Nº 9 - Dez. 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 


MONOGRAFIAS
 

Na tela do RJTV:
Um olhar sobre a
relação do telejornal
local com seu público

Reprodução
Por Taiga Corrêa Gomes*

RESUMO

O objeto específico deste texto é o RJTV primeira edição, que vai ao ar ao meio-dia para a região metropolitana do Rio de Janeiro. É um telejornal local que atinge uma imensa e diversa população, e tem a missão de cobrir uma área que abarca não só a capital como também outros municípios; portanto, lida diariamente com uma grande quantidade de pautas a serem cobertas. O que me chama a atenção neste telejornal são as iniciativas de variação no formato de enunciação das notícias. Observando que estas variações acontecem principalmente quando o telejornal se direciona à cobertura das mazelas que afetam o cotidiano da população de baixa renda, me concentrei neste aspecto de sua produção.

PALAVRAS-CHAVE: Telejornalismo / Gêneros Discursivos / Mediação

A intenção clara do programa estudado aqui em adotar estratégias direcionadas a atingir uma maior aproximação com seu público coloca este trabalho no campo do estudo da comunicação social pensada como um processo. Deste modo, nos concentraremos aqui na relação entre o emissor – RJTV primeira edição – e seus receptores, representados neste trabalho pelos telespectadores que, de alguma forma, participam da produção do telejornal.

Para fabricar uma análise sobre o telejornalismo que se pretenda complexa, é preciso olhar não só para o texto narrado pelos apresentadores e repórteres, mas também para a imagem. O que constitui a linguagem televisiva é a articulação entre o som e o vídeo.

Quando falamos de som, devemos considerar não apenas o que está em primeiro plano, captado pelo microfone principal, mas também o som chamado de BG (background), captado pelo microfone da câmera. O mesmo acontece com a imagem, que se constitui em primeiro e em segundo plano.

Em uma transmissão ao vivo, há o repórter que aparece e fala em primeiro plano e, ao fundo, muitas vezes um público que tenta aparecer para a câmera. Este público pode ser considerado um ruído – o que normalmente acontece nos telejornais convencionais -, ou parte integrante da mensagem.

Pretendemos observar neste trabalho a mensagem telejornalística como composta de vários elementos que se articulam e se completam. Consideramos que o RJTV primeira edição se utiliza desses elementos de forma diferente do que faz o telejornalismo convencional, inserindo ao contexto da mensagem o que seria descartado em nome de uma assepsia da linguagem.

“Paternalismo televisivo”

É o desequilíbrio urbano gerado por um tipo de urbanização irreal o que, de alguma forma, é compensado pela eficácia comunicacional das redes eletrônicas. Pois, nas cidades cada dia mais extensas e desarticuladas, (...) o rádio e a televisão acabam sendo o dispositivo de comunicação capaz de oferecer formas de resistir ao isolamento das populações marginalizadas, estabelecendo vínculos comuns à maioria da população [1].

Jesús Martín-Barbero [2] diz que é de dentro de casa que hoje as pessoas exercem sua participação na cidade. Esta idéia se aproxima da teoria de laço social defendida por Dominique Wolton:

Mesmo que ela não garanta a comunicação propriamente dita, porque não existe comunicação em escala de uma sociedade, a televisão oferece, em compensação, uma função de participação e uma função de ponte entre as classes sociais e as faixas etárias. Ela é o “barqueiro”, o grande “mensageiro” da sociedade de solidões organizadas, reduzindo as exclusões mais poderosas da sociedade de massa. Pois o drama da sociedade de massa é que não existe ninguém entre os indivíduos e a sociedade, e o papel essencial da televisão é garantir uma espécie de vaivém entre esses dois extremos da escala social. A televisão não rompe os isolamentos e as exclusões, mas, ao contrário do que afirmamos muitas vezes, tampouco os acentua. Ao contrário, ela limita os seus efeitos [3].

Os dois autores podem parecer para muitos excessivamente otimistas em relação ao papel da televisão na sociedade. Porém, seus pensamentos se encaixam no que pretendemos mostrar a respeito do telejornal local: que ele exerce um papel articulador na relação entre a população de baixa renda do Rio de Janeiro e seu espaço público.

O telejornal local que estudamos aqui toma para si a missão de ser um mediador entre seus telespectadores e o poder público. Ele assume esse papel porque há um vácuo na atuação do poder público a ser preenchido. O RJTV é freqüentemente acionado pelo público para intervir efetivamente na solução de problemas que são de responsabilidade do Estado ou de empresas privadas de serviços públicos. Sinal claro dos efeitos do enfraquecimento das instituições. Beatriz Sarlo chama a atenção para o crescente hábito dos cidadãos de atribuir um poder assistencialista à mídia. A autora argentina chama de “paternalismo televisivo” o espaço de reivindicações e indenizações simbólicas oferecido pelo telejornalismo:

O público recorre à televisão para alcançar aquelas coisas que as instituições não garantem: justiça, indenizações, atenção. É difícil afirmar que a televisão seja mais eficaz do que as instituições para assegurar essas demandas, mas sem dúvida parece ser, uma vez que não precisa ater-se a adiamentos, prazos, procedimentos formais que retardem ou transfiram as soluções [4].

A constatação de Sarlo a respeito da imprensa argentina pode ser facilmente aplicada ao telejornalismo local direcionado à população do Rio de Janeiro. O telejornal é efetivamente visto como um solucionador de problemas. Se a sua intervenção efetivamente representa uma contribuição de peso na melhoria da qualidade de vida da população, é uma questão a ser levantada. O que queremos observar aqui é que, no imaginário de seu público, o RJTV é um aliado poderoso.

Interatividade?

Ao se incumbir da missão de mediar a relação entre a população e o espaço público, o telejornal local que analisamos aqui lança mão de diferentes estratégias para marcar esse lugar de prestação de serviços.

O telefone da redação é freqüentemente divulgado como um canal aberto para denúncias e reivindicações. Os moradores que telefonam esperam que a divulgação de seus problemas na televisão motive soluções. Os telefonemas transcritos a seguir são exemplos desta relação entre o telespectador e o telejornal local:

Meu bairro, aqui onde eu moro (...), tem um terreno desabitado, um terreno baldio muito grande que poderia servir como uma área de lazer, e está cheio de mato, bicho, rato, mosquito e vem trazendo muitos problemas aqui para os moradores (...).

