Nº 8 - Julho 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 

 

 


 

 

 

 

 

 


MONOGRAFIAS
   

Um telejornal folclórico:
Os critérios de noticiabilidade que justificam o noticiário temático


Por
Patrícia Lopes Santiago Silva e Valquíria Passos Kneipp*

Resumo
Este trabalho refere-se a uma única edição do telejornal regional JM - Jornal do Maranhão Primeira Edição, exibido pela TV Mirante, no dia 8 de julho de 1997. Todas as matérias exibidas no noticiário estavam relacionadas a um único tema: a eleição da cidade de São Luís Patrimônio da Humanidade pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. O objetivo deste trabalho é analisar a abordagem superficial característica da televisão que deixa transparecer o aspecto regional único do Maranhão como sendo a principal justificativa para a escolha feita pela UNESCO e para a produção de um telejornal temático. Analisar os critérios de noticiabilidade considerados nesse caso e levantar os aspectos culturais e folclóricos como o bumba-meu-boi apresentados no telejornal folclórico também estão entre as preocupações das autoras. Investigar o que mudou na cidade, na indústria do turismo maranhense e na vida das pessoas da cidade quase dez anos depois da eleição de São Luís Patrimônio da Humanidade também são inquietações que ocorrem às pesquisadoras. À época a escolha da Unesco gerou grande expectativa na população quanto às possibilidades de desenvolvimento do Estado em função do fortalecimento da tímida indústria do turismo maranhense.

Palavras-chave
[Bumba-meu-boi / UNESCO / Telejornalismo]


Introdução

Em 8 de junho de 1997 a TV Mirante, afiliada Globo no Maranhão, exibiu um jornal raro de se ver nas emissoras de televisão brasileiras e, principalmente, na grade de programação da própria Rede Globo, emissora de maior cobertura geográfica do país. No lugar de um jornal, predominantemente, factual com notícias divididas nas clássicas editorias de polícia, economia, esportes, política e cidades, entre outras, a edição do JM - Jornal do Maranhão Primeira Edição, foi composta por matérias culturais, a maioria, não factuais e todas elas relacionadas a um único tema: a eleição da cidade de São Luís, capital do Maranhão, Patrimônio da Humanidade por um júri da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).

Este trabalho busca fazer uma reflexão a respeito do conteúdo desse telejornal temático a partir dos critérios de noticiabilidade que devem ser respeitados no jornalismo. O que pode parecer pouco comum para a maioria dos espectadores, jornalistas e fontes não é novidade na emissora de televisão pertencente à família do ex-presidente da República, José Sarney.

Segundo a chefe do Núcleo da Globo no Maranhão, Eveline Cunha, a emissora já exibiu jornais temáticos em diversas oportunidades. Cunha cita como exemplos uma edição exibida em dezembro de 1996 em homenagem a João do Vale por ocasião da morte do cantor e compositor maranhense e outra que teve como tema central o assassinato do delegado de polícia Stênio Mendonça. A única diferença entre essas duas edições temáticas e o telejornal objeto desse estudo, que agora passaremos a chamar de telejornal folclórico, é que as edições anteriores tratavam de assuntos factuais relatou Cunha.

Sobre assuntos previsíveis, como foi o caso do telejornal folclórico em questão, a Chefe do Núcleo da Globo no Maranhão citou um outro exemplo: "sobre assuntos programados tivemos também um sobre o Marafolia (uma micareta, carnaval fora de época, que acontece, em São Luís em outubro). O jornal foi todo apresentado do Corredor da Folia, na Avenida Litorânea", relembrou Cunha.

Para a jornalista deixar de cobrir assuntos factuais de cunho não cultural no telejornal folclórico não pode ser considerada uma omissão dos principais fatos jornalísticos do dia: "não houve uma troca de notícias por folclore ou cultura popular; achamos que estes assuntos também eram notícias, afinal o reconhecimento da UNESCO se deu também por causa da cultura, do folclore, da culinária; então, naquele dia, estes assuntos eram notícias de grande interesse da comunidade".

A opção pelo telejornal folclórico teve seus riscos relembra Cunha. Havia uma preocupação de que algo de maior repercussão pudesse acontecer e derrubar o projeto do telejornal folclórico do ar naquele dia. "A gente tinha a idéia de que caso acontecesse algum factual importante teria que entrar no telejornal; mas, para sorte nossa, naquele dia o que tinha de mais importante era o orgulho dos maranhenses em ter uma capital que não era mais só deles, era Patrimônio de toda a Humanidade", explicou Cunha.

