Outubro de 2010
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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DOSSIÊ: 60 ANOS DA TV BRASILEIRA

O Jornalismo Narrativo e a estesia na TV
Uma análise da reportagem “O vaqueiro dos pampas”

Por Kethleen Simony e Franciele Luzia de Oliveira Orsatto*

RESUMO

O presente texto pretende problematizar o emprego das técnicas do Jornalismo Narrativo e da estesia utilizadas por Marcelo Canellas e Luiz Quilião, na produção da primeira reportagem de uma série especial feita para o telejornal “Bom Dia Brasil”: “O vaqueiro dos pampas”. [1]

Reprodução

Os profissionais que trabalharam desde o momento em que a pauta foi pensada fizeram da grande reportagem uma narrativa do dia-a-dia do campeiro no Rio Grande do Sul, destacando de maneira sutil a solidão do vaqueiro no fim do dia, depois da lida no campo.

O jornalista que conta essa história é considerado um dos mais importantes da televisão brasileira: é repórter especial da Rede Globo desde 1990 e especializou-se na cobertura de temas ligados aos direitos sociais e aos direitos humanos. Canellas já ganhou mais de 30 prêmios jornalísticos no Brasil e no exterior.

Nas páginas que seguem o leitor encontrará a relação histórica entre jornalismo e literatura e uma análise da reportagem citada a partir das principais características do Jornalismo Narrativo.

PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo Narrativo / Marcelo Canellas / Telejornalismo

Clique aqui Clique no ícone para ver a reportagem

1. Introdução

A discussão que segue visa à identificação do emprego das técnicas narrativas do Jornalismo Narrativo e a semântica da linguagem audiovisual. Elementos que dão condições de observar, interpretar e analisar o que foi apresentado e abrangem essencialmente o que há de valor jornalístico.

O texto se constitui em um estudo de caso sobre a reportagem “O vaqueiro dos pampas” de Marcelo Canellas e Luiz Quilião, a primeira de uma série de reportagens produzidas sobre o homem do campo especialmente para o telejornal “Bom Dia Brasil”.

“O vaqueiro dos pampas” é uma reportagem social, especialidade de Canellas, que traz, em exatos cinco minutos, o que há de mais significativo na vida do campeiro gaúcho: a chaleira, o laço, o cavalo, e o poema. Os personagens são o próprio retrato, estereotipo do peão do local: mais que representantes de uma cultura, os típicos homens do campo do Brasil.

A linguagem utilizada é mais elaborada, como a do feature, gênero jornalístico que vai além do caráter factual e imediato da notícia, e opõe-se se ao hard news, que é o relato objetivo de fatos relevantes para a vida política, econômica e cotidiana.
Maneira adequada a um jornalismo que tem como objetivo atender um público diferenciado, que, segundo Marcelo Canellas, é composto por estudantes e empresários que se preparam para ir à aula e ao trabalho, no momento em que o telejornal é apresentado, das 7h15 às 8h10.

Para compreender como esta reportagem é produzida respeitando a linha editorial do telejornal, é preciso também destacar o perfil do programa: o “Bom Dia Brasil” possui um formato de revista. Vai além da notícia factual, pois conta com editorias de moda, culinária e cultura. O programa dura 55 minutos.

É um jornal dinâmico e o mais antigo da Rede Globo. O “Bom Dia Brasil” construiu com o tempo uma linguagem própria e público cativo. Tem espaço para analisar melhor as notícias e conta com colunas de economia e política. Por ser mais extenso, tem a característica de apresentar matérias especiais ou grandes reportagens, como as tratadas na série sobre o “Homem do campo do Brasil”.

A análise da primeira reportagem desta série, tema deste artigo, é realizada com base nas principais características do Jornalismo Narrativo, como a construção cena a cena e o registro de detalhes, a fala das personagens ou mudança de ponto de vista através do olhar testemunhal do jornalista; voz autoral, estilo, a localização espacial, precisão de dados e informações. Estas características serão apresentadas por meio de revisão bibliográfica.

Jornalismo Narrativo é a expressão escolhida para a abordagem feita nesse trabalho, porque trata do gênero sem qualquer desmerecimento pela dualidade que outrora existiu em sua origem. Embora se encontre publicações com a definição de “Jornalismo Literário”, e outras ainda sob o nome de “Novo Jornalismo”, este último, termo usado para definir o auge desse gênero nos Estados Unidos, entre as décadas de 60 e 70; “Jornalismo Narrativo” é visto como o mais apropriado. 

A apreciação também compreende análise acerca da estética, que se refere à capacidade de “estesia” (do grego aisthésis, percepção sensorial, sensação, sensibilidade, faculdade de sentir, sentimento do belo), ou seja, de causar emoção, de remeter a sensações e não apenas a elementos “belos” da imagem.

Trata-se de uma abordagem estética desvinculada de seu sentido canônico tradicional, presente apenas nas artes [...] Nas mídias em geral, a estesia opera com dispositivos de ordem plástica, ou do plano de expressão dos discursos, mas assume uma aparência neutralizada, de coisa que deve ser assim, e não de outro modo [...] regem nossa maneira de olhar o mundo por meio de ‘óculos sociais’. (Cf. CAETANO, 2008:01).

