Novembro de 2011
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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RESENHAS

Documentarismo
Cortando bordas há
mais de 100 anos

Por Elisa Elsie Costa*

APPLE, Wendy. The Cutting Edge:
The Magic of Movie Editing
. Londres:
A.C.E., British Broadcasting Corporation (BBC), NHK Enterprises, 2004. 98 min.

Reprodução


“O que faz do filme um filme é a edição”, Zach Staenberg – editor

A história da edição/editor trilha o caminho do anonimato até chegar a um patamar de importância próximo ao diretor. O ato de editar, antes uma função desconhecida e desvalorizada tornar-se uma das partes primordiais do processo de produção de filme que existe há pouco mais de 100 anos

No início não havia edição, ou seja, não havia cortes nas películas que armazenavam o conteúdo imagético. Os produtores simplesmente transferiram a idéia da fotografia para o cinema. O ato fotográfico pontual passa a ser uma exposição registrada por um longo período de tempo. Segundo Walter Murch, editor, os irmãos Lumière previram um futuro pessimista para o cinema.

Contudo, Edwin Porter provou que esta previsão estava errada. Ao inovar cortando as películas e organizando os planos ele dá início à continuidade fílmica, o que torna o filme mais enérgico e dinâmico. Porter estabeleceu o princípio fundamental da montagem e descobriu que o plano era a peça primordial na elaboração do filme, constituindo-se como unidade básica.

De acordo com o diretor Martin Scorsese, Porter cria um impacto emocional na audiência ao intercalar frames que aparentemente não possuem relação entre si, porém geram uma compreensão intelectual e emocional da platéia. Como acontece no filme A vida de um bombeiro americano que contem 20 planos. Ken Dancyger, autor do texto O período Mudo ressalta que Poter não enfatizou o enquadramento em suas produções “a câmera estava posicionada mais para registrar o plano do que com a intenção de criar um sentido para ele dentro da narrativa”.

No filme O grande roubo do trem as possibilidades de edição são ampliadas. “Nenhum plano individual registra uma ação do início ao fim”, afirma Dancynger. Além disso, os planos não apresentam contigüidade sendo unidos por cortes secos. Na narrativa, datada de 1903, não é preciso assistir toda a ação para compreender o conteúdo: “as mudanças de tempo e espaço ocorrem e a narrativa permanece clara. O sentido global da história vem do conjunto das imagens, com as mudanças de tempo ou lugar sendo sugeridas pelas justaposições de planos”, continua Dancynger.

O documentário The Cutting Edge ressalta que a invenção da edição dá origem a uma nova arte e linguagem. As escolhas e o tamanho das cenas moldam a resposta da audiência diante tela. Para o diretor de Velozes e Furiosos, Rob Cohen, a edição é o motivo pelo qual as pessoas gostam de assistir filmes.

O primeiro editor moderno é D.W. Griffith, também conhecido como “pai da montagem cinematográfica”. Trabalhando uma década depois de Porter, Griffith aprimorou as técnicas de seu antecessor e entendeu a importância psicológica da edição. Ele inventou e popularizou técnicas que estabeleceram os princípios básicos do filme. “Ele certamente foi o primeiro homem a usar close-ups”, afirma o editor, Antony Gibbs. De acordo com o documentário, Griffith foi tão revolucionário ao inserir largamente os close-ups em sua obra, que quando os produtores viam a edição de seus materiais pela primeira vez, ficavam “horrorizados”.

Antony Gibs relata que em O nascimento de uma nação, Griffith faz uso de close-ups, flashbacks e ações paralelas, para que a audiência mantenha a atenção focada numa determinada parte do filme.“Sua contribuição abrange toda uma gama de procedimentos: a variação de planos para criar impacto, incluindo o grande plano geral, o close-up, inserts, e o travelling, a montagem paralela e as variações de ritmo”... “Em termos de qualidade narrativa e emotiva, o filme é surpreendente em sua complexidade e extensão”, complementa Ken Dancyger.

Griffith criou os princípios da edição clássica que estão baseados no conceito do corte invisível a fim de manter a ação contínua, fluida e em movimento. A edição sem emendas é utilizada até hoje. Além disso, os melodramas criados por ele foram os primeiros capazes de transportar a audiência para o mundo emocional dos personagens. O impacto dramático de seus filmes é criado a partir da justaposição de planos, uma de suas principais características.