Para analisarmos este telejornal folclórico é importante tentar compreender quais foram os critérios de noticiabilidade adotados pela emissora. Algumas definições comentadas por Mauro Wolf podem ser perfeitamente ajustadas ao caso em questão.

A noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisitos que exigem dos acontecimentos - do ponto de vista da estrutura do trabalho nos órgãos de informação e do ponto de vista do profissionalismo do jornalista - para adquirirem a existência pública de notícias. Tudo o que não corresponde a esses requisitos é excluído, por não ser adequado às rotinas produtivas e aos cânones da cultura profissional.

Para definirmos quais podem ter sido os critérios de noticiabilidade do Jornal do Maranhão, que se convencionou a chamar aqui de telejornal folclórico, especificamente, consideramos também a reflexão seguinte a este respeito do autor:

Pode também dizer-se que a noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os órgãos de informação enfrentam a tarefa de escolher, cotidianamente, de entre um número imprevisível e indefinido de fatos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias.

Ainda com relação à noticibilidade, Wolf faz uma ligação com a perspectiva da notícia (newspaperspective), dando a idéia de uma resposta que os meios de comunicação devem dar a questão que domina a atividade dos jornalistas: "quais os fatos que são importantes?".

Mas, afinal, é possível definir objetivamente o que vem a ser notícia? É possível fechar num único conceito para uma perspectiva tão ampla? Para Atheide, um dos adeptos da abordagem newsmaking, notícias são:

Aquilo que os jornalistas definem como tal. Ou ainda que a notícia é o produto de um processo organizado que implica uma perspectiva prática dos acontecimentos, perspectiva essa que tem por objetivo reuni-los, fornecer avaliações, simples e diretas, acerca de suas relações, e fazê-lo de modo a entreter os espectadores.

É válida a premissa de Mário L. Erbolato, quanto a difícil tarefa de definir o que é a notícia, quando ele coloca: "não obstante a importância da notícia, no chamado império do jornalismo, ninguém conseguiu defini-la satisfatoriamente. Os teóricos dizem como ela deve ser, mas não o que realmente é".

Diante desta dificuldade, a abordagem teórica do newsmaking cruza duas perspectivas com relação à cultura profissional do jornalista e a organização do trabalho e dos processos produtivos para observar a rotina do processo jornalístico.

Para entendermos o critério de noticiabilidade do Jornal do Maranhão, é importante levar em consideração a pesquisa de Ana Carolina Pessôa Temer, a respeito dos telejornais da Rede Globo:

O telejornalismo veiculado pela Rede Globo é, em termos quantitativos, predominantemente, um espaço de orientação de comportamentos. Esse espaço é, predominantemente, ocupado por matérias de serviços e/ou matérias de denúncias e matérias de interesse humano, ou matérias que indiretamente apontem comportamentos a serem seguidos.

Também podemos considerar o que concluiu o pesquisador Alfredo Eurico Vizeu Pereira Jr. ao realizar um trabalho de acompanhamento e observação de uma edição do RJTV1 (noticiário carioca exibido no mesmo horário do Jornal do Maranhão Primeira Edição cujo formato deve ser seguido por todas as afiliadas da Rede Globo no país):

Há fortes indícios que os critérios estabelecidos pelos editores do RJTV1, ao longo de toda a sua atividade, funcionam no sentido de tornar possível a rotinização do trabalho jornalístico. Eles passam a fazer parte dos procedimentos produtivos dos editores onde ganham significado. Embutidos no processo informativo, passam a ser considerados elementos naturais. É o tão decantado, pelos jornalistas, senso comum das redações, o faro jornalístico e o redigir se aprende na prática.

Contextualização histórica e cultural

Fotos: <http://portal.iphan.gov.br>.

Imagem 1. Casarões no Centro Histórico.

O Estado do Maranhão possui 217 municípios. Nesse Estado de 640 quilômetros de litoral, o segundo maior do Brasil, Floresta Amazônica, cerrados, mangues, delta em mar aberto e o único deserto do mundo com milhares de lagoas de água cristalina.

E onde é possível desfrutar também da maior diversidade de ecossistemas de todo o país vive um povo festeiro e acolhedor em sua maioria. De acordo com o Censo de 2000 a população total é de 5.651.475 habitantes, sendo que 60% destes vivem em zona rural.

Na capital, São Luís, de acordo com dados do IBGE de 2004, existem 959.124 habitantes.