Por isso, a estesia também diz respeito ao plano de conteúdo. Todos estes elementos de destaque fazem parte deste estudo, que tem por objetivo demonstrar de que maneira a teoria está empregada na prática: uma leitura acadêmica da reportagem citada.

2. Jornalismo e literatura

Escrever é por essência exercício de imaginação, de tornar o que é real documento ou mesmo partir do real para novas possibilidades. Essa inquietação: o domínio da palavra, é compartilhada pelo jornalismo e a literatura. Desde o século XVIII, há registros de que os dois gêneros possuíam características em comum ao tratar da palavra. As diferentes técnicas da literatura permeavam a construção do jornalismo. As questões humanas é o que moviam um e outro, e muitas vezes o limiar de cada esfera não era bem definido.

Nessa época, origem do jornalismo, era comum a presença de escritores nas redações:

Não apenas comandando as redações, mas, principalmente, determinando a linguagem e o conteúdo dos jornais. E um de seus principais instrumentos foi o folhetim, um estilo discursivo que é a marca fundamental da confluência entre Jornalismo e literatura. (Cf. PENA, 2006:28).

É por essa proximidade que, segundo Lima (2004), é possível compreender porque os jornalistas sentiam-se inclinados a se inspirar na arte literária para encontrar os seus próprios caminhos de narrar o real. Lima (2004:174), completa, demonstrando a recíproca da literatura: “Do outro lado da moeda, é fácil compreender porque muitos escritores encontraram no jornalismo, dessa época pioneira, tanto um eventual meio de subsistência quanto um canal para o aprimoramento e a promoção do talento literário”.

Com o passar do tempo, no dia-a-dia de produções, os romancistas do realismo social adotaram a prática de intensa captação de detalhes extraídos do cotidiano, trabalho muito próximo da atividade dos jornalistas. Escritores como os estrangeiros Jack London, Ernest Hemingway, Gabriel García Márquez e alguns brasileiros, como Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Gonçalves Dias, Joaquim Manuel Macedo, Lima Barreto, João Antônio, Joel Silveira e Euclides da Cunha, trabalharam com técnicas em comum no jornalismo e na literatura, atuando inclusive nos dois âmbitos.

Intérpretes por excelência, jornalistas e escritores reportam seu tempo. Cada um levando sua premissa; assim explicada por Castro (2002): “Enquanto o jornalismo pretende oferecer uma visão objetiva, fiel ao mundo dos fatos que descreve; a literatura procura apresentar apenas um recorte verossímil”.

Em obras como as de Dickens e de Hemingway, o enredo apresenta com autenticidade a realidade e se aproxima da transmitida pelo jornalismo. Da mesma forma, existem reportagens mais trabalhadas que parecem aproximar-se da ficção. E é o encontro entre as características do jornalismo e da literatura que resulta na criação de um novo gênero: o Jornalismo Narrativo.

Esse novo gênero segundo Pena (2006), Resende (2002), Lima (2004) e Wolfe (2005) tem características que mostram ângulos diferentes na reportagem, quebram a imparcialidade do repórter enfatizando sua voz autoral, e dentre outros destaques, confere mais realidade ao fato, pois encontra no personagem também um autor, não mero participante do que foi relatado.

Por isso, essa maneira de se fazer jornalismo é mais que uma ruptura com o lead (a primeira parte de uma notícia, geralmente posta em destaque relativo, que fornece ao leitor a informação básica sobre o tema e pretende prender-lhe o interesse. É uma expressão inglesa que significa "guia" ou "o que vem à frente". Na teoria do jornalismo, as seis perguntas básicas que devem ser respondidas no lead são: "O quê?", "Quem?", "Quando?", "Onde?", "Como?", e "Por quê?") e com a objetividade.

O Jornalismo Narrativo ou Literário também deseja romper com a periodicidade e a atualidade, isto é, seu objetivo é a permanência. Por conseguinte, “uma obra baseada nos preceitos do Jornalismo Literário não pode ser efêmera ou superficial” (Cf. PENA, 2006:15).

De acordo Lima, o Jornalismo Narrativo incorpora recursos e técnicas de captação e redação provenientes da literatura:

É um Jornalismo Narrativo, de autor. Busca expressar a realidade contando histórias, na maioria das vezes com um foco centrado fortemente nas pessoas de carne e osso que dão vida aos acontecimentos. Espera-se, do narrador, uma vez própria, um estilo individualizado de condução do texto. (Apud: GUIMARÃES, 2007:06).

 O Jornalismo Narrativo não possui compromisso quanto a buscar a objetividade – ao contrário do que acontece na grande mídia desde o início do século XX. A partir dessa época, as narrativas são substituídas pela objetividade e pela concisão, pois a pauta passa a ter como uma das funções principais a preocupação com a novidade.
Assim, o Jornalismo Narrativo se mostra como forma de

(...) potencializar os recursos do Jornalismo, ultrapassar os limites  dos  acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade, exercer plenamente a cidadania (...),  evitar  os  definidores  primários e,  principalmente,  garantir  perenidade  e profundidade aos relatos. (Cf. PENA, 2006:13).

