Nº 12 - Nov. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



RESENHAS
 

Livro-reportagem
O universo do Jornalismo Literário

Por Ana Taís Martins Portanova Barros*

Chega à sua quarta edição uma obra única no Brasil sobre Jornalismo Literário: “Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura” (Manole, 2009), de Edvaldo Pereira Lima.

Dessa vez, o texto, além das atualizações em geral, traz um novo capítulo, abordando os princípios filosóficos do Jornalismo Literário, um índice onomástico e um índice remissivo, fundamentais para a rápida localização de nomes e temas numa obra aprofundada e minuciosa como essa.

O autor, professor hoje aposentado da ECA/USP, conduz o leitor pelo envolvente universo do livro-reportagem. Originalmente, o texto foi a tese de doutoramento em Ciências da Comunicação pela ECA/USP de Lima, sob a orientação de Gaudêncio Torquato, em 1990. Três anos depois, saiu a primeira edição em livro.

“Páginas Ampliadas” é uma obra orgânica, que mostra e demonstra o que diz. Se por um lado se aprofunda na pesquisa rigorosa, levantando e cruzando dados, por outro é solidária a esses dados, se escrevendo no mesmo estilo do qual fala: o literário. E literário remete, aqui, não a floreios superficiais, e sim ao new journalism da melhor tradição, aquele que reúne apuração precisa das informações e mergulho visceral no tema de eleição. Um texto fluido, envolvente, rico é nada mais do que a emanação natural desse processo.

A obra constrói um conceito de reportagem para chegar depois ao livro-reportagem. Esse gênero é, hoje, um dos mais consumidos pelos leitores, representando, pois, um canal eficiente de comunicação com a sociedade. A obra de Lima, no entanto, não se resume a apresentar os fundamentos do livro-reportagem, descortinando muitas possibilidades de exploração desse meio, possibilidades essas que vão ao encontro do anseio ontológico do Jornalismo e do jornalista no dizer do próprio autor: oferecer “ao leitor um quadro da contemporaneidade capaz de situá-lo diante de suas múltiplas realidades, de lhes mostrar o sentido, o significado do mundo contemporâneo” (p. 39).

Ao longo do texto, Lima vai apresentando dados que confirmam seu postulado inicial de que “o livro-reportagem estende a função informativa e orientativa do jornalismo impresso cotidiano uma vez que cobre vazios deixados pela imprensa e amplia, para o leitor, a compreensão da realidade” (p. 61).

Para tanto, são apresentadas características do livro-reportagem que em geral não comparecem nas páginas dos jornais diários, a começar pela grande liberdade de que desfruta o jornalista no primeiro caso: liberdade na escolha do tema e de sua angulação, na eleição de fontes, na localização temporal do fato, na construção do eixo de abordagem e liberdade de propósito.

Uma vez livre de grande parte das pressões técnicas e morais que caracterizam a rotina do seu trabalho, o jornalista potencializa suas competências. De modo ideal, isso resulta numa captação de dados através de métodos complexos e, pois, capazes de oferecer maiores possibilidades de conexões entre as informações. Métodos como as entrevistas de compreensão, as histórias de vida, a observação participante, a memória e a documentação, todos eles claramente apresentados e exemplificados pelo autor e aos quais se acrescenta um especial: “visão pluridimensional simultânea”.

A ousadia do autor se faz presente ao afirmar que o jornalismo deveria “encontrar os pontos de confluência entre o real visível e aquele menos tangível que se insinua camuflado, tímido e fugidio, por detrás dos acontecimentos concretos” (p. 131). Vê-se logo que não estamos diante de um manual qualquer de jornalismo. Lima propõe um engajamento total do jornalista naquilo que faz, mobilizando não apenas seu conhecimento, mas também sua subjetividade e suas emoções.

A inclusão na reportagem da parcela fugidia do real não se fará sem arte. E arte na escrita é literatura. Vários recursos de que se pode lançar mão para contar uma história – narração, descrição, exposição, funções de linguagem, técnicas de angulação, de variação de ponto de vista e de edição – são explicados e sugeridos. A grande afinidade entre o livro-reportagem e o jornalismo literário se impõe naturalmente.

Lima traz abundantes exemplos de textos jornalísticos bem resolvidos, especialmente ligados à escola do jornalismo literário, ilustrando de modo muito interessante todos os aspectos que arrola como fundamentais para o exercício do bom jornalismo. De Euclides da Cunha à revista Realidade, de John Reed a Tom Wolfe, são tão abundantes, envolventes e importantes os extratos de textos apresentados que essa obra acaba, paralelamente, se constituindo em uma antologia de jornalismo literário.

O quinto capítulo, exclusivo dessa quarta edição de “Páginas Ampliadas”, traz os princípios filosóficos do jornalismo literário, complementa a história da reportagem com dados contemporâneos do Brasil e mapeia os formatos e gêneros que estão circulando no mercado atual de jornalismo literário. Por fim, o autor apresenta seu Jornalismo Literário Avançado, uma proposta que integra jornalismo e literatura a princípios heurísticos da transdisciplinaridade, da teoria dos campos morfogenéticos, da psicologia humanista, da mitologia.

Eis uma corajosa contribuição ao estudo do Jornalismo no Brasil. Corajosa porque oriunda do coração mesmo de seu autor, que, sem rebuços, se apresenta sintonizado com a ecologia profunda, as neurociências, a psicologia humanista. Se defender o jornalismo literário já é polêmico por afrontar o princípio da objetividade, que se dirá do postulado de que o jornalista deve “vencer a esquizofrenia cultural interna que nos faz enxergarmo-nos (...) como separados do destino dos outros” (p. 342-43)?

Lima está falando de algo muito singelo: somos, afinal, seres humanos inteligentes e amorosos e se o jornalismo quiser realmente participar da construção de um mundo melhor precisa deixar de enfatizar a destruição, a violência, a mesquinharia, a paranóia. No entanto, para se fazer isso com excelência, sem o reducionismo da ingenuidade e do simplismo, é necessário preparar-se.

“Páginas Ampliadas” ensina um caminho.

Serviço:
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. São Paulo: Manole, 2009. 4ª ed.

*Ana Taís Martins Portanova Barros é doutora em Ciências da Comunicação pela USP e professora de Comunicação da FABICO/UFRGS.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]