Entendendo a interdisciplinaridade no curso de Educomunicação

Como começar a entender a trajetória de três disciplinas da grade curricular do curso de Educomunicação separadamente? No que elas se acrescentam? Quais são as suas conexões?

Das experiências que tive no segundo semestre de 2018, na condição de bolsista, uma delas foi me deparar com três disciplinas na graduação que propunham caminhos diferentes, com propostas   e conteúdos teóricos também diferentes, mas que de certa forma se cruzam e complementam-se, muitas das vezes, de forma simples e natural. A dificuldade inicial está em conseguir ultrapassar as barreiras das “caixinhas mentais” impostas pelo costume relacionado à palavra disciplina  e as burocracias que também podem existir, sobretudo, no âmbito acadêmico.

A visualização em relação a essas conexões foi facilitada pelo projeto 1037-Interdisciplinariedade como estratégia de ensino na graduação que propõe que nos debrucemos sobre a interdisciplinariedade (e de quais formas ela pode ocorrer) a partir de três disciplinas obrigatórias do curso de Licenciatura em Educomunicação.

Assim, a primeira das três disciplinas analisada é Fundamentos Epistemológicos da Educomunicação (CCA-0287). Com uma carga teórica muito grande, propunha aulas expositivas e discussões através dos textos para ampliar a noção do que seria a Educomunicação e como poderia ser feita, além de seu percurso histórico e discussões a respeito das ferramentas que podem ser utilizadas em seu exercício.

A  avaliação sugerida  foi um paper, no formato acadêmico, com um tema de escolha livre. Só  era importante conseguir conectar a Educomunicação com a temática escolhida e as leituras da disciplina. O intuito era desenvolver as capacidades de escrita e de relacionar as informações obtidas em sala de aula com o que possa fazer parte do nosso mundo de interesses. Existe uma grande diferença entre informação e conhecimento, e acredito que o ponto alto de trabalhos desse tipo seja justamente fazer com que os dois se entrelacem.

A outra disciplina em questão a ser vista é chamada de Atividades Acadêmicas, Cientificas e Culturais II (CCA0299). As aulas baseavam-se na presença de convidados especiais que de alguma forma já realizavam a prática educomunicativa. Nesses encontros foi possível reconhecer interesses pessoais e trabalhos de importâncias social, além de conseguir visualizar as formas que a Educomunicação pode acontecer, as ferramentas que podem ser utilizadas e os agentes sociais que participam no processo. Qual o papel do educomunicador quando tratamos de educação em privação de liberdade? Ou ainda, da Educomunicação no ensino à distância? Ou mais, na formação de educadores? Todas essas questões foram retratadas nos encontros com diferentes convidados.

A avaliação da disciplina foi basicamente a realização de relatórios reflexivos a partir dos encontros, o que foi fundamental para entender o que cada uma das aulas representaram para a formação individual de cada aluno presente.

E então, a disciplina de  Tecnologias da Comunicação na Sociedade Contemporânea (CCA 0290) na qual as aulas muitas vezes traziam o conteúdo a partir do contexto do cenário vivido naquele momento. Isso  enriquece os debates a respeito da presença das tecnologias da comunicação na sociedade contemporânea, uma vez que o conteúdo é contextualizado na realidade vivenciada daquela semana. A discussão, além de possibilitar maior participação, torna-se ampla a respeito de como essas tecnologias podem aparecer e influenciar no dia a dia muitas vezes de forma naturalizada e sem demonstrar as consequências aparentes.

Assim, facilita-se o entendimento do papel da Educomunicação diante dessas tecnologias e das novas formas de conexão na sociedade atual, entendendo a construção da educação e, novamente, das ferramentas que podem ser utilizadas.

As avaliações sugeridas vieram justamente somar com a metodologia utilizada nas aulas, uma vez que propunham o conhecimento e a utilização de forma crítica de diferentes meios de informação – como foi o caso da avaliação individual que consistia na comparação na forma de consumir e se informar entre fontes de jornais escritos e fontes digitais. Além disso, possibilita uma visão completa, primeiro da construção de todo o processo de uso de uma tecnologia em função da comunicação (e nesse caso da educação) e depois, apresentando reflexões dos próprios alunos de como a Educomunicação pode ser feita a partir desse cenário – foi o caso do trabalho em grupo sugerido, no qual os alunos deveriam criar um jogo, uma dinâmica, uma apresentação, alguma ferramenta que utilizasse as tecnologias para promover a Educomunicação, facilitando o entendimento tanto de uma quanto de outro, com destaque para o Complex Game (saiba mais sobre esse jogo aqui).