Eu queria fazer uma queixa: (...), aqui nós temos precariedade de condução, as ruas não são asfaltadas, quando chove a gente não pode nem sair de casa, as crianças não têm acesso à escola, não temos policiamento (...) Eu gostaria de pedir que fosse feita uma reportagem no local, pra que nós pudéssemos nos queixar melhor, e verem no RJTV a precariedade que nós vivemos aqui (...).

Eu moro em Marechal Hermes, e em uma das ruas principais tem um supermercado que tem um estacionamento que ocupa toda a calçada evitando que os pedestres passem na calçada (...) é um desrespeito total, as pessoas têm que praticamente andar na rua. (...) Eu gostaria que a reportagem viesse aqui fazer isso, eu já fui na prefeitura mas eu acho que não adiantou nada (...).

Eu sou uma moradora de Campos Elíseos, Duque de Caxias. Não estamos conseguindo vagas no colégio. Já fiz de tudo, já fui na secretaria mais de cinco vezes (...). O conselho tutelar diz que não tem como resolver (...). Por favor, tomem uma providência com a Secretaria Municipal de Duque de Caxias (...).

Sou moradora de Marambaia, Itaboraí. O problema de Marambaia é falta de saneamento básico, asfalto, transporte. Peço à equipe do RJ para dar uma olhada...

(...) Aqui na minha rua tem uma creche que está abandonada, na rua não tem asfalto, na frente da creche é um matagal danado, a creche não tem esgoto, não tem luz. Uma creche da prefeitura em Nova Iguaçú. Estou assistindo agora ao RJTV e resolvi ligar(...). Contamos com a presença de vocês aqui para tomar uma providência (...) [5].

O conteúdo dos telefonemas acima citados reflete a necessidade que o cidadão tem de ser representado. Os moradores querem ser ouvidos, e querem também ser vistos na televisão. Eles acreditam que o poder do telejornal seja ilimitado, que a intervenção da câmera possa promover a solução de qualquer problema. Percebemos claramente que a população desassistida é carente de atenção, necessita de um canal aberto por onde possa relatar as dificuldades que enfrenta no cotidiano.

Observamos, através dos telefonemas acima citados, que aqueles moradores de baixa renda da região metropolitana do Rio de Janeiro têm mais confiança nos jornalistas do que nos governantes. Se não conseguem o conserto do vazamento da sua rua com a prefeitura, recorrem à imprensa. E muitos provavelmente nem procuram a autoridade competente, já sabendo que não vão ser atendidos.
A coluna “Caixa Postal”, iniciada em novembro de 2006, passou a propiciar uma maior divulgação dos telefonemas e também de e-mails dos telespectadores.

Até então, o telefone era freqüentemente divulgado, mas o conteúdo dos telefonemas só era conhecido pela produção do telejornal, que decidia qual geraria uma reportagem e qual ficaria guardado nos arquivos. A seleção ainda acontece. O que a nova coluna introduziu foi a leitura por parte dos apresentadores de alguns dos telefonemas e e-mails. Três vezes por semana, são divulgadas as falas de quatro telespectadores. Um deles é contemplado com uma reportagem que explora a sua denúncia. Para os que ficaram no arquivo, nenhuma conquista.

Outra tentativa do telejornal em estabelecer alguma interatividade com seus receptores é o quadro “Urna do RJ”. Em diversas ocasiões, desde a reformulação do telejornal no ano 2000, urnas eletrônicas foram montadas em diferentes locais do Rio de Janeiro. Elas já se destinaram a variadas enquetes ao longo dos últimos anos: A “Maravilha do Rio” convocou a população para eleger o ponto mais característico da cidade – foi eleito o Cristo Redentor; A “Música do Rio” tinha o objetivo de definir qual a música, inspirada pela cidade, era a preferida dos cariocas – foi eleita “Cidade Maravilhosa”; “O melhor e o pior da praia” levantava problemas e qualidades das principais praias da cidade; “A imagem da Baixada” teve o objetivo de definir que área melhor representaria a Baixada Fluminense e o “Mascote do Pan” foi a votação que serviu para que se escolhesse o nome do mascote dos Jogos Panamericanos de 2007 - Cauê.

Uma das principais campanhas protagonizadas pela urna eletrônica foi a série de votações intitulada “O bairro que eu quero”, que se deu no ano de 2001. Diversos bairros da cidade do Rio de Janeiro foram contemplados pela votação. Os moradores, ao apertar os botões da urna, tiveram a oportunidade de votar no que havia de melhor e de pior em seu bairro. Durante um dia inteiro a urna ficava montada em um ponto central de cada bairro e os moradores do local formavam uma longa fila para votar.

No dia seguinte, o RJTV primeira edição divulgava o resultado. Da zona oeste, área que experimenta um crescimento acelerado e desordenado, dois bairros representaram dois extremos. A Barra da Tijuca, com sua população de classe média-alta e Campo Grande, bairro popular.

“A população expressa os seus sentimentos”, “Os nossos governantes vão começar a prestar atenção ao que o povo está clamando”. Estes dois depoimentos de moradores da Barra da Tijuca ilustram o que representa para o telespectador a chance de registrar sua opinião. O resultado da votação na urna eletrônica revelou que os moradores consideram o lazer o ponto forte do bairro e a falta da rede de esgoto a pior característica. 

A Barra da Tijuca é um imenso bairro que já tentou se emancipar do município do Rio de Janeiro. Por experimentar um crescimento imobiliário e populacional muito acelerado convive, ironicamente, com um problema característico de regiões de baixa renda. Aproveitando o cenário montado na praia para abrigar a “urna do RJ”, um morador quis personificar o problema do saneamento precário e compareceu para votar a caráter. A performance rendeu o seguinte diálogo com a repórter Beth Luchese:

Beth: Agora a pouco chegou aqui até a urna do RJTV uma pessoa fantasiada. Ele veio com um penico na cabeça, vários penduricalhos... Tudo isso é lixo?

Morador: É lixo da lagoa, é o que o carioca se banha, é uma mistura de água com isso tudo aqui, e o que bebe também.

Freqüentemente, quando o RJTV promove eventos desse tipo, telespectadores aproveitam a oportunidade de aparecer diante da câmera para chamar a atenção do público. No caso do morador da Barra fantasiado com sucata, seu protesto era direcionado para um problema específico. Em muitas outras situações, o objetivo é apenas aparecer na televisão.

