Conflito
ético nos Suplementos de Turismo:
A relação entre jornalismo,
publicidade e propaganda
Por
Carmen Carvalho e Ronaldo Leite*
Resumo
O
presente trabalho analisa o dilema ético
do jornalismo diante das ingerências
da publicidade e da propaganda em veículos
noticiosos, particularmente nos Suplementos
de Turismo dos jornais Folha de
S.Paulo e O Estado de S.Paulo.
A proximidade entre as duas áreas
da comunicação provoca um
conflito de ordem ética, a saber,
o dever do jornalismo em procurar a verdade
dos fatos, sempre de maneira imparcial,
em disputa com a necessidade do lucro para
a sobrevivência dos veículos
de comunicação.
Palavras-chave
[Jornalismo
/ Publicidade ética / Suplementos
de Turismo]
Relação
publicidade/propaganda e jornalismo
A
segmentação da informação,
cada vez mais evidente nos diários,
reflexo de uma postura jornal-empresa explícita,
traz à tona as discussões
sobre o fazer jornalístico matizado
pelas práticas de propaganda e publicidade;
estas transcendem os espaços comerciais
dos jornais, influenciando o fazer jornalístico.
A falta de limite entre essas variantes
da comunicação pode afetar
o jornalismo sério, comprometido
com a veracidade dos fatos e defensor dos
direitos do cidadão. Um expoente
da prática em questão, nos
impressos, é o jornalismo especializado,
como o praticado nos cadernos de Turismo.
Para
evitar confusões é interessante
dispensarmos alguma atenção
à diferenciação conceitual
entre as instâncias jornalismo, publicidade
e propaganda. Em seguida, pode-se discutir
a relação explícita
entre as três.
Como
não há consenso entre os teóricos
da área de publicidade e propaganda
sobre um conceito único para cada
um dos termos, foi necessário escolher
um autor. Preferimos o espanhol Martinez
Albertos. A proposta dele apresenta jornalismo,
publicidade e propaganda como variações
de uma mesma área, a qual chama de
"informação publicista",
tendo como interesse influenciar a opinião
pública (Chaparro, 1997).
As
três formas da comunicação
têm objetivos definidos e diferenciados
em termos de atividade, estratégia
e propósito. O jornalismo é
o que traz a informação da
contemporaneidade, tendo como fim específico
a difusão dos fatos, por meio da
informação e da interpretação
dos acontecimentos que são notícia,
isto é, que interessam à sociedade.
Quanto
à propaganda, tem como fim específico
a difusão de idéias ou doutrinas
pela sugestão emotiva, para conseguir
a aceitação ou a adesão
dos receptores, em benefício do sujeito
emissor; a publicidade tem como fim específico
difundir informações sobre
mercadorias (produtos, bens e serviços),
num regime de mercado competitivo, buscando
levar os consumidores à decisão
de comprar, em detrimento da concorrência
(Chaparro, 1997).
Pode-se
dizer, então, que existe a distinção
entre o jornalismo e as duas variantes "publicistas".
"O
jornalismo investiga para informar e esclarecer
o máximo possível sobre
os acontecimentos, trabalha com a diversidade
possível das informações
e versões relevantes; ao contrário,
a publicidade e a propaganda só
difundem informações favoráveis
aos interesses particulares a que estão
vinculadas". (Cf. Albertos, 1992:278).
Quanto
à publicidade e à propaganda,
existem semelhanças nas estratégias
comunicativas. Mas também há
diferenças. De acordo com Chaparro
(1997), a publicidade é paga, tem
forma de anúncio e uma identificação
mais fácil. Já a propaganda,
que dizem ser gratuita, aparece disfarçadamente
utilizando-se do fazer jornalístico
e infiltrando-se nos conteúdos. De
acordo com a jornalista e pesquisadora Nancy
Ramandan, não se pode negar que jornalismo
também quer persuadir.
A
questão é que esta persuasão
deve significar "a divulgação
de fenômenos integrais", por
meio de uma persuasão que transmita
ao "leitor/ouvinte/telespectador/internauta
que está ouvindo a notícia
verdadeira". Também não
se pode negar que o "jornalista jamais
se libertará da propaganda, até
porque a melhor propaganda (a favor ou contra)
é sempre a que resulta do jornalismo
independente, que investiga" (Cf. Ramadan,
1998:14-15).
Mas
para o leitor somente duas das três
variantes da comunicação são
claramente identificáveis nos jornais.
A notícia pelo texto corrido nas
páginas, a publicidade pelos espaços
destinados aos anúncios. Quanto à
propaganda, a sua definição
e seu enquadramento não é
tão simples assim no jornalismo,
existindo até o termo "jornalismo-propaganda"
[1]. Também existe a expressão
"Modelo de Propaganda", citada
por Chomsky e Herman para explicar, de maneira
pontual, o "Modelo Ocidental de Jornalismo"
(Cf. Souza, 2000:34) [2].
O
"Modelo de Propaganda" é
uma pratica que beneficia, principalmente,
interesses do governo e de grandes poderes
econômicos, num contexto de mercado
regulado pelas leis da oferta e da procura
(Sousa, 2000). Seu funcionamento, segundo
Sousa, está atrelado a quatro fatores.
O primeiro é o recrutamento de jornalistas
de credibilidade na mídia e ligação
com o atrelamento do jornal-empresa às
leis de oferta do mercado. A segunda questão
é que esses profissionais têm
consciência das restrições
estabelecidas pelos donos das empresas,
pelo poder político e econômico.
Por
conta disso, o autor defende o terceiro
fator, a "autocensura" dos próprios
jornalistas. O último item é
a "existência de elementos interactivos
que filtram as notícias, destacando
as matérias favoráveis aos
interesses do governo e dos grandes interesses
econômicos privados" (Sousa,
2000:35). Para os jornalistas, esse trabalho
é realizado segundo os critérios
jornalísticos, livre de qualquer
influência coercitiva exterior. A
realidade impede outras formas de "selecionar
e processar o que se é notícia"
(Cf. Sousa, 2000:35).
As
características intrínsecas
desse "Modelo de Propaganda" tem
como escopo para explicá-lo, o modelo
de jornalismo americano descrito por Chomsky
e Herman (Cf. Sousa, 2002:38-39). Nos Estados
Unidos, predominam a concentração
de poder pelos oligopólios e objetivos
de lucro das empresas. Isso facilita coerções,
dependência e impede jornalistas éticos
de terem opções de trabalho.
