Outubro de 2010
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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ENTREVISTA


JORGE PEDRO SOUSA
"Há cada vez menos liberdade
de imprensa em Portugal"

Por Maria Érica de Oliveira Lima*

Leia abaixo entrevista com Jorge Pedro Sousa, professor e pesquisador de jornalismo na Universidade Fernando Pessoa (Porto, Portugal).

Assíduo participante de encontros acadêmicos no Brasil, como Intercom, Celacom, Rede Alcar, entre outros, Jorge Pedro Sousa desenvolve suas pesquisas em linhas que englobam teoria e história do jornalismo e análise do discurso jornalístico impresso.

Ao longo de sua carreira, publicou diversos livros, sendo o mais conhecido “Uma história crítica do fotojornalismo ocidental” (1998) (N.E.: no Brasil, foi publicado em 2000 pela Editora Letras Contemporâneas).

Robertson Luz/UP. Reprodução

Seu livro mais recente, de 2007, intitula-se “A génese do jornalismo lusófono e as relações de Manuel Severim de Faria” (ainda sem edição nacional).

De acordo com o seu perfil na Internet, define-se como “um misto de liberal, conservador e ecologista. Procuro ser tolerante, o meu principal valor é a liberdade e acredito que o capitalismo responsável e a democracia são os menos maus dos sistemas político-econômicos”.

           
Nesta entrevista, realizada pela professora Maria Érica de Oliveira Lima, ele revela um olhar crítico sobre o jornalismo português e as contradições dos profissionais, aos quais chama de “manada”. Em uma análise penetrante, o pesquisador destaca a crescente falta de apuração no jornalismo português e a rígida legislação de seu país em relação à liberdade de imprensa.

E, em linhas gerais, estabelece algumas comparações entre o jornalismo português e brasileiro, além de oferecer dicas preciosas aos novos profissionais.


Maria Érica Oliveira Lima: Editorialmente, como podemos definir a produção do jornalismo impresso português?

Jorge Pedro Sousa: Tal como acontece na generalidade dos países, em Portugal há jornais generalistas direcionados para segmentos diferenciados do público. Temos também um fenômeno curioso, que é o dos semanários generalistas, e uma importante imprensa regional e local – na qual podemos destacar, por exemplo, o semanário Grande Porto.

Entre os diários generalistas de qualidade, distinguiria o Público, um jornal surgido dos anos noventa, e o centenário Diário de Notícias, cuja publicação ininterrupta começou em 1865. O Diário de Notícias foi o primeiro periódico industrial do país e provocou uma revolução no jornalismo português. Mas os líderes de audiência são os jornais mais populares O Correio da Manhã e o Jornal de Notícias.

São populares, mas não são jornais de pouca qualidade. O Correio da Manhã, por exemplo, tem descoberto e denunciado alguns dos casos de abuso de poder mais relevantes, enquanto o Jornal de Notícias se vincula impressionantemente ao Porto, segunda cidade do país, onde tem a sua sede.

Diz-se, inclusive, que o norte do país termina onde o Jornal de Notícias deixa de ter domínio de vendas. Entre os diários, há ainda o Jornal I, que apareceu recentemente, e que é um diário "arejado", arrojado no design, em formato revista, direcionado para um público jovem e urbano. Entre os semanários, que se distinguem pelo peso da análise e da opinião e pela informação política e econômica, o mais relevante é o Expresso, nascido em 1973.

Recentemente, o semanário Sol ganhou destaque por publicar arrojadamente um conjunto de informações embaraçantes para o Governo. Foi perseguido. Devo dizer que há cada vez menos liberdade de imprensa em Portugal. Por vezes, um jornal, ou qualquer outro meio, pode expor a verdade dos fatos e ser perseguido por isso.

Os governos sucessivos têm-se encarregado de produzir legislação cada vez mais cerceadora da liberdade de imprensa no país. E há também cada vez mais processos judiciais contra jornalistas, o que constitui outra forma de diminuir a liberdade de imprensa.

Maria Érica Oliveira Lima: Quais foram e quais são, na atualidade, as maiores influências do jornalismo impresso português?

Jorge Pedro Sousa: O jornalismo é crescentemente globalizado, portanto os meios e os jornalistas de todo o mundo influenciam-se cada vez mais mutuamente, mas também agem cada vez mais como uma tribo, e às vezes até como uma "manada", razão pela qual haverá uma certa homogeneização da oferta jornalística em todo o mundo.

Historicamente, o jornalismo português foi primeiro influenciado pelo francês, desde o tempo das gazetas, no século XVII, até meados do século XIX; sofreu também influências do jornalismo inglês, americano e espanhol, especialmente desde a segunda metade do século XIX.

Maria Érica Oliveira Lima: Na sua opinião, qual é o melhor jornal de Portugal e por quê?

Jorge Pedro Sousa: Não se pode falar de um jornal melhor. Cada qual tem as suas qualidades e os seus defeitos. Cada qual se direciona para um público específico. Eu compro o Público, principalmente porque aprecio a análise política, econômica e internacional e porque gosto das colunas de opinião.

