Novembro de 2011
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ISSN 1806-2776
 
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MONOGRAFIAS

Jornalismo e a transversalidade
da pauta socioambiental

Formação universitária, prática profissional, pesquisa, ensino e extensão

Por Dione O. Moura*

RESUMO

O texto aponta a transversalidade da pauta socioambiental. Propõe que mudanças estruturais no jornalismo (especialmente a alteração do perfil do público com a inserção das TICs, devem ser objeto de estudo também na compreensão do fenômeno. Reflete acerca dos motivos e das conseqüências da departamentalização da questão socioambiental sob os selos de jornalismo ambiental ou socioambiental.

Reprodução

Aponta que o risco tecnológico é um ponto de inflexão em um continuum  no qual quanto maior a quantidade de riscos (alerta para o futuro – algo pode acontecer) que se transformam em dano (risco concretizado – algo aconteceu), tanto mais se expande  e dinamiza a transversalidade da pauta socioambiental.

Defende a pertinência da formação em temas socioambientais na graduação em jornalismo, mas alerta para a necessidade de ampliar a atuação para além do ensino (extensão e pesquisa) e também para além da graduação (educação continuada formal e informal). Relata o cenário de pesquisas que tem desenvolvido, defende a pesquisa integrada em rede e aponta o estágio atual de alguns destes projetos de pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo/ Mudanças Estruturais/ Socioambiental

1. Apresentação [1]

O convite da professora Sônia Aguiar, da Universidade Federal de Sergipe, (UFS), Brasil, para compormos e inscrevermos uma mesa coordenada em torno da transversalidade da questão ambiental no jornalismo  não poderia ser mais oportuno. A SBPJor  traz, em suas  raízes, o propósito de fortalecer as redes de pesquisa (MOURA, 2004a) dos estudos em jornalismo, concebidos amplamente. E foi exatamente este convite formulado por Sônia que deu visibilidade a uma série de estudos de diversos autores e autoras que já haviam apresentado artigos na SBPJor, ou em outros fóruns científicos, e que viram mais uma ocasião de colocar as reflexões lado a lado, em um salutar debate acadêmico. Agora com um olhar mais pausado e pautado tanto em experiências de pesquisas realizadas, quanto no alvorecer de novas perspectivas.

Entre a apresentação no Congresso da SBPJor 2010 e a submissão à Revista Estudos em Comunicação, um fato de impacto mundial reacendeu os debates sobre a questão do risco tecnológico - o terremoto no arquipélago do Japão.  Transcorrido em 10 de março de 2011, o terremoto, seguido de réplicas, de Tsunami e de abalos nas usinas nucleares, retornou à agenda pública internacional os temas da Sociedade de Risco (BECK, 2010). Ocorrido um quarto de século após o acidente nuclear em Chernobyl, atual Ucrânia, os fatos do Japão promoveram instantânea comoção pública (EUROPEAN UNION, 2011)  e reforçaram  as fileiras de crítica, resistência ou prevenção quanto ao emprego da energia nuclear.

A formação profissional, a atuação profissional, em qualquer área, e não seria diferente no jornalismo, precisam  dialogar com os temas e desafios do seu tempo. Isso também ocorre no triângulo jornalismo, temática socioambiental e riscos advindos de implementações tecnológicas, vide a questão da energia nuclear. E, também, ecoa, com certeza, no desenho da transversalidade da pauta socioambiental. o risco tecnológico é um ponto de inflexão em um  continuum  no qual quanto maior a quantidade de riscos (alerta para o futuro – algo pode acontecer) que se transformam em dano (risco concretizado – algo aconteceu), tanto mais se expande  e dinamiza a transversalidade da pauta socioambiental. Sendo assim, o cenário de risco é uma variável que acentua a transversalidade da pauta socioambiental.