Também é uma característica
a ligação acentuada das empresas
jornalísticas à publicidade,
levando as empresas a evitar matérias
indesejáveis contra seus clientes
- como é o governo.
A confiança "nas informações
dadas por responsáveis dos diversos
órgãos do governo e das empresas
dominantes" também. A primeira
faz parte desse cenário do jornalismo
americano. Isso acaba levando a duas situações:
à dependência das agências
de relações públicas
e menos perda de tempo com pesquisa e confirmação
de dados fornecidos por fontes não
credíveis.
Outra
característica é a forte preocupação
com os índices de audiência.
Esse modelo de jornalismo americano tem
como um de seus expoentes o jornal Los
Angeles Times, um dos quatro maiores
jornais dos Estados Unidos da América,
que contratou, em 1995, o executivo Mark
Willes, cuja primeira providência
foi a de atrelar jornalismo, publicidade
e propaganda. Também passou a controlar
as redações, demitindo jornalistas
e fechando editorias consideradas deficitárias.
Depois
de dois anos, deu independência administrativa
às editorias, que passaram a ter
orçamento próprio e gerente
administrativo. Conseqüentemente, passou
a exigir lucratividade de algumas editorias,
como Economia e Desporto. Cada editoria
teve suas despesas atreladas ao faturamento
publicitário. Os limites entre o
jornalismo-publicidade-propaganda foram
sumariamente extintos (Cf. Chaparro, 1997).
No
Brasil, a relação entre o
jornalismo e publicidade não é
novidade. O jornalista Samuel Wainer, réu
confesso, entrega o jogo e diz como tudo
acontecia em seu tempo, no jornal Última
Hora.
"Eu
precisava desesperadamente daquele dinheiro,
e faria todas as concessões possíveis
para obtê-lo. Deu certo. Em pouco
tempo, o Última Hora garantiu
um vasto espaço publicitário,
que representava um importante fator de
sobrevivência e lhe permitia reduzir
drasticamente seu grau de dependência
do governo. Fiz horrores para conseguir
anúncios, vendi minha alma ao diabo,
corrompi-me até a medula. Em certas
ocasiões, cheguei a namorar filhas
de comerciantes para fechar negócio.
Mas sempre agi assim para que o Última
Hora permanecesse vivo, para que resistisse
às provações que
se aproximavam". (Wainer, 1987:171).
A
partir do princípio do lucro a qualquer
custo, o jornalismo vira um produto, passando
a ser o meio para aumentar o número
de anunciantes. Assim, a publicidade banca
os lucros projetados para um período
determinado, garantindo receitas positivas;
e a propaganda possibilita a fidelização
do anunciante.
"Alguém
já viu, por exemplo, mesmo nos
ditos grandes jornais, alguma reportagem
elogiosa de teste de um carro de uma empresa
que não seja anunciante? É
só olhar os cadernos de automóveis...
Na televisão, então, essa
é a regra do jogo, ou melhor, a
regra do negócio, e ninguém
faz questão de escondê-la".
(Cf. Chaparro, 2001:118).
As
imbricadas relações entre
jornalismo, publicidade e propaganda só
aprofundam as intersecções
entre as áreas, acirrando a segmentação
do jornalismo por meio de um número
cada vez maior de Suplementos. É
a filosofia do jornal-empresa, do leitor
consumidor e não mais cidadão,
que assume sua forma mais escancarada de
ser.
A
ética e o jornalismo
O
Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros (2007) permite afirmar que o
jornalismo tem como dever ético buscar,
relatar e comentar os fatos da atualidade.
Este dever ético obriga o jornalista
a buscar a veracidade dos fatos, tendo como
princípios os valores que dão
sentido e objetivo às sociedades
organizadas. Valores, cujos processos sociais
conferem ao jornalismo os compromissos com
a defesa da cidadania, da liberdade de expressão,
com a denúncia de violências,
torpeza e injustiça.
Antes
de tratarmos diretamente do tema, o dilema
ético no jornalismo dos Suplementos
frente ao mercado, faz-se necessário
um aprofundamento dos conceitos existentes
sobre ética, que há séculos
vêm mobilizando filósofos e
outros estudiosos para chegar a um bom termo
sobre sua importância e seu significado.
Originalmente, ética tinha o mesmo
significado que moral: o de caráter,
costume, modo de ser.
O
termo "ética" é
derivado do grego ethos e moral,
originário do latim mores.
Todavia, a história humana se encarregou
de separar estes conceitos. Enquanto a moral
envolveu-se com o conjunto de normas que
refletia determinado comportamento, dentro
de determinada cultura e determinado período,
a ética buscou a reflexão
sobre o universo moral dos homens (Cf. Karan,
1993: 33).
Atualmente,
a ética é o estudo dos juízos
de valor, do ponto de vista do bem e do
mal, aplicáveis à conduta
humana, no todo ou em um campo específico.
Moral é o conjunto das regras de
conduta consideradas eticamente válidas,
quer de modo absoluto, quer para um grupo
ou pessoa determinada (Cf. Ferreira, 2001:301;
471).
Em
uma definição pragmática
do termo, a ética, segundo as palavras
do fundador do Instituto de Ética
Mundial, Dr. Rushworth Kidder, nada mais
é do que "a obediência
ao que não pode ser obrigatório.
Pode-se obrigar alguém a obedecer
a uma lei, mas ética, como já
se disse, é o que você faz
quando ninguém está olhando"
(Cf. Shmuhl, 1984:44).
O
reconhecimento da importância contemporânea
do jornalismo e a reflexão sobre
o seu fazer leva à necessidade de
uma moral que o abarque e uma ética
profissional que o direcione, tendo como
base a busca da veracidade dos fatos. É
essa busca - mesmo sendo tal meta inatingível
em sua plenitude - que traz a exatidão
e a apuração dos fatos como
uma técnica (ciência) do trabalho
jornalístico.
A
verdade, segundo o jornalista José
Vicente de Almeida Bernardo,
"pode
ser pequena ou grande, relativa ou absoluta,
mesmo assim é a origem meio e fim
do pensamento filosófico. Uma vez
definida, orienta os homens na sua conduta
em direção a ela. E na trilha
em direção ao bom, a verdade,
seria o código moral da humanidade".