Campo Grande, outro extremo da zona oeste, foi o oitavo bairro contemplado pelo projeto do RJTV, “O bairro que eu quero”. Os moradores elegeram o transporte como melhor serviço e a saúde como o pior. No dia da divulgação do resultado da votação, o telejornal mostrou uma longa reportagem relatando a rotina dos moradores de Campo Grande e detalhando a crise do serviço de saúde. Um pequeno depoimento do secretário de saúde do município, recheado de promessas, arremata o VT.

As votações promovidas pela série “O bairro que eu quero” foram uma iniciativa do telejornal para dar uma oportunidade para o telespectador falar. Assim como a divulgação do telefone de redação como um canal aberto para denúncias e sugestões de pauta, a urna possibilitou que muitos cidadãos expressassem suas opiniões a respeito do local onde moram. No final de cada votação, o resultado foi passado para as autoridades competentes.

O telejornalismo que nos mostra a cidade

Na cidade disseminada e impossível de ser abarcada, só o meio possibilita uma experiência-simulacro da cidade global: é na televisão que a câmera do helicóptero nos permite alcançar uma imagem da densidade do tráfego nas avenidas ou da vastidão e desolação dos bairros de invasão; é na TV ou no rádio que, cotidianamente, nos conectamos com o que, na cidade, “em que vivemos”, sucede e nos diz respeito, por mais longe que estejamos de tudo (...) [6].

Martín-Barbero novamente nos chama a atenção para o papel que a televisão desempenha na relação do cidadão com a cidade. Através das mensagens audiovisuais, o telespectador pode ter uma visão mais ampla e totalizante da cidade que, percorrida fisicamente, é percebida em fragmentos. A discussão em torno do pertencimento local está intimamente relacionada com o papel de mediador desempenhado pelo telejornal local.

O RJTV primeira edição vai ao ar para uma imensa região composta pela cidade do Rio de Janeiro e muitos outros municípios, que juntos compõem o chamado Grande Rio. As diferenças sociais e culturais dentro da imensa população de moradores desta região são marcantes. Podemos claramente definir dois extremos: a zona sul e a Baixada Fluminense. Porém, dentro de cada uma dessas regiões, os contrastes ainda persistem.

Na região dominante financeiramente e culturalmente, a zona sul, perante as paisagens que são um cartão postal do país se debruçam favelas desamparadas pelo Estado e agredidas pelo tráfico de drogas. Para elas não conseguimos deixar de olhar. A elite da cidade e os formadores de opinião se confrontam diariamente com essa realidade que nos enche de culpa e de insegurança.

O que acontece nas favelas naturalmente tem seu lugar na imprensa carioca, porque afeta o cotidiano dos cidadãos mais privilegiados. Uma guerra na Favela da Rocinha impede muitos de chegarem ao trabalho, um tiroteio na Linha Vermelha interrompe o trânsito de quem chega pelo Aeroporto Internacional. Já a Baixada Fluminense, é uma área que fica fora do olhar de quem mora na área da cidade chamada de “maravilhosa”.

A distância espacial equivale à distância do poder público. Quanto mais longe da área nobre, menos assistida é a região.

Composta por treze municípios, a Baixada Fluminense tem cerca de quatro milhões de moradores e responde por uma grande parcela da audiência do RJTV. A região é a que mais sofre com problemas estruturais, como falta de água, de saneamento básico e mau funcionamento de outros serviços de competência do poder público.

Por causa da grande quantidade de denúncias e reclamações que a redação do RJTV recebe diariamente dos telespectadores da Baixada, o telejornal, a partir do ano de 2005, instalou naquele local um escritório destinado exclusivamente à cobertura da região.

Um repórter especial – Vandrei Pereira, junto com produtores e repórteres cinematográficos, foi deslocado para produzir uma cobertura diária e exclusiva da imensa e heterogênea área. Diariamente, o RJTV primeira edição exibe reportagens sobre os mais diferentes assuntos da região.

A instalação da “base de jornalismo” do RJTV na Baixada é evidentemente mais uma iniciativa que tem como objetivo estabelecer uma maior aproximação com o público do telejornal, como acontece com os outros quadros e telejornais especiais que analisamos até agora. A seguir, vamos detalhar duas edições que marcaram a cobertura na Baixada: a de inauguração da base de jornalismo e a que comemorou seu primeiro aniversário.

RJTV na Baixada Fluminense

A base de jornalismo do RJTV na Baixada Fluminense foi inaugurada no dia 25 de abril de 2005, junto com outras inovações no telejornal que marcavam o aniversário de 40 anos da TV Globo. Neste mesmo dia, um novo cenário foi apresentado ao público, composto por grandes fotos de regiões marcantes do Rio de Janeiro e o quadro RJ nos bairros. As mudanças foram descritas no ar pela apresentadora Ana Paula Araújo como iniciativas para aproximar ainda mais o telejornal de seu público.

A jornalista Cecília Mendes declara que a instalação da base de jornalismo na Baixada Fluminense foi conseqüência de uma demanda da população da região por uma cobertura mais rápida e eficiente:

A base da Baixada foi uma resposta à reivindicação dos moradores dos 13 municípios que compõem a região. O RJTV já tinha uma preocupação de cobrir os acontecimentos factuais e cotidianos da área. Mas, muitas vezes, tínhamos dificuldades por causa da distância, sinal de geradora, engarrafamento.  Com a base, passamos a ter a garantia de que a Baixada estaria bem representada diariamente no RJ.

A edição de inauguração da base de jornalismo da Baixada Fluminense deslocou o apresentador Márcio Gomes para fora do estúdio. Em uma praça central de Duque de Caxias, tendo como cenário uma multidão de telespectadores, ele abriu assim a edição especial:

Esse 25 de abril marca uma nova fase na cobertura do RJTV na Baixada. Uma fase de aproximação ainda maior com uma região que tem graves problemas, mas que tem um potencial de crescimento enorme. A partir de hoje, a redação do RJTV dedicada aos assuntos da Baixada Fluminense já está funcionando. Estamos bem no centro de Duque de Caxias, o município que tem a maior população da Baixada Fluminense.

A primeira atração foi a entrada da repórter Beth Luchese, direto do helicóptero da TV Globo, mostrando ao vivo imagens aéreas da Baixada Fluminense.

Em Nova Iguaçu, cercado de outro grupo de moradores entusiasmados com a presença da câmera o repórter Vandrei Pereira diz: “Parece que a cidade parou para receber esse primeiro RJTV na Baixada!”.

