Outubro de 2010
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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ARTIGOS

Comunicação interna:
Novas implicações da
existência do sujeito-receptor

Por Ana Flávia Sípoli Cól e Regina Célia Baptista Belluzzo*

RESUMO

Este texto trata da importância da revisão do processo comunicativo no âmbito das organizações, sobretudo no que diz respeito à comunicação interna, a fim de torná-lo mais relacional e dialógico, menos mecânico e linear.

Resultando em nova concepção do público enquanto grupo de sujeitos participativos e não somente receptores passivos.

Reprodução

Busca contribuir para a melhor compreensão acerca da relevância de ações de comunicação na construção de ambientes interacionais de troca de informações e de construção de conhecimento, contribuindo para o aprendizado individual e coletivo.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação Corporativa / Sujeito-Receptor / Teoria

1. Introdução

No campo da comunicação social ou midiática, durante longos anos de trajetória de pesquisa científica reafirmou-se a passividade do receptor e sua condição de submissão ao emissor, ente visto não apenas como ativo, mas como manipulador dentro do processo de comunicação. Galgada nesse paradigma, estiveram as práticas dos profissionais da área, marcadas pela linearidade e mecanicismo, em que ainda estão baseadas a concepção e a atuação de muitos profissionais da comunicação.

Contudo, o esforço de vários estudiosos, debruçados sobre a interação entre recepção e comunicação, lança novo olhar sobre a questão. Entre suas contribuições está a de demonstrar como o “quem” da comunicação enfatizado pelas mais tradicionais teorias desse campo não trata o receptor como o sujeito propriamente dito (SOUSA, 1995).

Nesse caso, o sujeito oculto na posição de receptor ainda merece ser conhecido, investigado, buscado em seu espaço cultural e de interação.

O fato é que o novo olhar desses pesquisadores, ao revisar o ponto de vista tradicional sobre a recepção, mostra a capacidade ativa e participativa do sujeito-receptor na produção de significados, o que implica concluir, utilizando-se termos de Fausto Neto (1995), que não constituem meras “caixas vazias” como tanto já se apregoou. No trecho a seguir, o pesquisador Mauro Wilton Sousa resume essa mudança de concepção:

De fato, a relação de predomínio do emissor sobre o receptor é a ideia que primeiro desponta, sugerindo uma relação básica de poder, em que a associação entre passividade e receptor é evidente. Como se houvesse uma relação sempre direta, linear, unívoca e necessária de um polo, o emissor, sobre outro, o receptor: uma relação que subentende um emissor genérico, macro, sistema, rede de veículos de comunicação, e um receptor específico, indivíduo, despojado, fraco, micro, decodificador, consumidor de supérfluos; como se existissem dois polos que necessariamente se opõem, e não eixos de um processo mais amplo e complexo, por isso mesmo, também permeado por contradições. (1995:14).

Com a revisão daquele paradigma, reitera Jesús-Martín Barbero, o receptor deixa de ser uma etapa no interior do processo de comunicação para se tornar “uma espécie de um outro lugar, o de rever e repensar o processo inteiro da comunicação” (1995:40), considerando as mediações que a recepção oferece como as diferenças de demandas sociais, de modos de ver, ler e ouvir, de temporalidades e experiências.

Tratando do processo de comunicação, há que se considerar, ainda, o impacto do advento das tecnologias, que o fizeram passar por mudanças desde a realidade social do início do século 20, quando havia poucos veículos, passando pelo aumento crescente de tecnologias midiáticas, até culminar com o advento da Internet, tecnologia contemporânea de grande impacto social, em que o antigo receptor torna-se usuário, ou seja, pode ser produtor de conteúdo (CORRÊA, 2008).

Por conseguinte, aquela nova perspectiva sobre a relação emissor-receptor pode revisar o processo de comunicação em todos os âmbitos em que esse possa ocorrer, inclusive, nos ambientes das organizações, consideradas como sendo “sistemas que, como todos os sistemas sociais, estão constituídas por comunicações” (Cf. FERRARI, 2008:78).

O que Marlene Marchiori reafirma: “As organizações podem e devem ser vistas como fenômenos de comunicação” (2008a:81). Para Paulo Nassar (2008a), o processo de comunicação é o componente mais importante para o estabelecimento de relacionamento da organização com seus públicos e pode ser aperfeiçoado com o auxílio de ações planejadas de comunicação.

