Nº 12 - Nov. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



RESENHAS
 

Novas tecnologias
Uma perspectiva humana

Por Alan César Belo Angeluci*

Comunicação Digital: educação, tecnologia e novos comportamentos é, sem dúvida, obra bem-vinda, em especial para alunos, professores e pessoas que se interessam por propostas para a democratização do acesso à informação. 

No livro de 239 páginas, o impacto das novas tecnologias nos variados setores da sociedade são analisados de forma transdisciplinar com vistas ao desenvolvimento pessoal e coletivo.

Reprodução

O livro supera o debate das transformações tecnológicas e reflete sobre o tema da inclusão social e as transformações da sociedade através de um conceito que André Barbosa Filho e Cosette Castro chamam de “Nova Ordem Tecnológica”.

Esse conceito é desenvolvido nos primeiros capítulos do livro. Os autores alertam para um olhar caleidoscópico sobre esse tumultuado início do século XXI. Primeiro, por conta das diferentes conotações do termo “Nova Ordem Tecnológica” [1]; Segundo, pelo fato de que esse “admirável mundo novo” oferece dois caminhos: o risco potencial de ampliar a brecha digital, a desigualdade e a concentração de renda; e a possibilidade da apropriação universal do conhecimento e da inclusão social. Para reduzir tal brecha, o livro mostra como alguns países estão encontrando soluções, considerando a inclusão digital como ferramenta de inclusão social.

Partindo dos preceitos da Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação [2], as novas possibilidades de compartilhar conhecimento e transmitir dados de forma coletiva por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) permitem a construção e desconstrução de conteúdos e amplia a noção de comunicação como um espaço de compartilhamento e democratização da produção de conteúdos digitais, gerando mudanças também na noção de autoria. Essa transição implica em um novo aprendizado e lógica de raciocínio que já fazem parte da rotina das gerações mais novas – uma “cultura digital”.

No âmbito do sistema educativo, o livro serve como um alerta para a necessidade dos professores migrarem para essa nova perspectiva, já que muitos estão acomodados no saber tradicional baseado no analógico e sem destreza tecnológica.

A universidade, por exemplo, perdeu o status de monopólio do conhecimento e precisa se reciclar. Os cursos de Comunicação, sobretudo de jornalismo, devem contemplar a transição da linguagem baseada nas novas tecnologias.

Uma Nova Ordem, um novo mundo de possibilidades, mas também de paradoxo: a diferença de acesso e uso da Internet no Brasil. Dados citados na obra dão conta de que o percentual de pessoas que têm acesso à Internet no país foi de apenas 17% em 2007.

Partindo da perspectiva brasileira e latino-americana, os autores defendem o uso das tecnologias digitais como forma de inclusão social que possibilite o desenvolvimento dos cidadãos para as diferentes plataformas digitais - cidadãos que não apenas tenham acesso às TICs, mas também possam produzir conteúdos interativos, contar suas histórias, manifestar sua cultura, ou mesmo encontrar novos ofícios e mercados de trabalho.

Outro ponto de destaque em Comunicação digital: educação, tecnologias e novos comportamentos é a proposição de estudos para se pensar alternativas para a sociedade digital. Ou seja, “ter possibilidade de acesso a essas tecnologias através de políticas públicas que agreguem projetos de apropriação digital, de geração de conhecimento, emprego e, por que não, tecnologia.” (p. 32).

Entre as alternativas, por exemplo, está o desenvolvimento da área de produção de conteúdos digitais, com a criação dos Centros de Excelência em Produção de Conteúdos Digitais Interativos e Interoperáveis [3], tanto no Brasil como na América Latina.

Outros artigos colaboram para a reflexão sobre políticas públicas de inclusão através da Comunicação, entre eles o que trata da elaboração da primeira cartografia da produção audiovisual brasileira voltada para a TV e o cinema, focada nos gêneros de entretenimento; além disso, o artigo sobre a pesquisa “As Indústrias de Conteúdos na América Latina”, que mostra a realidade da infra-estrutura tecnológica de 11 países da região quanto ao uso das mídias digitais; Outro texto que estimula a aproximação entre comunicação e inclusão social se chama “A aplicação da práxis de Kaplún como ferramenta para a inclusão digital” e trata dos projetos de educação de caráter radiofônico.