Esse novo formato de se fazer jornalismo ganhou força e teve o auge em meados dos anos 1960, nos Estados Unidos. É nessa época, segundo Lima (2004), que novas técnicas narrativas são introduzidas: o fluxo de consciência e o ponto de vista autobiográfico.

A arte passou a contribuir para a narrativa do real: “sentir, perceber, emocionar, usar o potencial sensório do corpo era a ordem dos novos tempos” (Cf. LIMA, 2004:122).

Tanto melhor será o jornalismo quanto mais houver de inspiração literária. E tanto melhor será a literatura quando nela couber o que de mais há no jornalismo: a sedução. Os amantes da palavra, em geral, se satisfazem diante de uma história bem contada, seja ela num livro ou num jornal. (Cf. ARAÚJO, 2002:97).

O Jornalismo Narrativo passa a ter grande exposição pública e ganhar popularidade e é abundantemente praticado em revistas de reportagem especializadas neste gênero, publicações alternativas, livros-reportagem e até mesmo em veículos da grande imprensa. É nesse período que se registra a ascensão e a fama de grandes mestres da narrativa do real, como Gay Talese e Tom Wolfe, assim como o salto para a produção de não-ficção de nomes consagrados da literatura, como Norman Mailer e Truman Capote.

Além dos livros, é na reportagem jornalística em revista e televisão, que o jornalismo narrativo ganha espaço:

(...) a reportagem, com seu espaço nas revistas e em cadernos especiais dos jornais, torna-se a única possibilidade para que o redator exercite o uso da técnica unida ao seu talento criativo, podendo criar um texto autoral e interpretativo. (Cf. MARTINS; ARAÚJO, 2003:99).

Isso, porque o Jornalismo Narrativo se preocupa em proporcionar uma visão ampla da realidade e em contextualizar a informação da forma mais abrangente possível. Assim, o gênero mais adequado a esse fim é o interpretativo. Este gênero, segundo Lima (2004:20), busca não deixar a audiência desprovida de meios para compreender o seu tempo, as causas e origens dos fenômenos que presencia, suas consequências no futuro.

Vai fundamentar sua leitura da realidade na elucidação dos aspectos que em princípio não estão muito claros. Almeja preencher os vazios informativos, conforme a terminologia de Luiz Beltrão.

3. A grande reportagem e o “Bom Dia Brasil”

A reportagem televisiva é uma maneira de contar uma história que pede vários recursos técnicos.  De acordo com Olga Curado, nela as informações são codificadas em imagens e em áudio, e o resultado vem através do estilo do repórter e do programa, que contribuem para a concepção do formato. “Uma reportagem de televisão é sempre o resultado do trabalho feito por uma equipe multifuncional (...) a soma de vários olhares, de vários ângulos, é que leva ao resultado de qualidade” (Cf. CURADO, 2002:24).

Cremilda Medina (1983) também garante que a reportagem é a forma de maior aprofundamento possível das informações sociais, e que essa visão plural mais do que mera intenção, é sim capaz de responder melhor às aspirações de uma democracia contemporânea. No mesmo sentido, Lima (2004:23-24) também destaca:

Pois é justamente a pluralidade de vozes e a pluralidade de significados sobre o imediato e o real que fazem com que a reportagem se torne um instrumento de expansão e instrumentação plena da democracia, uma vez que a democracia é polifônica e polissêmica.

Traquina (2005) aponta que os jornalistas mais do que operários da notícia, são agentes transformadores, porque contribuem ativamente para a realidade, são sua parte seletiva. Fato ressaltado por Curado (2002), quando a autora diz que toda história tem começo, meio e fim, mas sua apresentação não é feita necessariamente nessa ordem.

Os fatos não se encadeiam em etapas esperando que sejam cronologicamente assimilados. Os acontecimentos saltam, em movimento, incompletos e fragmentados, e cabe ao jornalista dar-lhes organização e apresentá-los com unidade. (Cf. CURADO, 2002:24).

Essa forma de apresentar o conteúdo diferencia-se de acordo com o programa para o qual o material está sendo produzido. No caso do “Bom Dia Brasil”, as reportagens são mais longas, há aparato técnico e humano para produções em locais de mais difícil acesso.

E os repórteres possuem tempo proporcional à profundidade do relato, como conta Marcelo Canellas em entrevista concedida à pesquisadora no dia 9 de outubro de 2009:

Há casos que você precisa ir um mês a campo, noutros fica uma semana, outros ainda, três dias; depende muito da situação da história. A história, a situação, a reportagem é que vai determinar o tempo que necessita para ser feita. É claro que se o profissional tem mais tempo para fazer o seu trabalho é provável que fique melhor. Embora eu conheça profissionais que em muito pouco tempo apresentam soluções brilhantes. Aí vai do talento de cada um.