Merece atenção o fato de que essa revisão de paradigmas, no que diz respeito à relação entre produção e recepção, não somente é pertinente, quanto imprescindível no âmbito interno das organizações, contribuindo para definir o real papel das ações planejadas de comunicação e as formas de gestão da informação dentro desse processo.

É natural que a organização necessite disseminar informações a fim de tornar a missão, visão e seus valores conhecidos pelo público para que seus objetivos sejam alcançados, possam refletir nas ações dos diversos níveis organizacionais e ajudem a demarcar claramente o papel desempenhado pela organização no espaço social e de mercado (KUNSCH, 2008a). Em algumas circunstâncias é necessário, até mesmo, que os gestores assumam postura de emissores oficiais de informações estratégicas que devem ser comunicadas.

Há problema, contudo, quando o tipo de comunicação linear impera sozinho no ambiente organizacional, sem estar em equilíbrio com a existência de espaços de participação dos públicos, não enquanto receptores passivos, mas como sujeitos capazes de construir e reconstruir significados, tanto quanto o são os gestores da própria organização.

Ainda que os líderes concentrem mais poder, não são os únicos produtores de sentido, nem desenham sozinhos a identidade organizacional. E, vale lembrar, posturas mais interativas não eliminam as diferenças de papéis entre superiores e subordinados, mas ajudam a construir relacionamentos baseados em respeito, confiança, profissionalismo e não em imposição.

Naturalmente, se a comunicação organizacional, por definição, visa melhorar o relacionamento entre a organização e seus públicos, o espaço que os sujeitos constituintes desses públicos ganham no processo de comunicação influencia sobremaneira o modo de estabelecimento desse vínculo. E, se reflete na definição das condutas de comunicação e gestão da informação a serem adotadas, influenciando o ambiente organizacional como um todo.

Se a comunicação forma a cultura e a identidade organizacional por meio da construção de significados, como defende Marlene Marchiori (2008a), é difícil produzir espaços de compartilhamento de informação e geração de conhecimento, que são necessidades sociais e organizacionais contemporâneas, sem revisar o modelo mecânico do processo de comunicação. Parafraseando Jesús Martín-Barbero:

Entendo modelo mecânico como sendo aquele em que não há nem verdadeiros atores nem verdadeiros intercâmbios. É o modelo em que comunicar é fazer chegar uma informação, um significado já pronto, já construído, de um polo a outro. Nele, a recepção é um ponto de chegada daquilo que já está concluído. (1995:40).

Logo, quando os sentidos e significados já estão estabelecidos, suprime-se o espaço de interação. Isso significa que as políticas e as formas de comunicação adotadas dificilmente contribuirão para a criação de processos dialógicos de comunicação, realmente democráticos, sem que o público deixe de ser compreendido como “receptor – ponto de chegada”.

Repensar o papel do receptor dentro do processo comunicativo nas organizações parece ser um passo muito importante para se instituir dentro das empresas os espaços abertos ao diálogo, tão defendidos em obras e artigos recentes de estudiosos da área, em especial os dedicados à comunicação interna, consultados para este artigo.

A maioria desses pesquisadores enfatiza a necessidade de instituição desses espaços mais democráticos, sob argumentação de que sem mudanças efetivas no relacionamento entre gestores e funcionários, o cenário permanecerá o mesmo nas organizações. Especialmente no que tange à comunicação interna, caracterizada como sendo uma forma de comunicação que é permeada por relações hierárquicas e de poder, muitas vezes complexas, entre superiores e subordinados, e que já assumiu caráter excessivamente instrumental e funcional nas empresas (Cf. KUNSCH, 2008b:171).

Cabe esclarecer a preferência pela comunicação interna como recorte desta reflexão, por ser a área de pesquisa da autora, focada em gestão da informação na comunicação interna em emissoras de televisão aberta brasileiras. Mas, esse é o primeiro aspecto. Além dele, inclusive que o justifique, tem-se a relevância da comunicação interna. 

Nas organizações ainda são encontradas muitas práticas que subvalorizam as relações humanas e as potencialidades individuais, principalmente em se tratando de colaboradores, o que se reflete e, ao mesmo tempo se constrói, a partir do próprio ambiente comunicacional. No entanto, são as competências e potenciais do público interno e sua criatividade que estimulam a flexibilidade das organizações para mudanças, construção de conhecimento, aprendizagem organizacional e melhorias em produtos, serviços etc.