Uma notícia grave obrigou esta edição especial a ser mais factual do que comemorativa. No dia 31 de março havia acontecido uma chacina em Nova Iguaçu e em Queimados, municípios da Baixada Fluminense. Vinte e nove moradores haviam sido assassinados, presumivelmente por policiais militares. A violência, portanto, foi o tema da primeira de uma série de reportagens que iria mostrar, durante toda a semana, os problemas e as conquistas da Baixada.

O apresentador conversa direto da praça em Duque de Caxias com o secretário estadual de segurança pública sobre o problema da violência. O estopim da chacina teria sido a operação “Navalha na Carne”, que investigava e punia maus policiais. O secretário prometeu para o apresentador e para o público melhora na segurança, restabelecimento da disciplina e da ordem dos policiais e novas diretrizes para o policiamento da Baixada.

Junto com a segurança, outro problema crônico da região, as enchentes, também foi abordado através de uma entrevista com outra autoridade, o secretário municipal de defesa civil, que respondeu sobre as conseqüências de uma forte chuva que havia atingido a área na véspera. Outro assunto factual abordado.

Uma reportagem sobre a falta de luz no bairro da Lagoinha, em Nova Iguaçu, encerra o telejornal. Entre as entrevistas, uma moradora relata a dificuldade que enfrenta com a burocracia do poder público ao tentar resolver a situação: “ligo para a prefeitura, a prefeitura manda ligar pra secretaria de obras, ligo pra secretaria de obras, me mandam ligar para a prefeitura”.

O repórter Vandrei Pereira, ao vivo de Nova Iguaçu, entrevista um representante da prefeitura, que diz estar trabalhando muito e ter projetos em andamento. O apresentador Márcio Gomes encerra: “Vamos continuar acompanhando os problemas lá do pessoal da Lagoinha”.

O telejornal de inauguração da base de jornalismo da Baixada Fluminense foi marcado pela cobertura de problemas crônicos da região e entrevistas com autoridades que tentavam dar respostas ao telejornal e seus telespectadores. Um clima que deixava claro que havia muito a ser feito na região, e que o telejornal, a partir daquele momento, concentraria uma atenção maior do que a dada anteriormente à Baixada Fluminense. A missão da nova base de jornalismo era denunciar os problemas da população e cobrar as soluções das autoridades.

Um ano depois, uma nova edição especial do RJTV comemorava o primeiro aniversário da base de jornalismo da Baixada. No dia 25 de Abril de 2006, o telejornal foi novamente ancorado de Duque de Caxias para se fazer um balanço da cobertura na região.

O telejornal especial comemora o primeiro aniversário do escritório na Baixada Fluminense. No dia, o apresentador Márcio Gomes, sai novamente de dentro do estúdio e ancora o RJTV primeira edição de uma praça no centro do município de Duque de Caxias. As primeiras palavras do telejornal são ouvidas em off, tendo como fundo imagens panorâmicas da Baixada Fluminense:

Uma conquista da baixada, e também do RJTV. Há um ano, era criada a nossa base de jornalismo no Baixada Fluminense, um canal de comunicação permanente com mais de 3 milhões e meio de moradores.

A câmera corta para o apresentador:

Por isso, o RJTV hoje é especial, está sendo feito ao vivo aqui da praça Roberto Silveira, bem no centro de Duque de Caxias.

Este primeiro texto é parte da escalada do telejornal, uma espécie de introdução às notícias que serão divulgadas naquele dia. Depois de inserções da outra apresentadora, que está no estúdio e é encarregada de transmitir o conteúdo do telejornal que não terá ligação com o assunto Baixada, o apresentador deslocado de seu lugar habitual volta:

Boa tarde. Você que assiste ao RJTV todos os dias, sabe que nós transmitimos as notícias do interior do estado, da região de São Gonçalo, de Niterói, da Capital – da cidade do Rio, mas quando o nosso assunto é Baixada Fluminense, este é o cenário que você tem todos os dias. A praça Roberto Silveira, bem no centro de Duque de Caxias. É aqui que há um ano foi fundada a base de jornalismo do RJTV na Baixada Fluminense. É aqui que todos os dias, uma equipe que permanentemente fica por aqui, cobre não apenas Caxias, mas todos os treze municípios da Baixada Fluminense. Mostra os seus problemas, mas também sua cultura, o lazer, as características desta terra e desta gente, que mora por aqui e constrói este lugar [7].

Atrás do apresentador, contidos por uma grade de metal para não atrapalharem demais a transmissão, moradores de Duque de Caxias com cartazes se acotovelam para ver de perto a transmissão e serem vistos na TV. O burburinho causado por eles se mistura à voz do apresentador. A euforia e a excitação são claras em suas expressões faciais.

Mostram cartazes, levantam as mãos, cada um tenta, de sua maneira, aparecer para a câmera. Os telespectadores da Baixada têm sua chance de se mostrar, têm a sensação de que ali são presentes, participantes.

Em Nova Iguaçu, maior município da Baixada Fluminense, está o repórter Vandrei Pereira, em frente à “urna do RJ”, uma urna eletrônica montada pelo telejornal que durante toda a semana está computando os votos de moradores dos principais municípios da região. A eleição é para escolher a imagem que melhor representa a Baixada Fluminense. As pessoas formam fila e votam em uma das oito imagens que foram pré-selecionadas por “estudiosos” da Baixada. No final da semana, viríamos a conhecer a vitoriosa: Reserva do Tinguá. Em volta da “urna do RJ”, uma festa: todos querem aparecer para a câmera. Ao fundo, sambinha, gritaria, confusão.
Renata Capucci, apresentadora que está no estúdio, explica que a imagem vencedora vai ganhar um lugar no cenário do RJTV:

A imagem que receber o título vai fazer parte do nosso cenário ao lado de paisagens e símbolos como o Cristo Redentor ou a Central do Brasil. Essa será mais uma homenagem do RJTV a todos os moradores da Baixada Fluminense.

O texto, narrado de dentro do estúdio pela apresentadora que tem ao fundo imensas fotos que pretendem representar o Rio de Janeiro, revela que a Baixada será premiada pelo telejornal, será incluída no cenário. Simbolicamente, a região ganha espaço, conquista o direito de estar ao lado do Cristo Redentor. A atitude sedimenta a valorização da região pelo telejornal. A presença do apresentador ao vivo na praça principal de Duque de Caxias acontece em uma edição extraordinária. Com a imagem da Baixada incluída no cenário, dentro do estúdio, a região é colocada no mesmo nível de importância dos mais conhecidos retratos do Rio de Janeiro.

