A problemática da transgressão percorre o conjunto da obra do escritor Samuel Rawet, que durante toda a sua carreira questionou os sistemas religiosos, morais, estéticos e éticos que regem a nossa sociedade. Nos anos 70, no entanto, seu posicionamento se radicaliza, devido certamente à situação política brasileira e à emergência de novas correntes filosóficas nascidas nos movimentos revolucionários europeus da época. A obra raweteana escrita nesta período, e em particular sua obra teatral, é um testemunho concreto deste processo cujo objetivo é estabelecer uma nova base estética e ética para a literatura, notadamente pelo esgotamento dos elementos sobre os quais ela tradicionalmente se apoiou.
A pesquisa traz uma abordagem da transgressão do ser vivendo em meio ao caos,
como efeito estético provocado pelos sentimentos mais sombrios e monstruosos como
ciúme, egoísmo, inveja, entre outros. Os objetos Otelo, de William Shakespeare, e
Anjo negro, de Nelson Rodrigues, foram escolhidos de maneira acurada para trazer à
baila, pelo método comparativo, a dissimulação das ações dos protagonistas que
revelam seus afetos e desafetos. O desejo deixa os personagens Otelo e Ismael
embaraçados em seu próprio ego. Os ritmos dos acontecimentos são tensos, com
reflexos de morte, num palco de possibilidades pelo viés das palavras. Nas cenas, os
comportamentos dos personagens mostram contrastes entre amor e ódio. A origem
da situação dramática parte do interior do ser que se perde em si e mergulha em um
labirinto sem saída. Os referenciais teóricos que nos deram base para o estudo foram
Carvalhal, Bataille, Sartre, Freud, Marvin Carlson, Bradley, Bakhtin, entre outros.
Assim, as peças em análise comparativa exibem estórias cheias de intrigas, traições,
desejo transgressor de sentimentos, num cenário de guerra interior que sugere ser
reflexo da condição humana.