Tendo em mente essas três disciplinas é fácil perceber que fazem sentido sozinhas, mas que também podem possibilitar um crescimento  na formação muito maior se a conversa e conexões entre elas for efetiva, do que de forma segmentada.

Essa reflexão acontece porque se complementam e acreditamos que o maior ponto de contato entre elas é esse:  são importantes em conjunto, na discussão em torno da Educomunicação.  Quando se fala das três disciplinas de forma separada é possível observar que todas tratam das ferramentas e da forma de se fazer Educomunicação.

Então,  entender e conseguir relacionar as informações obtidas, e disso gerar conhecimento para uso pessoal e social, durante o semestre entre as três disciplinas foi fundamental para uma formação (ou pelo menos, um início de formação) voltada para uma educação transformadora. Além da visualização e reflexão dos rizomas possíveis, mais do que dentro de um curso de graduação, na nossa sociedade, abrindo espaço para o desenvolvimento de perspectivas pessoais e profissionais. A interdisicplinaridade, dessa forma, tem como importância possibilitar o conhecimento geral de mundo e realidade, e não segmentado (e muitas vezes alienado) como querem impor as estruturas de ensino mais tradicionais, e, assim, aos poucos, quem sabe, chegar na reforma do pensamento sugerida por Morin e muito mencionada no Complex Game.

Essa reforma propõe a reflexão dessa cultura de ensino atual, da segmentação das informações e a dificuldade, com isso, do acesso a capacidade de relacionar e, consequentemente, ao conhecimento, tornando inalcançável o entendimento da complexidade humana.

 

Sobre a disciplina de Tecnologias da Comunicação na Sociedade Contemporânea e Complex Game

A disciplina de Tecnologias da Comunicação na Sociedade Contemporânea – CCA 0290, oferecida como obrigatória na grade curricular do segundo semestre do curso de Licenciatura em Educomunicação nos possibilitou por meio de um trabalho em grupo avaliativo a produção de projetos que relacionassem as   tecnologias da comunicação com as áreas de intervenção educomunicativas. São elas:

  • Gestão da comunicação nos espaços educativos
  • Área de educação para comunicação
  • Área de mediação tecnológica na prática educativa
  • Área da expressão comunicativa através das artes
  • Área da pedagogia da comunicação
  • Área da produção midiática a serviço da educação
  • Área da reflexão epistemológica sobre o campo da educomunicação

 

Assim, um dos grupos que se destacou foi o que propôs a ideia do Complex Game, um jogo de cartas com o apoio em um site, que possibilita a exploração de conteúdos apresentados nas cartas, além de uma plataforma para educadores e consumidores fazerem download de regras e do jogo em si. O projeto tem como áreas de intervenção a prática pedagógica e pedagogia da comunicação.

O Complex apoia-se, mais do que na interdisciplinariedade, na transdisciplinariedade, e, em conceitos como rizoma e  teoria da complexidade, sugeridos por Deleuze & Guattari e Edgar Morin, o último sugerido até mesmo no nome dado ao jogo. O grupo, ainda, como em um processo dialético, constrói o jogo baseado nessas ideias e as propõe, ao mesmo tempo, que tenta praticá-las (consciente ou inconscientemente) entre três disciplinas, também da grade obrigatória de Licenciatura em Educomunicação, além de Tecnologias da Comunicação: Fundamentos Epistemológicos da Educomunicação (CCA-0287) e Atividade Acadêmicas, Científicas e Culturais II.

Dessa forma, é possível visualizar uma teia de informações, de conhecimentos  e de relações pessoais, não apenas na dinâmica do jogo – que já explico – mas, também,  nas relações de construção de um projeto.

Bom, mas então, como esse jogo acontece?

Como já dito, é um jogo de cartas, dividido em dois grupos no qual os participantes tem que relacionar a carta tirada do primeiro grupo, com as outras que têm nas mãos, do segundo grupo. Ao fim da rodada, é proposta uma discussão que consiga relacionar todas as cartas postas em jogo, independente de como, e uma justificativa para tal.
Pelas palavras do próprio grupo:    

“Complex Game é um rizoma de construção coletiva de assimilação e conexão de conteúdos da vida prática com  algumas teorias das grandes áreas de conhecimento do Ensino Básico: matemática, física, química, biologia, geografia, história, sociologia, filosofia, artes, língua portuguesa e educação física.

Portanto, a proposta é incentivar que os participantes, num processo de discussão e pensamento coletivo, construam uma rede de conexões entre os conteúdos aprendidos e saibam a aplicação daquele conhecimento na vida prática. O jogo foi criado com uma proposta educomunicativa, seguindo os ensinamentos de Edgar Morin e da teoria da complexidade.”

