Boca
Momento importante para a perpetuação de um jornalismo diferenciado, no sentido de falar outros sons por meio de notícias variadas. Informações traduzidas pelo universo dos acontecimentos. Pautas desenvolvidas pelo contato com o público. O repórter continua alerta. Seleciona os assuntos predominantes, que realmente interferem no cotidiano das pessoas. O noticiário está aberto, sem vínculo com as notícias pré-determinadas. Mas nada foge da boca do repórter. Sua presença é fundamentada pelo testemunho, sua ausência determina que o outro tem direito ao testemunho. Desta forma, ele está presente, porque o público é a extensão de sua boca, de sua voz, de sua profissão.
Inicia-se a democracia nos programas radiojornalísticos. As emissoras brasileiras, inclusive as comerciais ligadas aos grandes grupos de comunicação, agora garantem ao repórter a condição de agente participativo, sujeito conhecido pela população, atuante para quem se pode falar ou ligar sem ser menosprezado por estar fora do grupo de privilegiados, dos que tem direito ao microfone. As pressões vão existir, porque é “necessário” falar dos lugares e de quem habita neles. É possível vigiar o governo, vasculhar a vida das celebridades, incentivar eventos e, ainda assim, relacionar assuntos que massacram ou auxiliam o povo brasileiro. Basta vontade.
O conteúdo é alimentado por matérias selecionadas pela equipe de jornalismo e cabe ao condutor do processo de construção da notícia, determinar o que é de interesse público. Ganha-se a principal função exercida pelo jornalista – a de repórter, do profissional que determina as diversas fases da cobertura, desde a coleta até a transmissão. Partindo da origem do acontecimento, as fases de coleta, seleção, apuração dos dados, bem como as de elaboração, checagem e finalização da matéria sem se restringir ou se limitar ou mesmo se condicionar a atual crise do radiojornalismo, fundamentada pela simples reprodução do que já foi dito.
Quebram-se as portas do jornalismo brasileiro pela divulgação radiofônica do que realmente acontece por dentro da vida das pessoas, principalmente, daqueles que necessitam de um teto, de uma terra, de um professor, de comida, de atendimento médico, de lazer, enfim, de conforto advindo de seu próprio suor. São bocas calejadas que merecerem respeito, que podem ter no jornalista de rádio uma extensão da angústia e da alegria, do que realmente os outros precisam saber. Se o repórter pode (re) transmitir o que se passa com as personalidades, também é de sua responsabilidade relatar a vida cotidiana, posicionando-se, criticamente, diante dos acontecimentos, possibilitando a atuação direta pela passagem (contato), sem discriminar a fonte conforme a posição adquirida no contexto social.
A facilidade é imensa quando o jornalista participa diretamente das fases de construção da notícia. Os fatos se revelam na seqüência, sendo o repórter também protagonista do acontecer. Ele amplia o que está em documentos ou mesmo na fala dos entrevistados. Sente-se seguro, observando uma saída integral para relato. Detalhes são acrescentados pela percepção, podendo assim interpretar o que já foi ou está sendo dito ou mesmo o que já aconteceu ou está acontecendo.
O repórter também é fonte. As impressões precisam ser transmitidas. Ele é o ouvinte, que se projeta no acontecimento, como protagonista que relê a história. Fato ampliado pela boca, que pode ser ouvido (a) em qualquer lugar do mundo. Estar presente, como as histórias que as pessoas contam quando chegam em casa. Sabe o que aconteceu? Relato das passagens da vida. Desejo de dividir/repartir certos momentos. Multiplicar a presença como se o outro estivesse presente. Incorpora-se a história de alguém. Conviver com o sentimento alheio. Quem não chorou ou riu quando um colega ou parente contou determinada passagem?
Boca que integra os demais sentidos; boca que revela o cotidiano; boca que não é feita apenas para ler em voz alta, mas para revelar os acontecimentos que fazem parte da rotina de todos nós; boca que passeia pelo terreno; boca que não fica sentada em frente ao computador. Podem chamar de repórter vigilante ou ronda. Que seja! O lugar do repórter de rádio é estar em todos os lugares, sem ficar preso na redação, fazendo entrevistas pelo telefone ou reescrevendo matérias.
Para quem não acredita, o rádio está sempre sendo vigiado. Um dia passei por uma banca de revista. O proprietário estava irritado com uma emissora paulistana, vizinha da banca. Um repórter anunciara que o tempo estava apenas nublado em São Paulo. Logo o proprietário disse: “Choveu o dia inteiro aqui. É brincadeira. Hoje à tarde, eu irei à rádio reclamar”. Curioso, voltei no outro dia. “Como foi?”, eu perguntei. “Fui até a emissora. Chamei o editor-chefe. Ele demorou, mas veio. Logo perguntou. ‘Pois não?’ Contei o fato e disse: Fale para seu repórter olhar pela janela. Me despedi e fui embora”, respondeu o ex-ouvinte da rádio. Outro dia também fui ao sítio de um pequeno agricultor. Ele estava ouvindo o radiojornal local. “E aí, o programa está legal?”. Logo levei uma indireta dele. “É! Eles estão

 

< voltar | sumário | avançar >