Nº 11 - Fev. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



MONOGRAFIAS
 

Jornalismo ambiental
Uma análise preliminar dos procedimentos do discurso jornalístico

Por Katarini Giroldo Miguel*

RESUMO

O assunto meio ambiente é de fundamental importância para entender a relação dos meios de comunicação com o meio ambiente e de que forma se dá a participação da mídia no processo de discussão das questões ambientais. O presente trabalho busca analisar os procedimentos do discurso jornalístico na cobertura da temática ambiental, a partir de um estudo preliminar de três publicações veiculadas pelo jornal O Estado de S.Paulo, diretamente relacionadas com a política ambiental do Brasil: Biodiversidade, Mudanças Climáticas e Geração de Energia.

Reprodução


Para o desenvolvimento da análise foram usados dois autores principais – Jorge Pedro Sousa e Patrick Charaudeau – , que apresentam uma análise do discurso jornalístico, com diferentes estratégias para pesquisar sistematicamente as matérias de cunho informativo, avaliando o acontecimento enquanto notícia e visão social do mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Meio Ambiente / Discurso Jornalístico / Análise de Conteúdo

1. Contextualização

Thompson (Cf. 1995, p. 285) avalia que “o conhecimento que nós temos dos fatos que acontecem além do nosso meio social imediato, é, em grande parte, derivado de nossa recepção das formas simbólicas mediadas pela mídia”. Para ele, a comunicação de massa transformou os modos de experiências e os padrões de interação das sociedades modernas.

Ainda quando se considera o exercício político sobre as questões ambientais, faz-se necessário analisar a construção e o tratamento destas notícias que conseqüentemente, influenciam a visão do leitor e podem comprometer políticas públicas.

Mas de que forma o jornal realiza tal influência? Quais as estratégias utilizadas para informar e gerar significados? Neste breve estudo, serão investigados os procedimentos que podem ao menos sinalizar com as respostas destas indagações.

É necessária aqui uma breve contextualização do tema e do objeto da análise, para compreender em que conjuntura se realizam as publicações. Para Sousa (2004) a pesquisa deve incidir não apenas no fenômeno, mas também no seu contexto, tendo em mente o modelo de jornalismo praticado pelo jornal dentro do sistema político, o grau de liberdade e o tipo de público envolvido.

No caso, o jornal analisado – O Estado de S.Paulo – se enquadra no modelo ocidental de jornalismo, aquele que teoricamente confere maior liberdade aos jornalistas, preza por dados objetivos, análises, interpretação de dados, investigação e crítica sem censura ou ameaça de repressão. Mas Sousa alerta para as limitações econômicas deste tipo de jornalismo, que atua enquanto indústria dependente dos recursos financeiros oriundos, em sua maioria, da publicidade e propaganda.

O Estado de S.Paulo é o mais antigo jornal fundado em São Paulo que ainda permanece em circulação. Foi organizado por grupos republicanos, na Convenção de Itu, com o nome de A Província. O primeiro número foi publicado em 4 de janeiro de 1875 declarando tratar-se de um órgão independente. Julio Mesquita assume a direção do jornal, um mês depois de proclamada a república e muda o nome para O Estado de S.Paulo.

Schwarcz (Cf. 1987, p. 84) lembra que A Província, posteriormente, O Estado de S.Paulo, buscou marcar sua especificidade desde o início, caracterizando-se enquanto um jornal vinculado às “novas teorias da época’”. Os grandes valores reiterados nas matérias e reportagens do jornal eram o progresso e a civilização, dando grande destaque aos temas científicos e às teorias positivistas e evolucionistas.

Atualmente, o jornal, com 133 anos de atuação, tem uma tiragem média de 300 mil exemplares por dia, atendendo um público característico de jornal impresso no Brasil – classe média e média alta.

Assim como outros veículos de comunicação, O Estadão também vem registrando significativa quantidade de matérias com a temática ambiental, que tiveram real impulso, em 2007 – ano em que foram coletadas as matérias para o presente trabalho.

O assunto "Mudanças Climáticas" , por exemplo, foi registrado mais fortemente na mídia, segundo pesquisa Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) – “Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira: uma análise de 50 jornais no período de julho de 2005 a junho de 2007” no último trimestre de 2006, levada por fatos como os alardes da ONU, o lançamento do documentário “Uma verdade Inconveniente”, que chegou a ganhar o Oscar de melhor documentário, além da ocorrência de fenômenos naturais (tsunamis e furacões), vistos como conseqüências das alterações no clima, fatos que delinearam o valor notícia do tema.

O ano de 2007 ofereceu outros elementos, eventos e realizações significativas para o contexto ambiental, que impulsionaram a cobertura do tema. 

Foi o Ano Polar Internacional, um programa internacional, desenvolvido pela Organização Metereológica Mundial, voltado para realização de pesquisas científicas no Ártico e na Antártica, com objetivo a compreender as mudanças climáticas em diferentes pontos do planeta. O prêmio Nobel da Paz foi dado à causa ambiental, mais especificamente ao IPCC e ao ex-vice-presidente norte americano e militante ambiental Al Gore. 

O assunto Mudanças Climáticas/ Aquecimento Global ainda suscitou discussões sobre a necessidade de alternativas aos combustíveis fósseis, colocando em pauta o tema dos biocombustíveis, e a produção de etanol. Dentro deste contexto, o presidente norte-americano George W. Bush visitou o Brasil para selar acordos para a produção de etanol, sob a chancela da preocupação ambiental.