2. Formação superior

A formação superior do profissional de comunicação de jornalismo no Brasil segue o modelo do currículo mínimo propugnado pelo Conselho Federal de Educação (CFE), Ministério da Educação e Cultura (MEC), Brasil, em 1984. O currículo mínimo, com a ideia de uma formação central que deixa margens de formação complementar para o estudante, acaba por não oferecer, via de regra, as formações, que, por força das divisões dos campos de saber, acabam  por ser tratadas como especializadas - política, economia, cultura, etnicidade, gênero e, ainda em menor grau de presença, meio ambiente.

Política, economia, cultura, etnicidade, gênero e meio ambiente não seriam inter ou transdisciplinares? São, diríamos de forma definitiva, não soubéssemos de como um longo processo dissociou, fracionou, por fim, departamentalizou os campos de conhecimento (BOURDIEU, 2001).

Daí, afirmamos, jornalismo e meio ambiente parecerem tão estranhos que precisem ser reapresentados entre si e batizados como um terceiro ser – jornalismo ambiental, ou socioambiental; como uma terceira área – estudos sobre comunicação e meio ambiente, comunicação e sustentabilidade, comunicação de risco e subáreas correlatas.

Estratégias discursivas necessárias, por isso, válidas, para abrir uma interlocução. É como se mesmo convictos da transversalidade da questão socioambiental no jornalismo, tivéssemos que isolá-la, para efeitos de torná-la perceptível, sob os selos já citados [2].

Senão, vejamos. Considerando que os campos de conhecimento não tivessem se constituído neste modelo fracionador, o modus operandi do campo (ou subcampo) do jornalismo teria alguma forma de diálogo mais aproximada do modus operandi do campo (ou subcampo) dos profissionais de ecologia, estudos em sustentabilidade, dos ambientalistas etc. Mas não é o que ocorre, salvo as ações de agendamento - uma área em busca de sensibilizar a outra. Por vezes, isto ocorre de forma dialógica e resulta em um processo feliz. Por vezes, os atores, campos e subcampos permanecem isolados em suas trincheiras discursivas.

Uma parte da resistência em incorporar a área ou subárea, como preferir, ou ainda, a questão socioambiental no currículo dos cursos de jornalismo, especialmente, pode estar relacionada a esta divisão de subcampos. Sem pretensão de esgotar os fatores motivadores desta tensão, apontamos que tais divisões históricas dos campos de conhecimento devem ser consideradas na condução do debate. Embora tenhamos outros fatores limitadores – como o quantitativo de docentes nas instituições e a sobrecarga dos mesmos com inúmeras tarefas que podem ser obstáculos à abertura de novas áreas e temáticas em sala de aula e nos projetos.

De toda forma, a problemática socioambiental já tem demandado mais profissionais qualificados no Brasil (bem balizados nesta problemática) do que o quantitativo que os cursos de graduação têm sido capazes de formar. Esse mercado é representado principalmente por assessorias de comunicação, assessoramentos de ações comunitárias, técnicas ou científicas em projetos de sustentabilidade e, em menor medida, pela mídia especializada no socioambiental.

Desde a criação da institucionalização da formação superior no ensino de comunicação no Brasil (Decreto Lei  5.480, de 1943) até a decisão do Superior Tribunal Federal (STF), em caráter provisório, pela inconstitucionalidade (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2010) da exigência do diploma de jornalismo e registro profissional no Ministério do Trabalho  para exercício profissional em jornalismo, em  junho de 2010, muitas transformações têm ocorrido na prática do jornalismo no Brasil, assim como no ensino de jornalismo. A formação profissional superior em Comunicação no Brasil envolve diversos aspectos diretrizes (MENDES, 1999;); e é perpassada, atualmente, pelo debate em torno das  novas diretrizes curriculares ( MOURA, 2001; FEDERAÇÃO NACIONAL DE JORNALISTAS, 2002; MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2009), contudo tais transformações têm tido pouco impacto na especificidade do lugar da formação profissional em jornalismo no que diz respeito à transversalidade da questão socioambiental.