(Cf. Bernardo, 1993:28).
Ao
se definir o jornalismo como defensor do
interesse público e da verdade, a
questão volta-se para saber o que
é realmente bom, ou em outras palavras,
ético. As peculiaridades e idiossincrasias
dos povos dificultam uma resposta única,
como demonstra o filósofo Adolfo
Sanchez-Vásquez (1987:23): "Diferentes
comunidades julgam de maneira diferente
o mesmo tipo de atos ou postulam diversas
normas morais diante de situações
semelhantes (conforme os interesses e as
necessidades das comunidades)".
Deste
relativismo ético pode-se concluir
que cada povo tem seus próprios códigos
para proceder aos seus julgamentos. Assim,
uma notícia que seria eticamente
condenada num local pode ser aceita com
normalidade noutro.
Esse relativismo também obriga o
jornalismo, segundo João Almino,
a possuir um norte ético, sendo a
verdade uma construção de
um grupo, edificada em discursos, sempre
dentro de um contexto. Essa "verdade"
pode ser considerada
"apenas
como fruto de um consenso que brote da
argumentação coletiva, ou
seja, razões locais e temporais
conflitantes disputam ou compõem
no espaço público a verdade.
E o tempo às vezes transforma as
verdades estabelecidas em puras mentiras.
A verdade, portanto, não é
um dado, nem algo que se conheça
de antemão". (Cf. Almini,
1986:46).
De
seu turno, de forma contundente, a jornalista
americana Anne Geyer, em conferência
realizada na Universidade Notre Dame, nos
EUA, afirmou que o jornalismo "não
é a busca da verdade, esta é
uma tarefa dos filósofos, dos teólogos
e dos poetas. Jornalismo é, e deve
ser, a busca pelas pequenas e relativas
verdades que nos ajudam a conservar a sanidade
neste mundo". (Cf. Shmuhl, 1984:87-88).
A
forma de realização profissional
de um jornalista "pode não coincidir
com a expectativa geral da comunidade a
qual trabalha" (Cf. Bernardo, 1993:03).
O grau de autonomia do jornalista é
uma variante de peso no diletante compromisso
com a ética. Pierre Bourdieu discute
a questão ao considerar que a
"autonomia
de um jornalista particular depende em
primeiro lugar do grau de concentração
da imprensa (que, reduzindo o número
de empregadores potenciais, aumenta a
insegurança do emprego); em seguida,
da posição de seu jornal
no espaço dos jornais, isto é,
mais ou menos perto do pólo 'intelectual'
ou do pólo "comercial";
depois, de sua posição no
jornal ou órgão de imprensa
(efetivo, free-lancer), que determina
as diferentes garantias estatutárias
(ligadas sobretudo à notoriedade)
de que ele dispõem e também
seu salário". (Cf. Bourdieu,
1997:102).
Quanto
à ética de um jornal, pode-se
dizer, é a expressão de como
ele conduz seus negócios em termos
morais e profissionais. Não há
jornal sem escrúpulos, se não
houver jornalistas sem escrúpulos.
Existe uma diferença entre a perspectiva
da ética da empresa e a da ética
do jornalista. As empresas jornalísticas
vão buscar o lucro indubitavelmente.
Só que os jornais, por mais que tentem,
não podem controlar todo o processo
executado pelos jornalistas - da pauta à
feitura do texto sempre haverá brechas
para inclusão de informações
fora da dita linha editorial do veículo.
"Um
sábio editor dirá sempre a
um queixoso empresário: 'Sinto muito,
mas não consigo controlar essa gente'.
E se conseguisse, ele não teria um
bom jornal", disse o jornalista do
New York Times, Leonard Silk (Cf. Shmuhl,
1984:67).
Portanto,
é o jornalista, no exercício
da sua ética, que separa o bom do
mau jornalismo. O bom profissional sabe
que a escolha das palavras e enfoques falam
tanto da notícia quanto o que se
esconde nas entrelinhas.
Agenda-setting
e framing [3] nos falam do poder
- ainda que relativo - de a mídia
pautar as discussões dos receptores.
A longo prazo, é esse jornalista
que será celebrado pelo próprio
jornal e pelo mercado de trabalho. Um conselho
de Chaparro é providencial (2001:25):
"nem
tudo é 'alma vendida' ou 'pena
alugada', no ambiente do jornalismo. Nas
redacções da imprensa regional,
como nas da grande imprensa, há
arquipélagos de dignidade, constituídos
por profissionais a quem os cantos e encantos
das sereias corruptoras não seduzem.
Nessas muitas ilhas estão as pessoas
que fazem a diferença, nas pequenas
como nas grandes coorporações".
(sic).
Os
conceitos acima relacionados de ética
e moral associados ao jornalismo como instrumento
de cidadania e do bem comum nasceram dos
ideais iluministas - que deram as bases
ideológicas e intelectuais da Revolução
Francesa -, foram resumidos na Declaração
Universal dos Direitos do Homem e são
referendados pelo Código de Ética
dos Jornalistas Brasileiros, que em seu
artigo 9º, alínea "e",
dispõe que é dever do jornalista
"Opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo
e à opressão, bem como defender
a Declaração" (2007).
O
jornalismo atual é diferente daquele
praticado em seus primórdios, na
Europa,
"quando
os jornais eram simplesmente uma extensão
das vontades do poder e o jornalismo era
o instrumento da oficialidade. Predominava
então não o conceito atual
de ética (princípios e valores
morais), mas a visão de ética
como etiqueta: os bons costumes, a educação,
a empolação como mandamento
maior. Bem ao gosto da aristocracia, já
que se trata de uma ética não-questionadora,
que não problematiza a realidade,
que não crítica o status
quo". (Bucci, 2002:09-10).
Hoje,
percebe-se a mesma situação
no jornalismo moderno. A história
se repete, a diferença é que
o poder mudou de figura, da aristocracia
para o mercado, que passou a determinar
a ética e a moral. A ética
foi reduzida a meras regras de manuais e
a moral da imprensa a um relacionamento
"educado" com as fontes. A etiqueta
é perniciosa ao criar no jornalismo,
como explica o jornalista Eugênio
Bucci: "um balé de sorrisos
e saudações que celebram a
autoridade posta" (2002:8).
