Nº 8 - Julho 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 

 

 


 

 

 

 

 

 


MONOGRAFIAS
   

Conflito ético nos Suplementos de Turismo:
A relação entre jornalismo, publicidade e propaganda

Por Carmen Carvalho e Ronaldo Leite*

Resumo
O presente trabalho analisa o dilema ético do jornalismo diante das ingerências da publicidade e da propaganda em veículos noticiosos, particularmente nos Suplementos de Turismo dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. A proximidade entre as duas áreas da comunicação provoca um conflito de ordem ética, a saber, o dever do jornalismo em procurar a verdade dos fatos, sempre de maneira imparcial, em disputa com a necessidade do lucro para a sobrevivência dos veículos de comunicação.

Palavras-chave
[
Jornalismo / Publicidade ética / Suplementos de Turismo]


Relação publicidade/propaganda e jornalismo

A segmentação da informação, cada vez mais evidente nos diários, reflexo de uma postura jornal-empresa explícita, traz à tona as discussões sobre o fazer jornalístico matizado pelas práticas de propaganda e publicidade; estas transcendem os espaços comerciais dos jornais, influenciando o fazer jornalístico. A falta de limite entre essas variantes da comunicação pode afetar o jornalismo sério, comprometido com a veracidade dos fatos e defensor dos direitos do cidadão. Um expoente da prática em questão, nos impressos, é o jornalismo especializado, como o praticado nos cadernos de Turismo.

Para evitar confusões é interessante dispensarmos alguma atenção à diferenciação conceitual entre as instâncias jornalismo, publicidade e propaganda. Em seguida, pode-se discutir a relação explícita entre as três.

Como não há consenso entre os teóricos da área de publicidade e propaganda sobre um conceito único para cada um dos termos, foi necessário escolher um autor. Preferimos o espanhol Martinez Albertos. A proposta dele apresenta jornalismo, publicidade e propaganda como variações de uma mesma área, a qual chama de "informação publicista", tendo como interesse influenciar a opinião pública (Chaparro, 1997).

As três formas da comunicação têm objetivos definidos e diferenciados em termos de atividade, estratégia e propósito. O jornalismo é o que traz a informação da contemporaneidade, tendo como fim específico a difusão dos fatos, por meio da informação e da interpretação dos acontecimentos que são notícia, isto é, que interessam à sociedade.

Quanto à propaganda, tem como fim específico a difusão de idéias ou doutrinas pela sugestão emotiva, para conseguir a aceitação ou a adesão dos receptores, em benefício do sujeito emissor; a publicidade tem como fim específico difundir informações sobre mercadorias (produtos, bens e serviços), num regime de mercado competitivo, buscando levar os consumidores à decisão de comprar, em detrimento da concorrência (Chaparro, 1997).

Pode-se dizer, então, que existe a distinção entre o jornalismo e as duas variantes "publicistas".

"O jornalismo investiga para informar e esclarecer o máximo possível sobre os acontecimentos, trabalha com a diversidade possível das informações e versões relevantes; ao contrário, a publicidade e a propaganda só difundem informações favoráveis aos interesses particulares a que estão vinculadas". (Cf. Albertos, 1992:278).

Quanto à publicidade e à propaganda, existem semelhanças nas estratégias comunicativas. Mas também há diferenças. De acordo com Chaparro (1997), a publicidade é paga, tem forma de anúncio e uma identificação mais fácil. Já a propaganda, que dizem ser gratuita, aparece disfarçadamente utilizando-se do fazer jornalístico e infiltrando-se nos conteúdos. De acordo com a jornalista e pesquisadora Nancy Ramandan, não se pode negar que jornalismo também quer persuadir.

A questão é que esta persuasão deve significar "a divulgação de fenômenos integrais", por meio de uma persuasão que transmita ao "leitor/ouvinte/telespectador/internauta que está ouvindo a notícia verdadeira". Também não se pode negar que o "jornalista jamais se libertará da propaganda, até porque a melhor propaganda (a favor ou contra) é sempre a que resulta do jornalismo independente, que investiga" (Cf. Ramadan, 1998:14-15).

Mas para o leitor somente duas das três variantes da comunicação são claramente identificáveis nos jornais. A notícia pelo texto corrido nas páginas, a publicidade pelos espaços destinados aos anúncios. Quanto à propaganda, a sua definição e seu enquadramento não é tão simples assim no jornalismo, existindo até o termo "jornalismo-propaganda" [1]. Também existe a expressão "Modelo de Propaganda", citada por Chomsky e Herman para explicar, de maneira pontual, o "Modelo Ocidental de Jornalismo" (Cf. Souza, 2000:34) [2].

O "Modelo de Propaganda" é uma pratica que beneficia, principalmente, interesses do governo e de grandes poderes econômicos, num contexto de mercado regulado pelas leis da oferta e da procura (Sousa, 2000). Seu funcionamento, segundo Sousa, está atrelado a quatro fatores. O primeiro é o recrutamento de jornalistas de credibilidade na mídia e ligação com o atrelamento do jornal-empresa às leis de oferta do mercado. A segunda questão é que esses profissionais têm consciência das restrições estabelecidas pelos donos das empresas, pelo poder político e econômico.

Por conta disso, o autor defende o terceiro fator, a "autocensura" dos próprios jornalistas. O último item é a "existência de elementos interactivos que filtram as notícias, destacando as matérias favoráveis aos interesses do governo e dos grandes interesses econômicos privados" (Sousa, 2000:35). Para os jornalistas, esse trabalho é realizado segundo os critérios jornalísticos, livre de qualquer influência coercitiva exterior. A realidade impede outras formas de "selecionar e processar o que se é notícia" (Cf. Sousa, 2000:35).