Imagem 2. Rua do Centro Histórico.

São Luís foi fundada em 1612 por franceses, invadida por holandeses, mas totalmente construída pelos portugueses. As ruas do Centro Histórico ainda mantêm o traçado original e seus casarios e sobrados são revestidos por coloridos azulejos trazidos de vários cantos da Europa. Os mirantes que surgem acima dos famosos telhados de São Luís, os postes antigos e as calçadas feitas com pedras de cantaria trazidas pelos portugueses nos porões dos navios à época do Brasil Colônia dão um ar romântico aos cenários.

O famoso conjunto arquitetônico de São Luís com cerca de 5 mil imóveis datados dos séculos XVII a XIX remetem a um passado de riqueza, onde barões e comerciantes ostentavam as fortunas acumuladas. Nesse conjunto de construções, tombado em 1997 como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, estão instalados lojas, pequenos armazéns, cinemas, museus, teatros, bares, restaurantes e hotéis.

O Maranhão também tem como uma de suas características mais marcantes a efervescência cultural. Bumba-meu-boi de inúmeros ritmos e sotaques, tambor-de-crioula, tambor-de-mina, cacuriá, dança-do-coco, dança do Lelê, dança do caroço e outras manifestações folclóricas de influências indígena, africana e portuguesa são algumas das principais atrações.

No carnaval blocos tradicionais, casinha da roça e o fofão (figura característica maranhense que brinca vestida com macacão de chita e máscara, e se diverte isoladamente ou em grupos assustando e provocando outros brincantes ganham as ruas da capital) transformam a cidade numa grande folia.

No Maranhão também é realizada a Festa do Divino Espírito Santo em várias cidades. A de Alcântara é a mais famosa e cheia de glamour. Chama à atenção a beleza cênica do espetáculo, que tem, entre seus pontos máximos, o cortejo pelas ruas da cidade histórica ao som das caixeiras (mulheres que tocam um instrumento chamado caixa, em som ritmado).

A presença do reggae também é marcante no Maranhão, principalmente, em São Luís que recebeu o título de "Jamaica Brasileira" devido à forte influência do reggae root's - reggae de raiz - que embala uma nova geração cultural.

São Luís também é povoada por inúmeras lendas e mistérios perpetuados pela crendice popular. As mais famosas são a da serpente encantada e a de Ana Jansen Conta-se que uma serpente encantada, que não pára de crescer, destruirá a ilha de São Luís quando a cauda encontrar a cabeça. O animal gigantesco habitaria as galerias subterrâneas que percorrem o Centro Histórico da capital. A de Ana Jansen e sua carruagem encantada conduzida por um escravo sem cabeça e puxada por cavalos também decapitados é a mais popular.

Dizem que a mulher rica, poderosa e, segundo alguns, muito malvada com seus escravos, teria sido condenada a pagar seus pecados vagando eternamente pelas ruas da cidade numa carruagem encantada. Dizem também que Ana Jansen oferece uma vela acesa a quem encontra pelo caminho. Vela que na manhã seguinte estará transformada em osso de defunto.

A beleza das praias Ponta D'Areia, Calhau, Olho D'Água e Araçagy, as altas temperaturas durante o ano inteiro e uma culinária saborosa e exótica também são outros atrativos de São Luís. Fazem parte da gastronomia maranhense: arroz de cuxá, peixadas, tortas de camarão, de caranguejo, de sururu, de siri, doces frescos, cristalizados ou em compotas, além de uma infinidade de sucos de frutas regionais como bacuri e cupuaçu.

Também nos pratos típicos estão às influências dos índios, portugueses, holandeses, franceses, libaneses, sírios e, principalmente, dos africanos.

O artesanato maranhense é diversificado e bem diferente em função das matérias-primas utilizadas. Entre elas destaca-se a palha de buriti. A palmeira, própria de regiões alagadas, é facilmente encontrada nos municípios dos Lençóis Maranhenses. Com a fibra extraída da palha são produzidas bolsas, chinelos, chapéus, entre outros produtos.

Histórico da TV Mirante

A TV Mirante, que exibiu um telejornal folclórico, no dia 8 de julho de 1997 foi fundada em 15 de março de 1987 como afiliada do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Atualmente é afiliada da Globo no Maranhão e faz parte do Sistema Mirante de Comunicação de propriedade da família Sarney. O maior grupo privado de comunicação do Estado. Também compõem o grupo, o jornal O Estado do Maranhão, o portal de Internet iMirante.com e as Rádios Mirante FM e AM.

