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07/04/2004
Lula
aponta decadência da
profissão e pede lealdade
Por
Nelson
Breve
O
presidente recebeu dirigentes de entidades de jornalistas, que
pediram apoio para a criação do Conselho Federal
de Jornalismo, e lamentou o enfraquecimento e a falta de representatividade
da categoria.
Brasília - Para marcar o Dia do Jornalista, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva recebeu nesta quarta-feira
(7) uma delegação de 30 dirigentes sindicais da
categoria, liderados pela presidente da Federação
Nacional dos Jornalistas, Beth Costa. A audiência no Palácio
do Planalto foi acompanhada por cerca de 30 outros jornalistas
ali setorizados. O motivo da reunião era a entrega de
um documento pedindo apoio à criação do
Conselho Federal e de Conselhos Estaduais de Jornalismo, que
seriam responsáveis pela regulamentação
da profissão e pela fiscalização de seu
exercício e ensino.
Mas
o presidente aproveitou para fazer uma reflexão sobre
a profissão de jornalista, do fracasso da organização
sindical da categoria aos conflitos éticos e ideológicos
das redações. E fez um apelo por uma relação
de lealdade entre governo e imprensa. Se nós todos
estivermos em busca da verdade e apenas a verdade nos interessar,
todos seremos mais amigos, todos viveremos num país mais
tranqüilo e todos nós estaremos contribuindo para
que a democracia seja definitivamente verdadeira no nosso país,
justificou o presidente no discurso que a Agência Carta
Maior reproduz abaixo.
O
apelo acabou estimulando o ministro da Secretaria de Comunicação
Social da Presidência, Luiz Gushiken, a ir além.
O cidadão precisa ver o lado positivo das coisas.
O Brasil está preparado, os leitores, os espectadores,
os ouvintes estão ansiosos para saber aquilo que germina
em termos de coisas boas. O critério deve ser a agenda
positiva. Esse país está cheio de coisas boas,
mas é preciso que a janela para o mundo, em que vocês
são peças fundamentais, se abra, recomendou
o ministro.
Segue
o discurso de Lula para os jornalistas:
"Eu
não sabia que era a primeira vez que um presidente da
República os recebia [a diretoria da Federação
Nacional dos Jornalistas - Fenaj]. Não sei se os companheiros
e companheiras da imprensa [credenciados no Palácio do
Planalto] estão percebendo, mas se você olhar nesta
mesa aqui, você vai perceber que com exceção
do André [Singer, porta-voz da Presidência]
que não foi dirigente sindical , do Ricardo Kotscho
[secretário de Imprensa e Divulgação] ao
[Luiz] Gushiken [ministro de Comunicação de Governo
e Gestão Estratégica - foi presidente dos Sindicato
dos Bancários de São Paulo], todos foram dirigentes
sindicais [também presentes os ministros Luiz Dulci,
da Secretaria-Geral da Presidência Sindicato dos
Professores de Minas Gerais -, e Ricardo Berzoini, do Trabalho
Sindicato dos Bancários de São Paulo].
O Ricardo Kotscho foi, inclusive, da Fenaj, no tempo em que
a Fenaj e que o movimento sindical dos jornalistas estavam em
processo de ascensão.
"Eu
quero dizer a vocês que fico torcendo para que o movimento
sindical, sobretudo, o movimento sindical dos jornalistas, possa
recuperar, no menor tempo possível, o prestígio
e a representatividade que já teve neste país.
A maioria que está aqui, ou não viveu aquele momento
ou era muito criança, mas o movimento sindical dos jornalistas
passou um período muito tenebroso quando, em 1975, ressurgiu
a partir da eleição do Audalio Dantas para presidente
do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Muito mais
do que a eleição de Audalio Dantas era o surgimento
da quebra de um monopólio de quase 19 anos de conservadores
dentro do Sindicato. E aquilo foi um alento extraordinário,
porque depois veio uma enxurrada de vitórias de companheiros
que eram considerados de esquerda, progressistas, avançados,
modernos, no movimento do Sindicato dos Jornalistas. Até
que nós tivemos a honra de participar de um processo
eleitoral que culminou com a eleição do Castelinho
[Carlos Castelo Branco] como presidente do Sindicato dos Jornalistas
de Brasília e, depois, fomos para Alagoas, com Freitas
Neto, que morreu num acidente de avião. Aí, fomos
para Pernambuco e para o Rio de Janeiro eleger o Caó
[Carlos Alberto de Oliveira, deputado Constituinte e autor da
Lei Caó, que definiu os crimes resultantes de preconceitos
de raça ou de cor]".