Além disso, a Campanha da Fraternidade da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), com o lema “Fraternidade e Amazônia” colocou em pauta a preservação da Amazônia, gerando discussões ainda mais acirradas sobre o futuro da maior floresta do planeta. Também foi o ano da liberação da comercialização de alimentos transgênicos pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), e do início da transposição do rio São Francisco, gerando  questionamentos sobre a revitalização dos recursos hídricos.

Os acontecimentos rechearam a imprensa de publicações ambientais, gerando o que se arrisca a denominar como o “boom” da preocupação ambiental. O jornal analisado na presente pesquisa, O Estado de S.Paulo, deu ampla cobertura e visibilidade ao tema, que esteve presente em praticamente todas suas edições no ano de 2007.

Em uma breve quantificação de temas ambientais diretamente ligados ao Brasil, durante 10 meses (fevereiro a novembro de 2007) foi verificada a ausência do tema ambiental no jornal em apenas 13 dias (4%), em um total de 292 dias contabilizados. Ao todo, foram 774 matérias, em média 77 matérias por mês, 3 por dia. Uma quantidade mais do que significativa para um tema que até então era visto como marginalizado nas páginas dos jornais.

A quantificação evidencia a dimensão deste tipo de cobertura no jornal em questão, mas a análise qualitativa pode sinalizar para o tratamento dado à temática. As notícias analisadas n'O Estado de S.Paulo são da categoria informativa, incluindo questões de serviço, entrevista e reportagem, ou seja, trata-se do discurso sobre um acontecimento recente, feito a partir de relatos e citações. Vale ressalvar que a separação entre informativo e opinativo não é exata, ocorrem muitos intercruzamentos.

Chaparro (2008) propõe pensar a questão dos gêneros sob outra perspectiva, que convém aqui colocar. Para ele sem intervenção valorativa não há ação jornalística, desde o recolhimento da notícia, análise e organização dos dados, escolha das fontes, é necessário um exercício da capacidade opinativa.

O autor avalia que a divisão no jornalismo remonta a 1702, quando o jornalista Samuel Buckley introduziu o conceito de objetividade e separou as notícias dos comentários no periódico The Daily Courant, e apesar de não ter pretensão científica, o paradigma se consolidou e as categorias informativas e opinativas foram legitimadas, ao menos na teoria. Mas para Chaparro (Cf. 2008, p. 159), “o texto jornalístico é sempre produto de múltiplas interações inteligentes e intencionadas, entre jornalistas e fontes que têm informações, ou saberes, ou emoções, ou pontos de vista que interessam aos conteúdos e ajudam a construí-los”.

Ele vai além. Acredita que opinião não invalida a informação, pelo contrário, complementa, uma vez que as matérias e os informativos acolhem cada vez mais a elucidação opinativa, enquanto os artigos exigem a sustentação de informações opinativas.

Neste sentido, ele avalia os gêneros como formas de discurso, compostos de esquemas narrativos para relato da atualidade e esquemas argumentativos para comentário da atualidade, sendo assim são 2 gêneros – comentário, que envolve artigo, carta, coluna e charge, e relato que contempla a notícia, reportagem entrevista e coluna.

Partindo desta analise, a presente pesquisa trabalha com gênero relato da atualidade, sem, contudo, considerar a coluna por não se enquadrar no tipo de informação que se busca e por ser um gênero híbrido, segundo autor. Mas vale frisar que as divisões se dão, muitas vezes, no ambiente e competência da prática jornalística, e não nos livros.

Aqui ainda vale ressaltar que o jornal impresso estabelece uma relação distanciada entre jornalista e seu público, além da ausência física da instância de emissão para com a recepção, que não pode fazer coincidir tempo e acontecimento. Mas para Charaudeau (2006) a imprensa escrita pode ser tipo mais elaborado e particularmente mais eficaz de divulgação de informação, porque permite mais espaço para trabalhar textos, análises, editoriais e reflexões.

A escolha por este veículo de comunicação se dá para entender os meandros de uma cobertura realizada por um jornal impresso de grande circulação, que ainda mantém a estrutura de grandes reportagens e textos com características informativas.

2. O processo de produção da notícia e as hipóteses da temática ambiental

É importante conhecer as características e certos indicativos do discurso midiático para identificar as escolhas e os critérios dos veículos de comunicação no processo de produção da notícia.

Segundo Charaudeau (Cf. 2006, p. 12) o discurso da informação é uma atividade de linguagem “que permite que se estabeleça nas sociedades o vínculo social sem o qual não haveria reconhecimento identitário”. A linguagem é colocada enquanto “ato de discurso, que aponta para a maneira pela qual se organiza a situação da fala numa comunidade social ao produzir sentido” (p. 33-34).

A informação é, para o autor, uma questão de linguagem, que não é transparente ao mundo, mas apresenta um sentido particular, que é caracterizado por escolhas daquilo que se retém ou despreza, amparado por estratégias discursivas. Todo o discurso, no caso, jornalístico, antes de representar o mundo, representa uma relação de troca, transação entre quem fala e para quem fala ou se quer falar.

A comunicação, nesse sentido, pode fazer um julgamento do mundo pela escolha das palavras, vocábulos que pode qualificar pessoas e ou situações. Charaudeau (2006) exemplifica que na mídia certas palavras como estrangeiros, imigrantes, pardos carregam efeitos de sentido, e quando usadas em situações recorrentes pelos mesmos locutores, acabam por agregar determinados valores e até efeitos de verdade ao se inscrever nas normas e conhecimento do mundo.