Os cuidados em todas as etapas, desde a captação à exibição, seguem a linha editorial do telejornal. O “Bom Dia Brasil” possui editores que cuidam dentre os diversos elementos, até mesmo o tom das cores exibidas nas reportagens. E não é por acaso. É por todo o planejamento que a linguagem verbovisual do programa tem características próprias, são elas que criam a identidade do telejornal.
           
Isso só é possível, porque este programa tem bem definido a quem está falando, ou seja, a que público reporta. Canellas destaca esta questão:

O público do “Bom Dia Brasil” é bem diferenciado: é mais bem informado, são desde estudantes a executivos, gente que se prepara para ir à escola e o trabalho. Pessoas que estão ouvindo o jornal, às vezes passam pela frente da televisão, param um pouco, olham a matéria, vão escovar os dentes, vão tomar café. É um público muito grande, porque o IBOP do “Bom Dia Brasil” é muito alto para o horário. É um jornal muito bem editado, e mesmo sendo o primeiro jornal do dia, da rede, ele abre espaço para a grande reportagem, e isso é muito interessante.

Segundo o editor-chefe e apresentador Renato Machado, o “Bom Dia Brasil” exibe as informações que o público precisa saber, mas possui também o formato de revista diária. O telejornal recebe um tratamento especial porque prepara o telespectador para o dia.

São mostradas as notícias da madrugada, a repercussão dos fatos do dia anterior no Brasil e no Mundo, com a análise de comentaristas, e a agenda de acontecimentos para o dia, além de entrevistas ao vivo. O telejornal também abre espaço para assuntos que dizem mais respeito ao dia-a-dia do cidadão brasileiro.

É nesse palco-contexto que a série especial sobre o “Homem do campo do Brasil” foi pensada. Uma maneira de mostrar como vivem essas pessoas que representam mais do que a riqueza cultural, são a força que movem a economia do país. A primeira reportagem da série, objeto de estudo neste artigo, foi pensada inicialmente pela produtora executiva Fátima Batista.

A profissional que é também editora começou a pré-produção em conjunto com Marcelo Canellas. Ele conta que depois do planejado tudo se deu normalmente de acordo com o dinamismo jornalístico: certas coisas previstas se deram corretamente, e alguns personagens que não estavam programados surgiram na “rua”.

Canellas destaca que o fato da reportagem ser no Rio Grande do Sul também fez com que a produção fosse em particular desafiadora e saborosa:

Eu tive um especial sabor em fazer essa reportagem por ser de lá. Por ser gaúcho e estar ali lidando com a cultura do meu estado, e com o modo de vida do homem do campo. De certa forma, o arquétipo do gaúcho, aquela figura arquetípica do gaúcho tradicional, o “centauro do seu cavalo”, o homem e o cavalo, uma coisa só, lidar um pouco com o imaginário, da identidade do Rio Grande do Sul, foi algo que me trouxe um sabor especial.

Sabor peculiar demonstrado em cada palavra e expressão dos peões gaúchos, galgadas no desenrolar do texto. Falas como “zumbido de laço”, “zoada de tropel”, “terneiro bravo”, e tantas outras, fazem o contexto, o ambiente saltar aos olhos e aos ouvidos. O espectador participa ativamente na interpretação do que vê e do que ouve.

É aí que os limites da linguagem e de conhecimento de mundo se expandem. Fica fácil perceber do que se está falando, mesmo estando a quilômetros, ou nunca tendo ido ao Rio Grande do Sul. O conhecimento aqui é elemento de retórica, compõem a cena. Desse modo assim como são apresentadas as expressões, as barreiras culturais, deixam de ser empecilho ou ruído, e passam a ser principais destaques na construção da reportagem. 

Só com essa pequena amostra do que se passa nos cinco minutos de “O vaqueiro dos pampas”, entre “cenas”, “detalhes” e “voz autoral”, já é possível afirmar, que três décadas e meia depois do manifesto escrito por Wolfe (1973), esse jeito de contar histórias reais continua fascinando jornalistas.

Todo o aparato linguístico é bem vindo, quando se vai reportar; muito embora a denominação do gênero nem sempre seja lembrada ou definida no dia-a-dia de produção. É comum que repórteres deixem as nomenclaturas para o academicismo e, na rotina diária de jornalista, sejam lembrados como repórteres acima da média, especiais, assim como Marcelo Canellas:

A minha preocupação é contar uma história bacana, de maneira criativa, que surpreenda o telespectador; sabendo usar todos os recursos a que se referem na literatura, esses elementos narrativos. Mas não me preocupo em saber se é Jornalismo Narrativo.

Talvez por isso na televisão não se fale tanto em Jornalismo Narrativo. Ainda mais porque quem assiste não precisa saber quais os artifícios utilizados, para identificar que o material jornalístico é de qualidade. Tampouco precisa compreender de escalas de cores na captação pela câmera para se emocionar, viajar por alguns instantes, com uma imagem.

É como provar uma deliciosa receita: contanto que o gosto final seja saboroso e agradável aos olhos, e ainda corresponda à fome que se tem, todo o resto pode ficar nos bastidores. Porém é preciso destacar, que no âmbito da pesquisa em comunicação, o tema pode ser imensamente explorado.

