Nº 12 - Nov. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



MONOGRAFIAS
 

Corpo e sentimento
46 anos de imprensa gay no Brasil

Por Maria do Socorro Furtado Veloso
e Joseylson Fagner dos Santos*

RESUMO

Este trabalho [1] tem por objetivo mapear as publicações voltadas para o público gay na imprensa brasileira, promovendo uma retrospectiva desde o seu surgimento até o modo como se apresentam nos dias atuais. Por meio da análise dos produtos gerados pelo segmento, pretende-se realizar uma comparação histórica entre as representações da imagem do gay nas páginas de revistas e jornais voltados para esse público, no Brasil.

Imagens: Reprodução

O trabalho tem como objeto as publicações O Snob (1963) e O Lampião da Esquina (1978), Sui Generis (1995), Homens (1997) G Magazine (1997), Junior (2007), DOM (2007) e Aimé (2008). Com base na linha editorial dessas publicações, serão abordadas as representações e construções da identidade gay no país. Como metodologia, utiliza-se pesquisa bibliográfica e análise descritiva.

PALAVRAS-CHAVE: Imprensa Alternativa / Minorias / Jornalismo de Gênero

1. Introdução

A história da imprensa brasileira é marcada por grandes movimentos sociais que, em busca de visibilidade, fizeram ouvir suas vozes e criaram novos padrões de comportamento na sociedade. Através da mídia alternativa as minorias têm oportunidade de alcançar visibilidade e lutar contra posturas que durante séculos foram incentivadoras do preconceito e deram origem a episódios lamentáveis, como agressões, atentados e assassinatos. O espaço na imprensa, para essas minorias, foi conquistado aos poucos. Jornais e revistas tornaram-se importantes veículos para a difusão de ideologias e construção de representações que permitissem uma melhor inserção dos homossexuais no cenário social.

Dentre essas minorias, os gays protagonizam um movimento histórico no Brasil. Conhecido por ser um país heterogêneo, de raízes miscigenadas, o país assistiu a uma longa jornada em busca da visibilidade dos homossexuais, que teve na imprensa um de principais aliados. Os veículos de comunicação foram responsáveis por difundir identidades e formular construções sociais de imagens da comunidade gay. Neste cenário, o jornalismo de gênero surge como ferramenta para a veiculação do orgulho da identidade homossexual, conquistada por meio de muitas lutas e hoje cada vez mais firme.

Desde o lançamento do primeiro periódico, a imprensa homossexual brasileira tem buscado melhores níveis de representação social, conquistando um espaço que hoje se encontra transformado. Em 46 anos de mídia alternativa gay (1963-2009), várias mudanças são perceptíveis para a compreensão do fenômeno da construção das identidades dos mais diversos grupos brasileiros.

2. As primeiras vozes da imprensa homossexual no Brasil

A representação da figura do gay na imprensa brasileira precede o surgimento de publicações voltadas para o gênero. A primeira pornografia homoerótica brasileira data de 1914, com o aparecimento do conto O Menino do Gouveia, assinado sob o pseudônimo de Capadócio Maluco e editado pela revista Rio Nu. Na época, “gouveia” era uma gíria utilizada para denominar homens de meia idade que se envolviam com jovens.

Mas antes, no início do século, os cartunistas já desenhavam efeminados sob forma cômica. Em 1904, a revista humorística O Malho publicou uma charge e um poema irônico – intitulado Fresca Theoria – satirizando os homens que se reuniam na Praça Tiradentes com propósitos sexuais ou românticos. Popularmente conhecido como Largo do Rossio, o local é um dos mais antigos pontos de encontro do Rio de Janeiro (Cf. GREEN, 2000).

Entre as demais representações da época, a imagem do gay na imprensa brasileira era apresentada sob a fórmula do humor e da sátira, enfatizando o aspecto efeminado dos homens mais velhos que buscavam parceiros para aventuras homoeróticas.

A partir da década de 1960 os padrões de comportamento social começaram a sofrer rupturas. A ditadura militar (1964-1985) originou movimentos de contracultura que contestavam os ideais político-democráticos e populares. Nesse contexto, os costumes da época foram marcados pela instauração de uma atitude rebelde, provocando o nascimento da chamada imprensa alternativa. O termo “alternativa” está ligado à idéia de:

(...) algo que não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de única saída para uma situação difícil e, finalmente, o do desejo das gerações dos anos 60 e 70 de protagonizar as transformações sociais que pregavam. (Cf. KUCINSKI, 1991:13).