Isso porque, os meios de comunicação trabalham justamente no princípio da veracidade da informação e fazem isso a partir da autenticidade (com provas concretas, imagens ao vivo) ou verossimilhança (prova reconstituída baseada em testemunhos e investigação).

Para retratação do acontecimento é preciso que uma realidade seja percebida e modificada para atender os requisitos do discurso jornalístico, para isso são utilizados efeitos de saliência e significação no texto. Os acontecimentos são selecionados pelo potencial de atualidade, socialidade (capacidade de construir universos e tematizar) e imprevisibilidade, coloca Charaudeau.

Mas a informação é proveniente de empresa, portanto, o autor frisa que ela não é gratuita ou filantrópica, precisa atrair seu público. Para isso, recorre a estratégias de linguagem para despertar o interesse e seduzir o leitor, o que acaba por produzir um efeito de banalização, saturação e dramatização do assunto.

Sousa (2004) lembra que a linguagem é mediada entre o mundo e as idéias e imagens que temos dele. Ele avalia que o discurso objetivo dos jornais procura que o sujeito enunciador se anule ao máximo face ao objeto enunciado, para camuflar um processo objetivo que vai terminar com a recepção, “a percepção e integração cognitiva da notícia na mente do receptor, mediadas pela linguagem, num enquadramento circunstancial que abarca aspectos pessoais, sociais e ideológicos e sociais” (Cf. Sousa, 2004, p. 18).

A notícia, como coloca Sousa, pressupõe um processo de produção (Newsmaking) que envolve a seleção, hierarquização e transformação dos acontecimentos em padrões de notícia, ou seja, com características específicas para divulgação.

Mas as influências deste processo são inúmeras: do próprio jornalista que tem seu histórico, suas convicções; as limitações com tempo para recolher todas as informações necessárias até o fechamento da edição; as rotinas jornalistas que geram, inclusive, semelhanças nos formatos e conteúdos dos jornais, com predomínio de determinados assuntos e fontes; além das influências econômicas e políticas que podem incidir sobre cada veículo.

Assim, cada jornal dentro da sua especificidade vai atuar com critérios de noticibilidade, que vai determinar o que é notícia a partir de características como atualidade, repercussão, magnitude, ineditismo, facilidade de cobertura e até a procura por fontes de informação, que pode revelar determinada relação de poder. Estes fatores de certa forma impedem a imparcialidade e a objetividade pretendida pelo jornalista.

Mas Charaudeau lembra que muitas vezes a mídia tira partido de casos intermináveis porque permite “descrever a exaustão acontecimentos do espaço público seguindo um roteiro dramatizante que se encerra invariavelmente com as eternas questões sobre o destino humano” (Cf. Charaudeau, p. 93). É justamente o que acontece na temática ambiental que suscitam dúvidas como “a que ponto chegamos?”, “como é possível?”, “a culpa é nossa”, revelando a dramaticidade colocada à questão.

O assunto ambiental está em ascensão na mídia e é preciso conhecer o tratamento destas notícias. As características do tema dificultam a cobertura e a escolha de valores-notícia que atendam ao público ávido pela informação ambiental. Vale colocar também que é um assunto interdisciplinar que envolve diversas questões e pode ser alocado em diferentes seções do jornal.

Sobre o assunto já foram levantadas hipóteses que norteiam o presente estudo. A temática ambiental ganhou inúmeras vertentes e interpretações na mídia, que apresentam a questão de maneira ora romantizada, ora catastrófica, ora antropocêntrica ou ainda banalizam a temática para criar uma realidade ambiental autônoma, isolada e desvinculada das relações de interdependência que se estabelecem entre natureza e sociedade.

Para Gonçalves (p. 63), no mundo contemporâneo, a natureza ainda é vista de maneira dicotomizada, ou como algo hostil, lugar da selva de luta, sendo necessária a presença do Estado, ou como um local de harmonia e bondade, num contexto romantizado. A abordagem ambiental por vezes é reduzida ao campo dos danos industriais em uma visão tecnocrática, que acaba marginalizando aspectos políticos e sociais intrínsecos à questão.

A questão para Dutra (2005) é se de fato existe um discurso ecológico. Ele coloca que a origem deste discurso estaria nas visões dominantes de ciência, de capital e de gerenciamento. As noções de risco ambiental, por exemplo, são recorrentes na mídia, não apenas quando há referências às florestas tropicais e à perda de biodiversidade, mas também sobre desastres nucleares, ameaças de disseminação de produtos tóxicos no ambiente, entre outros assuntos. Outros tipos de discursos avaliados por ele, elucidam a perda, nostalgia, perigo. Ou até mesmo uma visão de catástrofe ou extrema valorização.

E mais. O autor (2005) analisou a concepção da temática ambiental, com enfoque na Amazônia, dentro do discurso midiático da televisão, e notou que a floresta é utilizada como enunciado catalisador de múltiplos discursos, entre eles os discursos das descobertas e da visibilidade aos recursos naturais e ao mesmo tempo invisibilidade humana. O estudo investigou o caráter de reiteração presente no elemento verbal dos textos jornalístico sobre a Amazônia, juntamente com as imagens e efeitos com que estruturam conjuntos significantes que acabam formando uma imagem da Amazônia, não como espaço físico-geográfico, mas como um vazio humano apenas de dotes naturais.  