4. O vaqueiro dos Pampas

A narrativa jornalística de melhor qualidade beira à arte, ou seja, assume alguns dos nobres ideais de que esta pode revestir-se. De acordo com Lima (2004), a reportagem jornalística deve fluir com naturalidade, ter ritmo, cadência, um pulsar característico. É preciso envolver o espectador.

No jornalismo televisivo, isso também significa contar com aparato técnico e humano. É o talento do repórter jornalístico e do cinematográfico, somado aos materiais de captação e de finalização que é capaz de construir uma reportagem realmente de conteúdo e agradável de ser vista. Canellas destaca uma característica da equipe com a qual trabalha:

A gente trabalha com uma equipe talentosíssima, eu que não sou bobo prefiro me cercar dos melhores profissionais. Nesse caso específico trabalhei com um cinegrafista que é um dos grandes talentos da TV Globo, que é o Luiz Quilião, que, aliás, é gaúcho assim como eu. Então ele também ficou feliz em fazer essa reportagem lá no Rio Grande do Sul, por tratar também da vida dele, e dos antepassados dele.

A qualidade da imagem, repertório e a decupagem minuciosa é o que delineia a história contada. De acordo com Curado (2002:131), a decupagem é uma avaliação da fita bruta contendo as imagens e entrevistas.  Depois, de acordo com Marcelo Canellas, é só escrever o texto e afinar tudo com a edição.
           
O final é na verdade um novo começo: a reportagem vai ao ar. Trata-se do momento em que o jornalismo se torna realidade, pois todo o trabalho agora é transmitido para quem foi feito: o telespectador. Tudo se inicia pela “cabeça”, a chamada dos apresentadores para a reportagem. Enunciação que já propõe o que vem a seguir e prepara o telespectador com uma das características do Jornalismo Narrativo: situa a localização espacial, falando do estado em relação ao país, para que logo o repórter insira mais dados sobre o assunto proposto.

A expressividade no início da reportagem acompanha e desperta interesse pelo som e pelo recorte da imagem que significa: uma corda, o relincho do cavalo e o barulho a cortar o ar, é o “zumbido de laço”. O som do casco do cavalo no chão representa o ambiente, mostra o campo e reforça o sentido da palavra “zoada de tropel”. Esses elementos são os detalhes que estabelecem a narrativa. A preocupação com a construção do imaginário é destaque presente em toda a reportagem.

A linguagem é simples, mas nem por isso menos polida, como ressalta Canellas:

Eu procuro usar palavras que estão dentro do universo vocabular do nosso público; é claro que às vezes você usa uma palavra menos conhecida, mas se a coloca no contexto da reportagem com o auxilio de imagens e sons também, ela é entendida. Você não pode é deixar dúvida na cabeça do telespectador; a clareza tem que ser cem por cento. Aí nesse caso é legítimo usar uma palavra menos conhecida.

Em seguida, o repórter apresenta o personagem e apenas diz “o peão de estância em seu elemento”. A fala do gaúcho, por si mesmo, traz a mudança do ponto de vista. Ou seja, a perspectiva sob a qual o espectador verá o acontecimento. Não se está apenas falando de alguém, e sim deixando que o próprio diga quem é, conceitue como vive. As sonoras complementam os offs: no texto o repórter dá a deixa e um senhor, o qual não tem o nome citado, vai explicando o que há pouco foi afirmado:

Peão de estância é domador por excelência. ‘Pega o cavalo selvagem e deixa mestre para o serviço de campo, para o aparte, para o tiro de laço. Isso nós chamamos de arrocinar um cavalo’, completa um senhor.

 Quando Canellas propõe que o sr. Luizinho se apresente a exposição de diferentes pontos de vista também fica evidente:

Mas deixemos que o próprio se apresente: ‘Eu sou Luiz Antonio Sampaio de Oliveira, nascido em 1º de fevereiro de 1915, no interior do Rio Grande do Sul, chamado Maria Santa’. São 90 anos sobre o lombo de um cavalo. ‘Eu tenho um tipo de temperamento que não admite parar muito. Eu fico nervoso se não tiver em atividade’, comenta.

A naturalidade com que pessoas tão simples se expressam também é conquistada graças ao microfone do tipo “boom”; um microfone direcional, preso em uma longa haste, ele não aparece, por isso não interfere no ambiente mostrado pela câmera, e por ficar mais afastado, inibe menos o personagem.

Outro recurso presente é o uso do BG (background), o chamado “som ambiente”. Segundo Curado (2002), ele dá o “clima” ao acontecimento, reproduzindo a circunstância da filmagem. Ele capta o som dos passarinhos a cantarolar, o galo a cantar durante a entrevista. A música regional é usada de fundo, emoldurando o ambiente e construindo significado.

O silêncio rompido por esses sons também representa a ideia de um lugar longínquo, reforçando a expressão da solidão. A letra da música é elemento expressivo da poética, da nostalgia, da cultura e da saudade, que são trazidas na reportagem: “Lembrando antigas fronteiras que muito eu transitei. E na soma das lembranças nem sempre do meu agrado, vou pelegueando o passado das tropas que eu faturei”.

