Notícias
25/05/2003
Charge
na tv:
por enquanto, pouco a ver
Por Paulo
José Cunha*
Toda
charge é engraçada? Não. Algumas charges
são engraçadas? Sim. Mas existem casos em que
as charges fazem chorar? Sim. O chargista é um humorista?
Não. Então, a charge deve ou não deve ser
considerada uma categoria do humor? Sim, deve. Mas como, se
muitas vezes a charge não é engraçada,
embora seja inteligente? Ah, não complica.
Na
verdade, a charge é um bicho muito estranho, meio pedra
meio tijolo, situada no limite entre o jornalismo e o desabafo,
entre a crítica e o atrevimento. Por isso sai sempre
ali, na página de opinião, ao lado do editorial,
encostada na coluna das cartas dos leitores. Ou exibida bem
na primeira página, só pra provocar.
A
charge perde muito de seu impacto quando vira piada, chiste,
gozação gratuita. Vulgariza-se. Pois fazer rir
é ofício nobre de humoristas ou palhaços,
não de chargistas. Chargista que se preza não
atua no território da gargalhada. O bom chargista é
um indutor da reflexão.
Reflexão,
eis a palavra-chave que pode explicar a sensação
de que alguma coisa está fora da ordem quando a gente
assiste ao Jornal Nacional e bruscamente, lá pelo meio,
entra no ar a charge eletrônica de Chico Caruso. Não
sei qual tem sido a receptividade do quadro. Se estiver sendo
boa, por favor, jogue esses comentários na primeira cesta
de lixo que encontrar. Se não estiver, como suspeito,
vamos tocando o barco.
O
leitor já deve ter-se flagrado meio sem jeito quando,
abruptamente, sem aviso nem chamada, a charge do Chico entra
no ar. Como sempre trata de política (interna ou externa),
a primeira sensação é a de não estar
entendendo direito. A ficha demora a cair um pouco. Soube que
Caruso não consegue produzir mais que uma charge daquelas
por dia, pois se trata de produto altamente elaborado.
Chico
é chargista de fino acabamento. Acabamento demorado.
Algumas de suas caricaturas bem poderiam ser emolduradas e penduradas
na parede. Merecem. Daí a dificuldade de comentar o fato
do dia. É bom lembrar que todo bom chargista acorda cedo
e começa a ler os principais jornais do país,
até que lhe ocorra uma boa idéia. Muito raramente
trabalha sobre o fato do dia, principalmente um artista como
Chico que precisa de muito tempo para fazer o acabamento.
Tida
a idéia, é feito um esboço, e só
então começa o desenho. Depois do desenho é
que vem a pintura. Isto pra jornal. Agora, imagine todo esse
processo tendo em vista uma produção que deverá
ter animação, além de efeitos sonoros,
seleção de vozes, montagem e mixagem. Claro que
o computador acelerou muito esse trabalho, mas ainda assim,
é lento. Dessa forma, a charge, no jornal, pode perfeitamente
comentar o assunto da véspera, pois jornal não
é veículo instantâneo.
Mas
televisão é. Daí a dificuldade de obter
impacto com uma charge que normalmente trata de assunto velho
num meio instantâneo, como a tv, perdida ali entre as
notícias frescas do dia. O resultado é muito esquisito.
E não tem nada a ver com a genialidade de Caruso nem
com os recursos que lhe são postos à disposição.
Basicamente, o problema reside nesse delay entre
a notícia e sua sátira, como também no
fato de que Caruso parece não dominar ainda todas as
possibilidades da animação.
Na
maioria das vezes faz charge parada que ganha movimento, não
charge criada originalmente para ter som e movimento. Some-se
a isso a ausência absoluta de contextualização
da charge pelos apresentadores e sua inadequação
num meio a televisão que definitivamente
não privilegia a reflexão, pelo contrário.
Chico
Anysio, numa antiga entrevista, comentava a diferença
entre o humor do teatro, da tv e do cinema. Lembrava que o riso
é um fato coletivo, e exemplificava dizendo que a gente
se acaba de rir num filme exibido num cinema e não vê
graça nenhuma quando, sozinho, assiste ao mesmo filme
na tv. A sensação é parecida com a que
se tem ao assistir sozinho a um desses programas humorísticos.
Quando
tem mais gente na sala, até dá pra rir. Quando
estamos sozinhos, até o delicioso humor de Chico Anysio
nos parece enfadonho. Chico explicou que essa necessidade de
coletivização do riso foi a responsável
pela criação da risada eletrônica na tv,
aquele riso colocado logo após a piada para lembrar
ao telespectador como se faz com as claques de auditório
que está na hora de rir...
Ora,
a charge, como vimos no início, sequer se enquadra na
categoria dos produtos feitos para rir. Solta no meio de um
telejornal, sofre um processo de deslocamento tão forte
que não funciona como objeto de reflexão nem,
por sua vez, provoca a gargalhada. Até porque, pra conseguir
provocar a gargalhada, tinha de ser seguida por um tempo morto
ou que, pelo menos, o Bonner ou a Fátima esboçassem
um sorrisinho, mas eles já engatam outra chamada e segue
o baile. Sem falar que o humor requintado de Chico Caruso é,
por vezes, de difícil compreensão para o público
do JN.
E
olha: ninguém mais do que eu torce pra charge eletrônica
dar certo. Mas, por enquanto, o trem tá complicado. A
menos que esse troço esteja dando o maior ibope. Neste
caso, ainda dá tempo de embolar o papel e jogar esta
minha lenga-lenga na primeira cesta de lixo que encontrar por
aí.
Fonte:
TELEJORNALISMO EM CLOSE - coluna semanal de análise de
mídia - é parte do projeto acadêmico do
prof. Paulo José Cunha, da Faculdade de Comunicação
da Universidade de Brasília.
Para ter acesso à coleção de TJ em Close
e ler as mensagens dos leitores clique aqui: <www.tjemclose.hpg.com.br>
*PAULO
JOSÉ CUNHA é jornalista, escritor, pesquisador,
documentarista, autor de "A Noite das Reformas", "O
Salto sem Trapézio", "Vermelho, um pessoal
garantido", "Caprichoso: a Terra é Azul"
e "Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês".
<pjcunha@unb.br>
Voltar
|