As primeiras manifestações cênicas no Brasil são obras dos jesuítas Manuel da Nóbrega, João Azpilcueta Navarro, os quais utilizaram o teatro como instrumento de educação moral e artística. Mas, segundo José Carlos de Macedo Soares, os colonizadores portugueses trouxeram da metrópole o hábito das representações laicas, mas sem ajustá-las totalmente aos preceitos literários. Eles “amavam as representações desde as mais simples como o apropósito, até as comédias de costumes, passando pelos milagres ou mistérios e pelos autos”, inclusive, aqueles criados por Gil Vicente em Portugal, na época do descobrimento do Brasil (SOARES, 1954, p. 6). Entretanto, coube ao Padre José de Anchieta criar as primeiras manifestações da arte cênica religiosa em nosso país, mesclando em seu contexto, elementos oriundos do velho mundo e da Igreja Católica com os elementos de uma cultura cá existente, a dos indígenas. Sendo assim, o objetivo do nosso artigo é dissertar sobre os resíduos do Diabo Medieval no teatro elaborado pelo Padre José de Anchieta, em três autos escolhidos – Auto da Pregação Universal, Na Aldeia de Guaraparim e Na Vila de Vitória ou Auto de São Maurício. Como resultado, defenderemos a hipótese de que a representação do Diabo no teatro medieval está residualmente presente no teatro brasileiro quinhentista do Padre José de Anchieta, bem como as questões relativas à mentalidade, o imaginário cristão medieval, o teatro, a representatividade e os resíduos literários de uma época para outra.
Partindo da face monstruosa da morte, representada miticamente pela máscara de Gorgó (Vernant, 1998; 2001), pretendemos articular os conceitos de “teatro da morte” de Kantor (1998), “teatro da crueldade” de Artaud (2006) e a tese acerca de metateatralidade de Abel (1968) para compreendermos como o teatro, obra de arte social, permite-nos experimentar a morte. Para tanto, Valsa n°6 (1951), único monólogo de Nelson Rodrigues, abre a possibilidade de vermos essa monstruosa face, construída pelo evocamento do nome, Derrida (1995a), de Sônia que através da metateatralidade constitui o desagradável rodriguiano. Ainda, a peça traz marcas evidentes de autotextualidade, principalmente com Vestido de noiva (1943) e intertextualidade com o monólogo de Pedro Bloch, As mãos de Eurídice (1950) que faz referência ao mito de Orfeu e Eurídice na visão órfica (Brandão, 1987). A monstruosidade, segundo Jeha (2007), é uma das metáforas do mal e como maldita, a morte é negada, segundo Becker (1973), e temida. Desse medo da morte e do morrer baseia-se nossa existência e é diante dela, da morte, que segundo Heidegger (2005), atingimos nossa plenitude, logo essas duas forças: negar e aceitar, assemelham-se ao antagônico dionisíaco e apolíneo, segundo Nietzsche (2013), que convivem nesse espaço de tensão que é o teatro. Adotando o conceito de espaço de tensão de Féral (2015) em que o teatro ocidental tem uma forte ligação com a morte, no sentido do vazio primeiro, elencamos Sônia, essa estrangeira de si mesma (Kristeva, 1994) para experimentarmos a face monstruosa e desagradável da morte.