Como já destacado anteriormente, a grande vantagem da TV é a multiplicidade de elementos de construção: imagem, som e texto. Assim, o aparato linguístico vai além das palavras. Por isso, diferentemente dos veículos impressos, grandemente trabalhados e relatados em livros por autores que discutem as características do Jornalismo Narrativo, na televisão é preciso considerar a “leitura”, como processo integrador, com o seu significado maior, empregado pelo conceito de leitura midiática.

A leitura por esse prisma, no presente trabalho, considera a construção de sentido por meio das características do gênero narrativo, nas diversas maneiras de expressão: o texto lido em off, a imagem, os recursos sonoros. Levando em conta o processo de feitura da reportagem até sua exibição. Pois somente vendo dessa maneira que se pode compreender como o significado da mensagem é construído.

Portanto, a disposição das cenas, os detalhes, a mudança do ponto de vista, a voz autoral, o estilo, o lugar e a informação: tudo faz parte dessa análise. Compreendido esse ponto, volta-se novamente o olhar sobre a reportagem.

A precisão de dados é demonstrada na frase: “São mais de 80 anos trabalhando na mesma fazenda, a Estância São João, a 160 quilômetros de Porto Alegre”. No desenrolar da história, elementos fazem com que haja quebra de eixos, ápices. Num primeiro momento a intenção é de um recorte ir explicando o todo.

Apresenta-se as peculiaridades do vaqueiro dos pampas, o trabalho, a solidão, uma reflexão. Sr. Luizinho, um dos homens que representa culturalmente o campeiro, desponta o tema da solidão com a deixa para a “passagem” do repórter: “Seu Luizinho não é triste, nem poeta, mas é peão. Por isso, sabe do que é feito um homem do campo. ‘Dizem que nada mais é do que a gente é produto do meio ambiente em que vive, onde você se adapta’, afirma”.

A passagem, aos quatro minutos e vinte segundos, traz a pergunta que dá novo fôlego ou cadência à reportagem:

Se é verdade que a natureza do meio interfere na natureza do homem, é possível que o peão de estância seja mesmo um pouco introspectivo, um pouco reflexivo, porque não é fácil viver na solidão do pampa. Mas será que a maneira de lidar com essa solidão é sempre melancolia?

A fala reflete o sentimento: a atitude do repórter é a de alguém que “bate um papo” com o espectador. Um novo personagem responde, fala do seu prazer de viver. Só depois, de maneira não linear, ele é apresentado. Assim como os demais entrevistados, Telmo faz o que a tradição ensina.

Na composição da imagem, o galpão, o esmeril a moldar a faca, o fogão a lenha, completam o sentido do ambiente. Esses elementos diferentes e complementares é que ajudam a contar a história. E ainda que não estejam no foco primordial do recorte da imagem, dão a sensação do lugar retratado.

Lima (2004) destaca que a maneira como a história é contada pelo jornalista pode desencadear um processo de catarse parcial, mental e emocional, levar à fruição.

Catarse, do grego kátharsis, -eós, é a palavra pela qual Aristóteles designa a “purificação” sentida pelos espectadores durante e após uma representação dramática. A fruição é a "ação ou efeito de fruir; gozo (...)". Isso nos reporta às ideias de Freud (prazer estético), de Barthes (prazer do texto) e de Jauss (fruição estética), pois todos eles vinculam o ato de ler (diferentes linguagens) ao prazer e à satisfação.

Tudo isso, sob o enfoque da linha de pensamento psicológico, representa que a estruturação da reportagem, com ápices, ordem e desordem no tempo cronológico, aciona o espectador em uma reestruturação cognitiva (função da inteligência ao adquirir um conhecimento) e emocional – o que pode ser relacionado aos estudos da Gestalt.

A palavra Gestalt tem origem alemã e surgiu em 1523 de uma tradução da Bíblia, significando "o que é colocado diante dos olhos, exposto aos olhares". Hoje adotada no mundo inteiro significa um processo de dar forma ou configuração. Gestalt significa uma integração de partes em oposição à soma do "todo".

Dizer que um processo, ou o produto de um processo é uma Gestalt, significa dizer que não pode ser explicado pelo mero caos, a uma mera combinação cega de causas essencialmente desconexas, mas que sua essência é a razão de sua existência.

É através dessa teoria, que foi criado um suporte sensível e racional sobre a leitura visual, que permite a articulação analítica e interpretativa da forma e do conceito dos elementos que compõe a imagem. A Gestalt vê as partes que contém o todo, trabalha a possibilidade de múltiplas leituras e ajuda a compreender o sentido daquilo que significa.

É a composição expressa na reportagem editada, finalizada, que determina o objetivo e o significado da manifestação visual e têm fortes implicações com relação ao que é recebido pelo espectador. O conteúdo é o que está sendo direta ou indiretamente anunciado; é o caráter da informação, a mensagem. Ela pode ser repassada de diversas formas, dependendo do meio.