A página do grupo na internet informa que o mesmo "tem como missão informar, entreter e oferecer produtos e serviços com qualidade e identificados com a história e a cultura do Maranhão e do Brasil". Também deixa claro a respeito da sua atuação como organização empresarial, pautando-se pela "permanente busca da satisfação de seus clientes e das oportunidades de mercado".

A seguir um breve resumo dos principais programas regionais jornalísticos exibidos ao longo dos quase 20 anos de atuação da TV Mirante no Maranhão.

O primeiro programa local foi o telejornal noturno Mirante Notícias, que trazia um resumo diário dos principais acontecimentos de São Luís. Outros novos programas, com enfoques variados, surgiram na grade, entre eles os telejornais diurnos Idéia Nova, Stúdio 10 e o esportivo, Camisa 10. Em 1990, o telejornal Stúdio 10 foi substituído pelo o programa Maranhão TV.

Em 1991, a TV Mirante passou a ser uma emissora afiliada da Rede Globo de Televisão. À época, os programas da TV Mirante passam por uma completa reformulação, evidenciando a constante preocupação com a qualidade de suas atrações. Entram no ar os telejornais Jornal da Manhã e Jornal do Maranhão, 1ª e 2ª Edições. Em 1992, estréia o programa Jornal do Meio-Dia com entrevistas de personalidades maranhenses, nacionais e internacionais abordando temas de importância cultural, política, social e econômica da época.

Em 1993, o universo jovem, a cultura e o comportamento de São Luís são retratados no programa "Ação em Cena".

"Revista 10" entrou no ar em 1996. Era uma revista eletrônica com assuntos como música, culinária, comportamento, entrevistas, moda e utilidade pública.

O ano 2000 foi marcado por dois novos programas: "Repórter Mirante" e "Mirante Comunidade", que faziam uma cópia dos seus similares exibidos pela cabeça de Rede no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Em 2001, o jornalismo tornou-se mais intenso, com a integração de praças do interior, através de links nos telejornais. Os telejornais JMTV, 1ª e 2ª Edições, uniram informação e utilidade pública também seguindo os modelos adotados pela cabeça de rede.

De acordo com o Atlas de Cobertura Rede Globo, em 18 de abril de2007, a TV Mirante de São Luís atingiu 182 municípios. A população alcançada pelo sinal da emissora é de 5.221.504 habitantes, totalizando 3.628.429 telespectadores potenciais.

O telejornal folclórico

O telejornal folclórico exibido no dia 8 de julho de 1997, no Estado do Maranhão, retratava a cidade de São Luís que acabara de ser anunciada como o mais novo patrimônio da humanidade pela UNESCO. No Brasil apenas cinco cidades têm este título. Este foi o motivo mais forte para que o Jornal do Maranhão Primeira Edição pautasse todas as suas reportagens no mesmo assunto.

O telejornal folclórico começa com escalada [1] destacando o título recebido pela cidade e propõe uma viagem pelas raízes culturais, pelas riquezas arquitetônicas e, ainda, alerta para a questão da preservação do patrimônio.

O primeiro bloco prossegue com um clipe com imagens de Gilberto Borba onde vai sendo mostrada a arquitetura colonial da cidade, as manifestações culturais como o bumba-meu-boi e o reggae, mescladas com pessoas típicas da região, ao fundo o som da música regional "Ilha Bela" de autoria e interpretação de Carlinhos Veloz. Na seqüência entra um link [2] com um repórter em ponto do centro histórico da cidade. No primeiro momento o repórter Sidney Pereira chama um VT [3] mostrando os sobrados, os casarões e algumas manifestações culturais como tambores africanos.

As características únicas da cidade como os mirantes, os beirais e os azulejos dos séculos XVII e XVIII são mostrados como responsáveis para o recebimento do título de patrimônio da humanidade. Depois o repórter volta ao vivo no link e entrevista o vice-governador do Estado à época José Reinaldo Tavares. O repórter deixa claro que o título é devido a muita negociação e prestígio do governo, dando um espaço para que o entrevistado inclua os nomes de José Sarney e Roseana Sarney, que são os políticos mais populares da região.

Alguns compromissos são assumidos pelo vice-governador como a responsabilidade e o compromisso de zelar por este patrimônio universal. Este bloco é encerrado com povo-fala [4] sobre o amor das pessoas pela cidade.

