Nº 11 - Fev. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



ARTIGOS
 

Hipótese do efeito de terceira pessoa
Aplicações e aproximações teórico-metodológicas

Por Marcelo Freire*

RESUMO

Os estudos em teoria da comunicação e, mais especificamente, em efeitos dos meios de comunicação apresentam algumas áreas mais contempladas pelos pesquisadores brasileiros, como o agenda setting, e outras relegadas, como é o caso da hipótese do efeito de terceira pessoa.

Isso se deve, em certa medida, à restrição existente às perspectivas teóricas dos efeitos fortes, criticadas por muitos estudiosos. A hipótese do efeito de terceira pessoa, além dessa inclusão entre os estudos criticados, é pouco difundida até mesmo nas escolas de comunicação.

Reprodução

O presente texto propõe uma observação e discussão das bases teóricas, das metodologias empregadas pelos estudos tradicionais e das perspectivas e aproximações dessa hipótese com as teorias da comunicação. O autor propõe que, mesmo criticada, a hipótese do efeito de terceira pessoa deve ser considerada como uma estratégia metodológica complementar e importante para relativizar as observações realizadas através de outros eixos teóricos no campo da comunicação.

PALAVRAS-CHAVE: Mediação / Efeitos dos Meios / Teoria da Comunicação

1. Variáveis

O objetivo deste artigo é apresentar algumas definições da Hipótese dos Efeitos de Terceira Pessoa, suas principais aplicações e possíveis cruzamentos com outras Teorias da Comunicação. Pode-se afirmar que o artigo chamado The third-person effect in communication [O efeito de terceira pessoa na comunicação] do sociólogo americano W. Phillips Davison inaugurou o termo em 1983. De acordo com Perloff (Cf. 2002, p. 490) “o efeito de terceira pessoa é um conceito relativamente novo, como são as ciências sociais”.

Dentro da tradição das pesquisas em efeitos midiáticos, a hipótese estaria incluída entre as de efeito forte. Contudo, ela difere das teorias como a da Agulha Hipodérmica ou da Agenda Setting [1] (Colling, 2001) por não considerar o efeito em si, mas nos outros. De acordo com a definição de Davison “a Hipótese do Efeito de Terceira Pessoa é uma hipótese que afirma que as pessoas vão tender a superestimar a influência que a comunicação de massa tem mais influência no comportamento e nas posturas dos outros” (Cf. Davison, 1983, p. 3).

O autor defende que esta é uma tendência típica da cultura ocidental e não é exclusiva da era pós-industrial, acontece ao longo da história. Ele cita exemplos na Idade Média e na Grécia antiga. Contudo, no contexto dos meios de comunicação de massa deve-se considerar o aumento desta mediação e, por conseguinte, a potencialização deste efeito.

Embora a propensão à terceira pessoa indubitavelmente opere por toda a história da humanidade, as conseqüências são mais intensas hoje do que na era da sociedade pré-massiva. [...] A opinião pública exerce um impacto significativo e afeta a massa e as decisões da elite. Conseqüentemente, as percepções da opinião pública podem ter direta ou indiretamente, “ondas” de efeito, particularmente quando essas percepções são amplamente reportadas nos meios de comunicação de massa (Mutz, 1998. Cf. Perloff, 2002; p. 491).

O pesquisador destaca que os efeitos de terceira pessoa podem ser explicados como parte de dualidade fundamental no pensamento ocidental entre o eu e o outro. Ele defende que a hipótese-chave do Efeito de Terceira Pessoa (TPE) é definida pela percepção dos efeitos da mídia massiva como sendo inteiramente diferentes no eu e no outro. Isso implica que indivíduos podem e separam suas percepções dos efeitos de comunicação do das demais pessoas.

Essa separação permite afirmar que esta é uma teoria sobre os efeitos imaginados (Dalmonte, 2005). Nessa mesma linha, Salwen (1998) chama atenção para o fato de que agora, ao invés de efeitos, na verdade fala-se da percepção de como seriam esses efeitos. A questão principal daí decorrente é como tornar um efeito imaginado algo a ser estudado.