Na
trilha dos Suplementos Viagem
e Folha Turismo
O
dilema ético enfrentado pelo jornalismo
na atualidade se apresenta explicitamente
nos Suplementos de Turismo:
Viagem - jornal, d'O Estado de
S.Paulo, e Folha Turismo,
da Folha de S.Paulo.
Suplemento
Viagem -
O Estado de S.Paulo
O
dia 19 de maio de 1960 marca o início
do Caderno Turismo d'O
Estado de S.Paulo, um mês após
o lançamento do caderno Viagens
e passeios da Folha de S.Paulo.
A periodicidade era semanal e a publicação,
às sextas-feiras. Eram duas páginas
dedicadas ao assunto e duas seções
de destaque: Tempo e Tábua das Marés.
O
caderno se tornou o atual Suplemento
Viagem, publicado às terças-feiras,
trazendo temas corriqueiros do Turismo,
pontos turísticos e seus respectivos
roteiros com as eventuais informações
de preços e localizações.
De herança, da época do caderno
de Turismo, continua a seção
Tábua das Marés. "E
que ninguém tente tirá-la
da publicação. Uma vez que
ela saiu publicada errada foram tantos telefonemas
que não conseguíamos fazer
nada", explica a editora do Suplemento,
Viviane Kulczynski [4].
O
número de páginas do Suplemento
varia entre 8 e 24. A capa geralmente tem
apenas uma chamada com uma foto grande e
efeitos gráficos. Em algumas exceções
aparecem duas chamadas pequeninas em cima
na capa.
Como
são dois cadernos, a variação
acontece do seguinte modo: quando a capa
é internacional, o primeiro caderno
dá continuidade ao tema; e o segundo,
conseqüentemente, é nacional
e vice-versa.
Na
página dois está a coluna
Espaço Aberto, onde são
publicados artigos de profissionais do Turismo,
empresários do setor, acadêmicos
de Turismo e políticos envolvidos
com o assunto. "Essas pessoas não
são colaboradores. O
Espaço Aberto traz a opinião
da pessoa. Não é uma verdade
nem opinião do jornal", relata
a editora. Os artigos são enviados
via internet e aguardam numa fila a vez
da publicação. Só em
casos específicos a publicação
é antecipada: como um artigo que
tenha alguma relação com uma
matéria publicada na semana ou a
saída de representante de órgão
turístico.
O
Viagem tem ainda as seções
fixas de notas como Via Modem (pág.
3) - traz informações de buscas
na internet de sites de Turismo;
Volta ao Mundo (pág. 3) -
notícias sobre exposições
de arte e shows artísticos em nível
mundial; Sonho Americano (pág.
3) - as últimas novidades dos norte-americanos
no mundo do Turismo; Tour
(pág. 2) - congressos, encontros,
simpósios do setor de Turismo,
como também as eventuais oscilações
do mercado; Check-in (pág.
8) - notícias relâmpagos sobre
destinos turísticos brasileiros;
Aventura - informações
de lugares propícios à prática
do Turismo de adrenalina através
de pacotes de operadoras; O Melhor de...
(sem página certa), shows artísticos
nas principais capitais brasileiras. Com
exceção das três primeiras
seções, as páginas
dos demais oscilam de edição
para edição.
Quanto
aos anúncios, eles são de
operadoras que anunciam pacotes, destinos
turísticos nacionais e internacionais.
Chegam a ocupar uma página inteira.
Além dessas informações,
os Suplementos publicam anúncios
de hotéis, geralmente do interior,
numa seção dedicada somente
a eles.
As
pautas do Suplemento, segundo a editora,
são decididas através do entrosamento
com o mercado. Os leitores geralmente não
mandam sugestões de pautas. Há
releases, [5] mas como trazem apenas
pacotes, são desconsiderados na maioria
das vezes. Os repórteres são
obrigados a "comer muito" para
descobrir pontos turísticos de interesse
do leitor, conta Kulczynski. Os almoços
com operadores de Turismo são
considerados a maneira ideal para saber
os destinos mais procurados e os pacotes
de sucesso. Outra fonte declarada para as
pautas são as conversas informais,
com hóspedes, nas viagens dos repórteres.
Definidas
as pautas do Suplemento Viagem,
duas opções são postas
no tabuleiro: se já existe convite
para o destino turístico, o repórter
viaja imediatamente; se não, a editora
liga e vai atrás para pedir patrocínio.
Tais atos justificam-se pela falta de orçamento
do jornal para cobrir as viagens, de acordo
com os profissionais entrevistados. "O
nosso orçamento não nos permite
bancar as viagens, a não ser que
seja dentro do estado de São Paulo.
O jornal dá apenas uma verba para
a alimentação, para a compra
de um livro, caso seja necessário
para incrementar a matéria pedida.
Mas isso não significa dizer que
os organizadores de pontos turísticos
pautem o Suplemento Viagem",
esclarece, Kulczynski.
O
aparente vínculo com o mercado recebe
a seguinte justificativa da editora do Suplemento.
Segundo ela, "o mercado já sabe
que convidar não significa publicar,
muito menos falar bem". E se o repórter
for para o lugar e este não for relevante,
ele não escreve nada. O jornal tem
uma política bem definida na questão
"falar mal": "O nosso espaço
é precioso. Se você é
cheia de lugares bacanas para recomendar
ao turista para o período sagrado
ou de folga maior, porque você vai
perder este mesmo espaço precioso
[...] para dizer para onde ele não
pode ir? [...] Uma matéria inteira
para você dizer que o lugar não
vale a pena, é perda de tempo para
o leitor", defende a editora.
Quanto
à publicidade, a editora é
enfática: "nunca nos pautou
e não vai nos pautar". Segundo
ela, a editoria recebe do setor comercial
apenas a indicação de qual
espaço será destinado ao texto
e qual à publicidade.
Normalmente,
a editora não sabe o que está
em cada página. "Há páginas
com 70% de comercial, 60% e 50% e outras
com 100%. Eventualmente, acontece do anúncio
derrubar uma matéria. Não
é o ideal, mas, infelizmente, é
isso que a empresa quer", explica.
Os
anúncios também são
sazonais, meses como dezembro e janeiro
são os mais procurados. Existem ainda
os contratos de publicidade de longo prazo,
a exemplo do que foi selado com a empresa
Stella Barros, que reservou a capa principal
durante três anos; com a Sigma, que
possui o controle da capa do segundo caderno.
