INTRODUÇÃO AO JORNALISTA LATINO-AMERICANO

_____O registro compõe as faces da beleza e da indignação. O relato permeia a (in)justiça, mas recupera o sentimento da liberdade, da originalidade, da independência. O presente consolida (e estende) o indivíduo que necessita (re)contar a sua própria história. Além do desafio de revelar atualidades, vale a esse jornalista compartilhar o processo, porque, para ele, o público é a extensão dos olhos que traduzem a união entre os fatos que estão próximos e os distantes.
_____O contraste fundamenta o caminho entre os que apenas transferem as informações e entre aqueles que revelam as notícias também pelas impressões. Fica a separação entre o móvel e o estático (do jornalista que procura o modo possível de dizer as coisas pela familiaridade, pela presença física, em contraste com os burocratas que ficam sentados na sala de redação, imaginando o mundo, alimentados pelas notícias de outrem).
_____O repórter precisa sair para vivenciar a natureza, a língua, as pessoas, para sentir que não está sozinho, que ambos possuem a mesma indignação com a política podre, mas, ao mesmo tempo, se deliciam pela beleza de estarem vivos e, apesar de tudo, conseguirem amar, perdoar, rezar, dançar, rir, conviver e, até na rivalidade pelas breves disputas políticas, esportivas, religiosas, saber brincar ao dizer que “não se discutem esses assuntos”.
_____A versão dos acontecimentos é revelada pelo contato com o cidadão comum que o aproxima dos universos constituídos pela inclusão versus privação, pelo confronto entre aqueles que procuram o bem-estar público e os que, pela própria razão, se apóiam na indiferença (no descaso). A exaltação pela beleza imperfeita que marca a política dos homens diante da natureza. O berro da revolta em contradição com o “fico quieto por que posso perder o meu emprego, a minha boquinha”.
_____A história é sempre uma surpresa para os jornalistas que revelam as semelhanças dos países que formam a pátria latino-americana. A certeza é a sobrevivência da reportagem que mexe com o coração porque destrói a racionalidade sem compreender a indiferença dos governantes diante de um sorriso, um sonho, um prato de comida, um abraço de compaixão, um casebre limpo, o quintal cultivado, uma boca calada, mas que grita somente quando algo a incomoda. Vibrações repulsivas pelo ônibus lotado, o assalto, o tratamento médico inadequado, a falta de dinheiro, a morte; compulsivas por causa do nascimento do filho, do emprego, da casa, da terra, da dança, da piada, e impulsivas na proteção da pátria marcada pela família, os amigos, a crença.
_____Esse jornalista sem medo, agora, denuncia a sobrevivência de um povo. Ele não tem preguiça, possui o texto, a fala, a imagem, o estilo desconexo com o padrão jornalístico que ensinam nas redações e nas faculdades. Alforria! é o grito do repórter perante o preconceito do texto livre que forma a verdade. A pauta é a distribuição de renda, a convivência paralela com o próximo, na esperança das mesmas oportunidades de vida (e não de morte). Simplicidade para que todos compreendam a notícia.
_____Então ele propõe ao cidadão com medo que, pelo jornalismo, diga o que necessita transmitir. Fala ao companheiro que é possível dividir o tempo, sem ficar guardando as mágoas ou mesmo deixar passar os momentos fundamentais de sua existência. Concede o espaço do rádio, da televisão, do impresso, da internet, dos meios de comunicação, transformando o particular em compartilhado.
_____Ao jornalista é permitido relatar os fatos que conduzem a coletividade, sem ser ele o castrador daquilo que as pessoas desejam ou precisam ouvir e falar. E, por isso, muitas vezes, ocorre o deslocamento dos assuntos estampados nos jornais. O distanciamento que possibilita o confronto entre a temática da mídia e as notícias do cotidiano.
_____Chegou a hora de um jornalismo baseado no sentimento que alia a revolta (pelo descaso), a esperança (por mudar) e a alegria (por estar vivo). Elementos que contrastam com a atual agenda da indústria da desinformação que opera a notícia sem debate ou interação. O jornalista quer conversar, saber “o que se passa pela cabeça” ou “o que melhorou” no dia-a-dia da população. A demagogia ficou no passado, assim como o autoritarismo do grupo político dominante.
_____A pauta dirigida pela verdade da política (não dos políticos), da educação (não dos clientes), da saúde (não dos incentivadores da fila), da segurança pública (não da violência), do emprego (não da exploração), do meio ambiente (não dos poluidores), enfim, uma cobertura que conceba a dignidade e o sustento de um povo.
_____O jornalismo reflete o desejo de acreditar no político que seja servidor público; o desejo de andar pelas ruas limpas, seguras e sem buracos; de ver o filho estudar na escola pública de qualidade; de ter vencimentos dignos para a sobrevivência; de adquirir uma profissão; de ser atendido quando está com dor; de navegar pelo rio limpo, sendo este estado de coisas o mínimo para “viver em paz”.

 

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