As características intrínsecas desse "Modelo de Propaganda" tem como escopo para explicá-lo, o modelo de jornalismo americano descrito por Chomsky e Herman (Cf. Sousa, 2002:38-39). Nos Estados Unidos, predominam a concentração de poder pelos oligopólios e objetivos de lucro das empresas. Isso facilita coerções, dependência e impede jornalistas éticos de terem opções de trabalho. Também é uma característica a ligação acentuada das empresas jornalísticas à publicidade, levando as empresas a evitar matérias indesejáveis contra seus clientes - como é o governo.

A confiança "nas informações dadas por responsáveis dos diversos órgãos do governo e das empresas dominantes" também. A primeira faz parte desse cenário do jornalismo americano. Isso acaba levando a duas situações: à dependência das agências de relações públicas e menos perda de tempo com pesquisa e confirmação de dados fornecidos por fontes não credíveis.

Outra característica é a forte preocupação com os índices de audiência.
Esse modelo de jornalismo americano tem como um de seus expoentes o jornal Los Angeles Times, um dos quatro maiores jornais dos Estados Unidos da América, que contratou, em 1995, o executivo Mark Willes, cuja primeira providência foi a de atrelar jornalismo, publicidade e propaganda. Também passou a controlar as redações, demitindo jornalistas e fechando editorias consideradas deficitárias.

Depois de dois anos, deu independência administrativa às editorias, que passaram a ter orçamento próprio e gerente administrativo. Conseqüentemente, passou a exigir lucratividade de algumas editorias, como Economia e Desporto. Cada editoria teve suas despesas atreladas ao faturamento publicitário. Os limites entre o jornalismo-publicidade-propaganda foram sumariamente extintos (Cf. Chaparro, 1997).

No Brasil, a relação entre o jornalismo e publicidade não é novidade. O jornalista Samuel Wainer, réu confesso, entrega o jogo e diz como tudo acontecia em seu tempo, no jornal Última Hora.

"Eu precisava desesperadamente daquele dinheiro, e faria todas as concessões possíveis para obtê-lo. Deu certo. Em pouco tempo, o Última Hora garantiu um vasto espaço publicitário, que representava um importante fator de sobrevivência e lhe permitia reduzir drasticamente seu grau de dependência do governo. Fiz horrores para conseguir anúncios, vendi minha alma ao diabo, corrompi-me até a medula. Em certas ocasiões, cheguei a namorar filhas de comerciantes para fechar negócio. Mas sempre agi assim para que o Última Hora permanecesse vivo, para que resistisse às provações que se aproximavam". (Wainer, 1987:171).

A partir do princípio do lucro a qualquer custo, o jornalismo vira um produto, passando a ser o meio para aumentar o número de anunciantes. Assim, a publicidade banca os lucros projetados para um período determinado, garantindo receitas positivas; e a propaganda possibilita a fidelização do anunciante.

"Alguém já viu, por exemplo, mesmo nos ditos grandes jornais, alguma reportagem elogiosa de teste de um carro de uma empresa que não seja anunciante? É só olhar os cadernos de automóveis... Na televisão, então, essa é a regra do jogo, ou melhor, a regra do negócio, e ninguém faz questão de escondê-la". (Cf. Chaparro, 2001:118).

As imbricadas relações entre jornalismo, publicidade e propaganda só aprofundam as intersecções entre as áreas, acirrando a segmentação do jornalismo por meio de um número cada vez maior de Suplementos. É a filosofia do jornal-empresa, do leitor consumidor e não mais cidadão, que assume sua forma mais escancarada de ser.

A ética e o jornalismo

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (2007) permite afirmar que o jornalismo tem como dever ético buscar, relatar e comentar os fatos da atualidade. Este dever ético obriga o jornalista a buscar a veracidade dos fatos, tendo como princípios os valores que dão sentido e objetivo às sociedades organizadas. Valores, cujos processos sociais conferem ao jornalismo os compromissos com a defesa da cidadania, da liberdade de expressão, com a denúncia de violências, torpeza e injustiça.

Antes de tratarmos diretamente do tema, o dilema ético no jornalismo dos Suplementos frente ao mercado, faz-se necessário um aprofundamento dos conceitos existentes sobre ética, que há séculos vêm mobilizando filósofos e outros estudiosos para chegar a um bom termo sobre sua importância e seu significado. Originalmente, ética tinha o mesmo significado que moral: o de caráter, costume, modo de ser.

O termo "ética" é derivado do grego ethos e moral, originário do latim mores. Todavia, a história humana se encarregou de separar estes conceitos. Enquanto a moral envolveu-se com o conjunto de normas que refletia determinado comportamento, dentro de determinada cultura e determinado período, a ética buscou a reflexão sobre o universo moral dos homens (Cf. Karan, 1993: 33).

Atualmente, a ética é o estudo dos juízos de valor, do ponto de vista do bem e do mal, aplicáveis à conduta humana, no todo ou em um campo específico. Moral é o conjunto das regras de conduta consideradas eticamente válidas, quer de modo absoluto, quer para um grupo ou pessoa determinada (Cf. Ferreira, 2001:301; 471).

Em uma definição pragmática do termo, a ética, segundo as palavras do fundador do Instituto de Ética Mundial, Dr. Rushworth Kidder, nada mais é do que "a obediência ao que não pode ser obrigatório. Pode-se obrigar alguém a obedecer a uma lei, mas ética, como já se disse, é o que você faz quando ninguém está olhando" (Cf. Shmuhl, 1984:44).

O reconhecimento da importância contemporânea do jornalismo e a reflexão sobre o seu fazer leva à necessidade de uma moral que o abarque e uma ética profissional que o direcione, tendo como base a busca da veracidade dos fatos. É essa busca - mesmo sendo tal meta inatingível em sua plenitude - que traz a exatidão e a apuração dos fatos como uma técnica (ciência) do trabalho jornalístico.

A verdade, segundo o jornalista José Vicente de Almeida Bernardo,

"pode ser pequena ou grande, relativa ou absoluta, mesmo assim é a origem meio e fim do pensamento filosófico. Uma vez definida, orienta os homens na sua conduta em direção a ela. E na trilha em direção ao bom, a verdade, seria o código moral da humanidade". (Cf. Bernardo, 1993:28).