Há uma norma ética do jornal,
segundo a qual dois concorrentes não
podem ser colocados numa mesma página.
O
Suplemento Viagem tem uma
linha editorial que optou pelas matérias
mais curtas em detrimento das longas. "Nós
não podemos e nem temos a intenção
de ser uma enciclopédia para o leitor.
Não dá para despejar conteúdo",
declara Kulczynski. O texto tem um objetivo
claro: satisfazer o desejo de informação
do leitor sobre determinado lugar. Por isso,
os repórteres têm uma semana
para escrever.
Entretanto,
a escrita deve resguardar alguns princípios,
como buscar sempre a fidelidade das informações,
porque "não se pode esquecer
que alguém vai conferir todas as
dicas e dados descritos na matéria",
completa a editora.
Além
do texto, outra preocupação
nos Suplementos é o visual.
As fotos, infográficos, mapas e artes
recebem atenção especial.
Os aspectos visuais vêm despertando
análises que os identificam como
uma narrativa que enseja sentidos à
trama da enunciação jornalística.
Conforme explica Kulczynski, as fotos, muitas
vezes, não têm a qualidade
desejável e a disputa com a publicidade
é grande, o que faz com que a sua
organização siga determinadas
regras, tendo preponderância a harmonia
e o equilíbrio.
As
informações sobre orientação
a turistas, bem como preços e pacotes
são postas, geralmente, num infográfico
ou tabela para evitar que fiquem gravitando
no texto.
As
características do texto e da diagramação
no Suplemento Viagem visam
satisfazer as preferências do público-leitor.
Elas foram identificadas numa pesquisa feita
pela Marplan, na Grande São Paulo,
e apontam que 51% dos leitores são
mulheres, 49% são homens; a idade
varia de 39 a 50 anos; são universitários
ou já formados; são das classes
A e B, ou seja, têm alto poder aquisitivo;
possuem internet no domicílio e são
adeptos da literatura.
Isso
significa, segundo Kulczynski, que o público
é exigente, quer uma matéria
enriquecida que traga uma apuração
refinada, dicas de filmes e livros para
ver ou ler em casa.
Suplemento
Folha Turismo
- Folha de S.Paulo
A
Folha de S.Paulo lançou o
seu caderno "Viagens e Passeios"
em 4 de dezembro de 1959. A periodicidade
também era semanal e a circulação
às sextas-feiras. O caderno possuía
no lado esquerdo uma coluna com notícias
curtas sobre curiosidades de destinos turísticos,
feiras culturais e, principalmente, dados
sobre as estradas interestaduais paulistanas.
Do lado direito, matérias sobre lugares
interessantes para férias na região
sudeste como um todo. O caderno ora se restringia
a uma página, ora a duas. Só
depois de nove anos, em 1968, foi criado
o Suplemento Cadernos de Turismo.
Atualmente,
a denominação caderno caiu
e o nome é Folha Turismo,
publicado às segundas-feiras. Basicamente,
a proposta do Suplemento é
oferecer sugestões de destinos e
roteiros que vêm acompanhados de informações
detalhadas sobre aspectos operacionais de
viagens como: custos, meios de hospedagem,
alimentação, passeios e serviços
turísticos.
O
Folha Turismo tem geralmente
de 8 a 18 páginas, com dois cadernos:
um é nacional e o outro, internacional.
A capa tem duas chamadas: uma principal
com fotos, texto e efeitos da diagramação;
e outra, pequena, de apenas uma frase. Há
dois tipos de seção fixa:
a de notas, chamada Panorâmica, que
traz notícias sobre empresas do setor
e as novidades dos destinos turísticos;
e a coluna do político Fernando Gabeira,
que tem liberdade para escrever temas de
Turismo e outros que lhe são
convenientes.
Os
anúncios são de operadoras
que anunciam pacotes, destinos turísticos,
nacionais e internacionais, que competem
com as matérias e chegam, às
vezes, a ocupar páginas inteiras.
A exemplo do Suplemento Viagem,
possui uma seção dedicada
aos anúncios de hotéis. Apesar
de a edição ser semanal, o
trabalho na redação é
sempre intenso.
Todos
os dias o trabalho começa às
14 horas e não tem horário
certo para acabar. As reuniões de
pautas são realizadas às segundas-feiras.
Segundo Sílvio Ciofi [6], editor
do Suplemento, nela [a reunião]
"é examinado o que está
acontecendo, o que tem nas outras editorias
que pode ser usado como matéria.
É identificado o que é mais
'momentoso' e, assim, decidida a pauta".
Ainda na segunda-feira são buscadas
informações para as matérias;
na terça-feira são feitas
as últimas conexões para viabilizá-la
(pesquisas em fontes como internet, livros
e arquivos da própria Folha).
Há
verificação das fotos existentes
para ilustrar a matéria. Silvio relata
que mais de 400 hotéis e agências
são consultados sobre pacotes e preços
de estada para inclusão na pauta.
Na quarta-feira é feito o espelho
com o espaço destinado ao texto e
à publicidade. É então
rabiscado o esboço do Suplemento.
A quinta e a sexta-feira são reservadas
para o fechamento. A primeira página
é de responsabilidade do editor e
do designer de arte. As demais ficam
a cargo do diagramador.
O
Suplemento Folha Turismo
prefere tratar dos temas com profundidade
- é o que eles chamam de edição
monotemática. São muitas páginas
dedicadas a um destino turístico.
Como explica Ciofi: "assim, é
mais fácil fazer justiça para
um grande tema, se você agregar valor".
Um exemplo é a matéria "Copacabana,
Bolívia", do dia 10 de dezembro
de 2001, que teve seis páginas.
Quanto
à forma do texto e às fotos,
o Suplemento segue alguns parâmetros:
os indicadores da pesquisa Data-Dia,
realizada semanalmente, com cerca de 200
leitores do jornal a Folha de S.Paulo.
Com base nas respostas do que os leitores
mais gostam, são trabalhados o texto
e as fotos.
A
diagramação final só
apresenta um problema: a publicidade que
também disputa lugar com o texto,
fato também ocorrido com o Suplemento
Viagem do O Estado de S.Paulo.
Para Ciofi, a proporção ideal
seria de 50% para cada. Mas isso, normalmente,
não acontece. O espaço fica
muito recortado e resta ao editor a tarefa
de diagramar um espaço com muita
publicidade.