Afinal, são os colaboradores que conduzem os processos organizacionais e participam do desenvolvimento de produtos ou serviços que justificam a existência da organização no mercado.

E, ainda, relacionam-se com os demais públicos, são disseminadores de informação sobre a organização e, logo, influenciam a sua imagem. Assim, qualquer plano de reestruturação depende do comprometimento dos colaboradores, independentemente do cargo que ocupem na hierarquia organizacional (ALVARENGA, 2008). Por fim:

(...) uma organização depende destas relações para o que conceituamos como identidade organizacional. Este é o foco principal e por si só justifica falarmos da dimensão que a comunicação interna assume em uma empresa. (Cf. MARCHIORI, 2008b:210).

Para Marlene Marchiori, o sucesso da organização depende das habilidades de comunicação de que dispõe e de sua capacidade de utilizar informações para construir significados, criar conhecimentos e tomar decisões (2008b:216). Sendo que a gestão do processo da comunicação interna pode estimular e desenvolver os potenciais dos sujeitos (em prol da organização e deles mesmos) ou silenciá-los, reprimi-los e subaproveitá-los. Ocorre que melhorar processos de comunicação interna nas organizações ainda constitui desafio para profissionais e pesquisadores.

2. Existe um sujeito-receptor ou interagente

Apesar da relevância, muito já se tentou ofuscar o valor das capacidades e competências humanas, sobretudo dos colaboradores, nos ambientes organizacionais.

O taylorismo é exemplo emblemático dessa afirmação. Seu idealizador Frederick Taylor (1856-1915) defendia a atividade de pensar como competência dos gestores, enquanto aos colaboradores caberia a função de executores passivos de partes do processo de produção, que deveria ser planejado, sistematizado, rotinizado (NASSAR, 2008).

Contudo, esse paradigma, fruto direto de concepções mecanicistas das primeiras teorias das organizações e da administração, demonstrou conter deficiências práticas. O taylorismo desempenhou papel efetivo somente diante de organizações inseridas em ambientes estáveis, com produtos padronizados e colaboradores submissos, de comportamentos previsíveis. E negligenciou os benefícios da participação humana, o que gera prejuízos, como Morgan adverte:

O enfoque mecanicista da organização tende a limitar, em lugar de ativar o desenvolvimento das capacidades humanas, modelando os seres humanos para servirem aos requisitos da organização mecanicista em lugar de construir a organização em torno de seus pontos fortes e potenciais. Ambos, empregados e organizações, perdem a partir desse estado de coisas. Os empregados perdem oportunidades de crescimento pessoal, despendendo frequentemente muitas horas por dia num trabalho que não valorizam, nem apreciam, enquanto as organizações perdem contribuições criativas e inteligentes que a maioria dos empregados é capaz de fazer, dadas as corretas oportunidades. (1996:41).

Atualmente, a maioria das organizações vivencia exatamente um cenário oposto aquele em que o taylorismo mostrou-se funcional; para resumir, ambientes instáveis, que exigem flexibilidade a mudanças. E, apesar de aquele modelo não imperar mais nas linhas de produção, Paulo Nassar (NASSAR, 2008:66) lembra que sua cultura, ainda, está presente na forma de pensar o trabalho e a vida contemporânea.

A busca por resultados imediatos permanece e está acompanhada por pré-conceitos, comentados por Sidinéia Gomes de Freitas (2008a), capazes de fomentar culturas autoritárias, competição voraz e o desrespeito mútuo entre indivíduos. Obviamente, suprimindo as “corretas oportunidades” para a contribuição dos colaboradores, referidas por Morgan anteriormente.

O resultado desse tipo de cultura expressa-se no processo de comunicação interno das organizações. As quais, sob a justificativa de torná-lo mais democrático, ou não tão declaradamente autoritário, desenvolvem ações de comunicação que, no fundo, objetivam solucionar, e até eliminar, instabilidades e diferenças, e não produzir espaços de interação. É o pesquisador Antônio Fausto Neto quem chama atenção para esse tipo de postura, ao apontar como algumas definições sobre o papel da comunicação organizacional a associam a um mecanismo de regulação, com o objetivo de corrigir, o que ele compara com um “radar”:

Enquanto um dispositivo cuja atividade visaria proteger, através de captura, processamento, análise e de disseminação de informações – as atividades e a vida de uma organização face às manifestações do ambiente que lhe oferecem perigo ou restrições ao seu funcionamento (2008:42).