Ao se definir o jornalismo como defensor do interesse público e da verdade, a questão volta-se para saber o que é realmente bom, ou em outras palavras, ético. As peculiaridades e idiossincrasias dos povos dificultam uma resposta única, como demonstra o filósofo Adolfo Sanchez-Vásquez (1987:23): "Diferentes comunidades julgam de maneira diferente o mesmo tipo de atos ou postulam diversas normas morais diante de situações semelhantes (conforme os interesses e as necessidades das comunidades)".

Deste relativismo ético pode-se concluir que cada povo tem seus próprios códigos para proceder aos seus julgamentos. Assim, uma notícia que seria eticamente condenada num local pode ser aceita com normalidade noutro.
Esse relativismo também obriga o jornalismo, segundo João Almino, a possuir um norte ético, sendo a verdade uma construção de um grupo, edificada em discursos, sempre dentro de um contexto. Essa "verdade" pode ser considerada

"apenas como fruto de um consenso que brote da argumentação coletiva, ou seja, razões locais e temporais conflitantes disputam ou compõem no espaço público a verdade. E o tempo às vezes transforma as verdades estabelecidas em puras mentiras. A verdade, portanto, não é um dado, nem algo que se conheça de antemão". (Cf. Almini, 1986:46).

De seu turno, de forma contundente, a jornalista americana Anne Geyer, em conferência realizada na Universidade Notre Dame, nos EUA, afirmou que o jornalismo "não é a busca da verdade, esta é uma tarefa dos filósofos, dos teólogos e dos poetas. Jornalismo é, e deve ser, a busca pelas pequenas e relativas verdades que nos ajudam a conservar a sanidade neste mundo". (Cf. Shmuhl, 1984:87-88).

A forma de realização profissional de um jornalista "pode não coincidir com a expectativa geral da comunidade a qual trabalha" (Cf. Bernardo, 1993:03). O grau de autonomia do jornalista é uma variante de peso no diletante compromisso com a ética. Pierre Bourdieu discute a questão ao considerar que a

"autonomia de um jornalista particular depende em primeiro lugar do grau de concentração da imprensa (que, reduzindo o número de empregadores potenciais, aumenta a insegurança do emprego); em seguida, da posição de seu jornal no espaço dos jornais, isto é, mais ou menos perto do pólo 'intelectual' ou do pólo "comercial"; depois, de sua posição no jornal ou órgão de imprensa (efetivo, free-lancer), que determina as diferentes garantias estatutárias (ligadas sobretudo à notoriedade) de que ele dispõem e também seu salário". (Cf. Bourdieu, 1997:102).

Quanto à ética de um jornal, pode-se dizer, é a expressão de como ele conduz seus negócios em termos morais e profissionais. Não há jornal sem escrúpulos, se não houver jornalistas sem escrúpulos. Existe uma diferença entre a perspectiva da ética da empresa e a da ética do jornalista. As empresas jornalísticas vão buscar o lucro indubitavelmente. Só que os jornais, por mais que tentem, não podem controlar todo o processo executado pelos jornalistas - da pauta à feitura do texto sempre haverá brechas para inclusão de informações fora da dita linha editorial do veículo.

"Um sábio editor dirá sempre a um queixoso empresário: 'Sinto muito, mas não consigo controlar essa gente'. E se conseguisse, ele não teria um bom jornal", disse o jornalista do New York Times, Leonard Silk (Cf. Shmuhl, 1984:67).

Portanto, é o jornalista, no exercício da sua ética, que separa o bom do mau jornalismo. O bom profissional sabe que a escolha das palavras e enfoques falam tanto da notícia quanto o que se esconde nas entrelinhas.

Agenda-setting e framing [3] nos falam do poder - ainda que relativo - de a mídia pautar as discussões dos receptores. A longo prazo, é esse jornalista que será celebrado pelo próprio jornal e pelo mercado de trabalho. Um conselho de Chaparro é providencial (2001:25):

"nem tudo é 'alma vendida' ou 'pena alugada', no ambiente do jornalismo. Nas redacções da imprensa regional, como nas da grande imprensa, há arquipélagos de dignidade, constituídos por profissionais a quem os cantos e encantos das sereias corruptoras não seduzem. Nessas muitas ilhas estão as pessoas que fazem a diferença, nas pequenas como nas grandes coorporações". (sic).

Os conceitos acima relacionados de ética e moral associados ao jornalismo como instrumento de cidadania e do bem comum nasceram dos ideais iluministas - que deram as bases ideológicas e intelectuais da Revolução Francesa -, foram resumidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e são referendados pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que em seu artigo 9º, alínea "e", dispõe que é dever do jornalista "Opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender a Declaração" (2007).

O jornalismo atual é diferente daquele praticado em seus primórdios, na Europa,

"quando os jornais eram simplesmente uma extensão das vontades do poder e o jornalismo era o instrumento da oficialidade. Predominava então não o conceito atual de ética (princípios e valores morais), mas a visão de ética como etiqueta: os bons costumes, a educação, a empolação como mandamento maior. Bem ao gosto da aristocracia, já que se trata de uma ética não-questionadora, que não problematiza a realidade, que não crítica o status quo". (Bucci, 2002:09-10).

Hoje, percebe-se a mesma situação no jornalismo moderno. A história se repete, a diferença é que o poder mudou de figura, da aristocracia para o mercado, que passou a determinar a ética e a moral. A ética foi reduzida a meras regras de manuais e a moral da imprensa a um relacionamento "educado" com as fontes. A etiqueta é perniciosa ao criar no jornalismo, como explica o jornalista Eugênio Bucci: "um balé de sorrisos e saudações que celebram a autoridade posta" (2002:8).

Na trilha dos Suplementos Viagem e Folha Turismo

O dilema ético enfrentado pelo jornalismo na atualidade se apresenta explicitamente nos Suplementos de Turismo: Viagem - jornal, d'O Estado de S.Paulo, e Folha Turismo, da Folha de S.Paulo.

