Notícias
09/01/2004
Por um jornalismo de boa qualidade
Por
Fred Ghedini
"Uma
exigência contra o jornalismo" é o nome do
artigo de Maurício Tuffani publicado nesta página
em 12 de maio. Nele, a pretexto de defender a profissão,
o autor ataca a atuação dos sindicatos dos jornalistas
do país e da Fenaj (Federação Nacional
dos Jornalistas) na defesa da exigência de formação
superior específica para o exercício do jornalismo.
Ao escrever que nossa regulamentação seria "um
desrespeito à liberdade de imprensa", Tuffani, que
exerce a profissão há anos em desrespeito à
legislação, assume a mesma tese esdrúxula
da juíza Carla Rister, que em 2001 desregulamentou a
profissão ao derrubar a exigência de formação
específica para o jornalismo.
O
que garante o direito de expressão de qualquer um no
jornalismo é o exercício ético da profissão
O
autor escreve que a Fenaj e os sindicatos já mandaram
ao Legislativo seu anteprojeto de lei da regulamentação.
Ao pretender ser jornalista, o articulista deveria saber que
as informações precisam ser checadas antes de
publicadas. Se tivesse feito isso, saberia que nosso anteprojeto
está no Ministério do Trabalho e ainda não
foi enviado ao Congresso. Erra, portanto, quando nos acusa de
não termos feito o debate com o governo, pois o anteprojeto
está lá, em uma instância do governo. Erra
duplamente quando diz que frustramos "a manifestação
de opiniões divergentes" ou impedimos "o livre
debate" ao elaborarmos nosso anteprojeto e que não
queremos o debate com a sociedade.
O
anteprojeto foi debatido em vários congressos estaduais
e em pelo menos três congressos nacionais da categoria.
Ao longo desse caminho, houve muitas manifestações
favoráveis e contrárias e inúmeras reformulações.
Como nossas instâncias são democráticas,
há votações e as direções
encaminham a vontade da maioria, como ocorre agora.
Quanto ao debate com a sociedade, não há melhor
lugar para isso do que o Congresso Nacional, onde os parlamentares
poderão expressar as mais diversas opiniões e
onde podem ser promovidas audiências públicas para
que todos, inclusive Tuffani, sejam ouvidos.Tenhamos,
pois, calma e não coloquemos o carro à frente
dos bois.
Em
seu texto, o articulista utiliza os mesmos argumentos truncados
já empregados à exaustão, como o de que
"há vários exemplos de indiplomados altamente
capacitados", pretendendo aí discutir a necessidade
ou não de uma regra com base em exceções.
E cita documentos de organismos internacionais (Comitê
Internacional pela Liberdade de Imprensa, Sociedade Interamericana
de Imprensa e Unesco) e juristas contrários à
regulamentação.
Em
comum, tais documentos e argumentações têm
sempre o mesmo vício de origem: ignoram que o jornalismo,
na maioria dos países, é praticado por profissionais
sujeitos à hierarquia e aos interesses de empresas privadas.
Razão suficiente para defendermos uma boa regulamentação
para a profissão.
É uma verdade incontestável que os proprietários
das empresas de comunicação e suas organizações
têm mais força e maior poder de interferência
nos organismos nacionais e internacionais do que os jornalistas.
E
lá fazem seus interesses prevalecerem na elaboração
de tais textos. Daí essas declarações poderem
ser classificadas de interessadas ou canhestras, pois, ao mesmo
tempo em que ignoram essa realidade, utilizam-se sempre da mesma
confusão, colocando a regulação do exercício
da profissão como restrição à liberdade
de imprensa ou ao direito de expressão do cidadão.
É
justamente o contrário. O que garante o direito de expressão
de qualquer um no jornalismo é o exercício ético
da profissão, a consciência do profissional de
que deve ouvir as versões contraditórias e reproduzir
pontos de vista diversos dos seus, sem distorções.
Para
prevenir esse poder dos proprietários e o mau jornalismo,
devemos formar adequadamente o futuro profissional, assim como
criar uma organização forte e respeitada tanto
internamente, entre os jornalistas, quanto por toda a sociedade.
Essa organização é o Conselho Federal de
Jornalismo (e seus conselhos regionais), cuja criação
propomos no anteprojeto de autoria dos sindicatos e da Fenaj.
Segundo nossa proposta, esses conselhos terão a participação
de representantes da sociedade em seus tribunais de ética,
como já ocorre com a Comissão de Ética
do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São
Paulo, com excelente resultado.
Quanto
à questão da formação, propomos,
no mesmo anteprojeto, a manutenção da exigência
de formação específica. E vamos além,
com um item que prevê um exame voltado para selecionar,
entre os que terminarem o curso de nível superior, aqueles
que realmente mostrarão as melhores condições
técnicas e éticas para o exercício da profissão
-o que interessa fundamentalmente ao público, que merece
todo o nosso empenho na formação dos melhores
profissionais, os mais conscientes de suas obrigações
sociais e éticas.
É
por isso que dizemos sempre que a boa formação
em jornalismo é uma exigência que interessa à
sociedade.
Finalmente, algumas palavras quanto à provocação
do autor quando acusa os sindicatos de brigarem pela exigência
de formação específica com o interesse
de arrecadar mais com a emissão de carteirinhas e mensalidades
de desempregados. Tuffani, que só entrou na profissão
porque a Folha vem adotando há anos uma posição
contrária à regulamentação dela,
manifesta-se aqui com um certo sadismo.
Se
há muitos desempregados em nossa profissão, isso
se deve, de um lado, a problemas de mercado e aos erros de planejamento
das empresas e, de outro, ao fato de parte do mercado de trabalho
estar sendo ocupada por quem desrespeita a legislação.
Seria algo mórbido, para dizer o mínimo, imaginar
que os sindicatos têm interesse em manter pessoas em situação
de desemprego simplesmente para recolher mais mensalidades.
Na
verdade, quem tem procurado os sindicatos com insistência,
para que aceitemos suas mensalidades, são os chamados
"jornalistas precários", que obtiveram registro
graças à sentença (já suspensa)
da juíza. Não aceitamos tais ofertas, pois confiamos
que será feita justiça e que superaremos essa
situação absurda que é a de qualquer pessoa,
alfabetizada ou não, poder hoje ter o seu registro de
jornalista.
Fred
Ghedini, jornalista diplomado pela ECA-USP, é presidente
do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São
Paulo.
Fonte:
Folha de S.Paulo, 28/07/2003
Voltar
|