Utilizando como fontes principais as atas da câmara dos Deputados, os folhetins líricos, as cartas da diretoria do teatro de São Pedro de alcântara e os autos da Questão Villa Nova do Minho, este artigo pretende desvelar a rede da qual faziam parte políticos, artistas e empresários teatrais do Rio de Janeiro imperial, na época em que o tráfico negreiro foi totalmente proibido. as duas figuras principais contempladas serão o dramaturgo e músico Luiz Carlos Martins Penna (1815-1848) e o barão, visconde e traficante negreiro português José Bernardino de Sá (c. 1802-1855), presidente da diretoria do teatro de São Pedro de alcântara, onde a maioria das comédias de Mar-tins Penna foi encenada. O período abordado no texto é iniciado quando duas de suas comédias são censura-das, sendo finalizado com a disputa judicial pela vultosa herança de José Bernardino de Sá.
Como o teatro brasileiro dos tempos românticos representou o negro e a escravidão nos palcos e nos textos dramáticos? O artigo tenta dar uma resposta a essa questão – passando em revista as principais obras e autores que a abordaram –, a partir de uma sugestão colhida em texto de Brito Broca, para quem a literatura brasileira fez abolicionismo romântico e realista.
Se, por um lado, foi a riqueza produzida pela mão de obra escrava que financiou a importação da ópera europeia para o Brasil, por outro, a proibição do tráfico negreiro foi instrumental para a instalação definitiva de um sistema de ópera no império tropical, uma vez que, como nota Luiz
Felipe de Alencastro, um dos efeitos da Lei Eusébio de Queiróz foi o aumento da importação de bens de consumo supérfluos ou de luxo, que substituíram os africanos como lastro na balança comercial brasileira. A literatura e a imprensa deixaram ricos testemunhos das venturas, desventuras e contradições desse momento. A partir da peça O demônio familiar (1857), de José de Alencar, bem como da polêmica travada entre Francisco Otaviano e Paula Brito a propósito dela, este artigo pretende explorar os vasos comunicantes entre os universos do teatro lírico e do regime escravista, no Rio de Janeiro ao redor de 1850.
Esta pesquisa procura mostrar, por meio da representatividade do teatro que se apresentava
como espelho verossímil da nação, as condições sociais do negro e dos descendentes de
sangue escravo na sociedade brasileira do século XIX.
Ao tomar como foco o teatro brasileiro e sua história, inaugurada com as manifestações
cênicas organizadas pelos jesuítas, procura-se evidenciar que, através desses diálogos, se
denunciava o preconceito social: o escravo visto como corruptor da família e da sociedade e o
miscigenado como face degenerada e impura por ter ascendência no cativeiro.
Entre os escritores empenhados na edificação de um perfil nacional destacam-se autores
como José de Alencar, Paulo Eiró e Castro Alves que retrataram a vida social e as
discriminações preconceituosas que ressaltam o tema da escravidão. Suas personagens,
alicerces das tramas, anunciavam (e denunciavam) todo o contexto social da época. Na
tessitura de vozes dessas peças, em especial nos dramas Sangue Limpo de P. Eiró e Gonzaga
de Castro Alves, buscou-se o foco da denúncia de personagens que, como vítimas e, ao
mesmo tempo testemunhas, só encontravam vez nas cenas teatrais.