A Revolução Russa também desencadeou uma revolução na edição fílmica. O diretor Martin Scorsese, afirma que os russos entenderam que podiam conseguir efeitos emocionais e psicológicos na audiência através de um tipo específico de edição na qual uma imagem passa para a outra subitamente. Os produtores russos rejeitaram as histórias burguesas e ofereciam ao público “vida real” nas produções cinematográficas. Somado a isto, eles seguiram o padrão de edição proposto por Griffith, no qual as emendas são invisíveis.

Dziga Vertov apresenta ao público o documentarismo/filme experimental ao levar uma câmera para as ruas de Moscou com a finalidade de registrar um dia comum na cidade, produzindo assim Um homem com uma câmera. Para o editor Mark Goldblatt, os realizadores deste filme estavam preocupados apenas com a explosão pura de criatividade ao manipular estas imagens. “Toda convenção moderna de edição que conhecemos é demonstrada no filme Um homem com uma câmera”, conclui Goldblatt.

Neste filme, Vertov equipara a figura do editor com a de qualquer outro trabalhador da Revolução. Ele defendeu durante toda a vida que somente a “verdade documentada poderia ser honesta o bastante para levar à verdadeira revolução”, como diz Ken Dancyger no texto O período mudo. Vertov foi um precursor do cinema verdade, que só se desenvolveu depois da evolução tecnológica vista após a Segunda Guerra Mundial.

Ainda durante a Revolução Russa, Sergei Eisenstein combinou os experimentos anteriores com a ideologia marxista criando filmes de efervescência revolucionária. Ele percebia a edição, como história, como um choque de imagens e idéias. O sentido dos filmes não estava na imagem por si só e sim na colisão e agrupamento destes fragmentos imagéticos. “Eisenstein descobriu a força da montagem e da composição de imagens, tornando-se um mestre”, teoriza Dancyger.

Eisenstein é considerado um cineasta intelectual e foi muito criticado na União Soviética por ser “muito acadêmico e por sua valorização das idéias superar o respeito pelo realismo soviético, já que consideravam que sua política era muito estética, e sua estética, muito individualista”, completa.

O cineasta russo desenvolveu ainda a teoria da montagem que é composta por cinco tipos: métrica [referindo-se à duração de cada plano], rítmica [relaciona-se à continuidade visual dos planos], tonal [característica emocional da cena], atonal [é composta pelas montagens métrica, rítmica e tonal] e por último a intelectual [idéias são inseridas numa seqüência de grande carga emocional].

O documentário The cutting Edge revela que enquanto Griffith tentava esconder os cortes e transições, Eisenstein fazia questão de mostrá-los. Diferente de Vertov, ele conscientizava o público através de cortes bruscos que aquelas imagens não eram vida real e sim filme. “Eisenstein é o primeiro diretor de verdade”, assegura o diretor Quentin Tarantino.

As técnicas cinematográficas foram se agrupando ao longo dos anos, as russas somadas às americanas criaram as bases do cinema produzido nos dias de hoje. Estes conceitos foram aperfeiçoados nos últimos 100 anos e sofreram influências do cinema realizado em outros países, como França e Alemanha.

Prova disto é o trecho da entrevista de Mark Goldblatt: “o fato é que muitas destas técnicas [as russas] foram apropriadas no nosso trabalho diário como editores aqui em Hollywood, Califórnia, ao fazer filmes de ação. Porque nós também estamos tentando obter uma resposta do público, mas não necessariamente temos propósitos revolucionários”, conclui.

 A digitalização do processo fílmico também é responsável pela ampliação das funções da edição, além de criar possibilidades quase infinitas de junções, justaposições e finalizações. Como afirma George Lucas no documentário, as novas tecnologias e mídias de captura de imagem fazem com que o editor realize um tipo de direção dentro da sala de edição. A função do editor continuará sofrendo mutações a medida que os avanços tecnológicos prossigam, e o editor manterá ou mesmo terá sua importância aumentada dentro do processo produtivo do cinema.

*Elisa Elsie Costa é graduanda de comunicação social (Radialismo) do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 14 | Novembro | 2011
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