EIXO TEMÁTICO PALAVRAS PROÍBIDAS

Apresentação Palavras Proíbidas
Artigo: Estatísticas referentes ao Eixo Temático "O poder e a fala na cena paulista"


 

 

Apresentação Palavras Proíbidas

A linha de pesquisa Palavras Proíbidas na Cena Paulista, liderada pela Profª. Drª. Mayra Rodrigues Gomes, está voltada para as peças liberadas com cortes, ou seja, as que apresentam trechos, expressões ou palavras censuradas. Contudo, esta linha de pesquisa não trabalha com as peças, na totalidade de sua composição textual. Os termos proibidos constituem seu foco de inflexão.

Nela, supõe-se que, a partir do estudo destes termos, é possível apreender as formações discursivas, base das plataformas culturais em que nos locomovemos. Supõe-se também que a reflexão sobre os termos censurados leva a definir os pontos vitais à manutenção das relações de poder no modo em que estas se encontravam dimensionadas à época da censura. Consequentemente, com o estudo das razões que moveram o censor a eliminar um termo, pretende-se mostrar os modos de investimento sobre a palavra como meio de sustentação do poder.

A natureza desta proposta de estudo levou à adoção de uma metodologia que, como tantos teóricos recomendam, é adequada ao seu objeto. Dessa forma, instalaram-se procedimentos de Análise de Discurso, na especificidade que a designa como Análise Arqueológica do Discurso. Este instrumental se coloca como uma técnica de leitura que procura detectar elementos do campo social que atravessam todo e qualquer texto e, por isso, privilegia a tarefa de fazer emergir o que lhes dá sustentação, a saber, as formações discursivas.

Levando em conta que a censura é, fundamentalmente, a manifestação de uma interferência nos discursos buscando efeitos de poder, os apontamentos do censor são discursos/manifestações das formações discursivas que orientam os modos de ver o mundo em um tempo e lugar. As palavras censuradas são as manifestações de uma relação de poder que atinge os discursos e o modo de emergência dos discursos do poder instituído. Na realidade, são manifestações do próprio poder em seu exercício e atualização.

Assim, um segmento especial da Análise de Discurso é imprescindível nessas abordagens. Trata-se da reflexão voltada para os processos de implicitação com ênfase nos conceitos de pressupostos e subentendidos.

Um pressuposto diz respeito às condições lógicas de existência de um enunciado. Uma peça de teatro se inscreve num universo comum pressuposto, a partir do qual o entendimento do texto é possível. Da mesma forma, um censor não bloqueia termos sem que parta de alguns pressupostos, sua plataforma ideológica, e outros tantos pressupostos nos termos vetados, pressupostos recusados por ele próprio, ou pelo aparelho de Estado que o legitima.

Por sua vez, os subentendidos se configuram como implicações calcadas nas relações com o contexto. Os subentendidos são efeitos produzidos, efeitos de sentido como operação de interpretação por parte do espectador e se colocam em dependência direta ao contexto. Podem produzir-se a partir do texto enunciado ou, no caso de encenações, a partir de uma entonação de voz, de um gesto, de uma expressão facial. Se o pressuposto é uma condição de formulação do enunciado, o subentendido é uma ilação sobre ele fundada.

A título de exemplo do trabalho da linha de pesquisa O Poder e a Fala na Cena Paulista, com seu objeto e seu método específicos, será apresentado aqui um pequeno trecho de análise já realizada.

"O processo nº. 54 reúne os pareceres emitidos sobre a peça Feitiço, autoria de Oduvaldo Vianna, que foi publicada em 1940 por Vieira Pontes & Cia Editores, em São Paulo. Encenada diversas vezes, tanto em Circo-Teatro quanto em Companhias Teatrais, teve pareceres diferenciados.

Foi parcialmente liberada em 1942 com a censura das expressões:"Cattete para tratar da questão do café", "café no Cattete", "café", "Cattete", "Getúlio", "ditador", "O presidente". Foi parcialmente liberada em 1943, com corte das expressões: "socialmente atrasado", "de governo", "paliativo brasileiro", "do Brasil", "à toa", "Cattete para tratar da questão do café", "café no Cattete", "ditador", "O presidente", "consentem que suas mulheres façam o mesmo". Foi liberada sem restrições em 1947 e 1959. Em 1963 houve cortes na folha 21 do 2º ato, de cujas palavras não há registro.

Nesse espaço serão privilegiadas as considerações sobre a censura da palavra café, não só porque a princípio o corte dessa palavra parece exótico como também ele se mostra um bom exemplo pela facilidade com que as implicitações podem nele serem vistas.

Embora as personagens de Feitiço tomem café, ou este lhes seja oferecido, por várias vezes, há momentos em que esta palavra é cortada. A diferença entre os momentos em que a palavra café é permitida e aqueles em que é censurada reside na instalação de uma aproximação entre café e governo, marcado pelo Cattete, nome do palácio do governo de então.

É desse modo que, na frase "Telefonou-me dizendo que não podia fazer porque tinha uma audiência no Cattete para tratar da questão do café!", foi suprimido o trecho "Cattete para tratar da questão do café!". Em "Está tratando do café no Cattete!", suprimiu-se "café no Cattete" e em "Qual café, qual Cattete!" suprimiu-se "café" e "Cattete".

Claro que, diante da constatação desta ocorrência e se nos perguntarmos pelas razões que levaram à procura de dissociação entre os termos pelos quais café se tornou tabu de objeto, notoriamente só na relação a Cattete, devemos voltar ao contexto social da era Vargas.

Getúlio Vargas, ao assumir a presidência em 1930, confrontou-se com uma grande crise no mercado cafeeiro e o conseqüente descontentamento dos fazendeiros cafeicultores.

O problema cafeeiro vinha de longe, tornara-se cíclico e agravara-se com a queda da Bolsa em 1929. Para manutenção dos preços e da lucratividade dos fazendeiros era necessária a queima do excedente de produção mas igualmente necessário era o recurso ao empréstimo externo para financiar de forma a estimular a produção. O resultado foi uma dívida crescente que levou o governo ao impasse do congelamento de 1938 a 1939. Vargas havia dado continuidade à política econômica desastrosa que lhe antecedera, criando em 1931 o Conselho Nacional do Café, comprando as sacas de café e procedendo à sua queima que é estimada em 78 milhões de sacas até 1944.

Em 1943 "café" e "Cattete" é um assunto polêmico e, portanto, em desagrado às autoridades. Qualquer menção à política econômica adotada, e naturalmente à sua ineficácia, deve ser expurgada para que a imagem do governo permaneça intocada. Os pressupostos estão sempre nesta esfera sócio-histórica que procuramos recuperar. Os subentendidos possíveis, aquilo que eles evocam, remetem ao que o censor sempre tentará barrar.

A linha de pesquisa O Poder e a Fala tem contado com o apoio da FAPESP e do CNPq sob a forma de bolsas de Iniciação Científica.

 

Equipe

Profa. Dra. Mayra Rodrigues Gomes (coordenação)
Andrea Limberto Leite (doutorado)
Carla Risso (doutorado)
Eliza Bachega Casadei (IC)
Camila de Lira Colantônio (IC)
Carolina Oms (IC)
Carolina Rossetti de Toledo (IC)
Guilherme Dearo Vieira Santos (IC)
Roberta Azevedo Figueira (IC)
Taiana Ferraz de Farias  (IC)



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