.

Algumas questões que precisam ser respondidas, antes da conclusão de que tais temas não interessam ao público da TV Câmara são: O programa tinha convidados considerados atrativos pelo público? Havia alguma atração, nos outros canais televisivos, que tenha concentrado audiência naquele dia? Houve divulgação suficiente do tema durante a programação da emissora? O tema causou debate ou todos os convidados concordaram sobre o assunto e a polêmica foi limitada?

Essas são apenas algumas indicações dos aspectos relevantes sobre a audiência televisiva e revelam que uma conclusão, a esse respeito, pode levar as pesquisas a direções equivocadas. Mesmo assim, é interessante perceber que o interesse do público está concentrado nas questões internas ou diretamente relacionadas ao Parlamento.

Essa constatação abre uma pista importante sobre o papel das emissoras e demais veículos legislativos: a obrigação de transmitir informações aprofundadas sobre o processo legislativo e todas as circunstâncias que delimitam a prática política no país.

Em relação ao público, alguns outros dados também são importantes, como mostram as Tab. 7 e 8. Quase 75% dos participantes são homens, enquanto apenas 16,83% são mulheres. Aproximadamente 9% dos telespectadores não identificam o seu gênero na comunicação com o programa. Mais de 45% dos participantes são da região Sudeste do Brasil, enquanto a região Norte tem apenas 3,55% de participação.

De certa forma, este dado comprova que a emissora ainda não atinge a população que deveria ser o seu foco de atenção, aqueles com menor acesso aos veículos convencionais de comunicação e às demais fontes de informação. Ao mesmo tempo, os dados refletem a realidade demográfica do Brasil: as regiões onde há concentração populacional apresentam maior índice de participação.

A concentração na participação de moradores das regiões Sudeste e Sul – ambas respondem por 60,77% das participações dos telespectadores no “Expressão Nacional” – confirma as tendências de concentração de renda e escolaridade verificadas nestas duas regiões em relação as demais regiões brasileiras. Ou seja, pode-se concluir que os moradores dessas duas regiões não apenas têm maior acesso como também maior interesse pela programação da TV Câmara.

Gênero
Total de participantes
Percentual de participantes/gênero
Masculino
3435
74,42%
Feminino
777
16,83%
Não informado
404
8,75%
Tab. 7. Gênero dos participantes.

Região
Total de participantes
Percentual de participantes/ região
Sudeste
2127
46,08%
Nordeste
1096
23,74%
Sul
678
14,69%
Centro-oeste
545
11,81%
Norte
164
3,55%
Não-informado
6
0,13%
Tab. 8. Região dos participantes.

5. Conclusões provisórias

Nessa breve análise sobre o programa “Expressão Nacional”, pode-se perceber a importância de produções com caráter reflexivo na grade de programação de uma emissora de televisão legislativa, ainda que as considerações de Charaudeau sobre o debate não sejam desconsideradas em nossa análise.

Como ressalta o diretor do programa, Clauder Diniz, o objetivo da produção é “trazer temas nacionais para o debate entre os deputados, representantes do governo e da sociedade civil, abrindo espaço para a população opinar sobre os assuntos do Legislativo e que afetam sua vida”.

“A população vê a Câmara como algo distante, então o programa é um canal para aproximá-la da instituição, e a população quer participar. Percebemos que muitos telespectadores recebem o sinal por meio de parabólicas, no interior do Brasil”, avalia.

Para ele, jornalista concursado que atua na TV Câmara há 11 anos, o formato do “Expressão Nacional” é essencial em uma emissora pública. “O ‘Expressão Nacional’ ocupa um nicho importante na televisão brasileira, que é a função de debater, trazendo conteúdo reflexivo. Não temos como fazer apenas entretenimento na TV Câmara, nossa obrigação é formar cidadãos e, para isso, é preciso debater ideias”, argumenta.

Tal posicionamento é reforçado pelas análises de Pierre Zémor ou de Jorge Duarte, quando mencionam como principal função da comunicação pública a capacidade das ferramentas servirem para “ouvidoria social”. Isso significa, em última instância, que qualquer veículo público deve priorizar as estratégias que permitam ouvir as demandas, as expectativas e as interrogações do público.

