Esta dissertação, fundamentada na crítica literária materialista e no conceito de teatro épicodialético,
é uma pesquisa sobre a dramaturgia da Companhia do Latão, representativa de um
contexto sócio-histórico específico de retomada do teatro épico no Brasil a partir dos anos
1990. Para tanto, o estudo teve como foco três peças: Auto dos bons tratos (2002), O mercado
do gozo (2003) e A comédia do trabalho (2000), que tematizam momentos diferentes do
processo histórico de aclimatação do capitalismo no Brasil por meio da apropriação crítica de
formas artísticas consagradas: o auto, o cinema e a comédia. Assim, essa pesquisa analisou,
em cada uma das peças, a mediação dialética entre a matéria exposta e a subversão da forma
estética eleita para representá-la, realizando um percurso para sua necessária localização
histórica em perspectiva crítica. A radicalização épica das formas empreendida pela
dramaturgia do Latão não pode ser desvinculada de uma acumulação estética e crítica
específica que o grupo se dispõe a compreender. Verificamos, portanto, um projeto teatral em
curso que se aproxima do teatro brasileiro dos anos 1930 (pela herança modernista da
consciência aguda da linguagem para expressar novas questões da realidade) e também do
teatro de 1960 (pelo posicionamento estético e extraestético anticapitalistas). Por isso, nossa
pesquisa também demonstra que a dramaturgia das décadas de 30, 60 e 90 são expressões
estéticas da crise da ordem burguesa à medida que, para se referirem às questões históricas e
sociais brasileiras, subverteram e expuseram as formas hegemônicas de representação da
realidade.
O presente trabalho, inserido em uma corrente da crítica literária que compreende os processos
artísticos em sua mediação com processos sociais e históricos, tem por objetivo estudar o Teatro de
Arena de São Paulo, palco de grandes realizações estéticas e de produtivas discussões teóricas que
marcaram a modernidade do teatro brasileiro. Em termos formais, a principal contribuição do grupo
consiste em superar os limites da forma dramática por meio da inserção dos recursos épicos. Isso
corresponde, em termos políticos, a uma atitude de desmascarar os processos de alienação social
por meio da constante pesquisa social, histórica e estética – processos esses que se intensificavam
ao longo daqueles anos. O recorte para a compreensão dessas experiências é dado pela perspectiva
teórica, artística e crítica de Augusto Boal, que atuou como dramaturgo e diretor do grupo entre os
anos de 1956 e 1970. Sua vasta contribuição compreende desde suas primeiras direções teatrais no
Arena, inserindo o teatro de vertente realista/naturalista no país, aliado ao desenvolvimento de
Seminários de Dramaturgia, que contribuíram para a formação de pensamento crítico a respeito do
teatro brasileiro, passando pela criação de uma dramaturgia de caráter épico, eficaz para o
desenvolvimento dessa perspectiva no cenário teatral brasileiro.