Para entender um pouquinho mais do jogo e de seu processo de criação, fui atrás de seus realizadores com algumas perguntas, cujas respostas embasam um pouco tudo que foi falado até agora.

Tainah: Como vocês pensaram na ideia do jogo?

Rafa: Decidimos que seria um jogo desde o momento que a professora apresentou a proposta do projeto. Nós já queríamos jogo, e quando fomos pensar no jogo em si, começamos a pensar em algo que pudesse ser aplicado na escola: o professor poderia baixar aquele jogo e aplicar numa sala mas, ao mesmo tempo, não deixar de ser uma coisa divertida e que as pessoas poderiam, através do site, baixar para jogar com os amigos, por ser um jogo que é legal pra você trocar ideia. Assim, o Complex Game  tem o fator social também bem forte. Foi pensando mais ou menos nessa direção que o jogo começou a ser desenvolvido. Além disso, estávamos vendo os textos do Edgar Morin na aula de Epistemo (epistemologia da Educomunicação), que fala sobre a teoria da complexidade e como também queríamos algo,  que dentro da escola, tivesse um efeito mais transdisciplinar, que é uma das propostas do Morin no livro. Pensamos, então, em trazer  justamente essa teoria  da complexidade para embasar, para que além de ser um jogo transdisciplinar por si só, também pudesse trazer uma proposta transdisciplinar em sala de aula. Tudo  meio que juntou e pensamos nesse mundo da complexidade, atrelado aos conteúdos que se tem na escola, o que também possibilita que muitas pessoas possam jogar porque todo mundo passou pela fase da escola então alguns nomes que estão ali pelo jogo, por mais que não se lembre exatamente o que é, se tem uma noção. Enfim, tem várias características que queríamos apresentar no jogo e que foram somando a cada novo pensamento, inclusive agora estamos pensando nas regras. Vamos jogar uma partida do jogo para definir quais vão ser as regras através dos próprios conflitos que aparecerem enquanto estivermos jogando, então estamos meio que construindo o Complex  etapa por etapa, tendo sempre como referência para pensar a teoria do Morin.

 

Tainah: O que o grupo entende por rizoma e de que forma a sua prática pode facilitar a educação? Qual a sua importância?

Rafa: Quando se pensou em rizoma, tínhamos visto em algumas aulas, acho que foi com a Dani e do Calixto, que a informação já não tem mais aquele formato centralizado. A informação sai de um mesmo ponto e distribui pras periferias. Se vê que a informação hoje é esse rizoma, é esse conjunto de redes que a informação vai circulando ali, mas ela não tem um ponto central de onde  sai, ela sai de vários lugares. E na prática da educação, entendemos que o rizoma é justamente pensar a educação não como uma informação centralizada, sendo disseminada, mas uma troca, realmente uma relação de redes que a informação circula e vai e volta. São as trocas. E também entra a questão da prática educomunicativa, que é justamente tentar fazer com que isso seja uma troca, e mais que ser uma troca, imaginar também o conhecimento como uma troca, imaginar também o conhecimento como rizoma por que o conhecimento é justamente essa rede  de diferentes áreas do conhecimento  e que no fim você precisa ter uma noção da rede para você conseguir entender os fatos. Então, acho que ficou nesses três pontos o rizoma enquanto formação, enquanto conhecimento e enquanto relações escolares.

 

Tainah: Pra vocês, foi fácil aplicar aplicar os conceitos da Educomunicação, na prática?

Rafa: Não sei se podemos dizer que foi fácil aplicar os conceitos, mas estamos tentando fazer isso na tentativa e no erro. Então, pensamos em uma dinâmica e tentamos problematizar ali de que maneira que aquilo pode corroborar com o ponto que a gente quer ou se vai contra o que  a gente tá defendendo enquanto educomunicador e enquanto planejadores do jogo. Então, eu acho que é meio isso: muito diálogo. Temos dialogado às decisões, às regras, enfim. E eu acho que é nesse momento assim que a acabamos sendo comunicativos na prática, né? Durante a produção do jogo, dialogar, trocar e construir coletivamente.

 

Tainah: E pensando mais pontualmente, como o contato com as disciplinas de tecnologias, epistemologia e, até mesmo AACC II, ajudaram e/ou contribuíram (se é que fizeram isso) para essa produção?