Mas também aprecio muito o Jornal de Notícias, porque é o diário da minha cidade, o que mais informação traz diariamente sobre o Porto. O que eu quero salientar, de qualquer modo, é o papel insubstituível e meritório que os jornais têm no contexto da democracia portuguesa.

Maria Érica Oliveira Lima: Como em outros lugares, o número de leitores diminuiu em Portugal. Como vê esse fenômeno?

Jorge Pedro Sousa: Não se pode falar de uma diminuição do número de leitores, mas apenas de uma diminuição do número de compradores de diários generalistas. Na verdade, os diários generalistas, em Portugal como noutros pontos do mundo, enfrentam o desafio dos jornais online e dos jornais impressos gratuitos.

Os jovens que buscam jornais não sentem a necessidade de pagar a versão impressa, quando podem ter acesso a uma versão na Internet; as pessoas que se contentam com informação superficial e não querem, ou não podem, gastar dinheiro num jornal "a sério", satisfazem-se, frequentemente, com um jornal gratuito, como o Metro ou o Destak. Em conjunto, o número de leitores está até aumentando.

Maria Érica Oliveira Lima: O que mais sente falta no jornalismo impresso português?

Jorge Pedro Sousa: Sinto-me muito satisfeito com o jornalismo português, que cumpre bem o seu insubstituível papel numa sociedade plural. Exigiria, sim, ao poder político, a ampliação da liberdade de imprensa e o fim da perseguição judiciária aos jornalistas, quando estes falam apenas a verdade dos fatos.

Maria Érica Oliveira Lima: Falando em novas ferramentas de mídia e redes sociais, como Twitter, YouTube e blogs, trata-se de um fenômeno tão intenso em Portugal como no Brasil?

Jorge Pedro Sousa: Em termos percentuais, é tanto ou mais intenso do que no Brasil.

Maria Érica Oliveira Lima: Como vê o jornalismo online em Portugal? Ele tem avanços, pertinências?

Jorge Pedro Sousa: O jornalismo online português tem acompanhado perfeitamente as grandes tendências mundiais. Infelizmente, por incapacidade financeira, não se cumprem todos os projetos nem se concretizam todas as ideias.

Os meios jornalísticos portugueses não são ricos e isso faz toda a diferença, pois a solidez financeira das empresas jornalísticas é condição indispensável para investir em novos recursos e proporcionar aos jornalistas tempo para fazerem investigações e averiguações e realizarem novas ideias.

É preciso tempo, e são precisos recursos, para fazer uma coisa tão simples como a confirmação das informações. Mas por vezes a pressão do tempo e a falta de recursos geram uma acomodação tal à rotina de trabalho que os jornalistas nem sequer fazem o que é mais importante: verificar sempre a informação produzida.

Maria Érica Oliveira Lima: Qual a principal semelhança e diferença entre o jornalismo português e o brasileiro?

Jorge Pedro Sousa: Os jornalismos do mundo são cada vez mais "o jornalismo" do mundo, ou seja, os produtos são muito homogêneos, muito padronizados, em cada segmento. Ou seja, o jornalismo é cada vez mais segmentado, mas em cada segmento de mercado a oferta jornalística é relativamente homogênea nos países democráticos e industrializados, no sentido de que os meios jornalísticos obedecem a determinados modelos.

Mas isto não significa que os modelos tenham muito de errado. Significa apenas que se seguem os padrões que asseguram o êxito ou, pelo menos, a viabilidade dos projetos jornalísticos. Por outro lado, a homogeneização é mais nas formas do que nos conteúdos. Isto é, os conteúdos, embora, ocasionalmente, possam ser semelhantes, normalmente são suficientemente diversificados para assegurarem pluralidade de oferta e de escolha.

Mesmo quando os meios abordam os mesmos temas, a forma como o fazem normalmente é diferente. De qualquer modo, uma diferença entre o jornalismo brasileiro e o português está no fato de que no brasileiro é mais comum a mistura entre opinião e informação em textos de caráter eminentemente informativo, como as reportagens. 

Maria Érica Oliveira Lima: Atualmente, no que está trabalhando na área de pesquisa científica?

Jorge Pedro Sousa: Estou trabalhando no resgate do pensamento jornalístico português e na gênese do jornalismo em Portugal. 

Maria Érica Oliveira Lima: Seja qual for a época, para ser um bom jornalista, em Portugal ou no Brasil, quais são as recomendações mais importantes aos nossos alunos de jornalismo?

Jorge Pedro Sousa: Verifiquem bem todas as informações e não tenham medo de darem testemunho da verdade. E não me venham dizer que a verdade não existe. A verdade é enunciada sempre que há adequação do discurso à realidade. Chama-se também a isso objetividade – sobreposição do objeto de conhecimento aos diferentes sujeitos que o conhecem.


*Maria Érica de Oliveira Lima é professora adjunta do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

 

 







Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 13 | Outubro | 2010
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