Suplemento Viagem - O Estado de S.Paulo

O dia 19 de maio de 1960 marca o início do Caderno Turismo d'O Estado de S.Paulo, um mês após o lançamento do caderno Viagens e passeios da Folha de S.Paulo. A periodicidade era semanal e a publicação, às sextas-feiras. Eram duas páginas dedicadas ao assunto e duas seções de destaque: Tempo e Tábua das Marés.

O caderno se tornou o atual Suplemento Viagem, publicado às terças-feiras, trazendo temas corriqueiros do Turismo, pontos turísticos e seus respectivos roteiros com as eventuais informações de preços e localizações. De herança, da época do caderno de Turismo, continua a seção Tábua das Marés. "E que ninguém tente tirá-la da publicação. Uma vez que ela saiu publicada errada foram tantos telefonemas que não conseguíamos fazer nada", explica a editora do Suplemento, Viviane Kulczynski [4].

O número de páginas do Suplemento varia entre 8 e 24. A capa geralmente tem apenas uma chamada com uma foto grande e efeitos gráficos. Em algumas exceções aparecem duas chamadas pequeninas em cima na capa.

Como são dois cadernos, a variação acontece do seguinte modo: quando a capa é internacional, o primeiro caderno dá continuidade ao tema; e o segundo, conseqüentemente, é nacional e vice-versa.

Na página dois está a coluna Espaço Aberto, onde são publicados artigos de profissionais do Turismo, empresários do setor, acadêmicos de Turismo e políticos envolvidos com o assunto. "Essas pessoas não são colaboradores. O Espaço Aberto traz a opinião da pessoa. Não é uma verdade nem opinião do jornal", relata a editora. Os artigos são enviados via internet e aguardam numa fila a vez da publicação. Só em casos específicos a publicação é antecipada: como um artigo que tenha alguma relação com uma matéria publicada na semana ou a saída de representante de órgão turístico.

O Viagem tem ainda as seções fixas de notas como Via Modem (pág. 3) - traz informações de buscas na internet de sites de Turismo; Volta ao Mundo (pág. 3) - notícias sobre exposições de arte e shows artísticos em nível mundial; Sonho Americano (pág. 3) - as últimas novidades dos norte-americanos no mundo do Turismo; Tour (pág. 2) - congressos, encontros, simpósios do setor de Turismo, como também as eventuais oscilações do mercado; Check-in (pág. 8) - notícias relâmpagos sobre destinos turísticos brasileiros; Aventura - informações de lugares propícios à prática do Turismo de adrenalina através de pacotes de operadoras; O Melhor de... (sem página certa), shows artísticos nas principais capitais brasileiras. Com exceção das três primeiras seções, as páginas dos demais oscilam de edição para edição.

Quanto aos anúncios, eles são de operadoras que anunciam pacotes, destinos turísticos nacionais e internacionais. Chegam a ocupar uma página inteira. Além dessas informações, os Suplementos publicam anúncios de hotéis, geralmente do interior, numa seção dedicada somente a eles.

As pautas do Suplemento, segundo a editora, são decididas através do entrosamento com o mercado. Os leitores geralmente não mandam sugestões de pautas. Há releases, [5] mas como trazem apenas pacotes, são desconsiderados na maioria das vezes. Os repórteres são obrigados a "comer muito" para descobrir pontos turísticos de interesse do leitor, conta Kulczynski. Os almoços com operadores de Turismo são considerados a maneira ideal para saber os destinos mais procurados e os pacotes de sucesso. Outra fonte declarada para as pautas são as conversas informais, com hóspedes, nas viagens dos repórteres.

Definidas as pautas do Suplemento Viagem, duas opções são postas no tabuleiro: se já existe convite para o destino turístico, o repórter viaja imediatamente; se não, a editora liga e vai atrás para pedir patrocínio. Tais atos justificam-se pela falta de orçamento do jornal para cobrir as viagens, de acordo com os profissionais entrevistados. "O nosso orçamento não nos permite bancar as viagens, a não ser que seja dentro do estado de São Paulo. O jornal dá apenas uma verba para a alimentação, para a compra de um livro, caso seja necessário para incrementar a matéria pedida. Mas isso não significa dizer que os organizadores de pontos turísticos pautem o Suplemento Viagem", esclarece, Kulczynski.

O aparente vínculo com o mercado recebe a seguinte justificativa da editora do Suplemento. Segundo ela, "o mercado já sabe que convidar não significa publicar, muito menos falar bem". E se o repórter for para o lugar e este não for relevante, ele não escreve nada. O jornal tem uma política bem definida na questão "falar mal": "O nosso espaço é precioso. Se você é cheia de lugares bacanas para recomendar ao turista para o período sagrado ou de folga maior, porque você vai perder este mesmo espaço precioso [...] para dizer para onde ele não pode ir? [...] Uma matéria inteira para você dizer que o lugar não vale a pena, é perda de tempo para o leitor", defende a editora.

Quanto à publicidade, a editora é enfática: "nunca nos pautou e não vai nos pautar". Segundo ela, a editoria recebe do setor comercial apenas a indicação de qual espaço será destinado ao texto e qual à publicidade.

Normalmente, a editora não sabe o que está em cada página. "Há páginas com 70% de comercial, 60% e 50% e outras com 100%. Eventualmente, acontece do anúncio derrubar uma matéria. Não é o ideal, mas, infelizmente, é isso que a empresa quer", explica.

Os anúncios também são sazonais, meses como dezembro e janeiro são os mais procurados. Existem ainda os contratos de publicidade de longo prazo, a exemplo do que foi selado com a empresa Stella Barros, que reservou a capa principal durante três anos; com a Sigma, que possui o controle da capa do segundo caderno. Há uma norma ética do jornal, segundo a qual dois concorrentes não podem ser colocados numa mesma página.