A operacionalização proposta por Perloff (1999) permite sanar esta dúvida. Para ele o efeito de terceira pessoa é a diferença entre a percepção do efeito das mensagens no outro e no eu. Em muitos casos, separando a percepção da terceira pessoa (que estima a influência nos outros) e na primeira pessoa (percepção das influências em si mesmo). O autor utiliza o modelo de TPE de Salwen & Driscoll, que, segundo ele, foi muito usado na década de 1990. Este modelo é composto por quatro etapas:

Variáveis Externas (educação, cultura, idade, atitude pré-existente, envolvimento e auto-estima), Processos de Mediação (processo de valorização individual, atribuições, esquema midiático, projeções de grupo), Conteúdo de TPE (disparidades eu-outro, percepções de terceira pessoa e percepções de primeira pessoa); e Conseqüências (Espiral de Silêncio, Percepções de opinião pública e atuação dos Meios de Comunicação de Massa persuasiva).

Exogenous
Variables
Mediating
Processes
Third-Person
Effect Content
Consequences

Education
Culture
Age
Pre-existing
attitude
Involvement
Self-esteem

 

Self-enhancement
processes
Perceived
knowledge

Attributions
Media schema
Projection
In-group/out-group
perceptions

Self-other
disparities
Third-person
perceptions

First-person
perceptions



Censorship
Spiral of silence
Perceptions of
public opinion

Persuasive press
inference


 

 Fig. 1. Modelo do Efeito de Terceira Pessoa (Perloff, 1999).

O próprio Perloff cita que uma grande quantidade de pesquisa em psicologia social demonstrou convincentemente que as pessoas são motivadas a preservar sua auto-estima ao ponto de ter um olhar positivo irreal em relação a si próprios, comparativamente aos demais. Weinstein (1980) chama isso de otimismo irreal.

Alicke et. al. (1995) referem-se a esta tendência de olhar para si mesmo como efeito melhor-do-que-a-média. Tsfati e Cohen (2003), na mesma linha, afirmam, “nossa auto-imagem é fortemente afetada pelo modo que acreditamos que outros vêem e pensam sobre nós (Mead, 1936) e sobre os grupos a que pertencemos (Tajfel; Turner, 1986)”. Dalmonte (2004) explica a relação os efeitos de terceira pessoa e a questão da relação com a auto-estima da seguinte maneira,

Para aclarar essa relação entre o desejável e o indesejável acerca dos efeitos, Eveland e McLeod (Cf. 1999, p. 318) vão trabalhar com a ‘percepção invertida de terceira pessoa’, segundo a qual os efeitos percebidos das mensagens pró-social nos outros vão ser percebidos como ‘menores’ que os efeitos no ‘eu’. “Para a perspectiva de autoestima da parcialidade motivacional, argumenta-se que iremos aparecer melhor (para nós e para os outros) se notarmos um maior impacto em nós que em outros de mensagens pró-social, enquanto atribuindo grande impacto nos outros de mensagens anti-sociais”. No entanto, ao efetuar a verificação empírica, fica comprovado que não há uma percepção invertida de terceira pessoa, tampouco há atenção para com mensagens prósocial (Dalmonte, 2004).

Essa idéia pode ser complementada com a citação de algumas pesquisas observadas por Perloff (1999) onde ficaram comprovadas que mensagens indesejáveis produziram um maior efeito de terceira pessoa do que mensagens desejáveis. Esse assunto foi tópico em quatro estudos (Duck; Mullin, 1995; Gunther; Hwa; 1996; Gunther; Mundy, 1993; Hoorens; Ruiter, 1996), mas não em Brosius e Engel (1996) ou Innes e Zeitz (1988).

Hoorens e Ruiter (1996) e Gunther e Hwa (1996) pesquisaram o efeito de primeira pessoa em mensagens desejáveis. Dois outros estudos também descobriram efeitos de primeira pessoa, indicando que os entrevistados percebiam que eram mais influenciados do que outros por mensagens coerentes (Cf. Cohen; Davis, 1991; Price, Tewksbury, 2004).

Em um artigo posterior do autor, ele afirma que muitos estudos na área são realizados através de dados colhidos em sondagens para estimar os efeitos em questões de investigação descritas que exercem efeitos sobre os outros e sobre si mesmos (Cf. Perloff, 2002, p. 492). Segundo ele, “um olhar cuidadoso sobre os estudos de terceira pessoa revelam que alguns entrevistados são mais propensos à percepção de terceira pessoa do que os outros”.

2. Aplicações

Os estudos sobre a Hipótese do Efeito de Terceira Pessoa utilizam, em grande parte de seus objetos, a televisão. Distintas pesquisas, em variadas áreas de conhecimento, demonstram que a TV está entre os meios de comunicação que exercem maior influência sobre o público. Isso estimulou os pesquisadores de terceira pessoa a verificarem as hipóteses fundamentais da linha teórica se aplicavam também a esse veículo.