É responsabilidade, portanto, das mídias legislativas como a TV Câmara promover a “interação”, o que nas palavras de Duarte significa a criação, manutenção e o fortalecimento da comunicação e do diálogo sobre temas de interesse público.

Especialmente os veículos mantidos pelo Poder Legislativo – que tem como tarefa primordial a representação da população – precisam ter como interesse principal conhecer e compreender a opinião pública. Acredita-se que o programa “Expressão Nacional”, apesar da audiência modesta, é uma boa ferramenta para isso.

Mesmo assim, os produtores acreditam que alguns pontos poderiam ser melhorados no programa. Um novo cenário, mais agilidade no atendimento e no repasse das perguntas da população para a produção, mais profissionais para incrementar as reportagens que iniciam a discussão são alguns dos pontos mencionados. São mudanças e melhorias práticas que poderiam ampliar a qualidade da produção.

Aliadas à abertura do sinal da emissora, prevista para ocorrer com a migração para o sinal digital, tais medidas podem significar mais audiência e, portanto, mais impacto do programa nas discussões públicas sobre assuntos relevantes para o país. O objetivo é ambicioso, mas não impossível de ser cumprido. Especialmente por uma emissora pública, mantida pelo Poder Legislativo federal.

É necessário considerar ainda que os debates públicos são fundamentais à democracia, mas existem dificuldades para a plena execução desse ideal. Em primeiro lugar, destacamos a falta habilidade de apresentadores e debatedores, sobretudo dos parlamentares, que tendem a polarizar a discussão, com os tradicionais “a favor” e “contra”, a exemplo do que ocorre nas votações em plenário e nas comissões.

Além disso, alguns parlamentares tendem a usar o espaço da TV institucional para reiterar as posições de seu partido ou defender suas opiniões pessoais, mesmo que não sejam relevantes para o debate proposto. Em segundo lugar, é necessário levar em conta a escassez de interesse da população em participar ativamente das discussões políticas, seja por telefone ou por e-mail.

Ademais, poucas pessoas se dispõem a assistir longos debates televisivos, com discussões aprofundadas, réplicas e tréplicas.

E, em terceiro lugar, é preciso ponderar sobre a falta de autonomia financeira da emissora para assegurar a participação de convidados de fora do Distrito Federal. Com uma política rigorosa de contenção de gastos em relação a atividades que não estejam atreladas diretamente ao gabinete dos deputados e ao exercício do mandato parlamentar, como já foi assinalado anteriormente pelo diretor do programa, a escolha dos convidados é limitada à facilidade de locomoção e à dispensa de gastos com passagens e hospedagem, o que dificulta a participação de especialistas de outros estados.

Uma última questão, discutida por muitos autores, diz respeito ao próprio modelo do debate, tanto parlamentar, quanto televisivo. Nancy Fraser (1992), por exemplo, questiona o conceito de esfera pública de Habermas. Para Fraser, a ideia da esfera pública, conforme desenhada por ele, não leva em conta, como pré-condição para a paridade participativa, a igualdade social.

Segundo ela, essa abstração das diferenças sociais privilegia os interesses dos grupos sociais dominantes sobre os subordinados – é como se todos fossem iguais e tivessem as mesmas oportunidades de participação na esfera pública, o que, efetivamente, não ocorre.

Para Fraser, portanto, o objetivo da deliberação e do debate precisa ser exatamente a desigualdade social e os pontos de conflito entre os grupos sociais. O jornalismo, nesse sentido, pode encorajar a percepção do público sobre o fato de que certas posições sociais impedem a participação no debate público. Ela defende, portanto, uma esfera pública múltipla, com diferentes vozes (HAAS; STEINER, 2001).

O que significa abrir espaço para convidados que, normalmente, não aparecem nos debates televisionados porque apresentam opiniões que não simplesmente a favor ou contra o conceito dominante, mas consistem em novas visões sobre as mesmas questões.