Para o autor, o campo da mídia se nutre de um fundo arcaico, que é camuflado por certa atualidade (Cf. Dutra, 2005, p. 79).

É, pois, desse fundo primitivo que a mídia busca seus efeitos de sentido que são emitidos no cotidiano efêmero da experiência coletiva, sendo o componente mais habitual dessa forma de reminiscência proveniente das instituições antigas, em particular a instituição religiosa, a guerreira, a familiar, a política, a jurídica e a científica.

Foi possível averiguar, segundo o autor, um obscurantismo medieval que acreditava em aberrações da natureza personificadas por tribos no Brasil. A própria Amazônia resulta de um nome fruto das forças das fantasias narrativas da época, de uma lenda de espíritos vagueantes, as Amazonas da Grécia pagã, que passaram para a América meridional. Assim, se fortaleceram na memória social as idéias de florestas como ambiente hostil e lugar de mistério, que são reproduzidas pela mídia.

Para Dutra (2005), a mídia parte muitas vezes de pautas e pré-roteiros determinados, a partir de noções já pré-construídas sobre a questão ambiental, reeditando estereótipos historicamente fabricados, mas introduzidos de forma sedutora, por meio de falas, textos e imagens, camuflados no viés da informação. Seria justamente a capacidade de colocar o assunto em uma agenda de interesses e transmitir uma realidade social nem sempre tão importante.

A inclusão do diferente, por exemplo, os povos tradicionais e indígenas, só é considerada se ajustada ao discurso midiático legitimando-o, fazendo parte de um discurso passivo, enquanto vozes autorizadas do campo da ciência e do poder político dão o caráter de legitimidade aos processos midiáticos.

Mas o autor reconhece a dificuldade em abordar uma questão tão abrangente como ambiental, devido a indefinição do objeto, sua complexidade e interdisciplinaridade, que envolvem organizações, cientistas, comunidades locais, movimentos sociais e aspectos políticos, econômicos e sociais

3. Escolhas metodológicas

As escolhas dos procedimentos de análise visam se ater as principais características do texto que podem revelar certa intenção e merecem uma análise mais aprofundada – como os excertos representativos dos discursos, que justificam determinadas proposições e juízos que os meios de comunicação possam fazer. “É assim a tarefa do pesquisador localizar, identificar, selecionar, recolher, descrever e analisar elementos de interesse para sua pesquisa” (Cf. Sousa, 2004, p. 65).

Neste sentido, Sousa relata ser importante determinar categorias de análise, que podem envolver estudos das estruturas textuais, determinação das qualidades atribuídas às fontes, personagens citados, verbos de declaração, levantamento entre vocábulos e frases que incidem sentidos, ou seja, determinadas organizações do discurso, capazes de direcionar a construção de significados. É possível também evidenciar os argumentos que servem de base para determinada posição e o modo como ele é construído no texto.

O uso de determinadas palavras e associações podem desvelar as intenções de um enunciador, assim como utilização das aspas, itálicos, pronomes, adjetivos e figuras de estilo, que servem para simplificar a informação, exagerar, relativizar, revelar embates, polemizar. As figuras de estilo – metáfora, metonímia, personificação, paradoxo, hipérbole –, também geram determinado sentido, que fogem do âmbito do acontecimento em si.

Mas a relação não é tão direta assim. Sousa lembra que os enquadramentos em matérias noticiosas podem estar por trás da perspectiva das fontes - se gera embate, polêmica, conflito ou mesmo uma situação amigável. As fontes são fatores essenciais para análise, “o recurso sistemático a determinadas fontes que dizem o mesmo pode revelar determinada tendência editorial” (Cf. Sousa, 2004, p. 86).

Charaudeau (2006) avalia que a escolha das fontes determina o tipo de discurso. Ele cita, por exemplo, que a mídia só se interessa pelo anonimato se puder integrar a palavra do anônimo em uma situação dramatizante ou de testemunho. As fontes de informação ainda podem ser nomeadas de diversas formas, que também implicam determinado efeito de sentido, pelo nome, sobrenome, apelido, mediante uma noção vaga para preservar anonimato, ou quando realmente se ignora a identidade.

Segundo Charaudeau as fontes compõem a imagem institucional do veículo e podem ser escolhidas pelo seu efeito de decisão (fontes oficiais) ou pelo efeito de saber (especialistas e pesquisadores). Também há a escolha pelo efeito de opinião, contrapondo mensagens, fazendo apreciações e julgamento para evidenciar uma imagem democrática; ou ainda pelo efeito de testemunho, anonimato, o que sinaliza para uma imagem mais populista do jornal.

As escolhas dos verbos de declaração/ enunciação (acredita, afirma, avalia...) também deve ser analisada, pois pode influenciar na credibilidade da informação, produzindo efeitos de verdade, seriedade, evidência, suspeita, identificação.

Para Chauraudeau (p. 186), o comentário/ explicação utilizado pela mídia para elucidar fenômenos simplifica a complexidade dos acontecimentos, a partir das estratégias que os tornam mais acessíveis, com explicações deterministas que beiram a vulgarização para ser motivador, e acaba por criar estereótipos.

O comentário, a explicação, ainda podem correr o risco de “produzir efeitos perversos de dramatização abusiva, de amálgama, de reação paranóica”, avalia (Cf. Charaudeau, 2006, p. 187). Ainda quando se tenta ser democrático e colocar diversos pontos de vista convergindo, é preciso ficar atento, porque a contradição que não elucida as questões e, geralmente, foge do âmbito do assunto principal, bloqueia a análise crítica e gera a falsa impressão de discursos opostos.