A mídia alternativa passou a representar a voz das minorias na imprensa brasileira e teve como característica principal a circulação de centenas de jornais e periódicos.  Dentre as publicações que circularam nesse período, O Snob foi a primeira voltada para o público homossexual. Distribuído entre amigos e conhecidos na Cinelândia e em Copacabana, o jornal começou suas atividades em 1963, permanecendo até 1969. Fundado por Agildo Guimarães, O Snob se apresentava como uma espécie de coluna social, que oferecia acesso ao mundo das “bichas”, “bonecas” e “bofes” [2].

De um jornalzinho mimeografado e minimalista, com simples desenhos a traço de modelos femininos, O Snob tornou-se uma publicação que incluía cerca de trinta a quarenta páginas, trazendo ilustrações elaboradas, colunas de fofocas, concursos de contos e entrevistas com os famosos travestis do momento. (Cf. GREEN, 2000:298).

Nas páginas de O Snob, homossexuais expressavam a personalidade que normalmente escondiam na vida social. O periódico reunia informações sobre festas íntimas organizadas pelas redes sociais gays do Rio de Janeiro. Nesses eventos, as bichas estavam sempre em busca dos bofes, situações que ilustravam as páginas do jornal. O encerramento das atividades do periódico relaciona-se com o aumento da repressão à imprensa durante o governo do general Emílio Médici.

Paralelo ao jornal de Agildo Guimarães, vários outros impressos dessa natureza passaram a circular pelo Brasil. A imprensa homossexual mostrou-se mais vigorosa em Salvador. Fatos e Fofocas era uma publicação quinzenal editada pelo jornalista Waldeilton di Paula, que transitava de mão em mão através de um exemplar único. Entretanto, esses periódicos não traziam discussões de idéias, tratando-se apenas de colunismo social.

Em fins de 1977 surge a idéia de um novo veículo de comunicação voltado para o público homossexual. Intitulado Lampião da Esquina, o impresso trazia uma linguagem diferente, defendendo a necessidade de consciência e mobilização da comunidade gay e da sociedade em geral. O lançamento desse periódico coincidiu com a explosão da pornografia no cenário nacional, ocasionada, entre outros motivos, pelo fim da censura formal e da demanda reprimida desse gênero.

O discurso político de Lampião girava em torno de uma nova identidade para o público homossexual, acostumado a fofocas e notícias sobre festas. O público gay no país assista à “criação de um jornal feito por e com o ponto de vista de homossexuais, que discutisse os mais diversos temas e fosse vendido mensalmente nas bancas de todo o país” (Cf. TREVISAN, 2002:338). Dentre os temas trabalhados no impresso, podiam ser encontradas reportagens com personalidades não necessariamente homossexuais, além de contos, críticas literárias e teatrais, matérias sobre cinema, como também pequenas notas contra o preconceito da sociedade, comum em atos e ataques homofóbicos.

O Lampião da Esquina evidenciava o orgulho em assumir identidades homossexuais, buscando o lugar do gay dentro do panorama político brasileiro. A seção de cartas dos leitores ganhou destaque, fortalecendo a relação entre o veículo e o seu público, além de constituir espaços de visibilidade para a comunidade. O diferencial desse jornal era a não utilização de uma linha editorial pornográfica, o que foi incrementado nos números finais do impresso. O Lampião transferiu o foco para a publicação de fotografias homoeróticas num momento em que a indústria cultural produzia pornografia mais barata. A última edição do periódico circulou em 1981 (Cf. LIMA, 2009).

Paralelamente, outras iniciativas também aproximaram o universo homossexual dos leitores de jornais. Foi o caso da Coluna do Meio, publicada diariamente no Última Hora, de São Paulo. Produzida pelo jornalista Celso Curi, a coluna tinha cunho informativo, social e burlesco. Curi criava personagens, além de contar piadas e noticiar acontecimentos sociais.

Nesse espaço, publicava também o Correio Elegante, dirigido aos gays, com cartas e opiniões gerais. A Coluna do Meio durou até o final de 1977, quando a direção do jornal extinguiu o espaço por pressão de grupos econômicos, leitores e processos judiciais. No Rio de Janeiro, o jornal O Beijo (1977) trouxe a discussão da sexualidade como principal tema, e atacou o modo preconceituoso com que a mídia tratava os homossexuais. Sua circulação, contudo, se limitou a seis edições (Cf. LIMA, 2009).