O segundo bloco começa com um outro clipe, que mescla fotos e imagens (de J. R. Lima) da cidade, ao som da música "Ilha Magnética" de autoria e com interpretação de César Nascimento. Em seguida entra outro link com a repórter Márcia Coimbra de um ponto da cidade. Ela chama um VT que conta a história da conquista do título pela cidade. Durante um ano e nove meses, comissões técnicas de 20 países avaliaram a cidade, e devido ao seu acervo arquitetônico, a sua cultura popular, a cidade de São Luís foi eleita.

A cidade possui 3.500 prédios históricos dos séculos XVII e XVIII, formando o maior conjunto arquitetônico de origem portuguesa da América Latina. No final deste VT um povo fala com populares, que não sabem a importância do título recebido pela cidade. Na seqüência, a repórter retorna ao vivo e entrevista o Secretário de Cultura, Eliézer Moreira. O secretário também fala da responsabilidade com o patrimônio da cidade, mas ressalta que esta responsabilidade é do mundo e não só dos maranhenses. Ele também cita a governadora Roseana Sarney como influenciadora do título.

O bloco termina com mais um povo fala da população falando do orgulho de ser maranhense.

No terceiro bloco a fórmula continua a mesma: abre com clipe sobre a ilha de São Luís, mostrando cenas paradisíacas, com pontos turísticos, pôr de sol, entre outras belezas, ao som do refrão: "...sempre haverá o sol, no amanhecer do seu farol...", da música "Ilha" de autoria e com interpretação de Djalma Chaves, as imagens são de Marcelo Nazaré. Depois o tema explorado é o patrimônio histórico e arquitetônico com a repórter Carla Georgina que entra ao vivo de um ponto em ruína e chama um VT.

A matéria mostra alguns casarões em ruínas à espera de projetos de recuperação e preservação. Na seqüência a repórter volta ao vivo e entrevista o arquiteto Frederico Burnet, que é da divisão de projetos especiais SECMA. Na entrevista o mesmo fala da existência de vários projetos de revitalização que deverão ser desenvolvidos pelo Governo do Estado. O bloco se encerra com um povo fala sobre o que existe de mais belo na cidade.

O último bloco começa com uma Nota ao vivo [5] sobre um evento cultural, onde haverá uma comemoração pela conquista do título de patrimônio cultural da humanidade. Depois uma Nota Coberta [6], com imagens de arquivo ressalta as manifestações folclóricas da região como carnaval, São João, bumba-meu-boi, Festa do Divino, cacuriá, reggae, tambores-de-crioula etc.

Para encerrar um VT com o fotógrafo Dreifus Azobel, que fotografou a cidade durante 72 anos de profissão. Um mosaico de imagens e fotografias do arquivo pessoal dele que conta a evolução da cidade através de fotos de vários ângulos. O telejornal se encerra com um clipe de belas imagens do cinegrafista Miguel Nery, com a música "Namorada do Sol", que é de autoria de Nonato Buzar, com a interpretação da cantora mais conhecida fora do estado: Alcione.

Espelho do Jornal do Maranhão - 08/07/1997

1º Bloco
PÁGINA RETRANCA REPÓRTER
01 Escalada  
  VINHETA  
02 Clipe  
03 Link Vice-governador Sidney Pereira
04 Passagem de bloco  
  VINHETA  

[Intervalo Comercial]

2º Bloco
  VINHETA  
05 Clipe J. R. Lima
06 Link Secretário Cultura Márcia Coimbra
07 VT População/orgulho  
08 Passagem de bloco  
  VINHETA  

[Intervalo Comercial]

3º Bloco
  VINHETA  
09 Clipe Marcelo Augusto
10 Link Arquiteto Frederico Burnett
11 VT Povo fala da beleza  
12 Passagem de bloco  
  VINHETA  

[Intervalo Comercial]

4º Bloco
  VINHETA  
13 Nota
14 VT Manifestações Culturais
15 VT Evolução/Fotográfica Patrícia Santiago
16 Clipe Alcione  
  VINHETA  

5. O aspecto cultural do Bumba-meu-boi

Foto: Patrícia Santiago.

Imagem 3. Apresentação do Boi Barrica no Festival Vale Festejar (São Luís, 2006).

Um dos aspectos culturais importantes da região é o Bumba-meu-boi. A festa do Bumba-meu-boi é uma tradição que se mantém desde o século XVII. Ela arrasta maranhenses e visitantes por todos os cantos de São Luís nos meses de junho e julho.