Outra questão é quanto a representatividades de grupos minoritários que são divulgados, mas na maioria das vezes de forma fragmentada com pouco espaço concedido “o suficiente para mostrar que ele teve o direito de falar”, acredita o autor (Cf. Chauraudeau, 2006, p. 199).

Também é possível ver a divisão em seções ou editorias, o contexto gráfico, dimensão da matéria nas páginas do jornal, tamanho, localização na página, destaque em 1ª página, utilização de fotos, infográficos e mapas. Detalhes como gráficos, infográficos e mapas sugerem explicações e dão mais veracidade ao caso, de acordo com Charaudeau.

Mediante os pontos colocados, a análise em questão irá se ater a três procedimentos colocados por Sousa (2004), que foram complementados por Charaudeau no estudo deste capítulo:

  • Procedimentos de objetivação, com análise das fontes de informação e verbos de declaração, seleção e hierarquização dos acontecimentos, citações escolhidas, significado no contexto, adjetivação das fontes e declarações.

  • Procedimentos de intensificação e dramatização uso de vocábulos, palavras e adjetivos que gerem exagero, simplificação, oposição, deformação e amplificação emocional na mensagem.

  • Procedimentos de persuasão, que prioriza a menção das causas dos acontecimentos, construção de textos emotivos, com superioridade de determinados argumentos, evidenciando vantagens e desvantagens da situação e referência hipotéticas.

4. Análise dos procedimentos jornalísticos

As análises são feitas com três reportagens jornalísticas publicadas no O Estado de S.Paulo nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2007 relacionadas ao tema ambiental: Biodiversidade, Aquecimento Global e Energia/Combustíveis. São três assuntos diferentes, selecionados em uma amostra aleatória de três dias distintos, com espaço de pelo menos 10 dias entre uma publicação e outra. Os temas apesar de pertencerem à mesma temática trazem assuntos diferenciados, que foram localizados em editorias diferentes e com enfoques distintos.

As publicações são extensas (média de 5 mil caracteres), com mais de uma matéria sobre o mesmo assunto, enfoques diferenciados e gêneros jornalísticos que variam do factual à entrevista e análises. Uma das reportagens foi manchete principal do jornal e outra recebeu chamada de capa, evidenciando o espaço dado à temática. As três matérias com destaques, abordagens e editorias diferentes, vão permitir ter uma visão mais abrangente do perfil editorial do jornal.

4.1. Matéria 1

Referência: O Estado de S.Paulo, 18 nov. 2007
Caderno: Geral
Editoria: Vida &
Chapéu: Aquecimento Global
Título: "Amazônia está sufocada, diz Ban"
Linha Fina: "Secretário-geral da ONU surpreende e faz referência direta à floresta no encerramento da 4ª reunião do IPCC"

O texto, de categoria informativa, relato da atualidade, escrito em estilo reportagem, engloba o comentário do secretário-geral da ONU, Ban-Kin-moon, sobre a degradação da floresta amazônica, e o perigo da vegetação se tornar savana em médio prazo.

A matéria traz uma chamada de capa: “Amazônia está sufocada, diz secretário da ONU” e é escrita por jornalista especial para o próprio Estado. Trata-se de uma reportagem interpretativa, haja vista a extensão do texto, utilização de gráficos, levantamentos, desenhos explicativos e interpretativos, ilustrações e ainda com adendo para uma matéria relacionada – “Alguns países terão de pôr a mão no bolso”, com o cientista e membro do IPCC (Painel Intergovernamental) de Mudanças Climáticas, Peter Bosch.

A matéria é baseada em uma declaração oficial, relacionada diretamente ao Brasil, com o mote principal do aquecimento global, e também centrada no Relatório divulgado pelo IPCC. Analisando outras fontes de informação foi possível constatar outras fontes oficiais como o presidente do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) Rajendra Pachauri e a Secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Thelma Krug, e uma fonte proveniente de organização não governamental, a Porta-Voz do Greenpeace internacional, Stephanie Tunmore.

Aqui já é possível notar os procedimentos de objetivação, que evidenciam a tendência oficial do jornal, reforçando o efeito de decisão que estas fontes possuem e podem influenciar na imagem de credibilidade.

Os verbos de declaração utilizados reforçam a seriedade das fontes e a dramaticidade da situação. Por duas vezes é utilizado o verbo enfatizar e o texto dramatiza a questão, colocando que o secretário “teme que a floresta não tenha tempo para se adaptar às mudanças climáticas”. Em outro trecho, coloca que as fontes acreditam que são necessárias “respostas políticas ao problema”, mas este tema não é desenvolvido.

A reportagem também é vaga quando coloca que a Amazônia foi citada como um exemplo do que a humanidade deve evitar, mas não exemplifica o porquê. A declaração do secretário da ONU, assim como outros trechos escolhidos para reprodução literal, tem forte apelo emocional. “A floresta está sufocada”; “toda a humanidade deve assumir a responsabilidade por estas jóias em nome das próximas gerações”.

A representante da organização não governamental Greenpeace encerra a matéria  dizendo que é preciso projetar ações contra o aquecimento global, ou seja, apenas corroborando o que foi dito por especialistas. O jornalista ainda afirma que a ambientalista “saudou” o texto (do IPCC). No caso, os grupos minoritários, como colocou Charaudeau, têm voz apenas para constar e mostrar uma falsa pluralidade de fontes de informação. O jornal faz um retrospecto da publicação do IPCC, ressaltando que as afirmações do documento surpreenderam os jornalistas.