3. A expansão mercadológica nos anos 90

A década de 1990 fez ressurgir os olhares para a comunidade gay no país. A disseminação da AIDS ampliou o espaço dedicado pela imprensa à discussão da sexualidade e, em particular, da homossexualidade. Surgiram, então, vários boletins e publicações destinadas à educação sexual e informações sobre a doença. No final do século XX a cultura gay estava em evidência e, em meio a esse boom, o mercado editorial brasileiro ganhou em 1995 a revista Sui Generis, que inseriu um tratamento inovador ao marketing dos produtos gays no Brasil.

A postura de Sui Generis era a de uma revista que tentava homogeneizar a comunidade gay através de uma linha editorial que fugia da pornografia, abordando outros assuntos de interesse dos homossexuais. A publicação trazia em suas páginas matérias e discussões sobre comportamento, saúde, cidadania, cultura e moda.

As capas da revista eram ilustradas por personalidades midiáticas, gays assumidos ou apenas simpatizantes do movimento, que eram entrevistados sobre temas relacionados ao orgulho, identidade e atitude gays (Cf. MONTEIRO, 2000).

O impresso da editora SG Press produzia um discurso que apelava para o resgate e construção de uma nova identidade para esse público, entendida por Michael Pollak (1992:204) como:

(...) um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio de uma negociação direta com os outros. (...) memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas, e não são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma pessoa ou de um grupo.

Com exceção das publicações pornográficas, Sui Generis foi a primeira revista abertamente gay do país [3]. O objetivo era produzir um veículo de comunicação homossexual impresso sem a necessidade de apelo erótico, como fez Lampião da Esquina no final da década de 70. Apesar do sucesso da publicação, a SG Press encontrou no mercado editorial brasileiro a exigência de uma linguagem erótica. Com isso, lançou também a revista Homens como alternativa para responder à busca por um produto homoerótico sem comprometer a manutenção de Sui Generis. A primeira edição da nova revista foi lançada em 1997.

Homens era uma publicação de perfil assumidamente sexual. Suas seções tinham como marca registrada os ensaios de nu masculino e o teor pornográfico de suas matérias, todas voltadas para o sexo. O conteúdo da revista era constituído por matérias e notas sobre cinema erótico, entrevistas com atores pornôs e uma seção de classificados onde os leitores divulgavam contatos para encontros sexuais (Cf. MONTEIRO, 2000).

A SG Press trabalhava, enfim, com dois tipos de publicação. Enquanto a primeira – Sui Generis – valorizava a identidade gay construída através de aspectos não vinculados ao sexo, Homens trazia todo o apelo erótico predominante na imprensa homossexual do período, que manteve também edições como as revistas Lolitos, Duo e Porn, que seguiam a mesma linha editorial de Homens. Com a expansão do conteúdo pornográfico, Sui Generis começou a publicar, também, ensaios de nu masculino em suas páginas, fator que incentivou o encerramento de suas atividades na metade do ano 2000. Homens permaneceu até 2004 (Cf. MONTEIRO, 2000).

O ano de 1997 trouxe para o mercado editorial, além da revista Homens, a primeira edição de Bananaloca, da Fractal Edições. A revista chegou trazendo notícias e informações acerca de personalidades e destaques do universo gay em âmbito nacional e internacional, além de reportagens e entrevistas sobre temas diversos. Trazia também ensaios de nu masculino, comuns a toda publicação voltada para o público homossexual, além dos classificados e notas sobre o cinema erótico. A quinta edição, sob o título “Revista Bananaloca apresenta G Magazine”, registrou o início de uma nova publicação.

G Magazine surge com uma linha editorial diferente. Sua marca registrada são os ensaios fotográficos de nu masculino protagonizados por artistas, jogadores de futebol e modelos famosos. Um aspecto notável nessa publicação é a transformação do conteúdo. Nos primeiros números, a revista investiu no apelo erótico. Com o passar do tempo, optou por matérias mais elaboradas sobre temas de interesse geral, mudança possivelmente motivada pelas exigências do público consumidor.

Os ensaios fotográficos também ganharam qualidade, apresentando o nu de modo mais sutil. Com isso, ajudaram a consolidar a revista como uma das preferidas do público gay no Brasil. G Magazine continua a existir, e é considerada uma das mais tradicionais revistas voltadas para o público gay nacional.