O Suplemento Viagem tem uma linha editorial que optou pelas matérias mais curtas em detrimento das longas. "Nós não podemos e nem temos a intenção de ser uma enciclopédia para o leitor. Não dá para despejar conteúdo", declara Kulczynski. O texto tem um objetivo claro: satisfazer o desejo de informação do leitor sobre determinado lugar. Por isso, os repórteres têm uma semana para escrever.

Entretanto, a escrita deve resguardar alguns princípios, como buscar sempre a fidelidade das informações, porque "não se pode esquecer que alguém vai conferir todas as dicas e dados descritos na matéria", completa a editora.

Além do texto, outra preocupação nos Suplementos é o visual. As fotos, infográficos, mapas e artes recebem atenção especial. Os aspectos visuais vêm despertando análises que os identificam como uma narrativa que enseja sentidos à trama da enunciação jornalística. Conforme explica Kulczynski, as fotos, muitas vezes, não têm a qualidade desejável e a disputa com a publicidade é grande, o que faz com que a sua organização siga determinadas regras, tendo preponderância a harmonia e o equilíbrio.

As informações sobre orientação a turistas, bem como preços e pacotes são postas, geralmente, num infográfico ou tabela para evitar que fiquem gravitando no texto.

As características do texto e da diagramação no Suplemento Viagem visam satisfazer as preferências do público-leitor. Elas foram identificadas numa pesquisa feita pela Marplan, na Grande São Paulo, e apontam que 51% dos leitores são mulheres, 49% são homens; a idade varia de 39 a 50 anos; são universitários ou já formados; são das classes A e B, ou seja, têm alto poder aquisitivo; possuem internet no domicílio e são adeptos da literatura.

Isso significa, segundo Kulczynski, que o público é exigente, quer uma matéria enriquecida que traga uma apuração refinada, dicas de filmes e livros para ver ou ler em casa.

Suplemento Folha Turismo - Folha de S.Paulo

A Folha de S.Paulo lançou o seu caderno "Viagens e Passeios" em 4 de dezembro de 1959. A periodicidade também era semanal e a circulação às sextas-feiras. O caderno possuía no lado esquerdo uma coluna com notícias curtas sobre curiosidades de destinos turísticos, feiras culturais e, principalmente, dados sobre as estradas interestaduais paulistanas. Do lado direito, matérias sobre lugares interessantes para férias na região sudeste como um todo. O caderno ora se restringia a uma página, ora a duas. Só depois de nove anos, em 1968, foi criado o Suplemento Cadernos de Turismo.

Atualmente, a denominação caderno caiu e o nome é Folha Turismo, publicado às segundas-feiras. Basicamente, a proposta do Suplemento é oferecer sugestões de destinos e roteiros que vêm acompanhados de informações detalhadas sobre aspectos operacionais de viagens como: custos, meios de hospedagem, alimentação, passeios e serviços turísticos.

O Folha Turismo tem geralmente de 8 a 18 páginas, com dois cadernos: um é nacional e o outro, internacional. A capa tem duas chamadas: uma principal com fotos, texto e efeitos da diagramação; e outra, pequena, de apenas uma frase. Há dois tipos de seção fixa: a de notas, chamada Panorâmica, que traz notícias sobre empresas do setor e as novidades dos destinos turísticos; e a coluna do político Fernando Gabeira, que tem liberdade para escrever temas de Turismo e outros que lhe são convenientes.

Os anúncios são de operadoras que anunciam pacotes, destinos turísticos, nacionais e internacionais, que competem com as matérias e chegam, às vezes, a ocupar páginas inteiras. A exemplo do Suplemento Viagem, possui uma seção dedicada aos anúncios de hotéis. Apesar de a edição ser semanal, o trabalho na redação é sempre intenso.

Todos os dias o trabalho começa às 14 horas e não tem horário certo para acabar. As reuniões de pautas são realizadas às segundas-feiras. Segundo Sílvio Ciofi [6], editor do Suplemento, nela [a reunião] "é examinado o que está acontecendo, o que tem nas outras editorias que pode ser usado como matéria. É identificado o que é mais 'momentoso' e, assim, decidida a pauta". Ainda na segunda-feira são buscadas informações para as matérias; na terça-feira são feitas as últimas conexões para viabilizá-la (pesquisas em fontes como internet, livros e arquivos da própria Folha).

Há verificação das fotos existentes para ilustrar a matéria. Silvio relata que mais de 400 hotéis e agências são consultados sobre pacotes e preços de estada para inclusão na pauta. Na quarta-feira é feito o espelho com o espaço destinado ao texto e à publicidade. É então rabiscado o esboço do Suplemento. A quinta e a sexta-feira são reservadas para o fechamento. A primeira página é de responsabilidade do editor e do designer de arte. As demais ficam a cargo do diagramador.

O Suplemento Folha Turismo prefere tratar dos temas com profundidade - é o que eles chamam de edição monotemática. São muitas páginas dedicadas a um destino turístico. Como explica Ciofi: "assim, é mais fácil fazer justiça para um grande tema, se você agregar valor". Um exemplo é a matéria "Copacabana, Bolívia", do dia 10 de dezembro de 2001, que teve seis páginas.

Quanto à forma do texto e às fotos, o Suplemento segue alguns parâmetros: os indicadores da pesquisa Data-Dia, realizada semanalmente, com cerca de 200 leitores do jornal a Folha de S.Paulo. Com base nas respostas do que os leitores mais gostam, são trabalhados o texto e as fotos.

A diagramação final só apresenta um problema: a publicidade que também disputa lugar com o texto, fato também ocorrido com o Suplemento Viagem do O Estado de S.Paulo. Para Ciofi, a proporção ideal seria de 50% para cada. Mas isso, normalmente, não acontece. O espaço fica muito recortado e resta ao editor a tarefa de diagramar um espaço com muita publicidade.