Durante a festa os bois se espalham nas periferias e no centro. Na parte nova ou antiga da cidade, grupos de todo o Estado se reúnem em diversos arraiais para brincar até de madrugada.

O enredo da festa do Bumba-meu-boi resgata uma história típica das relações sociais e econômicas da região durante o período colonial, marcadas pela monocultura, criação extensiva de gado e escravidão. Numa fazenda de gado, Pai Francisco mata um boi de estimação de seu senhor para satisfazer o desejo de sua esposa grávida, Mãe Catirina, que quer comer língua. Quando descobre o sumiço do animal, o senhor fica furioso e, após investigar entre seus escravos e índios descobre o autor do crime e obriga Pai Francisco a trazer o boi de volta. Pajés e curandeiros são convocados para salvar o escravo e, quando o boi ressuscita urrando, todos participam de uma enorme festa para comemorar o milagre.

Brincadeira democrática, que incorpora quem passa pelo caminho, o Bumba-meu-boi já foi alvo de perseguições da polícia e das elites, por ser uma festa mantida pela população negra da cidade, chegando a ser proibida em 1861 e 1868.

O atual modelo de apresentação dos bois não narra mais toda a história do 'auto', que deu lugar à chamada 'meia-lua', de enredos simplificados. Hoje existem mais de trezentos grupos de bumba-meu-boi no Maranhão, subdivididos em diversos sotaques. Cada sotaque tem características próprias, que se manifestam nas roupas, na escolha dos instrumentos, no tipo de cadência da música e nas coreografias.


Imagem 4. Brincantes do bumba-meu-boi.


Imagem 5. Personagem do bumba-meu-boi.

O aspecto cultural dos Tambores Africanos e do Cacuriá

O Tambor-de-Crioula é uma dança popular do Maranhão. Uma tradição mantida pelos negros e descendentes de escravos africanos, mestiços e crioulos.

Na dança, as mulheres fazem uma roda e, no centro dela, só uma delas dança, em frente do grupo de três tambores, que não param de tocar.

Cada um dos tambores tem uma função bem definida: o pequeno faz repicado, o médio de meião, ou socador, marca o ritmo e o grande, ou roncador, faz a marcação para a umbigada, que é o ponto alto da dança.

A umbigada é uma forma de convite para que outra dançarina vá para o centro da roda. A dança só começa depois que o couro dos tambores é aquecido cuidadosamente na fogueira.

O Cacuriá é uma dança regional, que surgiu na Festa do Divino, em São Luís. No início era dançada apenas ao som da caixa do divino. Recentemente foram agregados outros instrumentos, como violão, cavaquinho e clarineta.

A dança do Cacuriá parece uma ciranda, mas com coreografias diferentes.

As dançarinas usam saias compridas, de retalhos, coloridíssimas e cada participante tem um par.

O criador do Cacuriá é Alauriano Campos de Almeida, conhecido popularmente como Lauro. Segundo ele, a dança do Cacuriá é uma mistura de samba, marcha e valsa e "chorado", o que exige muito esforço físico.

Isto explica o tempo médio de trinta minutos para as apresentações dos grupos.

As partes, ao dançarem, executam um ritmo muito engraçado, quando é formado um cordão circular, com todos os pares e as caixeiras, saindo um casal de cada vez para o centro do círculo, e com um abano na mão, começam a dançar separado, chegando a se tocarem apenas com o abano, quando é feito o punga, e retornam ao cordão, dando lugar a outro par.

Enquanto se desenvolve a dança, as caixeiras, em número de seis, cantam toadas ou desafio, de improviso, sendo acompanhadas, em coro, pelos dançantes. Os temas cantados são quase sempre regionais, como a seca, os animais nordestinos e a vegetação.


Imagem 6. Grupo dança o Cacuriá no centro histórico de São Luís.

O que mudou neste patrimônio da humanidade?

Uma outra possibilidade analítica para este trabalho é agora dez anos depois do ocorrido, verificar o que realmente mudou neste patrimônio da humanidade?

Pouca coisa se conseguiu apurar a este respeito, em termos de números e dados concretos sobre a cidade de São Luís. Os órgãos oficiais não forneceram informações concretas sobre:

  • os investimentos para a restauração do centro histórico de São Luís;
  • a implementação da infra-estrutura turística da cidade e da região em torno;
  • o crescimento oficial do número de turistas;
  • a preservação das tradições culturais regionais. O que se sabe é que nos primeiros 4 anos houve uma ampla divulgação e se iniciou o processo de preservação do centro histórico, com o trabalho do arquiteto Phelip Andrés, que estava fazendo uma revitalização, com o objetivo de trazer o morador de volta ao local. Mas nos últimos quatro anos todo este processo foi interrompido. Mesmo o trabalho que já foi realizado é muito pouco para o que pode ser feito na cidade e na região.