Se por um lado tal metáfora é ideal por visar ao equilíbrio organizacional, por outro, materializa concepção mais restritiva do que criativa quanto ao papel da área. E ignora, segundo esse mesmo autor, o aspecto importantíssimo de que o sentido não é fruto de construção unilateral da parte de nenhum dos interlocutores, mas decorre de um “feixe de relações”. Em outras palavras:

Isso significa dizer que o radar não dá conta desta realidade, na medida em que visa restaurar a lógica de uma ação comunicacional e cujo processo não se encontra mais fixado no âmbito da instância de produção. (Cf. AUSTO NETO, 2008:56).

O que Sousa (1995) reitera ao defender a comunicação como processo relacional de negociação e não de imposição. Ele afirma: “os valores não devem ser expressão de sentido dado pelo produtor ou pelo receptor, mas exprimir-se no processo em que ocorrem” (1995:35-36). Até porque os papéis de recepção e emissão mudam com o próprio processo, mesmo que os sujeitos estejam em relação assimétrica entre si, como no caso, de gestores e colaboradores.

É por meio da linguagem, segundo Fausto Neto (1995), que todo sujeito reúne as possibilidades de produzir e receber discursos, transformando-se em interagente no processo comunicacional, desde que esteja em contato com o campo do código. E Oliveira; Caetano de Paula ratificam:

(...) a recepção deixa de ser compreendida como passiva e passa a ser vista como ator do processo comunicativo, que também se constrói por meio de práticas discursivas, pois todo sujeito é ao mesmo tempo produtor e receptor de discursos e a própria interação implica uma relação de substituição de instâncias. (2008:97).

Por isso, Fausto Neto (2008) defende a criação de novas formas de escuta voltadas para a compreensão e não somente regulação de sentidos. Para ele, como a comunicação é um ato de atribuição de sentido dado também pelo receptor, há uma defasagem entre condições de produção e de reconhecimento, que colocam os efeitos das mensagens em espaços de indeterminações, geradoras de ruídos ou perturbações organizacionais.

Embora não se creia que o espaço organizacional seja permeado apenas por essas indeterminações, é interessante a afirmativa do autor de que o ideal é observá-las como diversidades de sentido que constituem a vida das organizações e não buscar corrigi-las imediatamente (2008:55). O que se pode comparar com o apontamento de Martín-Barbero quanto ao âmbito da recepção na comunicação social:

Há boa parte de nossa cultura popular que somente entra como ruído, obstáculo à informação. Por isso eu dizia que observar a recepção implica estudar o ruído não apenas em termos negativos, de obstáculo. (1995:53).

Trata-se de considerar e analisar todas as formas de expressão dos sujeitos organizacionais, os quais, segundo Ferrari (2008), contribuem para a organização atingir suas metas, mas esperam ter seus próprios objetivos atingidos também. Logo, não são tábuas-rasas. Possuem conhecimentos com os quais contribuem e aprendem. Todos têm competências passíveis de desenvolvimento, desde que queiram e encontrem oportunidade.

E são atores sociais com interações além do trabalho, expectativas e opiniões diversas, associadas a peculiaridades individuais, e também influenciadas pelo grande volume de informações que acessam. Estar mais informado, não quer dizer ser melhor informado, mas produz efeitos como aumento de repertório, “possibilitando a produção de outros sentidos e a construção de versões diversas sobre si e o mundo a sua volta” (Cf. OLIVEIRA; CAETANO DE PAULA, 2008:100). Isso repercute nas organizações, cujas posturas passam a ser questionadas em vários aspectos pelos colaboradores.

Assim, parece-nos estar mais do que demonstrado, na área de comunicação organizacional, o fracasso das ações táticas que tratam o público interno, como massa homogênea. A adoção de um modelo tático de comunicação, marcado pela disseminação linear de informações e por práticas pontuais pode até surtir os efeitos desejados em princípio, porém, será que ao se repetirem, não evidenciam sua tentativa reguladora e sua ineficiência na geração de mudanças, e caem em descrédito?

Esta é uma questão importante na contemporaneidade, considerando-se a mudança de atitude e de comportamento dos sujeitos-receptores e sua migração para a conduta de participação e construção do conhecimento – a de interagente nas organizações.