Não é o caso de se exigir, ou propugnar, que amplos debates sobre a formação profissional, identidade e sociologia das profissões se detivessem sobre o nicho socioambiental, por mais transversal que o tema seja. Mas, mesmo que não seja uma tarefa para o debate ampliado, a pauta socioambiental permanece desafiante e desafiadora para a formação, a prática profissional e a pesquisa em jornalismo.

3. Segmentação

Um benefício imediato da segmentação da cobertura jornalística (seja socioambiental ou de temas da cultura, etnicidade, política, gênero, economia) é a facilidade de venda de espaço publicitário pela empresa de comunicação. Isso afeta, com maior ou menor intensidade, a viabilidade da cobertura jornalística. Espaço publicitário, em meio impresso, eletrônico ou outro, significa viabilizar um caderno especial ou a produção de uma reportagem em série. Poderia, e deveria, ser diferente, não estivesse o espaço destinado à cobertura jornalística tão atrelado ao financiamento do veículo.

Não estamos dizendo que é algo pontual, não que a cobertura de um tema seja condicionada à presença de anunciantes. Mas o contrário acontece, quer dizer, a abertura de um caderno especial eventual, ou a ‘capa’ de um caderno ter um anúncio associado a uma efeméride, exemplo “dia da água”, como aconteceu em diversos jornais de circulação nacional no Brasil no ano de 2010. Esta relação entre o anúncio e a necessidade da empresa jornalística de ter anunciantes parece o desenho de um labirinto no qual se pergunta – sem resposta – acerca de quem nasceu primeiro.

Tal caráter sinuoso da questão favorece a imobilidade, logo impede a reflexão ao deixar entender que não há muito que fazer. Se futebol é uma caixinha de surpresas, jornalismo é assim mesmo e não se fala mais nisso, diriam alguns. Mas se observarmos a rotina, o ordenamento em que surgem alguns cadernos especiais, assim como o aumento de propaganda com temática socioambiental associada ao aumento da cobertura jornalística correspondente, é possível perceber que há uma relação mais do que ocasional entre estes fenômenos.

Já documentamos, em mais de uma ocasião (MOURA, 2004b; MOURA & GONÇALVES, 2010), e continuamos a considerar que é apropriado, o raciocínio de que a visibilidade crescente da pauta socioambiental na mídia está associada à também crescente conscientização da opinião pública sobre o tema. É isto. Mas é fato também que neste mesmo movimento de crescente conscientização tomaram carona diversas empresas sob o manto do discurso da responsabilidade socioambiental. Manto que pode ser um compromisso ético da empresa, como pode não ser.

Contudo, ainda que não seja um compromisso ético, poderá a empresa vender uma imagem de ‘ecologicamente correta’, ‘socioambientalmente responsável’ ou coisa que o valha. E poderá anunciar produtos, serviços, processos sob este selo. Anúncio este que pode aumentar a circulação (interatividade em acesso  e distribuição) de determinado meio, por sua vez, aumentar o público de leitores/espectadores/usuários internautas em torno do conteúdo socioambiental. Diversos autores já delinearam de modo muito apropriado a questão do consumo/ cidadania e sociedade de consumo (CANCLINI, 1999; BARBOSA, 2004), não é nosso foco no presente artigo, mas vale lembrar que esta relação consumo/meio ambiente/circuito empresarial acaba por impactar a cobertura (quantitativo de matérias, visibilidade da pauta, anunciantes disponíveis).

Como dito anteriormente, defendo a existência de formações mais verticalizadas, mesmo que não sejam em disciplinas ou projetos específicos. Esta formação verticalizada pode ocorrer, por exemplo, na produção de pautas jornalísticas em disciplinas de telejornalismo, webjornalismo, radiojornalismo etc. Em apurações jornalísticas que preparem para a cobertura jornalística da pauta socioambiental, com abordagens mais aprofundadas. Porém ainda temos que ponderar que há limites na preparação transcorrida durante a graduação, para uma cobertura da temática socioambiental que se estenderá após a graduação.