Outro aspecto notável desse período foi a existência de revistas femininas que traziam ensaios de nu masculino. Entre as que mais se destacaram estão Gold (1999) e Íntima & Pessoal (1999). A primeira abordava assuntos da esfera feminina, como beleza, decoração, arte e cultura. Porém, o que predominava em Gold eram os ensaios de nudez masculina. A maioria das fotos era disposta em formato de pôster, tornando-se o principal foco da publicação, que foi distribuída pela Editora Marfe.

A revista Íntima & Pessoal também publicava ensaios de nudez frontal masculina, porém com menos apelo erótico. Os modelos e artistas dividiam espaço com matérias e reportagens mais elaboradas, voltadas para o público feminino, que tratavam de moda, família, cultura e cotidiano. Apesar de direcionadas para mulheres, essas publicações foram adotadas pelo público gay em razão da presença do nu masculino em suas páginas.

4. A nova fisionomia da imprensa gay

A reformulação da linha editorial da revista G Magazine indicou a tendência à profunda transformação do público consumidor de produtos da cultura gay no Brasil. Os leitores, que antes se satisfaziam com conteúdo pornográfico, passavam a exigir matérias, reportagens e entrevistas de interesse geral. A linha editorial da publicação passou a incluir assuntos relacionados à saúde, comportamento e vaidade, adequando-se a fenômenos modernos de comportamento. Mas a revista continua a dar destaque para os ensaios fotográficos de nu masculino com as personalidades do cenário artístico e cultural do país.

Paralelamente, surgiram três novas publicações voltadas para o público gay: as revistas Junior (2007), DOM – De Outro Modo (2007) e Aimé – Primus inter pares (2008). A proposta dessas revistas era apresentar ao mercado consumidor homossexual uma nova linha editorial para as publicações de gênero. Esses veículos estabeleceram novos padrões de representações do gay na imprensa nacional, passando a investir mais na estética e nas atitudes do homossexual moderno.

Os fenômenos de comportamento da contemporaneidade, mais centrados na figura do metrossexual – termo que define o homem urbano excessivamente preocupado com a aparência – e do neonarcisista – termo moderno aplicado ao indivíduo obcecado com sua própria imagem – levaram à atualização da imprensa homossexual, visto que as editoras identificaram, nesse público, um grande perfil consumidor (Cf. LIMA, 2009).

Produzida pelo Grupo Mix Brasil, que detém o domínio do mesmo nome, no site UOL, [4] a revista Junior circulou pela primeira vez no final de 2007. A publicação concentra-se em matérias referentes à moda, cultura, comportamento, turismo e fitness.

Apresenta linha editorial mais preocupada com a homoafetividade, representada em crônicas que narram situações cotidianas de homossexuais e seus parceiros afetivos. O corpo masculino é explorado de maneira sutil, nos editoriais de moda, sem evidência de apelo erótico.

Logo em seguida ao lançamento de Junior, a Editora Peixes publicou a primeira edição de DOM – De Outro Modo. No número 1, anunciou em seu editorial:

Mais do que uma “revista gay”, a DOM que apresentamos a você hoje quer ser igualmente plural. Sua essência é inclusiva, não exclusiva. Queremos que todos, gays, lésbicas em todas as suas variantes, simpatizantes ou simplesmente humanos (afinal, gays são parte natural da paisagem humana e não “um ponto fora da curva”), sintam-se à vontade por aqui, enxergando nessas páginas um universo não de estranhamento, mas de encantamento, não de apartes, mas de encontros. (Cf. DOM, 2007, p. 8).

Essa atitude reflete uma nova postura da imprensa gay no Brasil. A homossexualidade discursivamente produzida, segundo Louro (2001), centra-se fundamentalmente no significado moral. De acordo com o autor, o termo permite que alguns assinalem o caráter desviante, a anormalidade ou a inferioridade do homossexual, enquanto outros proclamam sua normalidade e naturalidade.

O discurso das revistas gays contemporâneas sugere uma reflexão em torno das mudanças na representação que esse público possui perante a sociedade, ressignificando o mito de que as publicações voltadas para os homossexuais seriam essencialmente homoeróticas. Ao investir em assuntos gerais, e sem a presença do homoerotismo explícito e desinibido, as revistas de gênero contemporâneas dedicadas aos homossexuais imprimem uma nova representação da identidade desse público na sociedade.