Depois do intervalo, o apresentador Márcio Gomes volta para introduzir o próximo assunto a ser abordado. Antes, valoriza em seu texto a presença dos moradores que se esforçam para aparecer na transmissão:

Voltamos a falar ao vivo da nossa base de jornalismo na Baixada Fluminense, aqui no centro de Duque de Caxias. Hoje Caxias tem céu com poucas nuvens, temperatura na casa dos 30 graus, tá um tempo quente aqui hoje; mas nada disso impede que cerca de 100 pessoas estejam aqui assistindo hoje à nossa transmissão ao vivo do centro de Duque de Caxias.

Entra em cena uma longa reportagem especial focando o assunto economia. O repórter Vandrei Pereira narra duas realidades contrastantes: a rural e a urbana. O telejornal tenta descrever as mudanças que ocorreram na área econômica durante o primeiro ano da nova base de jornalismo.

A futura instalação de um pólo petroquímico gera expectativa de desenvolvimento e geração de postos de trabalho, uma das maiores demandas da população, que por falta de opções perto de casa, disputa empregos no Rio de Janeiro. Em Duque de Caxias, quatorze empresas do setor plástico ergueram seus prédios. A informação é ilustrada por imagens que mostram o desenvolvimento urbano da cidade. O repórter declara que “quem se preparou, garantiu uma das dez mil vagas de trabalho abertas aqui”.

Em outro município, quatro mil vagas ficaram na promessa. O desenvolvimento industrial não chega para todos. Muitos ainda não podem trabalhar perto de casa. Wellington, desempregado, ilustra a situação: “Tudo é lá embaixo, no Rio. Quando aparece a entrevista, você vai ansioso, você passa em todos os quesitos, aí chega no principal: passagem, quanto custa a sua passagem?”.

Longe da área urbana, a precariedade se intensifica. O poder público não chega na região parada no tempo. A falta de pavimentação nas estradas dificulta o escoamento da produção rural. As imagens mostradas agora contrastam com as de desenvolvimento urbano: uma enorme área de montanhas riscadas por trilhas de terra.

Os produtores rurais, apesar de organizados, encaram diariamente uma rotina que não imaginamos existir tão perto da Cidade Maravilhosa. Um deles descreve a dificuldade que tem para escoar sua produção agrícola:

O sitiante gera sua receita com manga, caqui, acerola, cana, banana, jaca. Produzimos muito, mas a maioria (da produção) ela se estraga, né? Os acessos são difíceis, trazer no lombo do burro, não tem condição, e nem todo mundo tem um burro (...). Trazer nas costas? Eu acho que o tempo da escravidão já acabou, né? Precisamos é que o poder público nos dê atenção, que olhe para essa classe trabalhadora.

Como resposta, o repórter divulga a promessa ainda não cumprida do poder público citado pelo personagem rural. A secretaria de meio ambiente e urbanismo de Mesquita enviou ao governo federal um projeto de pavimentação para a região e aguarda a aprovação para que os recursos sejam liberados. Resposta burocrática ao apelo por atenção do morador que enfrenta, em seu dia-a-dia, dificuldades inimagináveis para os representantes do tal poder público.

A reportagem dá seqüência à entrevista com um professor, economista, estudioso da Baixada. Existem projetos de capacitação profissional e boas perspectivas de geração de postos de trabalho para os próximos anos. Isto nos centros urbanos; quanto à população rural, fica o depoimento do agricultor que tem que apelar para o lombo do burro. A reportagem só conseguiu a resposta de uma autoridade que falasse de esperanças para o setor urbano, industrial da região. Para a área rural, apenas uma promessa lida pelo repórter.

A edição do RJTV se encaminha para o final e, como freqüentemente acontece, é o momento da descontração, de deixar um clima positivo no ar. É hora de dar espaço para a área cultural e o esporte. No cenário onde está instalada a urna eletrônica, em uma calçada de Nova Iguaçu, personalidades da região entram em cena: um grupo profissional de dança se apresenta em meio à confusão criada pelos telespectadores que hoje sentem que fazem parte do telejornal.

A coordenadora do grupo de dança, o primeiro da Baixada Fluminense, logo após mostrar brevemente suas alunas desempenhando uma coreografia, se dirige à urna para votar em sua “imagem da Baixada”. Na seqüência, o repórter direciona o microfone para um campeão carioca de vôlei de praia responsável por um trabalho social em sua terra natal, que dá seu depoimento: “o esporte transforma”.

O apresentador, deslocado do Rio para Caxias por causa da festa, resume assim a relação do telejornal com seus espectadores:

Dia de festa aqui no centro de Duque de Caxias, onde centenas de pessoas acompanham esta transmissão ao vivo do RJTV celebrando este primeiro aniversário do RJ na baixada. Muita gente que ajuda o RJ todos os dias com sugestões de matérias, com entrevistas, mas também, é claro, querem aparecer, como todo mundo gosta de aparecer na televisão.

Uma entrevista com um líder comunitário, seu Jorge, arremata a comemoração. Seu depoimento revela aspirações modestas e valoriza a presença da TV na região: “Nós queremos um pouquinho mais de dignidade e respeito. Graças a Deus e graças a vocês hoje nós temos vez e voz. Um ano de sucesso hoje, muita coisa melhorou na Baixada”.

Seu Jorge deixa no ar a mensagem que solidifica a impressão de que, com a intervenção do telejornal, a população sente que é ouvida e assistida. O telejornal é encerrado ao som do batuque de um grupo de música Axé.

Beatriz Becker [8] chama a atenção para o fato de que, ao assumir simbolicamente o papel de defensores dos direitos e dos interesses públicos, o telejornalismo legitima vozes não-hegemônicas.  O depoimento popular, de acordo com a autora, faz parte hoje da construção das reportagens, o que aproxima os jornalistas dos telespectadores:

Com maior impacto e constância do que qualquer outro tipo de narrativa contemporânea, os telejornais ocupam, através de suas mediações, o espaço de outras instituições mais enfraquecidas nas suas representações, como a justiça e a polícia, no julgamento das ações sociais, condenando ou libertando os mais diferentes atores e as mais distintas atitudes políticas, buscando, justamente, esvaziar e diluir os conflitos, ameaçadores da ordem, mas, ao mesmo tempo, lutando por princípios democráticos [9].