O
retrocesso
"Tudo isso era uma novidade excepcional na categoria dos
jornalistas, até que veio 1979 [ano em que o Sindicato
dos Jornalistas Profissionais de São Paulo organizou
uma greve histórica, que fracassou]. Eu acho que, naquele
momento, as circunstâncias políticas fizeram com
que o movimento sindical sofresse um retrocesso muito grande
- sobretudo, o movimento sindical ligado à área
de jornalismo. Por quê? Porque naquele momento os empresários
provaram que era possível fazer jornal sem os jornalistas,
ou seja, eu me lembro que eu fui com os jornalistas fazer piquete
no Estadão e encontrei os piqueteiros lendo jornal. Eu
dizia: não é possível que você
esteja de greve, fazendo piquete, e lendo a notícia do
jornal em que você trabalha.
"Eu
acho que, a partir dali, os jornalistas, foram enfraquecidos,
psicologicamente, por causa de uma guerra fratricida, interna.
E eu acho que o Davi [de Moraes, então presidente do
Sindicato dos Jornalistas de SP] foi uma vítima daquele
processo, porque não se discutiu, politicamente, o momento
correto de mudar a linha da greve. Eu sei que nós terminamos
[a greve] e, de lá para cá, tivemos um retrocesso,
eu diria, muito grande. Deus queira que vocês estejam,
nesse momento, recuperando esse prestígio, porque eu
vivi um momento em que alguns companheiros sindicalistas, em
vários estados, me ligavam dizendo que não conseguiam
montar uma chapa, porque não tinha jornalista querendo
fazer parte da chapa do sindicato. Ou seja, quando vivemos uma
situação dessas, nós chegamos a duas conclusões:
primeiro, que não basta ter um curso superior para ter
consciência política; ou seja, muitas vezes você
tem um curso superior e desaprende muita coisa na política.
"E,
segundo, que os donos dos jornais trabalharam de forma muito
forte, de forma muito viva para tentar quebrar a espinha dorsal
do jornalismo. Ou seja, primeiro com um processo de contratação
de jornalistas fora das regras pré-estabelecidas, terceirizados,
como pequena empresa. E aí todo mundo sabe que acontece
com algumas categorias o que acontece muito com jogador de futebol.
Ou seja, imaginem vocês se os jogadores famosos, que fossem
para a seleção, resolvessem organizar a categoria
dos jogadores para reivindicar os seus direitos. Acontece que,
quando as pessoas ficam famosas, cada uma vai pensando na sua
sobrevivência pessoal e o coletivo vai ficando no segundo
plano. A Fenaj tem um papel extraordinário".
A
reivindicação
"Eu acho que o que vocês estão reivindicando
[criação do Conselho Federal e de conselhos estaduais
de Jornalismo, que seriam responsáveis pela regulamentação
da profissão e pela fiscalização de seu
exercício e ensino] é possível de ser feito.
Vocês sabem que vão tomar muito cacete.
Eu não tenho nenhuma preocupação de dizer
para vocês que eu acho simpática a idéia
de criar um Conselho. É preciso fiscalizar melhor a formação
dos nossos jovens, porque o jornalista trabalha com uma coisa
muito poderosa, que é a caneta e um espaço no
jornal. E o que nós, efetivamente, desejamos, enquanto
brasileiros - não enquanto presidente da República,
mas enquanto seres humanos -, é que, ao abrirmos o jornal
e lermos uma notícia, ela seja a mais pura verdade conseguida
por aquele jornalista e não apenas a intenção
do profissional, do dono do jornal ou coisa parecida. Isso não
é bom para quem lê, não é bom para
vocês que escrevem, não é bom para o jornal,
porque este vai perdendo credibilidade. Eu acho que uma instituição
que possa orientar eticamente, profissionalmente e cultural-mente,
é extremamente importante. É uma coisa que será
boa para o futuro da imprensa no Brasil.
"Obviamente,
alguns irão dizer sempre que isso é intromissão
na autonomia, na independência, que estão querendo
fazer ingerência. É só pegar os jornalistas
de hoje, você vê que é tudo um bando de meninos
e meninas muito jovens, ou seja, que eu acho que uma instituição
dessa poderia contribuir para fortalecê-los enquanto profissionais.
Eles saberiam que teriam um lugar para fazer a sua terapia,
com as frustrações de quem sai de manhã
para fazer uma matéria, trabalha que nem um condenado,
escreve, passa a noite acordado, briga com gente, xinga o presidente,
é xingado pelo presidente - o presidente nunca xinga.
Ou seja, vai para casa ou para a redação, escreve
um texto, se mata para escrever esse texto, colocando ali os
seus anos de escolaridade, a sua formação política-ideológica
e, no dia seguinte, quando lê o jornal, aquilo que escreveu
não está lá. Não tem nada mais dolorido
do que isso, ou seja, é uma espécie de parir todo
santo dia um filho que não aparece com a cara que as
pessoas querem.