4. Educação continuada formal e informal

A prática jornalística, ao editar a realidade (separar dentre os fatos sociais o que é ou não notícia, dentre estas as mais relevantes), o faz ao recortar e destacar um elemento, ou série de fatos, pessoas e perspectivas de um conjunto de ‘n’ fatos, pessoas e perspectivas. E o faz, ilustra a teoria da notícia, segundo o gabarito de um valor-notícia mais ou menos explícito. Recortar é trazer algo incompleto – embora possa ser de maior ou menor incompletude, uma parte abstraída do todo. Por mais cuidadoso que seja esse recorte, traz uma marca de incompletude inerente ao seu processo de produção. E neste cenário impõe-se a conveniência do jornalista profissional em manter sua formação, continuada, após o período de graduação.

É certo que o jornalista profissional ganha em maturidade se ele conhece, em sua formação de graduação (e estamos aqui tratando da formação nos cursos superiores de jornalismo no cenário brasileiro). Por outro lado, o cotidiano que se estende após a outorga de grau é de uma dinamicidade infinita. O que significa dizer que nem mesmo uma graduação que possua uma sólida formação na compreensão da transversalidade da questão socioambiental dará conta dos desafios (renovados continuamente) que são enfrentados pelo jornalista profissional.

Não estou a desmotivar esta formação, tanto pelo contrário, pois também atuo nesta arena no âmbito de nossos projetos de ensino (disciplina Oficina de Jornalismo e Tópicos com ênfase em jornalismo ambiental), pesquisa (em iniciação científica, conclusão de curso, mestrado e doutorado) e extensão desenvolvidos na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, em especial o que está em vigor, aprovado no Edital PIBEX UnB/2010.

A trilha já percorrida nos projetos citados, assim como a observação direta ou por meio de relatos de pesquisa sobre tipo de ação formadora desenvolvida em outras faculdades brasileiras, apresenta resultados bastante concretos que asseguram a pertinência desta formação socioambiental durante a graduação. Diversos profissionais que participaram destes grupos de pesquisa, ao concluírem a graduação, têm mantido uma prática profissional na qual a pauta socioambiental recebe um lugar de destaque. Acabam  por produzir uma cobertura mais qualificada ou criam práticas e produtos de comunicação com presença evidente da temática socioambiental.

O que afirmo, complementarmente, é que, durante sua vivência posterior à graduação, esse profissional jornalista será instado a permanecer atualizando-se sobre o complexo dos temas socioambientais, os vieses políticos, culturais, sociais, históricos da questão.  Atualização que pode acontecer por meio da educação continuada nos espaços de pós-graduação, pouco oferecidos, e de cursos de extensão, oferecidos em maior volume, mas aquém das necessidades, ou por meio da educação continuada informal. Esta última se daria em dinâmicas próprias engendradas pelo profissional por meio de leituras, seminários e oficinas e também em interação com redes sociais (presenciais ou no espaço virtual) - tendo a rede de jornalistas ambientais como um ótimo exemplo.

Este processo permanente de educação continuada, formal ou informal, quando possível de ser realizado, permite ou propicia que o jornalista profissional lance um olhar inquieto, não acomodado, inquietante sobre este cenário. Olhar que transpasse a rotina da cobertura factual, o ritmo da próxima hora/minuto, e consiga ver além, em direção ao futuro, assim como ver antes, retornando seu foco de observação para um processo anterior que o auxilie a compreender o momento do agora de sua cobertura. Além da notícia e no caminho da reportagem (MOURA & MARQUES, 2010).

Proponho, neste sentido, que a função das faculdades de comunicação e cursos de jornalismo na interface com a questão socioambiental ultrapassa o momento da graduação e permanece na educação continuada e na condução de projetos de pesquisa. Projetos estes que serão tanto melhor desenhados, eficazes e eficientes, quanto mais estiverem integrados em redes de pesquisa e em diálogos entre pares da comunidade de pesquisadores, oportunidade como a da presente mesa coordenada. E, também, diálogos das faculdades de comunicação e cursos de jornalismo, seus pesquisadores – docentes e discentes –  que atuam na temática socioambiental com outros pares que não sejam pesquisadores, como lideranças comunitárias, jornalistas, profissionais de outras áreas, ambientalistas de diferentes matizes ideológicas, representações do Terceiro Setor, da área empresarial e entidades públicas.