De acordo com o site iMirante.com, do dia 03 de setembro, foi lançado um Catálogo com informações do Inventário dos Azulejos do Maranhão. A publicação é fruto da parceria entre a Companhia Vale do Rio Doce com a Sociedade de Amigos do Centro de Criatividade Odylio Costa.

De acordo com o presidente do Convention Bureau do Maranhão, Nan Souza, quando São Luís foi eleita patrimônio da humanidade o número de turistas não chegava a mil pessoas por ano. Em 2006 a cidade esperava receber 650 mil turistas. De acordo com Souza para 2007 espera-se um incremento de 10% deste número. Para ele o crescimento é devido aos investimentos em divulgação e ainda: "maior articulação para trazer grandes eventos e a inauguração do centro de convenções que poderá possibilitar a captação de congressos o ano todo em datas bem definidas".

Em contrapartida a essa perspectiva para cidade pudemos observar o abandono e o descaso dos proprietários dos casarões, que são a maior atração em São Luís, em uma matéria veiculada pelo Jornal Nacional em 5 de maio de 2006. O VT, feito pela repórter Viviane Medeiros, apontou os estragos causados pela falta de conservação, como rachaduras nas paredes, telhados despencando, fachadas escoradas e alguns sobrados do século XVII e XVIII que podem desmoronar a qualquer momento.

Ao todo eram 106 casarões, que representam menos de 10% do total das construções tombadas pelo patrimônio histórico. De acordo com a lei a responsabilidade pela recuperação e conservação é do proprietário do imóvel. A situação se agravou por causa da chuva. De acordo com a superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: "ao Iphan cabe a fiscalização e a orientação dessas intervenções". Hoje ainda existem sobrados do centro histórico em ruínas e muitos sendo deteriorados pela chuva e falta de conservação. Outros imóveis da área correm grande risco de desabar e foram abandonados pelos proprietários.

Nos locais encontram-se famílias que trocaram ruas, calçadas e bancos de praça pelos casarões em ruínas que ameaçam desabar a qualquer momento.

Considerações finais

De acordo com a chefe do Núcleo da Globo na TV Mirante, Eveline Cunha, a emissora teve como objetivo, ao colocar no ar um telejornal folclórico, homenagear a cidade que estava recebendo um título tão importante quanto o de Patrimônio Cultural da Humanidade. Esta homenagem, no entanto, não levou em consideração alguns princípios básicos do jornalismo conforme Otto Groth propõe como a universalidade, a periodicidade, a atualidade e a difusão coletiva, pois trocou as notícias do dia, por um telejornal folclórico, produzido com muitas matérias frias e de cunho cultural. Para ele somente com os quatro princípios básicos se pode compreender o fenômeno do jornalismo.

Para justificar essa troca Cunha relata o resultado obtido com o telejornal na época: "houve uma repercussão muito boa; Mauro Wolf coloca entre os critérios da notícia a proximidade, a localidade, e que, quando se faz um telejornal valorizando a terra do telespectador, ele assiste, gosta e participa".

As mudanças ocorridas na edição do dia 8 de julho de 1997 do Jornal do Maranhão Primeira Edição podem ser consideradas inéditas para o grande público, mas não para a equipe da emissora que já realizou outras experiências temáticas deste tipo.

Com relação ao fato da alteração total do conteúdo do telejornal, que normalmente trabalha com notícias factuais, e naquela edição optou por matérias frias e de conteúdo cultural, pode-se caracterizar, que naquele momento o assunto do dia era aquele, pois ele fora definido previamente pela equipe da emissora.

Mas, podemos encontrar mais do que simples justificativas para este caso inusitado. Sobrepõe-se às explicações a questão das imagens, que transmitem mais informações do que o próprio texto jornalístico. De acordo com Vera Íris Paternostro, "a informação visual transmite mensagens através de uma linguagem que independe do conhecimento de um idioma ou da escrita por parte do receptor; a TV mostra e o telespectador vê; ele se informa, está recebendo a notícia e ampliando o seu conhecimento".