Sobre a influência que esta teria nas matérias, ele descarta totalmente tal possibilidade. "O repórter ao viajar para lugar ruim não tem obrigação de escrever a matéria, mesmo a Viagem sendo um convite". E os convites são recebidos segundo alguns parâmetros: "o patrocinador é citado na matéria principal e os concorrentes saem publicados na seção de serviço".

Os Suplementos e o mercado

Em pesquisa [7] realizada para a dissertação de mestrado "O gênero e mercado nos Suplementos de Turismo dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo" (Carvalho, 2003) foi identificada uma dependência entre o jornalismo dos Suplementos de Turismo e o mercado. Por meio de uma pesquisa quantitativa e qualitativa, nos Suplementos da Folha de S.Paulo (Folha Turismo) e d'O Estado de S.Paulo (Viagem), com 13 edições do jornal FSP e 12 do OESP [8], equivalendo a cerca de 24% do universo total das publicações anuais desses veículos, foi constatada essa relação. Foram analisadas 168 páginas (área de 268.741,2 cm2) de impressos da Folha e as 206 páginas (ou 328.547,34 cm2) do Estadão.

Os resultados da pesquisa apontam que no Suplemento Viagem (OESP), das 12 edições analisadas, 11 tiveram suas matérias de capa patrocinadas por empresas do setor de Turismo, cinco delas possuindo entre 5 e 6 páginas, ou praticamente 70% do espaço jornalístico da edição. Dessas 11, sete das publicações também tinham a segunda matéria bancada por terceiros. Do total analisado, somente um Suplemento não tinha uma matéria com o patrocinador divulgado como responsável pelas despesas de reportagem, levando a crer que estava livre de patrocínio.

A editora do Suplemento Viagem, Viviane Kulczynski, revela que a exposição do nome do patrocinador daria uma visão contrária à publicidade.

"Se damos o nome no final da matéria, significa que estamos dando ao nosso leitor a oportunidade de saber quem nos patrocinou. Ele poderá observar, como normalmente acontece, que não falamos só bem do lugar que viajamos".

Os espaços destinados à publicidade ultrapassaram o do jornalismo nos meses de dezembro e janeiro, respectivamente 68% (70.141,09 cm2) e 79% (79.044,13 cm2), e o jornalismo ficou com 32% (39.374,69 cm2) e 31% (30.471,65 cm2). Somente em fevereiro, ao obter 54% (59.980,92 cm2), o jornalismo passou à frente da publicidade, que ficou com 46% (49.534,86 cm2) da área total do Suplemento.

Quanto ao Folha Turismo, a pesquisa identificou nas 13 edições pesquisadas, que 11 matérias de capa eram patrocinadas, das quais seis reportagens ocupavam entre 5 e 6 páginas das suas respectivas edições.

Dessas 11, seis tinham a segunda reportagem também paga por anunciantes. Uma das matérias foi produzida por um jornalista free-lancer e apenas uma matéria de capa não tinha sido bancada pelo setor de Turismo.

Em relação ao espaço dedicado à publicidade e ao jornalismo, a pesquisa identificou que no mês de dezembro 59% (53.258,96 cm2) do espaço era da publicidade e 41% (38.454,3 cm2) do jornalismo. Em janeiro, os anúncios ficaram com 55% (51.896,91 cm2) e as demais informações jornalísticas com 45% (39.816,35 cm2). No último mês pesquisado, fevereiro, foi verificado que 64% (60.625,66 cm2) eram do jornalismo e a publicidade teve seu espaço reduzido para 36% (31.087,6 cm2).

Há diferenças quantitativas entre os dois jornais em termos de publicidade. O jornal O Estado de S.Paulo tem mais anúncios comerciais que a Folha de S.Paulo. No Estadão, de um total pesquisado de 328.547,34 cm2, 60% são destinados aos comerciais. Na Folha, de 275.139,8 cm2, 50% são dedicados à publicidade. No Estadão, o Suplemento de Turismo tem uma média de 8 a 24 páginas por edição; a Folha, de 8 a 18, ou seja, o seu Suplemento há menos páginas e menos comerciais e reserva maiores espaços às investigações jornalísticas; no Estadão, paradoxalmente, existe um maior número de comerciais e de páginas, só que com menos espaço reservado às matérias jornalísticas.

A ingerência do mercado, portanto, está fortemente presente neste impresso. A quantidade de comerciais em relação à área total deixa claro que há uma disputa entre o material jornalístico e a publicidade.

Os jornais, em ambos os casos, mais especificamente no Estadão, mostram que os Suplementos são chamarizes para anúncios comerciais. O Estadão mostra-se um veículo que prioriza a mensagem-produto. A Folha, por outro lado, se mostra mais equilibrada.

As análises das 25 edições dos Suplementos Viagem e Folha Turismo demonstraram claramente não só a adesão, mas a completa submissão dos jornais à lógica do mercado e do consumo. Praticamente todas as decisões nos Suplementos são influenciadas pelo setor turístico. As viagens e estadias dos repórteres nos destinos turísticos são patrocinadas por instituições públicas e privadas em ambos os jornais.

Cinco pecados jornalísticos

A presente pesquisa aponta uma atrelagem de 95% do jornalismo aos patrocinadores do setor turístico - público e privado - e ainda a prática de publicidade e propaganda nas matérias jornalísticas. O resultado leva à reflexão a respeito da natureza dos Suplementos serem ou não jornalismo.

Se pensarmos o jornalismo como nos propõe o Código de Ética dos Jornalistas, que o relaciona com o universo dos valores humanistas e compromissados com o bem comum, verificamos que os Suplementos assim não se configuram.