No caso da comunicação visual, nossa percepção de conteúdo e forma é simultânea. Por isso, segundo Dondis (1997), o caráter da informação, nunca está dissociado da forma: “a composição é um meio interpretativo de controlar a reinterpretação de uma mensagem visual” (Cf. DONDIS, 1997:133). Assim, para se ter uma comunicação mais eficiente é preciso levar em conta os dois âmbitos.

Por conta disso, a sintaxe (ordenação) e a semântica (significado) visual são tão importantes. Para compreender um pouco melhor como isso se dá em TV, é possível citar um exemplo. Para Dondis (1997), em veículos impressos a disposição do texto, foto e arte é determinada por regras bem definidas: “tudo o que se tem de fazer é aprender a usá-las inteligentemente”. Já na televisão, a ordem não precisa seguir uma linearidade, para que o conteúdo informe e seja compreendido.

No contexto do alfabetismo visual, a sintaxe só pode significar a disposição ordenada de partes, deixando-nos com o problema de como abordar o processo de composição com inteligência e conhecimento de como as decisões compositivas irão afetar o resultado final. (Cf. DONDIS, 1997:29).

O fato é que as imagens não só constituem formas vigorosas de atração do olhar, como representam o real. E são as características estésicas da imagem que têm a função de tirar o destinatário da sua condição de espectador, ou seja, daquele que apenas olha as imagens, tocando-o por uma espécie de vínculo afetivo mediado pela reportagem. 

Não se trata aqui de discutir a eficácia desses dispositivos ou a medida de seu alcance para qualquer ação pragmática efetiva, mas de evidenciar a maneira com que o conteúdo foi apresentado para atrair a atenção do espectador; desacelerar seu ritmo cotidiano propor-lhe uma parada do olhar.

Na reportagem em análise, alguns elementos merecem destaque: a chaleira, o laço, o cavalo, e o poema, que compõem esteticamente a reportagem e provocam estesia. Os três primeiros, por apresentar coerência, forma simples, harmoniosa e de leitura fácil e rápida, podem mais prontamente serem configurados nos preceitos das caracterizações da Gestalt.

Já a poesia é personificada nos personagens, na voz, na música, no violão a acompanhar e produzir a melodia; por isso sua identificação, fundamentalmente depende do repertório do espectador, para ser compreendida e identificada.

É importante destacar que por vezes o elemento fundamental nem sempre está expresso na sua origem. Exemplo prático é a chaleira. O objeto, que neste caso, remete ao fogão à lenha, à campanha, o chimarrão; na casa de um dos personagens, deu lugar a uma garrafa térmica.

Ainda assim, são tantos elementos mostrados no ambiente, e que reforçam a cultura, que esse objeto quase passa despercebido. De acordo com Filho (2003), isso acontece graças à profusão, ou seja, a diversidade de elementos utilizados na composição, muitos deles mesmo não sendo fundamentais, enfatizam a obra: “a profusão [...] geralmente compõem o fundo da mensagem principal” (Cf. FILHO, 2003:81).

A chaleira disposta em cima do fogão à lenha é um objeto que pode ser representado sob o ponto de vista da Gestalt, pela minimidade: “ela realça visualmente os aspectos de clareza e simplicidade e função, sobretudo de um mínimo de unidades ou elementos informacionais, quase sempre apenas o essencial” (Cf. FILHO, 2003:80).

O laço é o elemento que abre a reportagem. Também remete à campanha, e a lida com o gado, traz a simbologia e a representação do vaqueiro dos pampas, personagem fundamental e original do tema reportado. Por vezes a corda é mostrada contra o reflexo do sol, elemento que favorece a caracterização conceitual de clareza na Gestalt. Na configuração primeira, e nos demais momentos da reportagem, é fácil perceber do que se trata o objeto. A estética é funcional, de fácil decodificação.

Quando demonstrada no rodeio, e em atividade, se configura com o efeito de contraste e dinamismo: “a sensação de movimento dinâmico reflete, sobretudo, de maneira muito intensa, mobilidade e ação” (Cf. FILHO, 2003:68).
O movimento da corda também se apresenta com contraste e ritmo:

O ritmo é um movimento que pode ser caracterizado como um conjunto de sensações de movimentos encadeados ou de conexões visuais ininterruptas, na maior parte das vezes, uniformemente contínuas ou sequenciais ou semelhantes ou, ainda, alternadas. (Cf. FILHO, 2003:69).

O cavalo é apresentado com características de naturalidade, por vezes está a serviço do homem, ora está como parceiro no trabalho. No fim da jornada é como se ambos entendessem que a união da atividade em conjunto é que permite que tudo dê certo.

Assim como é retratado na fala do repórter e na de um entrevistado: “E como se já nascessem sabendo da parceria, bicho e gente se acertam na rotina do pampa. ‘O homem e o cavalo estão em uma tarefa única e entendendo um ao outro’, aponta um senhor”; há também a imagem reforçando todos os momentos enunciativos.