Qual o milho de uma espiga, esta proposta apresentada acima precisa ser debulhada. Caso a faculdade de comunicação ou curso de jornalismo, não tenha um  núcleo de docentes e discentes, por mais diminuto que seja, já interessados na temática socioambiental, faz-se necessário fomentá-lo, de modo a fermentar ali a perspectiva da preocupação com a temática socioambiental. Depois deste passo inicial, seria possível pensar no horizonte aqui proposto – a faculdade de comunicação ou curso de jornalismo investir na realização de projetos de extensão e de pesquisa que, além de gerar resultados concretos serem laboratórios de formação dos estudantes de graduação, também possam ser espaços de formação continuada de profissionais já graduados.

Quando falo que um curso de jornalismo deveria incluir a perspectiva da temática socioambiental, ainda estou  me referindo à pauta socioambiental, não estou a afirmar que as faculdades de comunicação devam,obrigatoriamente, tornarem-se faculdades verdes ou sustentáveis (o que seria ótimo), mas vamos seguir um passo de cada vez. Até por saber que a adesão a uma agenda de sustentabilidade por uma instituição é uma construção coletiva lenta, precisa ser consensual, em sintonia com os horizontes desenhados pela comunidade universitária da instituição – discentes, docentes, técnicos, colaboradores.

A Faculdade de Comunicação da UnB, Brasília, Brasil, podemos informar com satisfação e como resultado de uma ação contínua de pesquisa, ensino e extensão por mim coordenada, com parceria e envolvimento de diversos atores sociais de nossa faculdade, já se encontra em uma etapa que podemos nomear como de pré-adesão a um compromisso de agenda sustentável na instituição. Um dos projetos que coordenamos para o triênio 2010-2012 inclui a construção coletiva de uma agenda ambiental para nossa faculdade.

Tal construção dá-se favorecida pelo debate e estudos acumulados ao longo de uma década, com uma participação bastante significativa dos estudantes em projetos de oficinas de jornalismo ambiental, extensão, pesquisa; projetos estes que, em 2010, passaram a envolver os discentes de nosso recém criado curso de Comunicação Organizacional. Tal cenário de pré-adesão também deve ser contextualizado em um quadro no qual a UnB tem desenvolvido de forma histórica, ainda que com momentos de interrupção, um processo que visa incluir a UnB em uma rede de universidades sustentáveis [3].

5. E o leitor? Mudanças estruturais nas relações com o público

Vislumbro um/a jornalista profissional desafiado pela complexidade da cobertura socioambiental, ainda que tenha tido a grata e até o momento rara, oportunidade de ter uma formação socioambiental durante a graduação. Vislumbro este/a pesquisador/a, ainda que tenha tido a também grata, embora árdua, rotina de pesquisa, ensino e extensão em torno da relação jornalismo e o socioambiental, desafiado pela complexidade da cobertura socioambiental.

Dois atores sociais, dois lugares de fala, múltiplas vozes os trespassam. Uma contínua dispersão discursiva (RINGOOT, 2006) representada por aquela voz que se desloca além dos sujeitos, os funde e, paradoxalmente, os separa. Está o pesquisador a instar o jornalista a realizar uma cobertura mais contextualizada, uma ‘notícia sustentável’ (MOURA, 2004b); está o jornalista mergulhado, queira ou não, em um cenário de amplas mudanças estruturais – para apontar apenas uma –a reestruturação das relações entre público e leitor/espectador usuário advinda das tecnologias da informação e comunicação.

Apropriadamente alerta Thompson (2008) acerca de novas relações e interações provenientes da mediação das tecnologias entre  o eu e o outro e a correspondente expansão de tempo e espaço.  Alterações estas que alteraram não só o fato de que o leitor/espectador/usuário pode acessar a notícia de qualquer espaço e a qualquer tempo – assegurado o fato de que tenha o equipamento disponível –como outro aspecto muito mais impactante que resulta no leitor/espectador/usuário deixar de ser somente aquele que recebe a notícia e  passe a ser aquele que a produz, a critica, a reestrutura, a edita.