Peiser e Peter (2001) buscaram verificar a concepção social do comportamento do público de TV, buscando a compreensão dos efeitos e influências da mídia, com base nas proposições de Hoffner para identificar as características e diferenças individuais nos efeitos de terceira pessoa.

Para a realização do estudo foram consultados 200 adultos do sudoeste da Alemanha. Eles preencheram um questionário sobre orientações e comportamento de telespectadores, com foco na percepção de si e dos outros. A amostra foi composta utilizando três níveis de combinação de idade e três níveis distintos de educação.

As variáveis de terceira pessoa utilizadas foram:

1) assistir TV para não estar só;

2) por hábito;

3) para esquecer de outros problemas;

4) para se entreter;

5) escolher programas propositadamente;

6) para se informar sobre o que se passa.

Os autores constataram, depois de realizarem a pesquisa, que os entrevistados consideraram que os outros assistiam mais TV em busca de companhia, por hábito, como uma fuga ou, em último lugar, como entretenimento. Eles acreditavam que a realidade do outro envolvia elementos como esses, indesejáveis. Já em relação a si próprio, eles responderam buscar informações específicas ou notícias, isto é, elementos desejáveis.

De maneira geral, segundo Peter e Peiser (2001) os fatores de posição são mais fortes para predizer percepções de si do que para a percepção do outro. Assim, na maior parte dos casos os autores descobriram, como esperado, que os desejos pessoais têm um efeito negativo sobre a tendência à percepção de terceira pessoa e isso funciona para as ações socialmente desejáveis da mesma maneira como para as socialmente indesejáveis.

Os estudos de efeitos de terceira pessoa em televisão apresentam, também, uma pesquisa considerada clássica e que precisa ser referenciada, por apontar para aproximações metodológicas importantes. Trata-se da pesquisa conduzida por Hoffner et. al. em 2001 e que analisa a percepção da influência na violência apresentada na televisão.

É importante ressaltar, aqui, que a hipótese de terceira pessoa é uma base teórico-metodológica muito utilizada para estudar a percepção da influência da violência retratada na mídia de maneira geral. Os autores apresentam parte das discussões centrais dos estudos de efeitos de terceira pessoa desde Davison (1983). Um dos diferenciais desta pesquisa é considerar que múltiplos elementos contribuem para a percepção do efeito de terceira pessoa e também que dispositivos internos e externos afetam a compreensão e a ação desse efeito.

Foram contactadas 253 residências de uma comunidade pequena do centro-oeste americano. É interessante considerar que trata-se de uma comunidade tipicamente conservadora, o que afeta a compreensão dos dados obtidos.Das 253 pessoas eram 47 homens e 53 mulheres que assistem, em média, 2,6 horas de TV diárias e das quais 85,8% têm acesso à TV via cabo ou satélite.

Os autores buscavam levantar dois grupos de informação junto aos entrevistados: a) dados demográficos e b) avaliação da percepção dos efeitos da mídia através das variáveis de efeito externo (percepção do efeito em si e nos outros; tipo de efeito, ou seja, a percepção do mundo como maldoso e aceitação da agressão) e de efeito interno (se a percepção se referia à comunidade local ou aos EUA e o sexo).

O estudo comprova algumas das hipóteses propostas, como a que diz que o efeito de terceira pessoa está favoravelmente relacionado à percepção positiva de si em relação aos outros. Outra constatação importante diz que o efeito de terceira pessoa é maior nos entrevistados que gostam de TV violenta e que ele está positivamente relacionado à crença de que características individuais moderam os efeitos.

Os estudos sobre a percepção do efeito de terceira pessoa, é importante destacar, não apresentam a mesma estrutura.

Objetivos, hipóteses e orientações metodológicas variam de acordo com a proposta de cada autor. Tewksbury et. al. (2004) propõem uma análise um pouco diferente, muito devido à sua temática. Os autores aplicam o conceito geral de efeito de terceira pessoa a um contexto específico – em que pessoas podem estar conscientes das mensagens midiáticas sobre certo assunto e estarem preocupados com os efeitos destas mensagens nas pessoas ao seu redor.

Dessa forma, propõem para verificação a afirmação de que pessoas que acreditaram que outras agiram de forma desproporcional em relação às matérias sobre a possibilidade tragédias deveriam esperar que os outros agissem da mesma forma. A ansiedade sobre a chegada do ano novo deveria dirigir a percepção do nível da preparação dos outros. Especificamente, a hipótese central do estudo é que quanto mais ansiosas fossem as pessoas menos elas considerariam a possibilidade de estarem exagerando.