É semelhante ao que ocorre com o consumo, sob a perspectiva de Albert Hirschman (1983), que analisa mudanças no comportamento do consumidor com base na decepção. O autor argumenta que se frustrar é característica psicológica inerente às pessoas e utiliza-se até de uma premissa de Bernard Shaw, citada na obra, para resumir a ideia: “Há duas tragédias na vida. Uma delas é não conquistar aquilo que o coração deseja. A outra é conquistar”.

Por sua vez, cada bem de consumo carrega em si potencial decepcionante e, mais cedo ou mais tarde, o consumidor se frustrará. Até chegar o momento em que a soma de decepções resulta em tal frustração a ponto de levar a recusa do produto, e até mesmo a mudança para o lado oposto ao do consumo, o que para o autor é a atividade pública, a face cidadã do consumidor.

Essas considerações são interessantes por demonstrarem que fatores internos dos sujeitos – não apenas os externos, portanto – direcionam as escolhas; depois, parecem aplicáveis à recepção de produtos de comunicação e informação. Os colaboradores prestam atenção aos conteúdos em princípio; se percebem sua irrelevância por não gerar informação que lhes atenda às necessidades, passam a ignorá-los.

E, se as práticas dos gestores desmentem o discurso, aparentemente democrático, proposto nas ações de comunicação, o desconforto tende a fortalecer-se no ambiente organizacional. Configura-se, assim, um quadro de resistências difícil de reverter-se.

Contrária a essa postura, a proposta atual aponta para a necessidade da comunicação estratégica, conceito, segundo Ferrari (2008), usado como sinônimo de concepção global – focada em recursos e objetivos – portanto, diferente da visão tática e distinta do significado de strategos, termo do qual descende estratégia e que significa o general que comanda suas tropas do alto da montanha, algo muito próximo da metáfora do radar.

É imperioso convir-se de que pode ser bastante tênue a linha entre a visão global e o controle global, sem esforço da parte de comunicadores e gestores para revisão do modelo comunicacional dentro da organização.

Desse modo, segundo Kunsch (2008a), ações pensadas estrategicamente são planejadas com base em pesquisas científicas e análise de cenários, estão galgadas em visão integrada da comunicação e são implementadas com o envolvimento de todos no processo. E, como a comunicação estratégica deve estar alicerçada nas políticas globais da empresa, só haverá participação de todos se a organização despertar para a importância dessas novas formas de comunicação e de relacionamento.

Do contrário, sem a percepção de que o papel do emissor soberano para o receptor passivo deve ser revisado, as ações de comunicação funcionarão como ferramentas de reforço das estruturas hierárquicas autoritárias, até que percam o efeito. Corroborando com o já apontado, diz Nassar:

A compreensão bem-sucedida do ideário e da missão organizacional pelos inúmeros públicos e pela sociedade é um processo que depende da visão que a administração, diretores e gerentes têm do processo comunicacional. Uma visão, por exemplo, da comunicação como um processo técnico, alicerçado apenas na emissão (por meio de mídias descendentes) de informações de interesse da organização, sem considerar os interesses e comportamentos dos inúmeros públicos, dificilmente, no ambiente social atual, terá sucesso em compartilhar mensagens cada vez mais complexas. (2008b:248).

A consequência inevitável da ausência do espaço de participação intraorganizacional é sua reconstrução por outros caminhos como pelo direcionamento das redes informais, presentes em todas as empresas, para objetivos negativos ligados ao boato, à fofoca e à desconfiança.

E, por consequência, enfraquecimento dos aspectos proveitosos dessas redes (melhora de relacionamento, criatividade, compartilhamento da confiança etc.) (GRANDO, 2008). Trata-se de efeito natural da “restrição do uso da palavra que faz com que os subordinados se recuperem e se embriaguem com palavras nos grupos informais, sejam em qualquer tipo de organização” (Cf. FREITAS, 2008b:145).

3. Revisão de conceitos e de papéis

Considerar a existência do sujeito-interagente, até então oculto na posição de receptor, remete naturalmente à necessidade de buscar novas condutas e formas de comunicação interna. Propostas recentes dos estudiosos da área apontam para a necessidade da criação de espaços em que o diálogo, a interação, as trocas de informação sejam possíveis dentro das organizações, a fim de se criar significados compartilhados. A exemplo do que defende Marlene Marchiori (2008b):

(...) é necessário que nos preocupemos com o processo de comunicação interna de nosso negócio. Há dois aspectos fundamentais no desenvolvimento desta conquista: diálogo organizacional e valorização das relações interpessoais entre líderes e liderados. (2008b:216-217).