A interlocução entre os leitores e as novas publicações se inscreve numa perspectiva identitária compreendida por Simões Jr. (2006:9), a partir das reflexões de Moita Lopes (2002) e Mariani (1998) como “identidades fragmentadas e posições discursivas, o que pressupõe um sujeito dividido, que assume várias facetas identitárias de acordo com as suas necessidades, os papéis sociais que desempenha no contexto político, social e ideológico em que se encontra”.

Em DOM a linha editorial assume uma proposta mais voltada para a imagem do gay moderno, aliada a conceitos como metrossexual e neonarcisista. As matérias exploram a moda e a imagem pessoal, intimamente ligadas a objetos de consumo e padrões estéticos que norteiam desde o biótipo até sugestões de comportamento.

As capas trazem sempre alguma personalidade, na maioria das vezes heterossexual, que nas páginas internas será objeto de uma entrevista temática. O entrevistado é costumeiramente retratado como exemplo de pessoa bem sucedida, seja no ramo dos negócios ou do cenário sócio-cultural. Através desse modelo de ser humano, e aliando este conceito ao teor das matérias que a revista aborda, é possível encontrar um registro discursivo nas páginas de DOM: a imagem do homossexual moderno bem relacionado e bem sucedido, com alto poder aquisitivo e possuidor de uma identidade individual independente de qualquer estereótipo social.

As revistas Junior e DOM surgem no mesmo ano, e com a mesma proposta editorial: transformar o conceito de publicação de gênero voltada para o público gay. Esses dois impressos permitem, na realidade, a introdução de novas marcas de expressão no tratamento com o público homossexual. Entretanto, algumas características são notáveis no corpo dessas publicações. Enquanto Junior apresenta linguagem mais intimista, reforçada pelo constante uso de adjetivos e expressões particulares da cultura gay, DOM assume postura mais objetiva, com vocabulário menos focado nas expressões da homocultura.

Em 2008 surge a revista Aimé – Primus Inter Pares, com diagramação sofisticada e padrão editorial inspirado nas grandes magazines internacionais. Os temas trabalhados na revista são declaradamente direcionados para o homossexual com grande poder aquisitivo.

Em 2008 surge a revista Aimé – Primus Inter Pares, com diagramação sofisticada e padrão editorial inspirado nas grandes magazines internacionais. Os temas trabalhados na revista são declaradamente direcionados para o homossexual com grande poder aquisitivo. As matérias abordam assuntos como viagens inesquecíveis, moda, arte, cultura e comportamento. Os ensaios masculinos da revista apresentam a sensualidade do corpo do homem de forma discreta, destacando sempre alguma marca de roupa, na maioria das vezes íntima. A publicação pertencente à Editora Lopso encerrou suas atividades ainda em 2008.

No cenário da imprensa gay no Brasil também se destacam os veículos online. O portal Mix Brasil, hospedado pelo UOL, mantém as atividades desde o seu surgimento, em 1993. O Mix Brasil, uma das principais referências da imprensa de gênero nacional, é considerado o maior portal gay da América Latina, servindo também como fórum de debates para temas diversificados.

5. Considerações finais

A imprensa alternativa foi um espaço de expressão das minorias durante a ditadura militar. Nela, os homossexuais encontraram uma forma de representação na sociedade, lançando periódicos com as mais diversas temáticas. O grande marco desse período foi O Lampião da Esquina que, em meio à sedução do mercado pornográfico, conseguiu atingir a comunidade gay com um conteúdo de qualidade e sem apelo homoerótico.

Anos mais tarde a revista Sui Generis lançou o desafio de resgatar, para uma nova sociedade, os princípios da extinta Lampião, apresentando generalidades do universo gay, porém sem ensaios de nu masculino em suas páginas. Essas revistas saíram de circulação a partir do momento que começaram a apresentar a nudez masculina em suas edições, fato decorrente da expansão da pornografia na indústria cultural.

G Magazine, por sua vez, apresenta uma linha editorial marcada por ensaios fotográficos, ao mesmo tempo em que veicula matérias em várias áreas de interesse humano, consolidando-se como uma das principais revistas gays do país. Enquanto isso, Junior, DOM e Aimé optaram por uma linguagem mais próxima do homossexual do novo século.