Sobre
a influência que esta teria nas matérias,
ele descarta totalmente tal possibilidade.
"O repórter ao viajar para lugar
ruim não tem obrigação
de escrever a matéria, mesmo a Viagem
sendo um convite". E os convites são
recebidos segundo alguns parâmetros:
"o patrocinador é citado na
matéria principal e os concorrentes
saem publicados na seção de
serviço".
Os
Suplementos e o mercado
Em
pesquisa [7] realizada para a dissertação
de mestrado "O gênero e mercado
nos Suplementos de Turismo
dos jornais Folha de S.Paulo e O
Estado de S.Paulo" (Carvalho, 2003)
foi identificada uma dependência entre
o jornalismo dos Suplementos de Turismo
e o mercado. Por meio de uma pesquisa quantitativa
e qualitativa, nos Suplementos da
Folha de S.Paulo (Folha Turismo)
e d'O Estado de S.Paulo (Viagem),
com 13 edições do jornal FSP
e 12 do OESP [8], equivalendo a cerca
de 24% do universo total das publicações
anuais desses veículos, foi constatada
essa relação. Foram analisadas
168 páginas (área de 268.741,2
cm2) de impressos da Folha
e as 206 páginas (ou 328.547,34 cm2)
do Estadão.
Os
resultados da pesquisa apontam que no Suplemento
Viagem (OESP), das 12 edições
analisadas, 11 tiveram suas matérias
de capa patrocinadas por empresas do setor
de Turismo, cinco delas possuindo
entre 5 e 6 páginas, ou praticamente
70% do espaço jornalístico
da edição. Dessas 11, sete
das publicações também
tinham a segunda matéria bancada
por terceiros. Do total analisado, somente
um Suplemento não tinha uma
matéria com o patrocinador divulgado
como responsável pelas despesas de
reportagem, levando a crer que estava livre
de patrocínio.
A
editora do Suplemento Viagem,
Viviane Kulczynski, revela que a exposição
do nome do patrocinador daria uma visão
contrária à publicidade.
"Se
damos o nome no final da matéria,
significa que estamos dando ao nosso leitor
a oportunidade de saber quem nos patrocinou.
Ele poderá observar, como normalmente
acontece, que não falamos só
bem do lugar que viajamos".
Os
espaços destinados à publicidade
ultrapassaram o do jornalismo nos meses
de dezembro e janeiro, respectivamente 68%
(70.141,09 cm2) e 79% (79.044,13
cm2), e o jornalismo ficou com
32% (39.374,69 cm2) e 31% (30.471,65
cm2). Somente em fevereiro, ao
obter 54% (59.980,92 cm2), o jornalismo
passou à frente da publicidade, que
ficou com 46% (49.534,86 cm2) da
área total do Suplemento.
Quanto
ao Folha Turismo, a pesquisa
identificou nas 13 edições
pesquisadas, que 11 matérias de capa
eram patrocinadas, das quais seis reportagens
ocupavam entre 5 e 6 páginas das
suas respectivas edições.
Dessas
11, seis tinham a segunda reportagem também
paga por anunciantes. Uma das matérias
foi produzida por um jornalista free-lancer
e apenas uma matéria de capa
não tinha sido bancada pelo setor
de Turismo.
Em
relação ao espaço dedicado
à publicidade e ao jornalismo, a
pesquisa identificou que no mês de
dezembro 59% (53.258,96 cm2) do
espaço era da publicidade e 41% (38.454,3
cm2) do jornalismo. Em janeiro,
os anúncios ficaram com 55% (51.896,91
cm2) e as demais informações
jornalísticas com 45% (39.816,35
cm2). No último mês
pesquisado, fevereiro, foi verificado que
64% (60.625,66 cm2) eram do jornalismo
e a publicidade teve seu espaço reduzido
para 36% (31.087,6 cm2).
Há
diferenças quantitativas entre os
dois jornais em termos de publicidade. O
jornal O Estado de S.Paulo tem mais
anúncios comerciais que a Folha
de S.Paulo. No Estadão,
de um total pesquisado de 328.547,34 cm2,
60% são destinados aos comerciais.
Na Folha, de 275.139,8 cm2,
50% são dedicados à publicidade.
No Estadão, o Suplemento
de Turismo tem uma média de
8 a 24 páginas por edição;
a Folha, de 8 a 18, ou seja, o seu
Suplemento há menos páginas
e menos comerciais e reserva maiores espaços
às investigações jornalísticas;
no Estadão, paradoxalmente,
existe um maior número de comerciais
e de páginas, só que com menos
espaço reservado às matérias
jornalísticas.
A
ingerência do mercado, portanto, está
fortemente presente neste impresso. A quantidade
de comerciais em relação à
área total deixa claro que há
uma disputa entre o material jornalístico
e a publicidade.
Os
jornais, em ambos os casos, mais especificamente
no Estadão, mostram que os
Suplementos são chamarizes
para anúncios comerciais. O Estadão
mostra-se um veículo que prioriza
a mensagem-produto. A Folha, por
outro lado, se mostra mais equilibrada.
As
análises das 25 edições
dos Suplementos Viagem e Folha
Turismo demonstraram claramente
não só a adesão, mas
a completa submissão dos jornais
à lógica do mercado e do consumo.
Praticamente todas as decisões nos
Suplementos são influenciadas
pelo setor turístico. As viagens
e estadias dos repórteres nos destinos
turísticos são patrocinadas
por instituições públicas
e privadas em ambos os jornais.
Cinco
pecados jornalísticos
A
presente pesquisa aponta uma atrelagem de
95% do jornalismo aos patrocinadores do
setor turístico - público
e privado - e ainda a prática de
publicidade e propaganda nas matérias
jornalísticas. O resultado leva à
reflexão a respeito da natureza dos
Suplementos serem ou não jornalismo.
Se
pensarmos o jornalismo como nos propõe
o Código de Ética dos Jornalistas,
que o relaciona com o universo dos valores
humanistas e compromissados com o bem comum,
verificamos que os Suplementos assim
não se configuram.
Os
Suplementos de Turismo (Turismo,
Folha de S.Paulo e Viagem,
d'O Estado de S.Paulo) são
os representantes dessa realidade, os quais
se apresentam em forma de jornalismo. A
ética é renegada em nome de
um mercado que garante a receita publicitária
do jornal. Ou melhor, o Suplemento
já foi recriado (como mostramos nos
itens anteriores) com o intuito de satisfazer
os interesses de empresas: vender. Os atentados
éticos se transfiguram no que denominados
de cinco pecados jornalísticos:
1.
