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Notícias


24/03/2004
Autor acusa discurso
falacioso da mídia sobre DNA

Por Renata Moehlecke

Livro aponta 'febre biologista' da imprensa que apresenta genes como Santo Graal

Algumas notícias sobre genética parecem retiradas de livros de ficção científica. Pelo que sugere a grande imprensa, a decifração do genoma humano trará um futuro perfeito, no qual doenças, tempo e velhice não poderão nos atingir: estaria nos genes a resposta definitiva para todas as questões biológicas. Esse mito, que caracteriza a chamada 'febre biologista', é o que o jornalista Claudio Tognolli tenta desmontar em seu livro A falácia genética: a ideologia do DNA na imprensa.

A obra analisa e questiona a forma como a mídia apresenta temas científicos para o grande público. O autor mostra como grande parte dos jornalistas não está preparada para escrever sobre ciências: eles pintam uma imagem heróica dos cientistas e transformam em verdades absolutas as verdades historicamente transitórias da prática científica.

O livro é resultado da tese de doutorado defendida por Claudio na Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo (USP) em 2002, e traz uma série de entrevistas que alimentaram a pesquisa, com especialistas em genética, bioética e jornalismo.

A obra nasceu da idéia de tentar demarcar nos jornais e revistas a febre biologista que caracteriza a forma como a ciência é retratada na época atual. "Cria-se a idéia, sobretudo na mídia, de que mudando as peças dos genes teremos seres sãos e longevos. Segue-se a moda dos técnicos de computação: troca-se o chip, o computador fica bom", observa.

Baseado sobretudo no pensamento do biólogo norte-americano Richard Lewontin, Claudio argumenta que somos sistemas abertos, como a meteorologia, influenciados pelo meio, ou seja, pelo contexto sócio-econômico. Segundo ele, a imprensa parece muito distante de notar isso, ao apontar os genes como o Santo Graal da existência humana -- eis a 'falácia genética'.

Na era da biotecnologia reducionista em um mundo globalizado, na qual 'transparência' e 'objetividade' surgem na ciência como conceitos dominantes, o autor tenta desmascarar "a ideologia da imprensa", que coloca o gene como limite para todas as respostas. Escritos em função de critérios obscuros de 'novidade', na maioria das vezes os artigos não dão conta de explicar o fenômeno biotecnológico em toda sua extensão. Claudio denuncia que a febre biologista, aparentemente auto-suficiente e imparcial, atenderia sobretudo a interesses dos laboratórios fornecedores de suprimentos para empresas biotecnológicas.

O estudo da bioética na imprensa, trazida à tona pelo avanço da biotecnologia, seria segundo o autor um aspecto original de seu trabalho. Num momento em que algumas seitas alimentam a esperança de reencarnação do Cristo pela clonagem de supostos fragmentos de DNA encontrados no Santo Sudário, a bioética surge como mediadora entre os discursos da ciência e da religião.

Por ser derivado de uma tese, o livro é escrito em linguagem acadêmica, com citações do universo do jornalismo, da biologia, da sociologia e da filosofia (de Platão a Michel Foucault). Embora isso torne a leitura pesada, o esforço é recompensado pelas reflexões levantadas na obra.

A falácia genética - a
ideologia do DNA na imprensa
Claudio Tognolli
São Paulo, 2003, Escrituras
336 páginas - R$ 14,50

Fonte: Ciência Hoje On-line, 24.03.2004.

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