O tema mais discutido na obra é o do Sistema Brasileiro de TV Digital, criado com o objetivo de desenvolver tecnologicamente o país a partir do pressuposto da inclusão social e digital. Baseado no decreto presidencial nº 5.820/2006, o projeto nipo-brasileiro, que contou com o apoio de universidades brasileiras, abriu as discussões para a necessidade da implantação de uma Nova Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, elaborando um novo marco regulatório para integrar diferentes áreas da comunicação em TV, assim como as mídias digitais e a convergência tecnológica.

Para os autores, a TV é a grande vedete da comunicação por conta da sua penetração na sociedade e volume de investimentos, e quebrou os paradigmas do seu fazer tradicional e analógico. “A TV Digital acoplou a plataforma web através do IPTV, permitindo o uso da internet através da TV” (p. 51). Muda-se o conceito de mero aparelho receptor de TV para terminal integrado convergente, muda-se o acesso às tecnologias – mais democrático, considerando a presença da TV em 98% dos lares brasileiros.

Além disso, as novas tecnologias digitais requerem formação de novos profissionais preparados para pensar produtos e conteúdos para as diferentes áreas da TVD. Daí a importância da apropriação das TICs na formação de recursos humanos para essa nova indústria de conteúdos, que contemple o desenvolvimento de novas metodologias de forma transdisciplinar, e inclua a participação de jovens educadores habituados a uma cultura audiovisual e digital.

Portanto, revelam os autores, pensar a Comunicação nos termos de “indústria de conteúdos” a partir das novas necessidades sociais e das novas tecnologias requer também uma revisão teórica. O conceito de “indústria cultural” [4] não oferece suporte para análise das novas dinâmicas, já que no contexto em que fora formulado não era possível imaginar, por exemplo, a interatividade e a convergência tecnológica.

 Em linhas gerais, o livro é composto por textos de André Barbosa Filho e Cosette Castro feitos em parceria ou individualmente, entre os anos de 2005 e 2008. As reflexões, que para este livro foram revisitadas e atualizadas, tratam com bom senso a tensão dicotômica que existe entre as novas tecnologias e a inclusão social, já que pondera as variáveis que envolvem as transformações contemporâneas.

Sua estrutura se divide em Parte I, Parte II, Anexos e Glossário. Os 10 capítulos que compõem a obra têm relação direta entre si, porém podem ser lidos separadamente, de forma aleatória, exatamente por serem uma reunião de textos e artigos.

Um aspecto importante é que o livro não fica somente na reflexão sobre a comunicação digital, mas também aponta possibilidades práticas sobre os novos saberes e habilidades. Isso se torna claro quando os autores optam por dividir o livro em duas partes: a parte I que contextualiza e problematiza, e a parte II que apresenta estudos concretos sobre novas tecnologias e uso de plataformas digitais em diversas áreas.

A leitura atenta aos capítulos revela o uso do recurso da citação na abertura de cada capítulo. Citações estas que trazem pensamentos de grandes autores da comunicação e preparam o leitor para o recorte do tema a ser desenvolvido.

Tais autores também são referenciados ao longo dos textos como, por exemplo, Jesús Martín-Barbero, na discussão sobre novas sociabilidades e novas formas de comunicar-se; Manuel Castells, quando da abordagem sobre a mudança no sentido de tempo e espaço e na definição do conceito de públicos interatuantes e interatuados; Mikhail Bakhtin e Jürgen Habermas, na argumentação sobre a comunicação dialógica e ação comunicativa, respectivamente; além de Edgar Morin, Paulo Freire e Mario Kaplún nas reflexões concernentes a transdisciplinaridade, educação e comunicação. Tal postura confere a obra credibilidade e robustez teórica.

Os anexos estão estruturados em forma de entrevista e apresentam uma espécie de biografia dos autores, relatando uma trajetória de paixão pela comunicação, sobretudo pelo rádio e TV e a relação de suas atuações profissionais e acadêmicas com os temas discutidos. Já o glossário possui uma gama de termos recorrentes a cultura digital. A obra inaugura a Coleção Comunicação & Cultura, da Editora Paulinas, que pretende abordar discussões atuais da comunicação.