O telejornal aqui estudado toma para si o compromisso de se estabelecer como porta-voz da população, de seus telespectadores. Os representantes do poder público têm sempre espaço para dar sua versão, se defender de denúncias, prometer soluções. Porém, o lugar de protagonista é reservado para o povo-público. O telejornal se configura como um prestador de serviços a seu telespectador, seja ele da Baixada Fluminense, Zona Oeste ou Zona Sul.

A presença da autoridade, que no telejornalismo dominante tem um espaço de destaque, é muitas vezes meramente ilustrativa no telejornal que observamos aqui.

Ao invés de servir de legitimadora do fato narrado, a autoridade é freqüentemente pressionada pelo repórter ou pelo apresentador a prestar contas à população. Não é raro observar sinais de constrangimento de representantes do poder público diante da câmera do RJTV primeira edição. Eles são chamados para serem cobrados e darem respostas às demandas dos telespectadores.

Valorização do público

Quando coloca em primeiro plano o público, o telejornal observado aqui experimenta uma maneira de legitimar a notícia que difere do que faz o telejornalismo dominante.

Em seu segmento destinado a divulgar o mau funcionamento do poder público principalmente nas áreas que abrigam a população de baixa renda, o RJTV primeira edição busca criar, no processo de enunciação das mensagens, uma cumplicidade com seu público; busca se aproximar do telespectador que se identifica com os personagens protagonistas das reportagens.

O telejornal que observamos tenta incluir o público em diversas etapas da produção das notícias. Através do telefone, da urna eletrônica ou mesmo de entrevistas mais extensas, o telespectador do RJTV tem uma participação significativa no telejornal.

Este fato pode representar uma variação no que é considerado por estudiosos do telejornalismo uma maneira sedimentada de se produzir as notícias: a hipótese da audiência presumida. Alfredo Viseu, ao observar as práticas diárias de produção de notícias no telejornalismo, concluiu que os jornalistas elegem os fatos e a maneira de narrá-los tendo como referência uma noção pré-concebida da audiência:

Os jornalistas constroem antecipadamente a audiência a partir da cultura profissional, da organização do trabalho, dos processos produtivos, dos códigos particulares (as regras de redação), da língua e das regras do campo das linguagens para, no trabalho da enunciação produzirem discursos. E, do trabalho que os profissionais do jornalismo realizam ao operar sobre os vários discursos resultam as construções que, no jargão jornalístico, podem ser chamadas de notícias [10].

Quando o telespectador está atrás do apresentador segurando cartazes, ou quando dá respostas inesperadas para o repórter que o entrevista ao vivo, ele está incluído do processo de enunciação. Podemos aqui nos perguntar se, ao adotar estratégias objetivando uma aproximação com seu público, o RJTV trabalha com uma idéia de audiência participante, ativa. A teoria de audiência presumida é perfeitamente aplicável ao telejornalismo dominante, principalmente o transmitido em rede.

Queremos, porém, chamar a atenção neste trabalho para uma outra maneira de se fazer telejornalismo, que parece pretender valorizar e incluir mais o telespectador no processo de produção das notícias.

Outra característica que afasta o nosso objeto da maneira dominante de se narrar as notícias é a tentativa de abarcar, de maneira mais aprofundada, os fatos que afetam a cidade. A edição de inauguração da base de jornalismo na Baixada, em 2005, teve o objetivo de trazer ao público diversos aspectos da região. Um ano depois, a edição comemorativa de aniversário procurou fazer um balanço do primeiro ano de atuação da equipe sediada na área e para isso se valeu de diversas entrevistas, da participação do público e de uma reportagem especial detalhando o desenvolvimento econômico dos municípios da Baixada Fluminense. Esta reportagem fez parte de uma série exibida naquela semana de abril de 2006, onde, a cada dia, um assunto era abordado detalhadamente.

No caso da matéria sobre economia que foi detalhada acima, o repórter Vandrei Pereira conseguiu transmitir ao público que a região coberta por ele é repleta de contrastes, polarizados principalmente em dois extremos de desenvolvimento: o urbano e o rural.

Soubemos através da reportagem que a instalação crescente de indústrias ligadas ao pólo petroquímico gera empregos nas cidades para quem está preparado e que, por outro lado, o morador da área rural não consegue escoar sua produção de frutas porque não há pavimentação.

A industrialização crescente e a precariedade do campo convivem. Para um, o horizonte é positivo. Para o outro, resta apenas uma promessa, engessada por trâmites burocráticos, lida em nota pelo repórter. Promessa que provavelmente não será cumprida, pelo menos não em curto prazo. Saindo desta polarização mais evidente entre a cidade e área rural, o repórter ainda explica que, mesmo dentro das regiões industriais, muitas vezes o emprego não chega.

Ao que nos parece, este tipo de abordagem se distancia do que é sentenciado por estudiosos do telejornalismo a respeito da seleção e da divulgação dos fatos. Alfredo Vizeu afirma que o telejornalismo tem uma tendência a descontextualizar os fatos de seu quadro social, histórico, econômico, político e cultural. O autor explica que isso acontece porque os fatos são submetidos às exigências das rotinas de produção:

Sob o controle do relógio e obcecados pelo novo, pelo imediatismo, pela pressão da hora do “fechamento”, os jornalistas e as empresas jornalísticas muitas vezes se esquecem de que o como e o porquê numa matéria são importantes para que o telespectador, do outro lado da “telinha”, possa compreender melhor o mundo que o cerca [11].

No âmbito do telejornalismo local, parece haver mais espaço para se fazer uma cobertura mais extensa, rica e detalhada dos fatos, porque eles afetam uma região mais restrita do que a que tem que ser abarcada por um telejornal de rede. O telejornal observado neste artigo tem uma duração mais longa do que os habituais e adota um perfil mais comunitário, de prestação de serviços à população. Para isso, experimenta constantemente novas formas de se narrar as notícias, que têm objetivo de aproximar a produção da recepção e de informar o telespectador de uma maneira mais abrangente e detalhada do que afeta a região onde ele vive.

A cidade fragmentada se unifica na TV

Através do telejornal, a região metropolitana do Rio de Janeiro se comunica. Comunicação esta que, sem a intervenção da televisão não aconteceria da mesma maneira. A imagem consolidada do Rio de Janeiro é a que reflete a zona sul, retratada pelas telenovelas, cenário de cartões postais, destino de turistas. Bairros e municípios periféricos compõem a região metropolitana, mas não estão simbolicamente incluídos no Rio de Janeiro. O RJTV primeira edição vai ao ar para toda essa região e, por isso, transmite aos moradores informações, imagens e análises que procuram dar conta de representar a metrópole de uma maneira mais abrangente.