Esta informação visual foi à base do Jornal do Maranhão daquele dia que entrou para a história da emissora, da cidade e do jornalismo maranhense graças à ousadia de repórteres, cinegrafistas, produtores, editores de texto e de imagem e de diretores, entre outros membros da equipe que simplesmente decidiram na reunião de pauta produzir um jornal especial para um dia especial.

Notas

[1] Escalada - Frases de impacto sobre os assuntos do telejornal que abrem o programa. O mesmo que manchetes. Uma escalada bem elaborada deve prender a atenção do telespectador, do começo ao fim do telejornal. Frases curtas, podem ou não ter teasers: dois ou três takes (5 a 7 segundos) das imagens principais. Paternostro, p. 142.

[2] Link (conceito abstrato): Éa ligação entre dois ou mais pontos para transmissão de sinais de imagem e som. Essa linha de transmissão é composta de antenas parabólicas, ou pelo sistema digital. O mesmo que enlace. Paternostro, p. 145.

[3] VT: O mesmo que videotape, mas também usado para indicar a fita onde está editada a matéria. Paternostro, p. 153.

[4] Povo Fala: Gravação com várias pessoas sobre um tema específico de uma reportagem. Pode ser dona-de-casa fala, criança fala, mulheres falam, dependendo do tipo de assunto em que é necessária uma amostragem de opinião. Recurso muito usado em telejornalismo para avalizar, levantar um tema. Paternostro, p. 147 e 148.

[5] Nota ao Vivo: Quando não se tem um repórter, mas existe uma notícia com ilustrações, usa-se nota coberta, que pode ser ao vivo ou pré-gravada. As notas cobertas são textos noticiosos redigidos pelos editores e gravados pelos apresentadores dos telejornais e que são cobertos por imagens na ilha de edição. Prado, p. 41 e 42.

[6] Nota Coberta: As notas cobertas são textos noticiosos redigidos pelos editores e gravados pelos apresentadores dos telejornais e que mostram imagens ao vivo ou editadas na ilha de edição. Prado, p. 41 e 42.

Links

Disponível em: <http://imirante.Globo.com>. Acesso em: 15jul2006.

Disponível em: <http://www.cidadeshistoricas.art.br/saoluis/sl_boi_p.php>. Acesso em: 15jul2006.

Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br/caminhos/25quebradeiras/raizes-tambor.htm>. Acesso em: 15jul2006.

Disponível em: <http://www.puc-rio.br/jornaldapuc/agosto98/comunitaria/cacuria.html>. Acesso em: 16jul2006.

Disponível em: <http://jangadabrasil.com.br/revista/agosto69/fe69008c.asp>. Data de acesso: 16 jul. 2006.

Disponível em: <http://www.imirante.com.br>. Acesso em: 01set2006.

Disponível em: <http://www.citybrazil.com.br/ma/saoluis/folclore>. Acesso em: 18abr2007.

Disponível em: <http://comercial.redeGlobo.com.br/atlas2004/index.php>. Acesso em: 19abr2007.

Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em: 20abr2007.

Referências Bibliográficas

BUENO, W. C. O jornalismo como disciplina científica: a contribuição de Otto Groth. São Paulo: ECA-USP, 1972.

ERBOLATO, M. L. Técnicas de codificação em jornalismo. São Paulo: Editora Ática, 2001.

PATERNOSTRO, V. Í. O texto na TV - manual de telejornalismo. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999.

PEREIRA JR. A. E. V. Decidindo o que é notícia - os bastidores do telejornalismo. Porto Alegre: EDPUCRS, 2000.

PRADO. F. Ponto eletrônico - dicas para fazer telejornalismo com qualidade. São Paulo: Limiar, 1996.

TEMER, A. C. P. T. Notícias & serviços nos telejornais da Rede Globo. Rio de Janeiro: Sotese, 2002.

WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1995.

*Patrícia Lopes Santiago Silva é jornalista, pós-graduada em Comunicação e Marketing, correspondente do Portal Terra e da Revista Leis e Letras e Consultora em Gestão de Comunicação no Maranhão. E-mail: patriciasantiagonews@gmail.com. Valquíria Passos Kneipp é jornalista formada pela Unesp de Bauru, mestre em Ciências da Comunicação - Jornalismo e doutoranda pela ECA/USP, professora de Introdução ao Telejornalismo e Técnicas de Telejornalismo na FGF - Faculdade da Grande Fortaleza e Editora-Assistente da Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro. E-mail: valkneip@usp.br.

Voltar.


®Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]