É preciso se atentar ao alto grau de respeitabilidade que merece a obra. Os autores podem ser considerados autoridades no tema, não só pela competência intelectual que adquiriram durante anos de experiência acadêmica e profissional, mas também pelo engajamento nas causas de inclusão social por meio das TICs.

Basta acompanhar o breve currículo dos dois autores apresentados a seguir:

Cosette Castro é Doutora em Comunicação pela Universidade Autônoma de Barcelona - Espanha; Mestre em Comunicação pela PUC/RS; Especialista em Educação Popular - Unisinos/RS. Graduou-se em Jornalismo. Recebeu o prêmio Luis Beltrão/Intercom na categoria Liderança Emergente em 2008. É professora do Mestrado em TV Digital da Unesp. Coordenadora do Projeto do Centro Nacional de Referencia em Inclusão Digital (Cenrid), do Instituto Brasileiro de Informação, Ciência e Tecnologia (Ibict) e coordenadora do Grupo de Trabajo sobre  Contenidos Digitales do eLAC/ Sociedade da Informação para América Latina e Caribe.

Co-autora do livro “Mídias Digitais, Convergência Tecnológica e Inclusão Social”, Paulinas, 2005; autora do livro “Por que os Reality Shows Conquistam as Audiências?”, Paulus, 2006 e co-autora de  “Comunicação Digital: educação, tecnologia e novos comportamentos”, Paulinas, 2008. É autora de mais de 45 artigos acadêmicos publicados em revistas e livros em português, espanhol e inglês.

André Barbosa Filho formou-se em Direito pela USP em 1976, mas preferiu seguir a carreira de radialista, exercendo ainda as funções de produtor, diretor e coordenador de Programação em emissoras de rádio e TV (Cultura, Sistema Globo de Rádio, USP-FM e Joven Pan 2). É mestre em Ciências da Comunicação pela Umesp e doutor pela ECA/USP. Foi professor da ECA/USP e da UMESP. Exerceu os cargos de diretor de Comunicação e Marketing da Uniban e de consultor de áudio do CCE-Senac-SP.

Por meio de sua empresa Criar Assessoria de Comunicação, já produziu variadas ações sonoras para clientes como Editora Abril, Fundação Abrinq e SOF/Unicef. É co-autor do livro “Mídias Digitais, Convergência Tecnológica e Inclusão Social”, Paulinas, 2005; co-autor de  “Comunicação Digital: educação, tecnologia e novos comportamentos”, Paulinas, 2008; autor de “Gêneros radiofônicos – Os formatos e os programas em áudio”, Paulinas, 2009; e co-autor em “Radio: Sintonia do Futuro”, Paulinas, 2009.

Desde 2004, é assessor especial sobre TICs e sobre telecomunicações na Casa Civil da Presidência da República. É um dos principais responsáveis pela implantação da TV digital no país, representando o Governo Federal no Comitê Gestor de TV Digital.

NOTAS

[1] O livro diferencia as diferentes conotações do conceito. Classifica como “favorável” o que vem do século XIX e dialoga com o Marxismo; e “desfavorável” o desenvolvido pelo ufanismo da Alemanha Nazista. Os autores partem do conceito que dialoga com as Políticas Nacionais de Comunicação (PCNs), desenvolvidas durante a década de setenta e voltadas para o interesse da maior parte da população.

[2] Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação foi desenvolvida pela Unesco na década de 80, e defende que um novo (e melhor) mundo é possível através da democratização e do acesso à comunicação.

[3] O projeto dos Centros de Excelência em Produção de Conteúdos Digitais Interativos e Interoperáveis foi aprovado em fevereiro de 2008 durante o Encontro Interministerial sobre a Sociedade da Informação para a América Latina e Caribe.

[4] A expressão “indústria cultural” foi adotada na primeira metade do século XX pelos pensadores Theodor Adorno e Max Horkheimer, da Escola de Frankfurt, que se referiam a produção cultural como mercadoria e guiada por classes dominantes.

Serviço: BARBOSA FILHO, André; CASTRO, Cosette. Comunicação Digital: Educação, tecnologia e novos comportamentos. São Paulo: Paulinas, 2008. 239 p. 1ª Ed.

*Alan César Belo Angeluci é jornalista pela FAAC-UNESP e mestrando do Curso de Televisão Digital da FAAC-UNESP.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]