Culto às pautas de pontos turísticos
patrocinadores;
2. Exclusão de pontos turísticos
de não-patrocinadores;
3. Jornalismo-propaganda;
4. Prioridade dos anúncios em detrimento
das matérias;
5. Excesso de relato ao comentário.
O
culto às pautas dos pontos turísticos
patrocinadores é um atentando
explícito à desejável
ética jornalística, que não
prevê compromissos, como os de ordem
mercadológica, como os que se afiguram
no caso abordado. A questão que fica
implícita é como praticar
a isenção jornalística
se a matéria está atrelada
a um agente externo. Como defender o interesse
do público leitor se existe um outro
interesse por trás da pauta, o de
fazer a divulgação de um ponto
turístico determinado?
O
eticamente correto no âmbito jornalístico
fica aqui configurado como meras convenções
de etiqueta, como define Eugênio Bucci
(2002:08). Em lugar de pagar as viagens
dos seus repórteres, o jornal cita
o nome dos seus patrocinadores no final
das matérias. A conduta jornalística
fica maculada ao "celebrar a autoridade
posta" de que Bucci trata.
O
jornal-empresa e os próprios jornalistas
têm uma desculpa preparada e bem adequada
aos interesses mercadológicos e profissionais.
Os primeiros alegam redução
de custos trazida pelas viagens patrocinadas.
Em decorrência, a outra justificativa
é o desemprego [9] entre jornalistas
que pode ser amenizado pela economia das
viagens. Os princípios Internacionais
da Ética Profissional dos Jornalistas
trazem o significado dessa consciência
pessoal do jornalista":
"Princípio
III: A responsabilidade social do jornalista
No jornalismo, a informação
é compreendida como bem social
e não como mercadoria, o que implica
que o jornalista comparte a responsabilidade
social pela informação divulgada,
e portanto, é responsável
não só diante dos que controlam
os meios de informação,
mas também, afinal, diante do público
em geral e seus diversos interesses sociais.
A responsabilidade social do jornalista
exige que atue, sob qualquer circunstância,
em conformidade com consciência
pessoal". (Karam, 1997:97).
A
exclusão proposital de pontos turísticos
que não patrocinam viagens é
outro desvio ético. Ao dar preferência
a uns em detrimento de outros, pautas que
poderiam ser interessantes, relevantes do
ponto de vista informativo, são excluídas
dos Suplementos.
Deste
modo, pontos turísticos atraentes,
mas desconhecidos ou com poucas empresas
e grande porte neles interessadas, perdem
um importante espaço de divulgação
na mídia - que deveria dar oportunidades,
em princípio, iguais para todos,
deixando a relevância jornalística
pesar. As palavras de Eugênio Bucci
sobre jornalismo de etiqueta bem cabem ao
fato, no que diz respeito ao que se esconde
nas alcovas (no caso, o restante do mercado
turístico que não faz parte
do rol das empresas patrocinadoras).
O
segundo pecado ético, o jornalismo-propaganda,
é uma conseqüência do
primeiro. As matérias patrocinadas
acabam virando propaganda dos pontos turísticos
pela maneira como são elaboradas:
Viagem em troca de divulgação.
Também é publicidade de graça
ao informar o nome do patrocinador. O que
temos, ética ou etiqueta? Bem, jornalistas
são empregados e seguem ordens. Como
a frase celebre diz é "preferível
ser um covarde vivo que um herói
morto".
Esse
tipo de "jornalismo" pode ser
de muita valia para as empresas que precisam
divulgar seus serviços, tendo em
vista que o material discursivo veiculado
por periódicos em forma de matéria
ou reportagem jornalística, em função
da natureza social dos jornais, normalmente
recebe do público maior crédito,
do que um texto assumidamente publicitário,
de propaganda.
Tanto
é assim, que um expediente relativamente
comum hoje é a publicação
em periódicos - notadamente revistas
- de anúncios com formatação
de reportagem ou matéria jornalística,
seja para iludir o leitor incauto que não
se aperceba da publicidade ali contida ou
simplesmente não leia a declaração
obrigatória "informe publicitário",
seja para fazer uso do tom de seriedade
e informativo que a linguagem jornalística
pode proporcionar.
O
conflito entre o espaço do texto
e da publicidade não pode passar
ao largo de uma reflexão ética.
Se os Suplementos fazem jornalismo,
não devem priorizar a divulgação,
mas sim assegurar espaço às
matérias de fato, sob pena de ficarem
vinculados ao mercado, no caso o da publicidade.
Os
editores do Turismo, Folha de
S.Paulo e do Viagem d'O Estado
de S.Paulo, Viviane Kulczynski e Silvio
Cioffi, confessaram que por diversas vezes
foram obrigados a reduzir boas matérias
para dar lugar a anúncios nas páginas
de seus respectivos Suplementos.
Pode-se constatar o fato ao olhar os Suplementos
de Turismo, nos quais algumas matérias
ficam exprimidas nos espaços que
sobram após a ocupação
pela publicidade.
Os
Suplementos produzem abertamente
a argumentação de uma fonte,
como numa propaganda. As técnicas
de apuração podem até
ser similares a qualquer editoria, mas o
seu atrelamento ao patrocínio das
empresas do setor turístico e número
acentuado de publicidade nas páginas
denotam uma proposta de persuasão.
O que não pode acontecer é
a propaganda e a publicidade serem o objetivo
direto e principal do jornalismo: "O
jornalista não deve ter medo da propaganda
[nem da publicidade]. Mas não pode
assumir, menos ainda aceitar, a intenção
de fazê-la" (Cf. Chaparro, 1998:129).
O
excesso de relato ao comentário
[10] não é um problema essencialmente
ético, mas traz implícita
a questão ética. Uma vez que
o jornalismo é uma atividade formadora
de opinião e como tal precisa fornecer
subsídios para que o leitor análise
e forme seu ponto de vista. O jornalismo
dos Suplementos de Turismo
apresenta-se como lúdico e paradisíaco,
ao informar apenas sobre opções
de pontos turísticos e pacotes, por
exemplo.
