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Resenhas
Jornalismo político em carne e osso
Por Roseane Pinheiro*


O Jornalismo Político é uma das vertentes mais instigantes da prática profissional dos comunicadores. Um dos seus termômetros são as notícias de Brasília, onde o resultado do jogo de forças no Câmara Federal e no Senado descortinam os destinos da nação através do consenso negociado, dos embates de idéias e da troca de acusações. Mas como fazê-lo com ética e responsabilidade? Quais os cuidados com as fontes? Como diferenciar notícia de interesse político-partidário? Essas questões são discutidas na obra Jornalismo Político, de Franklin Martins, experiente comentarista político, que trabalha atualmente na Rede Globo de Televisão e na Rádio CBN.


MARTINS, Franklin. Jornalismo Político. SP: Editora Contexto, 2005.

Franklin Martins aborda o jornalismo político através de sua experiência como chefe da sucursal da Rede Globo em Brasília. Suas reflexões nasceram do cotidiano, onde desafios, vitórias e obstáculos se misturam à dinâmica do Congresso Nacional, com seus protagonistas, suas pautas e interesses diversos.

Ao longo do texto, o autor comenta suas decisões no comando da equipe de repórteres e rememora passagens pitorescas na relação com deputados federais, senadores, ministros e presidentes - trechos destacados em cinza como se fossem pequenas lembranças, recortes a serem destacados.

Uma das características do livro é o didatismo, pois trata de forma clara e objetiva de assuntos básicos para os jornalistas - como fontes, questões éticas, texto jornalístico, entre outros tópicos. Direcionada aos estudantes de Comunicação e áreas afins, a obra tem outra marca: a linguagem informal e simples, que não prejudicaram a obra de Franklin Martins, mas a deixaram acessível ao público leigo, que poderá conhecer o processo de produção jornalística, suas singularidades e suas etapas.

O que chama mais a atenção na obra são dois conceitos propostos, no capítulo Sobre Algumas Questões Éticas, por Franklin Martins: opinião pública e sociedade, temas polêmicos e conhecidos. O jornalista esclarece que o repórter político precisa ter cuidado ao lidar com essas duas questões. "A opinião pública é a opinião predominante na sociedade (ou em seu segmento mais ativo e participativo) em um determinado momento.

Não se confunde com a própria sociedade, cujos interesses, objetivos e definições são permanentes e consolidados". Sublinha que a opinião pública deve ser respeitada, mas não reverenciada porque tem a mania de simplificar as coisas, de estabelecer unanimidades e determinar verdades absolutas, ou seja, é um terreno movediço, no qual o jornalista precisar ter cuidado.

À princípio, essas explicações sobre opinião pública e sociedade parecem elementares, porém são os condutores do trabalho jornalístico no âmbito da política. O repórter deve confirmar o senso comum, as posições que parecem tão corretas em certa cobertura política ou "remar contra a maré" quando estiver diante de evidências?

A primeira pista parece ser desconfiar sempre da "velha senhora", a opinião pública, como diz Franklin Martins, porque o trabalho jornalístico pressupõe uma postura inquieta, de não se contentar com o mais óbvio, com o mais próximo. Sempre ir a fundo em busca de mais fontes, desejando mais informações e mais confrontações, mesmo que isso seja feito mirando-se o relógio ou às margens do fechamento da edição.

Um exemplo atual sobre a relação intricada entre opinião pública e sociedade, segundo o autor de Jornalismo Político, foi a cobertura inicial da imprensa americana na invasão do Iraque. O clima de fervor patriótico contaminou a maioria dos veículos de comunicação gerando uma posição favorável e simpática ao acontecimento.

Nessa ocasião, diagnosticou Franklin Martins, os jornalistas foram leais à opinião pública e desprezaram a sociedade e deram uma parcela de contribuição para o desastre político americano no Oriente Médio. Foram omissos e não submeteram ao público outros pontos de vistas divergentes das posições da Casa Branca.

A lealdade à sociedade, por mais desafiadora que seja ou mesmo problemática, é o primeiro item em um rol de lealdades indicadas pelo comentarista político da Rede Globo. "Nós jornalistas, temos um contrato informal com a sociedade, que nos garante uma série de prerrogativas, como o acesso a informações de caráter público, o respeito ao sigilo das fontes, uma certa tolerância no caso de transgressões à privacidade de terceiros se houve interesse público relevante no jogo", ressaltou. Para ele, as fontes, os colegas, a categoria, a empresa jornalística e a carreira devem ser outros alvos da lealdade de um jornalista no transcorrer da sua vida profissional.

Outro campo minado no qual o jornalista trabalha, especialmente aquele que trabalha na cobertura política, é a obtenção das informações. No jogo político sempre ocorrem denúncias, oferecimento de dossiês, apresentação de testemunhas ou ocultação de informações relevantes.

O que fazer nesse emaranhado onde estão o interesse público, ambições particulares e aspirações político-partidárias? A ética sempre é o melhor caminho, apregoa Franklin Martins. Evitar presentes caros, rechaçar vínculos obscuros com fontes políticas, usar de forma restrita gravações e câmeras ocultas e investigar cada informação que chega à mesa da redação.

Para ilustrar essas observações, o jornalista relata um episódio ocorrido em 1994, no Rio, durante as eleições, período no qual é necessário ter cuidado redobrado para não ser usado pelos inúmeros candidatos. Quando trabalhava como editor de política do jornal O Globo, recebeu farta documentação sobre o envolvimento de parentes do candidato Marcelo Alencar em corrupção.

Se as denúncias fossem comprovadas, o fato poderia manchar a reputação do candidato e evitar sua eleição. A direção do jornal resolveu investigar e como boa parte da documentação estava relacionada a agências bancárias de São Paulo, os repórteres da capital paulista foram mobilizados.

Em São Paulo, o jornalista Luiz Carlos Azedo, depois de vencer a resistência dos gerentes dos bancos, conseguiu que analisassem todo o material, composto por cópias de cheques, canhotos de depósitos e outros documentos. Resultado: após a análise de peritos, a verificação dos dados bancários e checada a movimentação das contas, descobriu-se que tudo foi forjado e falsificado. O comentário da fonte - falso ou verdadeiro - diante da resposta negativa de Franklin Martins em publicar o material foi ainda mais chocante: "E pensar que pagamos R$300 mil dólares por esse lixo".

Esses causos e outros relatados por Franklin Martins, além das suas observações pertinentes sobre o universo da cobertura política, fazem da sua obra uma leitura necessária para os jornalistas e estudantes interessados pela temática. Suas contribuições, mesmo sem maiores reflexões teóricas ou metodológicas, são relevantes para trazer à tona o que passa no cotidiano de repórteres políticos - estejam em Brasília, São Paulo, Salvador, Belém, Curitiba ou nas demais capitais brasileiras.

É a partir desse cotidiano que surgem os fenômenos a serem investigados pelos pesquisadores, é o nascedouro de enfoques e temas para investigação científica. E o contexto político é tão vibrante por conta das suas nuances e diferentes peças em jogo que merece mais atenção dos programas de pós-graduação em Comunicação espalhados pelo país.


*Roseane Pinheiro é jornalista e mestranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.

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