Os dados foram obtidos, seguindo a estratégia metodológica comum neste campo de pesquisa, a partir de uma sondagem feita por telefone com cerca de 700 adultos americanos da área de grande Seattle. Os entrevistados responderam sobre as medidas de proteção para a chegada do ano 2000.

Entre as medidas estavam: saque de dinheiro do banco e compra extra de comida, água e gasolina; sobre a percepção do impacto das notícias neles e nos outros da sua região; e sobre a percepção da chegada do ano 2000, respondendo sobre o grau de ansiedade que sentiam e que os outros sentiam. Os resultados mostram que os efeitos de percepção distorcida tinham um impacto em todos os acontecimentos subseqüentes relativos às atitudes ou comportamentos.

3. Aproximações

Desde seu artigo inicial, os efeitos de terceira pessoa podem ser claramente associados a outras hipóteses de efeitos midiáticos. As duas relações mais diretas são com a espiral do silêncio e com as teorias de opinião pública. Em relação à primeira, Davison (1983) definiu:

O Efeito de Terceira Pessoa está mais próximo da Espiral do Silêncio, que de acordo com a recente Teoria da Formação da Opinião Pública, leva aqueles que estão de um lado de uma questão a expressar suas opiniões com maior volume e mais confiança, enquanto aqueles que estão do outro lado tendem a se calar (Noelle-Neumann, 1980).

Já Dalmonte destaca que “a Hipótese do Efeito de Terceira Pessoa é revestida de outro sentido, visto que pode ter impacto na ordem social, por meio da Opinião Pública”. Segundo ele, essa questão é tratada por Gunther e Storey (2003), em um artigo que questiona o papel da influência presumida. Com isso, o Efeito de Terceira pessoa pode tanto movimentar a opinião pública como pode também manter sua abrangência e suas discussões no âmbito pessoal.

Os efeitos de terceira pessoa podem ser relacionados outras abordagens teórico-metodológicas que tratem da relação individual como os efeitos midiáticos como: Enquadramento quando trata dos frames individuais, Agenda Setting na relação da Agenda Pública, que está intimamente ligada à idéia de Opinião Pública; ou a qualquer estudo de recepção empírica que lide diretamente com a dualidade entre o eu e o outro e seus efeitos, como foi visto ao longo deste artigo.

NOTA

[1] Embora existam divergências em relação à categorização do agenda setting como efeitos fortes ou moderados, parte-se, aqui, da idéia de Colling (2001), que busca, em seu artigo Agenda setting e framing: reafirmando os efeitos limitados, “demonstrar que não é unânime a tese de que o  agendamento contesta o paradigma dos efeitos limitados, como faz crer Traquina” (Cf. Colling, 2001, p. 1).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLLING, L. “Agenda-setting e framing: reafirmando os efeitos limitados”. Revista Famecos, Porto Alegre, n° 14, abr. 2001.

DALMONTE, E. F. “Dos efeitos fortes à percepção do efeito de terceira pessoa: uma verificação empírica”. Trabalho apresentado no XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, UERJ, 5-9 set. 2005.

DAVISON, W. P. “The third-person effect in communication”. Public Opinion Quarterly, Vol. 47, 1983, p. 1-15.

HOFFNER, C. et. al. “Support for censorship of television violence: the role of the third-person effect and news exposure”. Communication Research, Vol. 26, n° 6, 1° dez. 1999, p. 726-742.

PEISER, W.; PETER, J. “Explaining individual differences in third-person perception: a limits/possibilities perspective”. Communication Research, Vol. 28, n° 2, 1° abr. 2001, p. 156-180.

PERLOFF, R. M. “The third person effect: a critical review and synthesis”.  Media Psychology, Vol. 1, n° 4, 1999, p. 353-378.

____________. “The third-person effect”. In: BRYANT, J.; ZILLMANN, D. (Org.). Media Effects: advents in theory and research. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 2002. p. 489-506.

SALWEN, M. B. “Perceptions of media influence and support for censorship: the third-person Effect in the 1996 Presidential Election”. Communication Research, Vol. 25, n° 3, 1° jun. 1998, p. 259-285.

TEWKSBURY, D.; MOY, P.; WEIS, D. S. “Preparations for Y2K: revisiting the behavioral component of the third-person effect”. Journal of Communication, Vol. 54, n° 1, mar. 2004, p. 138-155.

*Marcelo Freire é mestrando em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela Facom/UFBA.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]