O conteúdo do documento é tratado de maneira interpretativa, sem se referir a fontes de informação, sem entrar nos méritos científicos ou informações mais contundentes e, novamente generalizando a informação, através de fontes não determinadas. O texto afirma que os Estados Unidos (enquanto governo? Nação? Sociedade?) se mostraram mais reticentes em conter o aquecimento global enquanto o Brasil foi elogiado por sua postura técnica (mas qual postura?) e que os ambientalistas  se mostraram críticos ao aquecimento global.

São extraídos do texto trechos impactantes, e de certa forma, mais simplistas e menos técnico do relatório. Vale lembrar que se trata de um documento com duas mil páginas baseado em pesquisas de um grupo, que envolve mil pesquisadores científicos. A reportagem utiliza as tendências de aumento da temperatura para mostrar um cenário catastrófico, sem, portanto, citar medidas ou responsabilidades, evidenciando os procedimentos de persuasão.

No centro da matéria há um grande globo terrestre, bastante atrativo, que permeia as duas páginas do jornal e mostra a emissão de gases poluentes dos países – México, Estados Unidos, Canadá, Japão, Rússia, União Européia, China, Índia e Brasil. A matéria também traz quadros de fotos “Impactos Possíveis” com fotos chocantes de enchentes, seca, poluição e imagens atrativas para representar a extinção de ursos polares e ecossistemas.

Esta superioridade de argumentos, utilizando textos e imagens emotivas indicam um forte procedimento de persuasão para convencer e atrair o leitor. Ainda completa o texto um quadro com as emissões de gases poluentes divididas por setores: geração de energia, indústria, florestas, setor agropecuário, transportes, construções e rejeitos sólidos e líquidos, e um quadro sobre efeito estufa como era antes do homem e como se tornou com a ação humana, evidenciando em tom de vermelho a degradação causada no planeta.

Como adendo da matéria principal o jornal traz entrevista com um cientista do IPCC – “Alguns países terão que pôr a mão no bolso”.

Linha fina: Produtores de petróleo não evitaram referência a fontes limpas de energia e financiamento para países pobres ficou fora do texto.

A entrevista inicialmente para fazer um balanço das discussões sobre aquecimento global, começa com forte apelo emocional, revelando certa dramaticidade “O maior esforço científico da historia da humanidade”, fazendo referência ao trabalho do IPCC.

A entrevista em estilo ping-pong se foca na citação sobre a importância da preservação da Amazônia, na polêmica sobre a posição norte-americana no que se refere às medidas para conter o Aquecimento Global e na conduta responsável que o Brasil vem desenvolvendo.

Novamente o texto é feito em cima de fonte oficial, desta vez, com efeito de saber e conhecimento, uma vez que se trata de um cientista, mas sem dar margens para contestações ou entrar em méritos técnicos e explicativos da questão. Tem-se neste caso, predomínio de fontes oficiais que conferem legitimidade ao jornal, em detrimento da pluralidade de informações.

4.2. Matéria 2

Referência: O Estado de S.Paulo, 21 out. 2007
Caderno: Geral
Editoria: Vida &
Chapéu: Floresta Ameaçada
Título: "Desmatamento cresce 600% na fronteira do Brasil com a Bolívia"
Linha Fina: "Imagens de satélite apontam arco de devastação causado por crescimento econômico e construção de hidrelétricas"

A matéria, de grande extensão com um texto complementar, foi manchete principal do jornal “Derrubada de floresta na fronteira cresce 600%”, com complemento: “Desmatamento avança na região limítrofe de Rondônia com a Bolívia”.

O texto de gênero noticioso, relato da atualidade é escrito em estilo reportagem, com interpretação dos dados, infográficos e imagens. Trata do índice de desmatamento, equivalente 42 km² de árvores em apenas um ano, divulgado pelo Sistema Oficial de Detecção do Desmatamento, e avalia a ameaça de mais desmatamento na região com a previsão de construção de duas hidrelétricas no rio Madeira.

As fontes utilizadas que contribuem na objetivação do tema são basicamente os Dados do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), coletados pelo Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real) e a Diretora de fiscalização do Ibama em Rondônia, Nanci Rodrigues da Silva. Também é ouvido o chefe da Polícia Federal, Sergio Lúcio Fontes.

São citados os funcionários do Ibama e dos órgãos estaduais de Administração do Meio Ambiente, inclusive fazendo avaliação do mapa de desmatamento e detectando os problemas e as causas, no entanto eles não são descriminados e as informações são tomadas como generalistas. Vale ressaltar novamente a insistência em fontes oficiais, mas desta vez revelando certo embate dentro do próprio contexto oficial. A utilização das fontes revela o conflito.

A diretora do Ibama afirma que “o Estado não tem interesse em combater o desmatamento” e ainda faz críticas ao órgão federal Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que segundo é colocado na matéria, não realiza a regularização fundiária das terras e isso facilita o desmatamento. A diretora é apontada em toda extensão da matéria, ficando nítido o grande espaço dado para seu posicionamento.

Logo no início da reportagem notam-se os procedimentos de intensificação, afirmando que o desmatamento no Estado de Rondônia virou um “escândalo nacional”. E cita que a explosão do desmatamento foi causada pelo incremento da atividade econômica e expectativa da construção de hidrelétricas, sem entrar em méritos técnicos ou dados mais conclusivos.

