Notícias
04/03/2003
A
crise da falta de opinião
Por Paulo
José Cunha*
Neste
momento, se você quiser saber qual é a opinião
dos principais jornalistas que atuam nos jornais, nas revistas,
na internet, nas emissoras de rádio e de televisão
dos Estados Unidos e da Europa sobre a guerra Bush x Saddam
é só acessar alguns sites. Você pode até
discordar, pode até se irritar com uma posição
mais conservadora ou mais radical, uma opinião mais ou
menos moralista, mais ou menos liberal, mais ou menos xenófoba,
mais ou menos comprometida com tal ou qual grupo de poder. Mas
a opinião existe e é publicamente disponibilizada
porque, na América e na Europa, os chamados "líderes
de opinião" fazem jus ao título.
Não
apenas têm opinião formada, como a expressam efetiva
e publicamente, saltando da posição de líderes
para a de "formadores" de opinião. Neste patamar,
o jornalista exerce a sua mais importante função
pois deixa de ser um captador e retransmissor de informações
para se transformar num profissional de elevadíssima
responsabilidade, passando a influir decisivamente na formação
do pensamento público.
Torna-se
peça-chave no balizamento de tendências, na construção
do imaginário e, portanto, na tomada de decisão,
seja em relação ao voto do eleitor, seja em relação
à política econômica do governo. Assume
a mais nobre de todas as funções dentro da profissão:
embora sem mandato popular conquistado nas urnas exerce o papel
de "agente público", um funcionário
do leitorado ou da audiência, um consultor bem informado.
E assim se parece bastante com um vereador, um deputado, um
senador.
No
Brasil, o quadro é bem diverso. É até possível,
pelos antecedentes, supor a posição de jornalistas
de renome embora, raramente, esses jornalistas, sobretudo os
apresentadores de televisão únicos que
podem de fato ser chamados de "líderes" de
opinião, no caso do Brasil expressem publicamente
suas convicções. No máximo, são
"analistas" políticos, nacionais ou internacionais.
Raramente são detentores de opinião. Fora do âmbito
restrito dos coleguinhas ou da roda do boteco, dificilmente
emitem essa opinião.
Num
país como o Brasil, onde os níveis de escolaridade
beiram a calamidade pública, é, no mínimo
estranho que não possamos contar, ressalvadas as exceções
conhecidas, com jornalistas de opinião sobretudo
na tevê, o veículo preferido por 9 entre dez estrelas
da audiência e do leitorado. O quadro se altera substancialmente
na imprensa escrita. Ali, as páginas de opinião
são bem mais incisivas, claras, diretas. Poucos são
os analistas que também não exercem seu direito
à opinião. Alguns o exercem em sua plenitude,
com segurança e responsabilidade, como José Nêumanne,
no JT. Ou Vilas-Boas e Augusto Nunes, no JB. Ou Clóvis
Rossi na Folha, só pra ficar em quatro exemplos.
Mas,
e na tevê? Fora as colunas até inteligentes de
Jabor, os "isto é uma vergonha" de Casoy e
as análises políticas de Franklin Martins, onde
se esconde a opinião? A indagação não
é minha. É de um motorista de táxi, o Amadeu,
amigo velho e arguto observador da tv. Assiste com olhos críticos
a tudo o que passa pela sua frente. E não há quem
o faça entender como um homem com o poder de um Sílvio
Santos não tenha ou não manifeste opinião
sobre coisa alguma. Ou mesmo o William Bonner. Ou a Ana Paula
Padrão. Ou o Alexandre Garcia. Ou o Renato Machado. Essa
turma aí.
Culpa
deles? Não. Esta ausência de opinião em
nossas "estrelas" do telejornalismo resulta provavelmente
do velho hábito, adquirido no tempo da ditadura, de os
editores orientarem suas estrelas para manterem as barbas de
molho de forma permanente, para evitar problemas com os generais
de plantão. O hábito teria virado vício,
do qual não nos livramos até hoje.
Pior:
em nome de uma pretensa neutralidade editorial, os veículos
preferem manter prudente distância da opinião para
evitar ferir os interesses das partes atingidas negativamente.
Pior ainda: acreditam que a simples enunciação
dos fatos, passados pela peneira dos filtros da edição
e das conveniências editoriais, seja capaz de permitir
uma avaliação e a conseqüente tomada de posição,
função última da notícia.
O
fato é que, no país onde mais se precisa de opinião
abalizada, mais ela se esconde nos veículos de menor
alcance, como os jornais. Ou é exercida apenas pelos
"paladinos da justiça" nos programas policiais
ou sensacionalistas. E o Amadeu ali, doido pra saber se o Bonner
é a favor ou contra o Bush. Aquela assepsia editorial
que ele exibe ao lado da patroa, na bancada do JN até
que é bacana.
A
gente sabe o estrago que uma opinião abertamente expressa
por ele causaria numa audiência daquele tamanho. Mas que
o Amadeu gostaria de saber o que ele pensa sobre os grandes
temas nacionais depois do "boa noite" do Jornal Nacional,
no aconchego do lar, com os trigêmeos no colo...ah, como
gostaria. O Amadeu me garante que está disposto até
a dar um pequeno desconto na corrida para o Bonner, quando ele
vier a Brasília uma hora dessas, só pra saber
se ele é contra ou a favor do Bush. É pegar ou
largar.
Fonte:
TELEJORNALISMO EM CLOSE - coluna semanal de análise de
mídia - é parte do projeto acadêmico do
prof. Paulo José Cunha, da Faculdade de Comunicação
da Universidade de Brasília.
Para ter acesso à coleção de TJ em Close
e ler as mensagens dos leitores clique aqui: <www.tjemclose.hpg.com.br>
*PAULO
JOSÉ CUNHA é jornalista, escritor, pesquisador,
documentarista, autor de "A Noite das Reformas", "O
Salto sem Trapézio", "Vermelho, um pessoal
garantido", "Caprichoso: a Terra é Azul"
e "Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês".
<pjcunha@unb.br>
Voltar
|