As grandes cidades da América Latina são feitas do contraste entre uma elite desenvolvida e uma maioria que luta para sair da pobreza. Néstor García Canclini diz que em nosso continente “as tradições ainda não se foram e a modernidade não terminou de chegar”. [12] O autor fala da dificuldade que temos de narrar a cidade:

Como falar da cidade moderna, que às vezes está deixando de ser moderna e de ser cidade? O que era um conjunto de bairros se espalha para além do que podemos relacionar, ninguém dá conta de todos os itinerários, nem de todas as ofertas materiais e simbólicas desconexas que aparecem [13].

Metrópole expandida para além das fronteiras da cidade, o Rio de Janeiro que se desenvolve desordenadamente se configura cada vez mais como um lugar de contrastes. O jornalismo televisivo aqui analisado, direcionado à cobertura de assuntos locais, tenta falar desta metrópole, tenta assumir um papel de articulador das várias cidades que convivem, mas não se integram. Dominique Wolton se pergunta:

Qual o caráter da televisão? Reunir indivíduos e públicos que tudo tende a separar e oferecer-lhes a possibilidade de participar individualmente de uma atividade coletiva. É a aliança bem particular entre o indivíduo e a comunidade que faz dessa técnica uma atividade constitutiva da sociedade contemporânea [14].

Se uma articulação efetiva, física, de uma metrópole contemporânea é impossível, resta, portanto à televisão desempenhar o papel de construir, no imaginário de seus telespectadores, uma imagem que abarque seu amplo e fragmentado espaço público.

Podemos aferir que através do telejornal local algum contato entre as populações separadas econômica e fisicamente é estabelecido. Quem antes só sabia que a Baixada Fluminense existia porque passava por lá a caminho da turística Região Serrana, pode ter, através do RJTV, acesso a informações e imagens que estabelecem algum contato entre os dois extremos.

Conseqüências

Ao nos aproximarmos do fim deste trabalho, nos perguntamos se o telejornal estudado consegue influenciar positivamente no funcionamento da região da qual ele fala. A sua função é a de intervenção? A editora-chefe do RJTV primeira edição afirma que o que seu telejornal faz não é paternalismo, assistencialismo ou intervencionismo. Sua função é informar e prestar serviços.  Porém, a prestação de serviços pode ser considerada uma forma de intervenção, principalmente quando se pressiona no ar as autoridades que respondem pelos fatos que afligem a população.

Esse tipo de atitude pode solidificar uma imagem positiva do telejornal perante seu público, o que é interessante para o veículo comercialmente. Porém, também representa uma intenção genuína de tentar influenciar positivamente aquela comunidade.

Diversas vezes, nestes sete anos desde que o telejornal adotou seu novo perfil, soluções de problemas denunciados são cobradas pelo RJTV e efetivadas, aparentemente, por causa de sua intervenção. Podemos, porém, considerar que no imaginário do telespectador do RJTV primeira edição seu poder é muito mais extenso do que realmente se efetiva. É o que a autora Beatriz Sarlo chama de “indenizações simbólicas”:

No lugar do caudilho político, que fazia a mediação entre seus seguidores e as instituições, a estrela televisiva é uma mediadora sem memória, que esquece tudo entre um intervalo comercial e o outro, e cujo poder não reside na solução dos problemas de seus protegidos, e sim na oferta de um espaço de reivindicações e, também, de indenizações simbólicas. Como os solitários que vão à televisão em busca de namoradas, os esquecidos e os rejeitados procuram nela o ouvido que não encontraram em outra parte [15].

Ao que parece, no imaginário dos moradores da Baixada, eles estão sendo finalmente representados agora que o telejornal se inseriu em sua realidade. A pergunta que fica é se concretamente algo mudou na região depois da intervenção jornalística. Para seu Jorge, o líder comunitário que foi personagem do telejornal especial, a presença do telejornal deu “vez e voz” aos moradores da Baixada.

O fracasso do poder público em cumprir seu papel, principalmente no caso dos municípios de baixa renda, abre espaço para que o telejornal tome para si a responsabilidade de denunciar, de fazer com que os cidadãos se sintam representados, nem que seja apenas simbolicamente. Seu Jorge diz em seu depoimento que “muita coisa mudou na Baixada” depois que o RJTV aumentou sua cobertura na região.

Considerações finais

Não se pretende aqui encontrar respostas, mas sim levantar questões e abrir caminhos para reflexões futuras. Através da observação de quadros, reportagens e edições especiais do RJTV primeira edição, analisamos a relação que este telejornal estabelece com seu público e podemos afirmar que ele tenta desempenhar um papel de mediador entre o seu telespectador e o espaço público ao qual se direciona.
Podemos afirmar que no âmbito do telejornalismo local é possível detectarmos uma maior aproximação do emissor com o receptor.

Mesmo considerando que o Rio de Janeiro é uma metrópole que abarca diferenças, contrastes e complexidades impossíveis de serem representadas em sua totalidade, não podemos negar que o telejornal estudado em muitos momentos seja um facilitador da relação entre este espaço e seus habitantes.

Este trabalho procurou analisar o telejornalismo privilegiando a maneira de se dar as notícias. Ao nos atentarmos para o processo de enunciação das mensagens, observamos que nosso objeto ousa em diferentes iniciativas que têm claramente o objetivo de estabelecer uma maior aproximação com seu público, principalmente o de baixa renda. A análise de edições especiais do telejornal transmitidas de fora do estúdio permite nos perguntarmos se uma alteração na maneira de se dar a notícia pode afetar a relação do produtor com o receptor.

O foco deste trabalho não foi o receptor isolado, mas sua relação com o telejornal. O telespectador observado por esta pesquisa foi aquele que participa da produção do RJTV primeira edição, através de telefonemas à redação, dando entrevistas aos repórteres ou aparecendo atrás deles e dos apresentadores nas transmissões ao vivo.

Mesmo que se possa dizer que estas participações não aconteçam da forma ideal, mais democrática; mesmo não perdendo de vista que o protagonista é sempre o telejornal, que abre um espaço para a participação popular, não se pode negar que o telespectador do telejornal local aqui estudado tenha maior espaço do que em outros telejornais, como os de rede.