Os Suplementos de Turismo (Turismo, Folha de S.Paulo e Viagem, d'O Estado de S.Paulo) são os representantes dessa realidade, os quais se apresentam em forma de jornalismo. A ética é renegada em nome de um mercado que garante a receita publicitária do jornal. Ou melhor, o Suplemento já foi recriado (como mostramos nos itens anteriores) com o intuito de satisfazer os interesses de empresas: vender. Os atentados éticos se transfiguram no que denominados de cinco pecados jornalísticos:

1. Culto às pautas de pontos turísticos patrocinadores;
2. Exclusão de pontos turísticos de não-patrocinadores;
3. Jornalismo-propaganda;
4. Prioridade dos anúncios em detrimento das matérias;
5. Excesso de relato ao comentário.

O culto às pautas dos pontos turísticos patrocinadores é um atentando explícito à desejável ética jornalística, que não prevê compromissos, como os de ordem mercadológica, como os que se afiguram no caso abordado. A questão que fica implícita é como praticar a isenção jornalística se a matéria está atrelada a um agente externo. Como defender o interesse do público leitor se existe um outro interesse por trás da pauta, o de fazer a divulgação de um ponto turístico determinado?

O eticamente correto no âmbito jornalístico fica aqui configurado como meras convenções de etiqueta, como define Eugênio Bucci (2002:08). Em lugar de pagar as viagens dos seus repórteres, o jornal cita o nome dos seus patrocinadores no final das matérias. A conduta jornalística fica maculada ao "celebrar a autoridade posta" de que Bucci trata.

O jornal-empresa e os próprios jornalistas têm uma desculpa preparada e bem adequada aos interesses mercadológicos e profissionais. Os primeiros alegam redução de custos trazida pelas viagens patrocinadas. Em decorrência, a outra justificativa é o desemprego [9] entre jornalistas que pode ser amenizado pela economia das viagens. Os princípios Internacionais da Ética Profissional dos Jornalistas trazem o significado dessa consciência pessoal do jornalista":

"Princípio III: A responsabilidade social do jornalista
No jornalismo, a informação é compreendida como bem social e não como mercadoria, o que implica que o jornalista comparte a responsabilidade social pela informação divulgada, e portanto, é responsável não só diante dos que controlam os meios de informação, mas também, afinal, diante do público em geral e seus diversos interesses sociais. A responsabilidade social do jornalista exige que atue, sob qualquer circunstância, em conformidade com consciência pessoal". (Karam, 1997:97).

A exclusão proposital de pontos turísticos que não patrocinam viagens é outro desvio ético. Ao dar preferência a uns em detrimento de outros, pautas que poderiam ser interessantes, relevantes do ponto de vista informativo, são excluídas dos Suplementos.

Deste modo, pontos turísticos atraentes, mas desconhecidos ou com poucas empresas e grande porte neles interessadas, perdem um importante espaço de divulgação na mídia - que deveria dar oportunidades, em princípio, iguais para todos, deixando a relevância jornalística pesar. As palavras de Eugênio Bucci sobre jornalismo de etiqueta bem cabem ao fato, no que diz respeito ao que se esconde nas alcovas (no caso, o restante do mercado turístico que não faz parte do rol das empresas patrocinadoras).

O segundo pecado ético, o jornalismo-propaganda, é uma conseqüência do primeiro. As matérias patrocinadas acabam virando propaganda dos pontos turísticos pela maneira como são elaboradas: Viagem em troca de divulgação. Também é publicidade de graça ao informar o nome do patrocinador. O que temos, ética ou etiqueta? Bem, jornalistas são empregados e seguem ordens. Como a frase celebre diz é "preferível ser um covarde vivo que um herói morto".

Esse tipo de "jornalismo" pode ser de muita valia para as empresas que precisam divulgar seus serviços, tendo em vista que o material discursivo veiculado por periódicos em forma de matéria ou reportagem jornalística, em função da natureza social dos jornais, normalmente recebe do público maior crédito, do que um texto assumidamente publicitário, de propaganda.

Tanto é assim, que um expediente relativamente comum hoje é a publicação em periódicos - notadamente revistas - de anúncios com formatação de reportagem ou matéria jornalística, seja para iludir o leitor incauto que não se aperceba da publicidade ali contida ou simplesmente não leia a declaração obrigatória "informe publicitário", seja para fazer uso do tom de seriedade e informativo que a linguagem jornalística pode proporcionar.

O conflito entre o espaço do texto e da publicidade não pode passar ao largo de uma reflexão ética. Se os Suplementos fazem jornalismo, não devem priorizar a divulgação, mas sim assegurar espaço às matérias de fato, sob pena de ficarem vinculados ao mercado, no caso o da publicidade.

Os editores do Turismo, Folha de S.Paulo e do Viagem d'O Estado de S.Paulo, Viviane Kulczynski e Silvio Cioffi, confessaram que por diversas vezes foram obrigados a reduzir boas matérias para dar lugar a anúncios nas páginas de seus respectivos Suplementos. Pode-se constatar o fato ao olhar os Suplementos de Turismo, nos quais algumas matérias ficam exprimidas nos espaços que sobram após a ocupação pela publicidade.

Os Suplementos produzem abertamente a argumentação de uma fonte, como numa propaganda. As técnicas de apuração podem até ser similares a qualquer editoria, mas o seu atrelamento ao patrocínio das empresas do setor turístico e número acentuado de publicidade nas páginas denotam uma proposta de persuasão. O que não pode acontecer é a propaganda e a publicidade serem o objetivo direto e principal do jornalismo: "O jornalista não deve ter medo da propaganda [nem da publicidade]. Mas não pode assumir, menos ainda aceitar, a intenção de fazê-la" (Cf. Chaparro, 1998:129).

O excesso de relato ao comentário [10] não é um problema essencialmente ético, mas traz implícita a questão ética. Uma vez que o jornalismo é uma atividade formadora de opinião e como tal precisa fornecer subsídios para que o leitor análise e forme seu ponto de vista. O jornalismo dos Suplementos de Turismo apresenta-se como lúdico e paradisíaco, ao informar apenas sobre opções de pontos turísticos e pacotes, por exemplo.