A matéria é bem descritiva, apoiada nas declarações da diretora de fiscalização do Ibama em Rondônia, que mostra certo exagero na citação reproduzida pelo jornalista: “Não estou falando nem de 6% nem de 60%. Estou falando de 600%” e outras declarações impactantes e de certa foram simplistas. O próprio jornalista conclui que fiscalização é ineficiente e insuficiente para o tamanho da área.

A matéria também faz referências a outras publicações do jornal que já anunciavam o fato, dando credibilidade e veracidade ao veículo de informação.

A foto principal que ilustra a matéria também tem forte apelo mostrando helicóptero do exército sobrevoando área desmatada e destacando que para o Ibama “Estado não tem interesse em combater desmatamento”.

Há ainda um texto complementar: “Achava que era exagero da mídia, que era tudo fantasia”, com declaração do Comandante da Infantaria da Selva, tenente coronel Paulo Eduardo Monteiro, sobre a situação de desmatamento no país. O texto além de evidenciar novamente a fonte oficial, ainda exalta a credibilidade da imprensa na própria afirmação oficial. As declarações do coronel ainda revelam certo exagero “o que acontece aqui é escandaloso” e enfatizam a importância da divulgação na imprensa.

Para atender os procedimentos da pluralidade de informação, o jornal oferece espaço para a resposta do Governo de Rondônia, que foi duramente atacado em matéria principal. Na entrevista, com menor tamanho e destaque “Secretário contesta dados e diz que Estado preserva a mata”.

Linha Fina: Augustinho Pastore afirma que Rondônia faz sua parte pelo ambiente.

O espaço concedido ao Secretário de Desenvolvimento do Meio Ambiente mostra suas contestações sobre os dados do Ibama, mas coloca que ele “reconheceu” uma parcela deste desmatamento. Ao utilizar verbos como “contestar” e “reconhecer” o jornal evidencia a contrariedade da posição da fonte e gera dúvidas quanto a declaração oficial.

A matéria também coloca que o secretário defende os madeireiros, “dizendo que proporcionam desenvolvimento do Estado”, e termina com uma afirmação do secretário de que “tem de haver meios de sobreviver”, de certa forma a escolha desta declaração serve para justificar por meios não muito coerentes o desmatamento ocorrido no Estado, o que deixa o secretário, fonte de informação, com uma defesa infundada.

Nesse sentido, nota-se uma cobertura conflituosa, que traz uma pauta importante que é a questão do desmatamento, sem, contudo, se centrar nas causas e conseqüências do problema, mas reforçando o embate de entre órgãos públicos e fazendo uso de expressões que evidenciam o caráter espetacular e exagerado do assunto, sem acrescentar informações.

As fontes de informação são todas oficiais, do campo político que conferem legitimidade aos processos midiáticos, e não há preocupação em dar voz àqueles que vivenciam a problemática, como a população ribeirinha, indígena, comunidades.

A reportagem também é incisiva no aspecto da fiscalização, colocando-a como a única solução para o problema do desmatamento.

4.3. Matéria 3

Referência: O Estado de S.Paulo, 10 dez. 2007
Caderno: Economia & Negócios
Editoria: Economia
Chapéu: Energia
Título: "Governo leiloa usinas no Madeira, mas não resolve problema de energia"
Linha Fina: "Para atender o aumento do consumo, o país teria de construir o equivalente a um Complexo do Madeira por ano"

O texto noticioso e factual é escrito em estilo reportagem. O assunto principal e factual é o consórcio, promovido pelo governo federal, para iniciar as obras das usinas no rio Madeira, mas a matéria tem características analítica e interpretativa, deixando a concorrência do consórcio para um segundo plano. A matéria ocupa toda a capa do caderno de Economia & Negócios, merecendo texto complementar, foto grande e quadro explicativo com as concorrentes do Consórcio de energia.

As fontes para compor o texto jornalístico são generalizadas “na avaliação dos especialistas” (quais?), e reforçam a idéia da necessidade deste tipo de empreendimento e de mais agilidade para tirar “os projetos do papel”, sem revelar que a demora é resultado de um processo de estudos de impactos ambientais que este tipo de empreendimento é obrigado a fazer.

A matéria também  coloca que  “os especialistas” acreditam que é preciso esforço para construção de usinas nucleares, novamente desconsiderando o impacto ambiental de tal empreendimento. “Os ambientalistas” críticos da obra são colocados de maneira generalista com argumentos pouco convincentes, de que o rio tem excesso de sedimentos que podem inviabilizar a obra, mas sem se aprofundar nestas questões técnicas ou mesmo entrar nos méritos de uma discussão ambiental sobre o impacto das usinas.

Como fonte de informação a matéria também utiliza um projeto de Usina entregue a Aneel sem, contudo, descriminá-lo e o diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, Adriano Pires, que é denominado pelo jornalista como pessimista no prazo de funcionamento da usina. Também é citada uma fonte extra-ofical o ex-Secretário do Ministério de Minas e Energia, Afonso Henriques, citado como um entusiasta do empreendimento.

Como se nota, a matéria de viés econômico, privilegia as fontes ligadas à área dá um enfoque reducionista à questão, com falsos discursos opostos que sinalizam para uma mesma conclusão: a necessidade de investimentos, com afirmações como “alerta da necessidade de concessão de novos empreendimentos”.