Olhamos, portanto, para o telespectador que entra no telejornal e para os momentos em que o telejornal entra no ambiente do telespectador. Nos dois aspectos, tentamos vislumbrar uma valorização do processo de comunicação, na relação entre seus dois pólos – emissor e receptor -, muitas vezes pensados separadamente.

A tentativa do telejornal estudado em descrever um retrato mais próximo e fiel de diferentes regiões marginalizadas do Grande Rio pode gerar em seus telespectadores uma imagem do ambiente que os cerca mais abrangente, diferente da que é captada fisicamente, sem a mediação televisiva. Sabendo que, através do RJTV, o telespectador da Zona Sul assiste às notícias sobre a Baixada Fluminense, podemos pensar que, desta forma, ele adquira uma percepção mais geral de aspectos da metrópole que estão socialmente distantes dele.

O telejornal se coloca entre a população que o assiste e os representantes das instituições que respondem pelo bem estar dessa população e da cidade em que está instalado. Como o RJTV é um telejornal local que vai ao ar para uma imensa região, chamada de Grande Rio, ele tem que dar conta de cobrir as mais diversas realidades, desde a história do morador de Mesquita que tenta escoar sua produção de frutas em lombo de burro até a inauguração da árvore de natal da Lagoa Rodrigo de Freitas, símbolo de um Rio de Janeiro rico e desenvolvido, conhecido por todo o Brasil.

Concentramos-nos, neste trabalho, na relação que o telejornal observado estabelece especificamente com seu público de baixa renda. Consideramos que, quando se trata da cobertura de notícias direcionadas para este público, o telejornal se incumbe mais claramente do papel de interventor, de impulsionador de soluções que não são automaticamente promovidas pelo poder público.

Quando a notícia vem da zona sul, região privilegiada economicamente, o telejornal também desempenha um papel fiscalizador, mas os temas abordados geralmente são em torno da violência, ou de outros temas mais factuais. A resposta do poder público nestes casos é freqüentemente bem mais rápida e eficiente do que quando se trata de áreas de baixa renda e distantes do cartão postal.

As reportagens do RJTV que enfocam bairros e municípios de baixa renda freqüentemente não são factuais. Elas tratam de problemas do cotidiano dos moradores, geralmente ineficiências crônicas em infra-estrutura. O telejornal, ao abordar esses assuntos, objetiva se aproximar de um público que representa a maioria da população do Grande Rio. Comercialmente, a decisão de tornar o telejornal mais “comunitário” é facilmente justificável.

A questão a ser considerada aqui é se a intenção comercial está associada a uma vontade de influenciar positivamente no funcionamento das instituições responsáveis pelo bem estar do cidadão. O papel de intervenção, cobrança e fiscalização desempenhado pelo telejornal local estudado aqui consolida uma imagem de poder perante o público, mas também concretiza ações que efetivamente melhoram a vida dos cidadãos, mesmo que sejam pontuais.

A intervenção do RJTV na tentativa de solucionar problemas do dia-a-dia das comunidades carentes do Rio de Janeiro muitas vezes se mostra eficaz no ar. O telejornal solidifica sua imagem de poder, pressiona ao vivo autoridades que prometem aos moradores e ao repórter desfechos para problemas na maioria das vezes crônicos.

O desfecho positivo dessas promessas é cobrado pelo telejornal, mas em muitas situações não é cumprido. O funcionamento precário das instituições oficiais responsáveis pelo funcionamento dos mais diversos serviços prestados à região metropolitana do Rio de Janeiro não permite que se materializem milagres na televisão.

As respostas das autoridades, obtidas pelos repórteres, frequentemente são compostas de promessas vazias. Porém, o constrangimento perante a câmera e ao público do telejornal obriga o representante do poder público a mostrar alguma eficiência. Em alguns desses casos, podemos afirmar que a intervenção do telejornal efetivamente possibilita soluções.

Esta pesquisa busca olhar para uma produção telejornalística direcionando uma atenção especial às articulações. Tentamos observar a comunicação que se dá na relação entre o emissor e o receptor participante e também, no âmbito da mensagem, considerá-la como fruto de uma combinação de texto, som e imagem em movimento.

Esperamos que estes dois parâmetros sejam referência para futuras pesquisas na área, pois são constituintes do jornalismo feito pela televisão.

NOTAS

[1] MARTÍN-BARBERO, J. Ofício de Cartógrafo. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 294. (grifos do autor).

[2] Idem.

[3] WOLTON, D. Elogio do grande público – uma teoria crítica da televisão. São Paulo: Ática, 2006.p. 135.

[4] SARLO, B. Cenas da vida pós-moderna. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004. p. 77.

[5] As gravações dos telefonemas foram cedidas pela Editoria Rio, da TV Globo e se referem a ligações registradas no ano de 2005.

[6] MARTÍN-BARBERO, J. Op. Cit., 2004. p. 293. (grifo do autor).

[7] Esta e as transcrições seguintes foram obtidas da gravação do RJTV primeira edição, que foi ao ar no dia 25 de Abril de 2006.

[8] BECKER, B. A Linguagem do Telejornal. Rio de Janeiro: E-papers, 2005.

[9] Ibidem, p. 120.

[10] VIZEU, A. "Telejornalismo: das rotinas produtivas à audiência presumida". In: VIZEU, A.; MOTA, C.; PORCELLO, F. (Org.). Telejornalismo, a nova praça pública. Florianópolis: Insular, 2006. p. 27.

[11] Ibidem, p. 24. (grifos do autor).

[12] CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo: Edusp, 2003. p. 17.

[13] Idem, p. 20.

[14] WOLTON, D. Op.Cit.,p. 15.

[15] SARLO, B. Op.Cit., p. 78.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECKER, B. A Linguagem do telejornal. Rio de Janeiro: E-papers, 2005.

CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2003.

MARTÍN-BARBERO, J. Ofício de cartógrafo. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.

VIZEU, A. "Telejornalismo: das rotinas produtivas à audiência presumida". In: VIZEU, A.; MOTA, C.; PORCELLO, F. (Org.). Telejornalismo, a nova praça pública. Florianópolis: Insular, 2006.

WOLTON, D. Elogio do grande público – uma teoria crítica da televisão. São Paulo: Ática, 2006.

*Taiga Corrêa Gomes é jornalista e mestre em Comunicação Social pela PUC/RJ.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]