Percebe-se nessa linha histórica da imprensa voltada para o público homossexual no país uma forte necessidade de representação da cultura gay no cenário social. A visibilidade desse grupo caminha por diversos campos, do pornográfico ao erudito, encontrando na imprensa uma forma de comunicação eficaz com a sociedade. Os jornais e revistas representam, desse modo, a voz da comunidade gay, dando espaço a esse público e às variadas conquistas que marcaram sua história recente.

Houve a época do colunismo social, onde se buscava aparecer na mídia e ganhar destaque, mesmo que de forma mais restrita. Passou por momentos de afirmação da identidade gay, onde se procurava uma reafirmação do orgulho desse grupo, sem a necessidade de apelo erótico. Na disseminação das publicações pornográficas se percebe a erotização da linguagem, que dominou o cenário por bastante tempo e foi modificada aos poucos por uma nova linguagem que, de maneira mais sutil, impôs outra atitude às publicações gays.

A partir de um jornalismo mais comprometido com as demandas da vida em sociedade, o público gay experimenta outra visibilidade. Busca-se a extinção de estereótipos que afirmam o homossexual como sujeito fútil e fanático por pornografia, os quais dão lugar à imagem do gay moderno que entende de artes, cultura e finanças.

Por outro lado, as publicações de gênero na contemporaneidade trabalham esses conceitos amparadas em uma linha editorial que dialoga com a vaidade do leitor. Através de reportagens que abordam questões estéticas e de moda, entre os assuntos de interesse geral, revistas e sites especializados provocam o despertar de uma identidade fundamentada na preocupação com a própria imagem, aproveitando-se do surgimento dos fenômenos de comportamento modernos que implicam na apreensão de um mundo orientado por padrões de beleza.

NOTAS

[1] Versão revisada de trabalho originalmente apresentado ao DT-1 (Jornalismo), do Intercom Júnior, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Curitiba (PR), setembro de 2009.

[2] Os termos são usados por Green (2000:299) para se referir aos grupos sociais formados na época. “Bichas” eram os gays mais velhos, geralmente assumidos; “bofes” eram os homens mais discretos, alguns deles casados, que não assumiam a homossexualidade; “boneca” era o termo empregado para se referir aos que se travestiam nas festas promovidas pelos grupos.

[3] Sui Generis foi o primeiro veículo brasileiro com característica de revista direcionado a homossexuais. Os anteriores usaram o formato jornal.

[4] Disponível em: http://www.mixbrasil.uol.com.br.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOM – De Outro Modo. Peixes, São Paulo, Ano 1, nº 1, dez. 2007.

GREEN, J. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil no século XX. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

KUCINSKI, B. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Escrita Editorial, 1991.

LIMA, M. A. A. “Breve histórico da imprensa homossexual no Brasil”. In: Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, S/r, S/d. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/_texto.php3?html2=lima-marcus-assis-IMPRENSA-HOMOSSEXUAL-BRASIL.html. Acesso em: 23 maio 2009.

LOURO, G. L. “Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação”. In: Rev. Estud. Fem., Florianópolis, Vol. 9, nº 2, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2001000200012&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 16 fev. 2007.

MARIANI, B. O PCB e a imprensa – Os comunistas no imaginário dos jornais 1922-1989. Campinas: Editora Unicamp, 1998.

MOITA LOPES, L. P. Identidades fragmentadas: a construção discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas: Mercado das Letras, 2002.

MONTEIRO, M. “O homoerotismo nas revistas Sui Generis e Homens”. In: Antropologia – Gênero e masculinidade. S/r, 2000. Disponível em: http://www.artnet.com.br/~marko/ohomoero.htm. Acesso em: 23 maio 2009.

POLLAK, M. “Memória e identidade social”. In: Estudos Históricos, Vol. 10, São Paulo, FGV, 1992.

SIMÕES JR., A. C. “Vozes da bichórdia – Construções de memórias através do discurso dos leitores do jornal Lampião da Esquina”. In: Anais do IV Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, São Luís, 2006. Disponível em: http://www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/cd4/alternativa/a_simoes_jr.doc. Acesso em: 23 maio 2009.

TREVISAN, J. S. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro: Record, 2002.

*Maria do Socorro Furtado Veloso é doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e professora do Departamento de Comunicação Social Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Joseylson Fagner dos Santos é graduando em Jornalismo pela UFRN.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]