A problemática da transgressão percorre o conjunto da obra do escritor Samuel Rawet, que durante toda a sua carreira questionou os sistemas religiosos, morais, estéticos e éticos que regem a nossa sociedade. Nos anos 70, no entanto, seu posicionamento se radicaliza, devido certamente à situação política brasileira e à emergência de novas correntes filosóficas nascidas nos movimentos revolucionários europeus da época. A obra raweteana escrita nesta período, e em particular sua obra teatral, é um testemunho concreto deste processo cujo objetivo é estabelecer uma nova base estética e ética para a literatura, notadamente pelo esgotamento dos elementos sobre os quais ela tradicionalmente se apoiou.
A presente pesquisa tem como objetivo o estudo da produção cênica de Dercy Gonçalves, uma das mais populares comediantes brasileiras. Estendendo-se do teatro de revista e de comédia para o cinema e a televisão e chegando depois de quase um século de atividades às mídias digitais como ícone de um tipo específico de humor, essa produção não foi até hoje devidamente aferida pela crítica e historiografia das artes cênicas no país. Tal desinteresse denuncia, no mínimo, a existência de lapsos entre a teoria e a prática, a partir dos quais melhor se pode compreender tanto a importância do discurso dialógico ou paródico para a sobrevivência da cena popular, quanto a trama entre popular e erudito que malgrado as pretensões oficiais, sempre caracterizou o teatro brasileiro, explicando inclusive a dessacralização que permeia suas expressões mais genuínas, das comédias de costume ao teatro "inteligente" que nas últimas décadas do século XX se impôs no panorama internacional. Encontrada nas estratégias cênicas da comediante em sua forma mais radical, ou seja, em procedimentos de carnavalização e realismo grotesco, o que já justifica seu atávico desconcerto com a oficialidade, a paródia é, conseqüentemente, o conceito emergente no estudo. Como canto paralelo ou cena que se enuncia sempre "à sombra" de outra, com a qual se identifica e simultaneamente se alterna, sugere através do caso em exame a urgência e os prazeres de descobrir, à luz corrosiva das vertentes populares, a pluralidade e o hibridismo que fecundam os palcos nativos.
O objetivo desta tese é a análise de personagens singulares da dramaturgia – Medeia, Virgínia
e María –, inseridas respectivamente nas peças Medeia, de Eurípides; Anjo Negro, de Nelson
Rodrigues e Medea en el espejo, de José Triana. A escolha das peças justifica-se pelo ponto
de contato entre elas no que diz respeito ao conteúdo temático: as protagonistas criadas por
autores tão distantes no espaço e no tempo compartilham, todas, a ação de assassinar os
próprios filhos, crime considerado terrível e monstruoso. A intenção é analisar, sobretudo, a
adaptação do mito realizada por Eurípides; as releituras dos dramaturgos brasileiro e cubano
referidos, e também a performance realizada pelas personagens a partir da análise do duplo
sentido do termo “phármakon” (remédio ou veneno) em a Farmácia de Platão, de Jacques
Derrida. Pretendeu-se analisar os crimes da feiticeira Medeia, em Eurípides; do médico
Ismael e da branca Virgínia, em Nelson Rodrigues e de María, em José Triana. Medeia,
Ismael, Virgínia e María têm em comum o conhecimento e a habilidade com o uso do
phármakon para a realização de alguns de seus crimes, seja no campo do conhecimento
prático ou na esfera da palavra. Nesse sentido, o crime e a violência não seriam frutos da força
física, mas de um “conhecimento” capaz de promover a mutilação ou a morte.