Assim, no complexo que significa o campo de observação da temática socioambiental na mídia, adentra um terceiro ator – o público. ‘Empoderado’ pelo acesso às tecnologias, este novo perfil de receptor, cada vez com mais dispositivos, os quais pode ou não utilizar, mas de qualquer forma com mais dispositivos para sair da cadeira de receptor e ocupar um lugar de fala mais proeminente.

Assim, o público, aquele que apenas recebia as informações, considerado como sinônimo de receptor/recipiente, dada as tecnologias da informação e comunicação passou a ter um papel também de emissor e interferência na produção jornalística.
Naturalmente, a distinção de três atores (pesquisador, jornalista, público) é um recurso de organização com fins de ênfase. O cenário é complexo e, para ficar somente nestes três atores, cada um desdobra-se em diversos papéis sociais e múltiplos lugares de fala.

O pesquisador (professor, autor, debatedor, produtor de pesquisa, de discursos, blogueiro, ambientalista); o jornalista (repórter, editor, blogueiro, ambientalista), o público (com maior ou menor acesso a tecnologias de interatividade, produtor de notícia, blogueiro, ambientalista, liderança da sociedade civil,usuário passivo ou não das redes sociais). Três atores sociais, três lugares de fala, múltiplas vozes os trespassam. Isto ao infinito. E nem saímos dos três atores; estamos cientes deste recorte.

6. Integração de pesquisas em torno das mudanças estruturais no jornalismo

Nosso estudo da cobertura da COP15 [4], a ser desenvolvido entre 2009/2011, que inclui aspectos quantitativos e qualitativos, projeto pesquisa relatado parcialmente em Moura & Gonçalves (2010), documenta a chegada destas dinâmicas propiciadas pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) e seu impacto naquela cobertura. Também alerto que as TICs e redes sociais daí derivadas não parecem que devam ser compreendidas como uma fórmula miraculosa que democratizaria, em um clique, o acesso e produção da notícia, no caso, a notícia vinculada à pauta socioambiental.

Não modifica instantaneamente, mas modifica, de alguma forma como demonstraram já vários estudos, como Vizeu & Beltrão (2008).  Neste momento que colocamos a presente reflexão em debate nesta mesa coordenada da SBPJor estamos a dar início a um estudo inserido  no projeto integrado sobre mudanças estruturais em jornalismo - de que forma ocorrem tais mudanças estruturais, em quais dimensões elas ocorrem, modificando o que propriamente.

Dentro deste amplo projeto, desenvolvo um projeto que envolve estudantes de pós-graduação e graduação (Iniciação Científica, Edital Proic/UnB/CNPq 2010).  O projeto geral sobre mudanças estruturais no jornalismo compreende a coordenação geral da professora Zélia Leal Adghirni, do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Faculdade de Comunicação, UnB, vinculado, por sua vez, ao REJ , grupo articulado em rede de pesquisa internacional.

O projeto específico, que está sob coordenação da autora do presente artigo tem duas dimensões principais: em uma investigaremos espaços de produção de notícia em Brasília,DF (jornais, blogs jornalísticos, assessorias de comunicação, programas de televisão e rádio), os quais tiverem um setor, seção, unidade ou editoria de destaque voltada para o socioambiental.

No projeto em questão, construiremos um perfil de tais profissionais e um desenho de suas rotinas produtivas, de forma a compreendê-los neste recorte ‘especializado’, do qual falamos nas primeiras páginas deste artigo. Ainda nesta dimensão, colheremos informações sobre o lugar da comunicação, não só do jornalismo, nestes espaços de produção da notícia quando ocorrer da instituição visitada possuir uma agenda ambiental (metas e compromissos de sustentabilidade). Isto nos interesse de sobremaneira, pois alimentará a construção coletiva do projeto de agenda ambiental da Faculdade de Comunicação/UnB.