Há
uma valorização excessiva
da abordagem de relato em detrimento de
comentários, os quais poderiam formar
opiniões mais sólidas sobre
locais de férias. Por exemplo, seria
interessante que os repórteres disfarçados
de turistas fossem aos locais e além
de verificar as condições
do ponto do turístico e da infra-estrutura,
verificassem o quanto os empreendimentos
afetam a vida da população,
se não estão poluindo a natureza
e assim por diante.
Dessa
forma, o turista estaria consciente que
ao fazer Turismo não estará
destruindo a natureza ou contribuindo para
o aumento da pobreza de uma população
(geralmente as cidades que viraram ponto
turístico tiveram o custo de vida
superfaturado e quem paga mais caro por
isso é a população
mais pobre). As observações
do estudioso de Turismo, C. A. Gunn,
estão de acordo: "falta um jornalismo
crítico e atuante no setor de Turismo"
(Cf. Gunn, 1988:208).
Os
Suplementos Folha Turismo
e Viagem d'O Estado de S.Paulo
têm colunas de opinião. O primeiro
tem um colunista fixo, o deputado federal
Fernando Gabeira, que aparentemente é
livre para dar a sua opinião sobre
temas relacionados ao Turismo e outros
assuntos que possam lhe interessar.
O
segundo é aberto a pessoas ligadas
ao Turismo, profissionais do setor,
acadêmicos e políticos ligados
ao Turismo. Em forma de artigo eles
dão a sua opinião. A crítica
é que Gabeira não é
um especialista em Turismo; portanto,
suas opiniões contribuem, mas não
influenciam numa discussão mais profunda
sobre o Turismo. Na outra, o espaço
é aberto, mas será que todos
os artigos enviados serão publicados?
É uma pergunta que a editoria do
Viagem não respondeu.
O
jornalismo de etiqueta prevalece sobre o
jornalismo ético nos Suplementos
de Turismo. Os fins parecem justificar
os meios e a intenção confronta-se
com os resultados, o que é um equívoco
porque a tão almejada credibilidade
que os jornalistas da área buscam
passa necessariamente por um jornalismo
independente. Se um político patrocinasse
a Viagem de um repórter para
escrever sobre ele, com certeza seria um
escândalo no jornalismo político.
Por que então no jornalismo turístico
isso tem que ser encarado com naturalidade?
Notas
[1]
O termo mais atual no Brasil é "publijornalismo",
definido por Alcino Leite Neto, que incorpora
mecanismos da publicidade e do entretenimento
jornalismo impresso. (Moretzsohn, 2007).
[2]
Idem.
[3]
Agenda-setting, cuja tradução
do inglês poderia ser algo como o
processo de "configuração
da agenda", se baseia na hipótese
de que os indivíduos selecionam,
escolhem (agendam) os assuntos de suas conversas
e discussões em função
do que é veiculado pelos meios de
comunicação de massa (Colling,
2001). Segundo Bernard Cohen, citado por
Colling (2001), "a imprensa pode, na
maior parte das vezes, não conseguir
dizer às pessoas como pensar, mas
tem, no entanto, uma capacidade espantosa
para dizer (...) sobre o que pensar".
Mas há quem entenda que os media
não só têm o poder de
pautar nossas conversas e discussões,
mas também o de direcionar o modo
como devemos fazer a leitura dos fatos selecionados
pelo agenda-setting, por meio do
modo como abordam tais fatos; é isso
o que se denomina framing - "enquadramento"
em inglês.
[4]
Entrevista concedida à pesquisadora
em novembro de 2001.
[5]
Material de divulgação produzido
para servir de agenda para a mídia.
É escrito na forma jornalística,
embora não tenha a pretensão
de ser utilizado como texto, mas como suporte
de análise, investigação,
interpretação, opinião.
Para ser valorizado não pode ser
escrito em qualquer situação,
mas quando ocorre um fato de real interesse
jornalístico ou quando há
um interesse específico entre o assessorado
e o jornalista. O release ou relise
deve pautar-se pela qualidade, ou seja,
pelo valor das informações
apresentadas e não pela forma como
são apresentadas.
[6]
Entrevista concedida à pesquisadora
em outubro de 2001.
[7]
Pesquisa realizada para a dissertação
de mestrado "O gênero e mercado
nos Suplementos de Turismo
dos jornais Folha de S.Paulo e O
Estado de S.Paulo", defendida em
28abr2003.
[8]
A edição de 17jan2002 não
foi publicada por problema técnico.
[9]
No segundo semestre de 2002, de um universo
de 14.375 jornalistas no Estado de São
Paulo, 3.600 estavam desempregados, 7.472
estavam empregados com carteiras assinada,
590 estavam no setor público, 945
trabalham em portais, 1.420 eram empresários
de comunicação - assessorias,
355 free-lancer. Os dados foram fornecidos
pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado
de São Paulo, que verifica o mercado
de trabalho de seis em seis meses com os
números do Ministério o Trabalho.
[10]
Define de gênero de Chaparro (1998):
relato, espécies narrativas (reportagem,
entrevista, notícia e coluna) e práticas
informação (Roteiros, indicadores,
agendamentos, previsão de tempo,
cartas-consulta, orientações
úteis); comentário, espécie
argumentativa (artigo, crônicas, cartas
e colunas).
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ética e política no espaço
público. São Paulo: Brasiliense,
1986.
BERNARDO,
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de São de Paulo, 1993.
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São Paulo: Companhia das Letras,
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M. C. Sotaques d'aquém e d'além
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português e brasileiro. Santarém:
Jortejo Edições, 1998.
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Brasileiros. Disponível em: <http://www.fenaj.org.br/Leis/Codigo_de_Etica.htm>.
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A. Ética. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1987.
SHMUHL,
R. (Org.). As responsabilidades do Jornalismo.
Rio de Janeiro: Nórdica, 1984.
*Carmen
Carvalho é formada em Jornalismo
pela Universidade Federal de Roraima (UFRR),
mestre em Ciência da Comunicação
pela Universidade de São Paulo (USP),
professora da disciplina Oficina de Jornalismo
Impresso do curso de Comunicação/Jornalismo
da Uesb e editora da Revista Eletrônica
Cientificamente. Ronaldo Leite é
graduado em Comunicação Social
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
e Especialista em Gestão Estratégica
da Comunicação pela Faculdade
de Tecnologia e Ciências (FTC).
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