O diálogo entre o teatro e a política se fez presente em diferentes momentos na história
do Brasil, principalmente nas décadas de 60 e 70. Neste período, uma das contribuições
políticas e artísticas que pode ser ressaltada é a escrita da peça Rasga Coração (1974),
de Oduvaldo Vianna Filho. Essa peça marca diretamente a trajetória do autor, por ser a
última peça escrita antes de vir a falecer e por trazer ao palco reflexões sobre os
conflitos de gerações entre pais e filhos, bem como de movimentos e disputas políticas
organizadas, no Brasil, durante diferentes períodos históricos. A análise de Rasga
Coração repercutiu quando estreada em 1979, após cinco anos de censura de seu texto,
e ainda traz, atualmente, contribuições importantes para os sujeitos e movimentos
sociais que visualizam no teatro um instrumento de enfrentamento das diferentes
situações de desigualdade vivenciadas pelo povo brasileiro. Nesse sentido, a presente
pesquisa procura, a partir da análise de Rasga Coração, amparada no diálogo com a
história e a política, colaborar para um melhor entendimento de Vianinha enquanto um
intelectual e artista de seu tempo, assim como discutir em que medida suas reflexões e
práticas contribuem para a reflexão sobre a atuação política dos movimentos sociais,
principalmente do Movimento Sem Terra e do Levante Popular da Juventude.
O século XX marca uma época em que escritores pós-coloniais despertam interesse por A Tempestade (1610), de Shakespeare, como capital cultural para destacar as desigualdades do encontro colonial e enfrentar os seus efeitos contemporâneos. Ao se apropriarem dessa peça, tais escritores se ocupam de uma prática politizada e atenta a questões relativas ao exercício do poder. Especialmente a personagem Caliban tem sido adotada como um ícone cultural, sendo considerada um emblema das populações nativas colonizadas. Um destes escritores é Augusto Boal, célebre dramaturgo brasileiro e criador do método do Teatro do Oprimido, que propõe uma nova maneira de fazer teatro, segundo a qual o espectador se transforma em sujeito da ação dramática ( spect-ator ). Em vista disso, uma peça de teatro, então, deve despertar o indivíduo para discutir temas relacionados a todo tipo de opressão e ensaiar ações que possam, efetivamente, modificar a vida em sociedade. Aos moldes da Estética do Oprimido, Boal se apropria d A Tempestade, de Shakespeare, e a reescreve, no exílio, em 1979, época de ditadura militar brasileira e momento bastante fecundo para retomar Caliban enquanto representante das opressões advindas deste encontro colonial. Em virtude disso, a presente dissertação se propôs a fazer um estudo comparativo, à luz da teoria pós-colonial, da figura do oprimido em A Tempestade, de Shakespeare, e na apropriação de mesmo título, realizada por Boal. Reconhecendo que a apropriação denota uma relação intertextual mais questionadora, em virtude da prática crítica que visa adotar, tomamos o texto de Boal como uma resistência às leituras convencionais do texto de Shakespeare, além de retomar um espaço textual privilegiado para abordar o problema da opressão.