Em outra dimensão do mesmo projeto, teremos um olhar mais detido sobre a presença das chamadas mudanças estruturais no jornalismo [5], como podem estar presentes e de que forma modificam os espaços de produção da notícia com pauta socioambiental. 

O complexo de tais projetos de pesquisa integrados, aqui brevemente relatados, têm como pano de fundo, uma linha de estudos que, materializada em projetos de pesquisa, graduação e pós-graduação, e em extensão comunitária, permite-nos perceber, identificar e nomear a transversalidade da pauta socioambiental e os desafios que a mesma traz para o ensino, a pesquisa e a prática profissional em jornalismo.

Desafios que são adensados na proporção em que os riscos presentes na temática socioambiental se materializam em danos. Na contramão da cobertura majoritária dos riscos materializados em danos, atuam as coberturas de pautas de uma ‘notícia sustentável’ (MOURA, 2004b), uma abordagem que traga tratamentos diferenciados os quais apontem para soluções e não aguardem tão somente o valor notícia dos acidentes socioambientais para pautar a questão socioambiental. Ou seja, que percebam que a própria transversalidade crescente da pauta socioambiental guarda um latente valor notícia.

NOTAS

[1] O presente artigo foi apresentado, inicialmente, em uma mesa coordenada no 8. Congresso da SBPJor (Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo – www.sbpjor.org.br) e, posteriormente, revisado para publicação em periódico. Por este motivo, antes de ingressar no objeto deste artigo, situamos o nascedouro do artigo.

[2] Jornalismo ambiental; jornalismo socioambiental; comunicação para sustentabilidade, comunicação de risco, “risk  comunnication”,  jornalismo de prevenção, e termos afins acabam por  ser expedientes eficazes e eficientes uma vez que ainda não são acolhidos amplamente na cobertura jornalística majoritária.

[3] Na Universidade de Brasília, este processo tem sido coordenado pelo Núcleo da Agenda Ambiental, ora vinculado ao Decanato de Extensão da Universidade. Em períodos anteriores, esta ação já esteve vinculada ao Decanato de Assuntos Comunitários. Periodicamente, é nomeada uma comissão (Comissão da Agenda Ambiental da UnB), que desenha e acompanha as ações. Em 2010, foi nomeada uma nova comissão, por renovação já prevista. A atual comissão objetiva, a médio ou longo prazo, inserir a UnB no Protocolo da Agenda3P do Ministério do Meio Ambiente, dentre outras iniciativas.

[4] United Nations Framewok Convention on Climate Change (UNFCC), também denominada Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas e também por COP15 por ser a 15ª Conferência. http://unfccc.int/2860.php, A COP15 foi realizada entre 7 a 18  de dezembro de 2009, em Copenhague, capital da Dinamarca.

[5] c.f Madeira (2004), alem de uma coletânea significativa de autores que abordam o tema. Tal cenário não é o foco principal do presente artigo. O debate teórico e comparativo entre as diversas correntes s e teóricas e perspectivas das estruturais em jornalismo serão fruto de outras publicações da presente autora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BECK, Ulrich, Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, São Paulo, Editora 34, 2010.

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MENDES, Ricardo Fontes, A profissionalização do jornalismo no Brasil, Sala de Prensa, Ano 2, Vol, 2, Abril 1999. Disponível em http://www.saladeprensa.org/art40.htm, consultado a 14 de março de 2011.

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MOURA, Cláudia Peixoto de, Curso de Comunicação no Brasil: do currículo mínimo às novas diretrizes curriculares, Revista Famecos, Porto Alegre,n.14, abril 2001, pp. 59-65.

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SUPREMO Tribunal Federal, Supremo decide que é inconstitucional a exigência de diploma para o exercício do jornalismo, 17 de junho de 2009.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=109717. Acesso em: 15 de março de 2011.

*Dione O. Moura é docente e pesquisadora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB).

 

 







Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro | ISSN 1806-2776 | Edição 14 | Novembro | 2011
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