Segundo Marchiori (2008b), é o diálogo que possibilita trocas de informação, entendimento, construção conjunta de conhecimento e promove a valorização das relações interpessoais entre líderes e liderados. Essas últimas aumentam a confiança e impactam de maneira substancial o ambiente.

Obviamente, o diálogo pressupõe processos não-lineares de comunicação interna em que os sentidos e significados possam emergir a partir da interação. Segundo Sidinéia Freitas (2008a), para haver diálogo é imprescindível conversação, proximidade, reconhecimento da diversidade (mas não preconceito). Baseado nesse preceito, o diálogo pressupõe entender e valorizar o sujeito, oculto na posição de público receptor interno. Afinal, a troca de informação só se justifica quando existe crença da real possibilidade de contribuição de todos os entes do processo de comunicação.

Naturalmente, muitos outros pré-requisitos são necessários para que o diálogo de fato se efetive, como: senso de liderança compartilhada, exercício de ouvir (e saber ouvir sem julgamentos e pré-suposições), permissão para que todos falem (não impor silêncio a ninguém) e saber falar, visto que a forma como se fala transmite valores e atitudes.

Por meio da fala, frequentemente imprimem-se pressões, julgamentos, pré-suposições que dificultam o diálogo e impedem o relacionamento saudável (FREITAS, 2008a). Mas, o motor de todos eles é a mudança de concepção da liderança segundo Freitas:

(...) sem que aqueles que têm o poder de decisão assumam a visão da empresa do século XXI, continuaremos a falar de um tipo ideal de organização que dificilmente será encontrada em nossa sociedade (...). As organizações defendem o diálogo em seus discursos, mas o que exigem de seus empregados reflete estruturas de poder de caráter nada democrático, que chegam a impedir a privacidade de seus colaboradores (2008a:140).

Nesse sentido parece muito oportuna a assertiva de Marchiori (2008b) apontando que o comunicador assume a tarefa de educador e formador em comunicação. Considera-se essa como uma função-chave desse profissional no sentido de conscientizar as lideranças quanto à importância da interação, isto é, de certo modo, demonstrando os prós e contras de processos lineares e não-lineares em curto, médio e longo prazo.

É fundamental ainda que, o comunicador, enquanto gestor, não proponha políticas e formas de comunicação que reproduzam processos mecânicos. Mas que faça um esforço para ser melhor mediador entre todos os sujeitos que compõem o ambiente organizacional.

Diante de sujeitos ativos, o comunicador há que estar atento também à gestão da informação na comunicação, o que pressupõe conhecer os sujeitos a fim de tratar as informações que lhes atendam às necessidades, bem como monitorar o uso que é efeito dessa informação. Portanto, não basta disseminá-la, é necessário acompanhar o seu percurso e nutrir-se do uso como nova fonte de conhecimento sobre o sujeito.

Encontra-se em Marchiori (2008b) a afirmativa de que é preciso avaliar continuamente os processos e as respostas geradas a partir das ações promovidas, dando atenção ao feedback, já que comunicação não é meramente transmissão de informação. Nesse mesmo sentido, para a autora, os comunicadores deixam de ser disseminadores de informações e se transformam em catalisadores, provedores de conteúdo. Diz ela: “Levar a verdade dos fatos não é mais premissa para os profissionais da comunicação e sim ser agente catalisador no processo de construção da verdade dos fatos” (Cf. MARCHIORI, 2008b:211).

Só assim, a comunicação interna deixa de ser a área que comunica fatos ocorridos nas organizações para se tornar a promotora de ações motivadoras de ambientes internos nos quais informação, conhecimento e competência fluam livremente, estimulando o comprometimento pessoal e o autodesenvolvimento (MARCHIORI, 2008b). Isto é, comunicação transparente, em via de mão dupla, que funcione com a mesma eficiência de baixo para cima e vice-versa, de maneira interativa.

Em obra de 2003, Margarida Kunsch já propõe extrapolar os estudos e as práticas meramente funcionalistas da comunicação organizacional para considerar os contextos social, político, econômico, tecnológico e organizacional envolvidos na questão. A autora reafirma, recentemente, que as organizações enquanto emissoras não devem ter a ilusão de que os atos comunicativos produzirão sempre os efeitos desejados. “Daí a necessidade de ultrapassarmos a visão meramente mecanicista da comunicação para uma visão mais interpretativa e crítica” (2008b:179).