Em um dos últimos takes (inicia-se quando se liga a câmera e dura até que se desliga, ou interrompe a gravação)está o violeiro a ir embora com o seu cavalo, ao invés de estar montado, ambos caminham lado a lado. A imagem é contra o sol, e se encaixa no contraste de luz e tom: “Um mesmo tom muda seu valor conforme outro que se lhe associe, dentro de certas relações contextuais”.

Na cena descrita acima, a imagem como um todo sintetiza os conceitos expressos acerca do contraste tonal; a imagem dá a sensação de movimento e harmonia. A “ida embora” se torna interessante visualmente; “casada” com a música de fundo é um fechamento ideal.

A presença da poesia pode ser notada no desenrolar da história. O poema é tratado como algo intrínseco aos demais elementos, até mesmo como fruto dessa vivência do gaúcho. Os personagens falam sobre ele, e a música atribui seu significado maior, que é o de transportar os sentimentos e a cultura do Rio Grande do Sul em cada palavra e ritmo.

Na declamação da música, já no desfecho da reportagem, elementos que compõem o significado são reforçados pela imagem. Um destaque fica por conta da colocação desses elementos como uma lista: “E assim, como a chaleira, o laço e o cavalo, o poema acompanha o peão nas fazendas do Rio Grande do Sul”.

A imagem que “cobrem” essa fala é dos objetos, mas também há presença de elementos que novamente dão o tom primordial da cultura, como a bandeira, a criança a aprender e seguir os passos dos mais velhos; o poema é exemplificado com imagens do cotidiano, algumas mais específicas como as do trabalho, outras, a vista e a imensidão do campo.

Para expressar e reforçar todas essas informações visuais, a edição também se preocupou com a composição do contraste da cor. As cores mais quentes são expressas em momentos mais intimistas e passa essa ideia a quem vê a reportagem, garante esta estesia. Do mesmo modo, as cores frias, como a usada no take quase no fim da reportagem, para expressar a poesia, demonstra a saudade de uma maneira visual. Também pelo movimento das folhas, ideia de entardecer e o céu azulado desperta a sinestesia, a nostalgia.

No estudo da Gestalt, a cor é a parte do processo visual, considerada mais emotiva; e é poderosa do ponto de vista sensorial: “A cor não só tem um significado universalmente compartilhado através da experiência, como também tem um valor independente informativo, através dos significados que se lhe adicionam simbolicamente” (Cf. FILHO, 2003:65).

Por tudo isso é que é possível verificar que a forma de expressão antecede e conduz a forma do conteúdo. E todo o processo de significação embora visto como fenômeno é na verdade a essência das coisas. São os sentidos humanos que norteiam essa produção de significados.

Além dos símbolos, edição, e até mesmo a escolha do horário do dia em que as imagens foram gravadas, o tom das cores predominantes determinam a linguagem visual e são capazes de potencializar a abrangência do discurso. Assim a produção de sentido ou significado na linguagem visual se dá pela combinação das relações entre o plano estético e o poético, mais o contexto revelado pelo texto visual e sua enunciação.

5. Considerações finais

Uma página em branco aceita tudo. Essa antiga premissa desafia os profissionais do jornalismo a fazerem o diferente. Há décadas o texto jornalístico se tornou regrado, para depois os profissionais novamente buscarem a desconstrução, a autoria. O Jornalismo Narrativo por décadas perdeu espaço nas redações para o texto objetivo, informativo e a construção simplificada da notícia. Só depois de algum tempo o gênero tem tomado proporções de redescoberta, de valorização daquilo que tem de bom para se contar uma história.

Na televisão, essa percepção de estudos da comunicação é ainda mais tímida. Muito se fala em repórteres que se destacam pela linguagem, mas pouco se define em relação ao jornalismo narrativo. A análise feita sob esse âmbito, no presente artigo, proporcionou destacar elementos que fazem da reportagem “O vaqueiro dos pampas”, uma construção jornalística com características presentes da linguagem do gênero narrativo.

Neste estudo, mais do que discutir a palavra falada ou escrita, procurou-se provocar o sentido de uma maneira mais integradora, considerando imagem, som, texto, e o que esta construção pode atribuir e significar enquanto reportagem.

O uso do gênero narrativo destacou-se por sete características presentes na reportagem de televisão: a construção das cenas, os detalhes, a mudança do ponto de vista, a voz autoral, o estilo, a ambientação mais trabalhada e o cuidado com a informação.

Técnicas que têm origem na literatura e que empregadas a serviço da linguagem jornalística, fazem da reportagem mais que um produto informativo, tema de interpretação e de construção de conhecimento, junto ao espectador.

É o caráter que garante à reportagem a permanência, como forma de registro, que perpassa o tempo.


NOTAS

[1] A reportagem também pode ser vista em: http://www.youtube.com/watch?v=uOH44pyc6Y0. Texto completo disponível em: http://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,,MUL829688-16020,00-O+VAQUEIRO+DOS+PAMPAS.html.


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*Kethleen Simony é jornalista graduada pela Faculdade Assis Gurgacz (FAG), em Cascavel/PR. Franciele Luzia de Oliveira Orsatto é docente na FAG.

 

 







Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 13 | Outubro | 2010
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