Rafa: Eu acho que teve uma influencia consideravelmente grande das outras disciplinas, porque em epistemo a gente teve contato com Morin, né?  E foi o teórico que a gente embasou toda a proposta do jogo. E na AACC, o professor falou várias vezes em jogos e de certa maneira ali também rolou uma influência porque ele se mostrou muito entusiasmado com a ideia de jogo  e acho que isso também acabou nos contaminando para o interesse em tentar também uma proposta de didática assim. Experimentar mesmo. Então, acho que as outras disciplinas também foram muito importantes para o desenvolvimento da proposta.

 

Tainah: E por que a baleia como arte do jogo?

Rafa: A baleia foi uma brisa mais passageira. Há alguns tempos um amigo biólogo me disse da teoria de que as baleias, no processo evolutivo, saíram da água, foram para a terra e por algum motivo voltaram para o mar. Achei incrível e resolvi colocar a baleia como símbolo de complexidade. Além disso, são animais irracionais, mas que mantém relações sociais, afetivas e comunicativas muito complexas, tanto quanto nós, humanos. Daí, surgiu a imagem da baleia para identidade visual e como personagem do jogo.  

 

Para saber mais sobre o jogo, regras, download, etc acessar: ComplexGame e aprofundamento de conceitos 

 

 

 

Explicando conceitos a partir da entrevista sobre o Complex Game

A partir do texto da entrevista do Complex surgiram algumas palavras fundamentais tanto para o entendimento do projeto da bolsa, quanto para o entendimento do jogo e da prática educomunicativa, no geral.

Falamos a respeito da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. O que são? Quais seriam suas diferenças?  

A interdisciplinaridade estaria envolvida, sobretudo, com as disciplinas e suas integrações, buscando uma maior capacidade de relacionar informações e estabelecer conhecimentos. Uma mudança na perspectiva de entendimento e compreensão de conteúdos, informações e elaboração do conhecimento.

A transdisciplinaridade é uma abordagem que parece muito com o Rizoma, apresentado pelo grupo do jogo, apoiado nas ideias de Deleuze & Guattari. Ela visa a unidade do conhecimento. Assim como a interdisciplinaridade, visa uma mudança nessa compreensão da realidade, mas ultrapassa a integração das disciplinas. Trabalha além e através, com o intuito de realizar esse rizoma como um todo, através das realidades, buscando justamente  a compreensão da complexidade (apresentada pelo grupo por Morin). Busca a integração, respeitando as individualidades.

Chega então, não com a proposta de ser “uma mera adição do conhecimento, mas como uma organização dele”.

Dessa forma, o conceito de Rizoma de Deleuze & Guattari junto com o entendimento de A Cabeça Bem Feita, de Morin, faz todo sentido partindo daí, pois os três conceitos conversam e somam entre si.  

O rizoma, a partir dessa interpretação, é entendido como uma forma de pensamento ampla, que inclui as mais diversas temáticas e formas e, por conta disso, é capaz de somar, tirar, relacionar, refletir, fazer as ligações necessárias, para a construção das redes de relações e comunicação, que de certa forma, educam.

E é justamente isso que Morin propõe em sua reforma do pensamento, afirma que a sociedade atual está acostumada e sendo ensinada (pela própria estrutura de ensino) a exercitar a fragmentação do pensamento, a segmentação. Assim, não consegue olhar para o todo, só para o localizado, o que acaba tornando impossível de entender a complexidade e a condição humana a partir dessas partes separadas.

E partindo do princípio de Morin, que diz que toda a produção humana (e foca na linguagem e na arte) tem uma reflexão profunda sobre a condição humana, existe aí a importância de se estudar globalmente, respeitando as individualidades, mas, forçando esse pensamento de unidade, conexão e de relação – objetivo esse buscado pela interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. O autor ainda fala que nascemos com essa capacidade de relacionar, mas, somos, a todo momento, convidados a deixá-la de lado, até que isso torna-se cada vez mais difícil de realizar, e aí aconteceria a reforma do pensamento, para conseguirmos trabalhar de forma transdisciplinar, possibilitando rizomas possíveis e conectados entre diferentes realidades. Isso, de certa forma, democratizaria o ensino, a recepção de conteúdos e o acesso a discussões, estabelecendo redes e conexões.   

Não fica difícil, então, compreender porque, principalmente, esses três aspectos são fundamentais para o entendimento da Educomunicação, do projeto da bolsa e do próprio jogo Complex, já que apresentam os princípios de uma educação que pretende  ser democrática.

Para saber mais, acessar aqui

Fonte de pesquisa:

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento / Edgar Morin. 8a ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2003.

Links de sites:

NotaTerapia

CienciasdaAprendizagem

 RizomaFreireano