O lead da matéria afirma que o complexo do rio madeira é “o empreendimento elétrico mais importante e desafiador do Brasil”, carregando de intensidade tal afirmação, mas faz um contraponto citando que está longe de resolver o problema do Brasil. A utilização deste paradoxo intensifica a urgência da questão e dá dramaticidade à questão energética no país. A matéria ainda coloca, sem fontes de informação confirmando, que uma das hidrelétricas que vai a leilão é vista como a salvação do País (por quem? Que tipo de salvação?). A utilização de termos como solução, salvação, esforço dão o tom dramático e de urgência à questão.

O texto faz críticas indiretas ao movimento ambiental que é contra os empreendimentos, afirmando, por exemplo, que mal começou processo de licenciamento e as obras já são alvo de protestos de ambientalistas. E evidencia as declarações sobre os benefícios das usinas “é o conjunto dessas usinas que vai dar segurança de abastecimento ao país”. Também são revelados embates ao colocar que as novas usinas “devem render inúmeras discussões e brigas com ambientalistas”. A construção destes argumentos demonstra claramente um procedimento de persuasão por parte do jornalista.

Todas as fontes de informação devidamente identificadas defendem o empreendimento, enquanto os ambientalistas que são contra, aparecem de maneira generalizada e sem argumentos contundentes. Aqui se nota o pouco espaço dado a opiniões divergentes, que não estão de acordo com os argumentos evidenciados na matéria.

A matéria complementar coloca em evidência duas empresas “Vale pode se tornar sócia de Camargo e Correa”. O texto ressalta o valor do megawatts e o mercado de geração de energia. Sem citar diretamente a fonte de informação, o texto coloca que a Vale reclamou das dificuldades em entrar nos consórcios. Também afirma que a Votorantin estaria interessada em participar dos consórcios, mas não teve sucesso nas negociações, sem entrar nos méritos desta transação.

5. Considerações finais

O presente estudo vai auxiliar uma pesquisa mais ampla, de dissertação de mestrado, que irá analisar a cobertura das notícias ambientais no jornal O Estado de S.Paulo no período de um ano. Mas aqui já foi possível identificar algumas características desta cobertura a partir da análise dos procedimentos discursivos que sinalizaram que a temática não é estanque está em diferentes editorias, seções e recebe diferentes abordagens, o que evidencia a interdisciplinaridade do tema.

Conforme levantamento preliminar, foi constatado que o tema ambiental traz forte apelo emocional, e que esta estratégia é amplamente utilizada para dar destaque às matérias. As fotos e infográficos também evidenciaram este apelo, corroborando os textos com imagens chamativas, ilustrações permeando o texto, que trazem pouca informação mais atraem pelo visual e impacto.

Estas características deixam a matéria mais atrativa para o leitor. Os procedimentos de persuasão são constantemente utilizados com predominância de determinados argumentos em detrimento de outros, e utilização de termos e palavras que recorrem ao emocional e dramatizam a questão.

As fontes oficiais foram maioria nos textos e quando se deu espaço para grupos minoritários e alternativos foi apenas para confirmar os argumentos já colocados ou mesmo para revelar embates. Vale ressaltar que as afirmações minoritárias não acrescentaram informação, o que confirma a colocação de Charaudeau (2006) de que o jornal dá o espaço apenas para aparentar um discurso democrático.

As fontes mesmo em lados opostos tinham os mesmos argumentos, mas geravam a falsa impressão de discursos opostos. Além disso, muitas fontes foram colocadas sem denominação específica, o que pode significar desconhecimento por parte do jornalista ou ainda generalização de uma afirmação do senso comum, sem considerar a diversidade dos grupos existentes em cada setor.

Os argumentos sobre os prejuízos ao meio ambiente não entraram no mérito científico da questão e as explicações superficiais e fragmentadas evidenciaram uma idéia romântica de preservar a natureza.

A matéria na editoria de economia também desconsiderou questões técnicas, para evidenciar os dados financeiros e incentivar a construção de usinas que comprovadamente causam prejuízos ao meio ambiente. Avalia-se, neste sentido, que os valores científicos que marcaram a fundação do jornal, se perderam para dar espaço a textos mais emotivos.

É possível concluir preliminarmente que o meio ambiente é abordado de maneira fragmentada, romântica e catastrófica. Ao colocar o homem como centro da questão e não como parte dela – a culpa é do homem e é ele quem vai sofrer as conseqüências – a cobertura feita pelo jornal vai ao encontro de um paradigma antropocêntrico, que triunfou no século XVII e resiste até hoje, deixando dúvidas sobre o real compromisso do jornalismo contemporâneo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CHAPARRO, M. C. Sotaques d’aquém de d’além mar. Travessias para uma nova teoria de gêneros jornalísticos. São Paulo: Summus, 2008.

CHARAUDEAU, P. O Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.

DUTRA, M. J. S. A Natureza da TV: uma leitura dos discursos da mídia sobre a Amazônia, biodiversidade, povos da floresta. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (UFPA), 2005.

GONÇALVES, C. W. Os (des)caminhos do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 1993.

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PEREIRA. R. “Governo leiloa usinas no madeira, mas não resolve problema de energia”. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 10 dez. 2007. Disponível em: www.estado.com.br/editorias/2007/12/10/eco-1.93.4.20071210.1.1.xml. Acesso em: 21 jan. 2008.

SCHWARCZ, L. M. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos Em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Editora Schwarcz, 1987.

SOUSA, J. P. Introdução a análise do discurso jornalístico. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004.

THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna. Teoria social crítica dos meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

*Katarini Giroldo Miguel é jornalista e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da UNESP/Bauru.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]