Por fim, com o intuito de aumentar a participação do público, sugere-se à produção do programa:

a) reavaliar as estratégias de divulgação do programa (tanto na própria grade da TV Câmara como nos demais veículos de comunicação da Secom);

b) redefinir as estratégias de participação dos telespectadores, a fim de estimular o envio de perguntas e aumentar os índices de telefonemas e e-mails;

c) fazer levantamento específico sobre a participação dos telespectadores pelo e-mail institucional do programa e comparar com os dados da participação por telefone;

d) instituir mecanismos do tipo “pauta participativa”, nos quais as sugestões do público sejam aproveitadas na escolha dos temas e na indicação dos convidados;

e) destinar mais tempo do programa à resposta dos telespectadores (agrupar as indagações do público para facilitar as respostas, em vez de apresentar as perguntas uma a uma aos debatedores);

f) associar-se à Rádio Câmara para retransmissão dos debates, a fim de ampliar a visibilidade ao tema debatido e à participação dos telespectadores.


NOTAS

[1] A TV Câmara foi inaugurada em 1998. Pela definição da Lei de Cabo (Lei 8977/1995), sua função prioritária é transmitir, ao vivo, as sessões do Plenário da instituição. O canal transmite também, ao vivo ou gravados, reuniões e audiências públicas das 20 comissões permanentes e das comissões temporárias, como comissões parlamentares de inquérito (CPIs) ou comissões especiais destinadas a avaliar projetos específicos. Além disso, a programação inclui telejornais, debates e entrevistas, documentários e outros formatos televisivos. A maior parte dessa produção é realizada por profissionais da Câmara dos Deputados, mas também vão ao ar co-produções, especialmente documentários e curta-metragens.

[2] A TV Câmara exibe mais quatro programas de debate em sua grade de programação: “Brasil em Debate”, “Participação Popular”, “Ver TV” e “Comitê de Imprensa”. Informações detalhadas disponíveis em: http://www.tv.camara.gov.br.

[3] A sondagem foi realizada no período de 19 de junho a 4 de agosto de 2009, com 20.152 usuários do Serviço de Atendimento à População da Câmara dos Deputados (Serviço 0800).

[4] No Brasil, a Constituição de 1988 inclui o sistema público de comunicação em oposição clara aos sistemas privado e estatal de mídia, sem, contudo, definir exatamente que tipo de veículo compõe cada um dos sistemas. Desse modo, ainda que haja certo consenso sobre a mídia comercial (privada), a separação constitucional entre os sistemas público e estatal provoca muitas controvérsias entre profissionais e estudiosos. Entre as divergências, está a inclusão da comunicação praticada por órgãos estatais, sejam eles do Executivo, do Judiciário ou do Legislativo, na categoria “pública”. A divisão prevista na Constituição aponta para a conclusão de que o sistema estatal é gerido pelo governo, enquanto o sistema público é gerido por instituições da sociedade civil, sem a lógica comercial dos veículos privados, contudo. Tal conceito é adotado pelo Glossário de Comunicação Pública (Cf. DUARTE; VERAS, 2006:64) com a definição de diferentes modalidades de comunicação pública (de patrocínio, de campanhas, institucional, promocional, Terceiro Setor). Contudo, até mesmo os estudiosos do assunto incluem no ramo da comunicação pública as emissoras de televisão dos estados (educativas), legislativas e universitárias, além das comunitárias e dos veículos das instituições não-governamentais e fundações (Cf. SILVA, 2006:57). Recentemente, participantes do 2º Fórum Nacional de TVs Públicas, realizado em maio de 2009 em Brasília, definiram que as emissoras do “campo público” podem ser classificadas em estatais e não-estatais. A divisão tenta solucionar a controvérsia constitucional sem excluir da nomenclatura “pública” as emissoras geridas por órgãos do Estado.

[5] Entrevista aos autores em 17 ago. 2009.

[6] As declarações do jornalista foram feitas em entrevista à pesquisadora Cristiane Brum Bernardes, em fevereiro de 2009, nas dependências da Câmara dos Deputados, em Brasília.

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*Antonio Teixeira de Barros é doutor em sociologia pela UnB, docente e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Instituições Políticas do Legislativo do Centro de Formação da Câmara dos Deputados (CEFOR). Cristiane Brum Bernardes é doutoranda em Ciência Política no IUPERJ, docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Instituições Políticas do Legislativo do CEFOR.

 

 







Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 13 | Outubro | 2010