"Alguns,
obviamente, vão dizer que isso é intromissão,
que isso é ingerência, que isso é uma série
de coisas, mas eu acho extremamente importante, porque vai dando
seriedade ao comportamento profissional de uma das categorias
que, inegavelmente, faz jus ao nome de quarto poder.
"De forma que, nós vamos trabalhar com carinho,
não sei qual é o critério que o Ricardo
[Berzoini] vai usar, mas eu acho que era preciso criar uma Comissão
para se começar a discutir, para enviar ao Congresso
Nacional uma coisa mais ou menos consensual entre líderes,
para não transformar uma proposta de categoria numa briga
secular, sem fim, com pressão. Eu acho isso extremamente
importante".
A
torcida
"Por último, quero dizer para vocês que eu
estarei torcendo enquanto presidente, mas, sobretudo, independentemente
de ser presidente, para que a categoria volte a ter a pujança
que já teve, que volte a ter a força e a representatividade
que já teve, porque isso é bom. Isso é
bom, sobretudo, porque você tem a universidade jogando
uma enxurrada de meninas e meninos todo santo dia na praça
para trabalhar. Emprego está cada vez mais difícil,
cada vez mais seletivo, cada vez mais proibitivo e, muitas vezes,
o jovem não tem sequer forças para levantar a
cabeça e falar: essa pauta não é boa, tem
outro assunto mais importante no pedaço.
"Eu
acho que isso não condiz com a grandeza da função
do jornalismo, pela sua importância de bem informar a
sociedade brasileira. Eu, se fosse o Ricardo Kotscho, no final
da minha fala, aqui, teria providenciado um bolo, e a gente
cortaria esse bolo em homenagem ao dia, porque hoje é
o Dia do Jornalismo, é o Dia Mundial da Saúde
e é aniversário da Dona Marisa Letícia
da Silva [mulher do presidente]. Você vê que é
um dia tri importante ou quadri importante.
"Então,
eu quero dar os parabéns a vocês e lhes dizer que,
enquanto profissionais, nos estados ou aqui em Brasília,
muitas vezes vocês fazem queixas de que o governo não
conversa, de que o governo não quer discutir. Eu falo
sempre o seguinte: um presidente da República tem que
tomar muito cuidado com cada palavra que fala, porque cada palavra
tem uma dimensão, às vezes mais exagerada do que
a gente pensa que tem. Mas tem gente que gosta de carregar na
importância das coisas que a gente fala".
A
lealdade
"Nós temos mais dois anos e pouco de mandato e se
a gente puder, vai deixar algo que sirva de lição
para alguém: é a gente tentar, a partir dessa
convivência, a partir dessa relação, estreitar,
no que for possível, a relação do Estado
com os meios de comunicação, com os profissionais
da imprensa, para que haja uma espécie de relação
leal. Quando eu digo leal, é a relação
em que, em nenhum momento, o governo deve pedir para um jornalista
falar bem dele e, em nenhum momento, um jornalista deve falar
mal, simplesmente, porque quer falar mal. Ou seja, se nós
todos estivermos em busca da verdade e apenas a verdade nos
interessar, todos seremos mais amigos, todos viveremos num país
mais tranqüilo e todos nós estaremos contribuindo
para que a democracia seja definitivamente verdadeira no nosso
país.
"Por
isso meus parabéns aos jornalistas brasileiros pelo seu
dia. Parabéns aos nossos companheiros da Fenaj e, particularmente,
aos companheiros dirigentes sindicais dos estados. Podem saber
que vocês têm um companheiro aqui, na Presidência,
que estará torcendo para que consigam ser as entidades
mais representativas daquilo que vocês fazem.
"Nossa
querida ABI [Associação Brasileira de Imprensa]
precisa voltar também a ter a força que já
teve, a função que já teve. E aí
depende muito de vocês, não depende do governo,
não depende dos donos dos jornais, depende, única
e exclusivamente, de vocês acreditarem que são
uma categoria. E uma categoria não presunçosa,
porque começaram a quebrar o jornalista no Brasil, quando
se pensou que era possível o gráfico ter um sindicato,
o funcionário ter outra coisa, os motoristas terem outra
coisa. Ou seja, como é um processo em cadeia, onde um
depende do outro, eu confesso a vocês que nunca entendi
porque houve essa separação. Então, eu
acho que vocês têm a tarefa de fazer com que a categoria
que vocês representam volte a ser uma categoria levada
em conta no cenário sindical do nosso país. Muito
obrigado e parabéns!".
Fonte:
Carta Maior Agência de Notícias, 08.04.2004.
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