Ainda nesse ponto, tanto Kunsch (2008b, p. 180) quanto Marchiori (2008b) e Freitas (2008a) defendem a visão da comunicação como processo e não como ferramenta, com investimento apenas em mídias. Maria Aparecida Ferrari corrobora: “Falta-nos atravessar a ponte e passar para o lado de lá, onde estaremos trabalhando muito além dos instrumentos e alcançando o equilíbrio entre as expectativas dos públicos e das organizações” (Cf. FERRARI, 2008:89).

Naturalmente, não se afirma a irrelevância dos veículos para estratégias de comunicação. Apenas aponta-se que não são soluções por si só. Porém, a criação da cultura de construção compartilhada do sentido cria campo para exploração mais proveitosa das possibilidades interativas conferidas pelas mídias. Inclusive, quanto às tecnologias digitais de informação e comunicação, capazes de dinamizar a construção do processo de comunicação integrado e de gerar “experiências inéditas de produção quando uma organização se vê como um nó de uma rede complexa de múltiplas vozes” (Cf. CORRÊA, 2008:174).

Mas é preciso saber aproveitá-las. Primeiro, estar preparado porque no ciberespaço há possibilidade de comunicação de todos para todos o que leva a perda do controle do polo de emissão das mensagens, já que os receptores tornam-se usuários, que podem ser produtores de conteúdos.

Depois, ter consciência de que a tecnologia, por mais sofisticada que seja, não garante melhor comunicação. Então, é necessário que o ambiente de participação exista a fim de que sejam adotadas ferramentas que façam sentido em seu ambiente de inserção considerando a cultura, as características dos públicos, definição de propósitos e intenções (CORRÊA, 2008).

4. Considerações finais

Acredita-se que nas organizações o modelo de processo de comunicação adotado merece revisão constante para evitar que esforços sejam despendidos equivocadamente. A fim de motivar a busca por práticas de comunicação adaptadas ao conceito da interação de sujeitos evitando também que por detrás das ações de comunicação, por vezes baseadas em sofisticadas tecnologias de informação, permaneça latente a mentalidade ligada àquele tradicional paradigma apresentado no início do texto, que merece ser revisto.

E vários argumentos podem explicar porque merece ser revisto. O da lucratividade é um relevante. É preciso aproveitar as capacidades humanas para manter-se competitivo frente à economia do mercado globalizado. Além disso, as práticas mecanicistas tendem a ser investimentos perdidos pela falta de efetividade.

Contudo, ainda que esses sejam fatores importantes, há outros de relevância, a saber:

Se a organização é uma instituição social, constituída de pessoas e definida pelos seus papéis e relacionamentos, é fundamental a existência de ambientes de trabalho que preservem a satisfação dos funcionários e o respeito ao ser humano. (Cf. MARCHIORI, 2008b:209).

As organizações são importantes espaços de trocas e o trabalho fundamental gerador de motivação e auto-estima. É possível (re)configurar o valor do trabalho, associando-o ao prazer de desenvolver e de contribuir, o que ajuda o indivíduo a encontrar a razão que o justifica enquanto trabalhador e ser humano (FREITAS, 2008a).

Além disso, a cobrança constante por resultados e produtividade apenas com base em lucratividade material tem produzido consequências negativas (stress, sociopatias, degradação ambiental) suficientes para a revisão de paradigmas sobre as relações de trabalho (FREITAS, 2008a).

Novas formas de relacionamento passam por modelos relacionais de comunicação que possibilitam o aprendizado individual e organizacional. Afinal, segundo Alvarenga (2008), apenas o comprometimento e o desenvolvimento pessoais podem estimular a aprendizagem organizacional, processo que garante transformar dados em informações, conhecimentos e estratégias de ação eficazes.

A aprendizagem se dá no processo de interações sociais e entre indivíduos, daí a importância desses espaços nas organizações. Percebe-se, a vasta gama de contribuições que pode trazer o esforço pela mudança de valores organizacionais quanto ao processo de comunicação interno.


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*Ana Flávia Sípoli Cól é jornalista e mestranda da pós-graduação em comunicação midiática da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP (Campus de Bauru). Regina Célia Baptista Belluzzo é doutora em ciências da comunicação pela ECA-USP e Consultora em Gestão da Informação e do Conhecimento.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 13 | Outubro | 2010
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