Há uma valorização excessiva da abordagem de relato em detrimento de comentários, os quais poderiam formar opiniões mais sólidas sobre locais de férias. Por exemplo, seria interessante que os repórteres disfarçados de turistas fossem aos locais e além de verificar as condições do ponto do turístico e da infra-estrutura, verificassem o quanto os empreendimentos afetam a vida da população, se não estão poluindo a natureza e assim por diante.

Dessa forma, o turista estaria consciente que ao fazer Turismo não estará destruindo a natureza ou contribuindo para o aumento da pobreza de uma população (geralmente as cidades que viraram ponto turístico tiveram o custo de vida superfaturado e quem paga mais caro por isso é a população mais pobre). As observações do estudioso de Turismo, C. A. Gunn, estão de acordo: "falta um jornalismo crítico e atuante no setor de Turismo" (Cf. Gunn, 1988:208).

Os Suplementos Folha Turismo e Viagem d'O Estado de S.Paulo têm colunas de opinião. O primeiro tem um colunista fixo, o deputado federal Fernando Gabeira, que aparentemente é livre para dar a sua opinião sobre temas relacionados ao Turismo e outros assuntos que possam lhe interessar.

O segundo é aberto a pessoas ligadas ao Turismo, profissionais do setor, acadêmicos e políticos ligados ao Turismo. Em forma de artigo eles dão a sua opinião. A crítica é que Gabeira não é um especialista em Turismo; portanto, suas opiniões contribuem, mas não influenciam numa discussão mais profunda sobre o Turismo. Na outra, o espaço é aberto, mas será que todos os artigos enviados serão publicados? É uma pergunta que a editoria do Viagem não respondeu.

O jornalismo de etiqueta prevalece sobre o jornalismo ético nos Suplementos de Turismo. Os fins parecem justificar os meios e a intenção confronta-se com os resultados, o que é um equívoco porque a tão almejada credibilidade que os jornalistas da área buscam passa necessariamente por um jornalismo independente. Se um político patrocinasse a Viagem de um repórter para escrever sobre ele, com certeza seria um escândalo no jornalismo político. Por que então no jornalismo turístico isso tem que ser encarado com naturalidade?

Notas

[1] O termo mais atual no Brasil é "publijornalismo", definido por Alcino Leite Neto, que incorpora mecanismos da publicidade e do entretenimento jornalismo impresso. (Moretzsohn, 2007).

[2] Idem.

[3] Agenda-setting, cuja tradução do inglês poderia ser algo como o processo de "configuração da agenda", se baseia na hipótese de que os indivíduos selecionam, escolhem (agendam) os assuntos de suas conversas e discussões em função do que é veiculado pelos meios de comunicação de massa (Colling, 2001). Segundo Bernard Cohen, citado por Colling (2001), "a imprensa pode, na maior parte das vezes, não conseguir dizer às pessoas como pensar, mas tem, no entanto, uma capacidade espantosa para dizer (...) sobre o que pensar". Mas há quem entenda que os media não só têm o poder de pautar nossas conversas e discussões, mas também o de direcionar o modo como devemos fazer a leitura dos fatos selecionados pelo agenda-setting, por meio do modo como abordam tais fatos; é isso o que se denomina framing - "enquadramento" em inglês.

[4] Entrevista concedida à pesquisadora em novembro de 2001.

[5] Material de divulgação produzido para servir de agenda para a mídia. É escrito na forma jornalística, embora não tenha a pretensão de ser utilizado como texto, mas como suporte de análise, investigação, interpretação, opinião. Para ser valorizado não pode ser escrito em qualquer situação, mas quando ocorre um fato de real interesse jornalístico ou quando há um interesse específico entre o assessorado e o jornalista. O release ou relise deve pautar-se pela qualidade, ou seja, pelo valor das informações apresentadas e não pela forma como são apresentadas.

[6] Entrevista concedida à pesquisadora em outubro de 2001.

[7] Pesquisa realizada para a dissertação de mestrado "O gênero e mercado nos Suplementos de Turismo dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo", defendida em 28abr2003.

[8] A edição de 17jan2002 não foi publicada por problema técnico.

[9] No segundo semestre de 2002, de um universo de 14.375 jornalistas no Estado de São Paulo, 3.600 estavam desempregados, 7.472 estavam empregados com carteiras assinada, 590 estavam no setor público, 945 trabalham em portais, 1.420 eram empresários de comunicação - assessorias, 355 free-lancer. Os dados foram fornecidos pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, que verifica o mercado de trabalho de seis em seis meses com os números do Ministério o Trabalho.

[10] Define de gênero de Chaparro (1998): relato, espécies narrativas (reportagem, entrevista, notícia e coluna) e práticas informação (Roteiros, indicadores, agendamentos, previsão de tempo, cartas-consulta, orientações úteis); comentário, espécie argumentativa (artigo, crônicas, cartas e colunas).

Referências bibliográficas

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CHAPARRO, M. C. Sotaques d'aquém e d'além mar. percursos e gêneros do jornalismo português e brasileiro. Santarém: Jortejo Edições, 1998.

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COLLING, L. "Agenda-setting e framing: reafirmando os efeitos limitados". Revista Famecos, nº 14, Porto Alegre, abr2001.

FERREIRA, A. B. H. Mini Aurélio: O minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001. 4ª ed.

GUNN, C. A. Vacation scape: the design of travel environments.London: Van Norstrand Reinhold, 1988. 2a ed.

KARAN, F. J. C. Jornalismo, ética e liberdade. São Paulo: Summus Editorial, 1997.

SÁNCHEZ-VÁSQUEZ, A. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.

SHMUHL, R. (Org.). As responsabilidades do Jornalismo. Rio de Janeiro: Nórdica, 1984.

*Carmen Carvalho é formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), mestre em Ciência da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), professora da disciplina Oficina de Jornalismo Impresso do curso de Comunicação/Jornalismo da Uesb e editora da Revista Eletrônica Cientificamente. Ronaldo Leite é graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Especialista em Gestão Estratégica da Comunicação pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC).

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®Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]