Nº 11 - Fev. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



MONOGRAFIAS
 

Teleradiodifusão
A responsabilidade social e legal dos concessionários de serviços públicos

Por Eduardo Altomare Ariente e Roberto Lestinge*

RESUMO

O presente texto [1] tem por objetivo discutir a responsabilidade social e legal dos concessionários de veículos de teleradiodifusão, em razão de suas naturezas de serviços públicos essenciais.

Reprodução

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade / Ética / Teleradiodifusão

1. O papel da informação numa democracia

O pleno exercício da cidadania em uma democracia, pressupõe a livre escolha em todos os aspectos da vida social e econômica do indivíduo, que irá recorrer a diversas fontes de informação para formar o embasamento que orientará as suas decisões.

Diversos fatores que entram nessa formação de opinião são incontroláveis ou imponderáveis pois têm origem em situações em que a mensagem é transmitida e recebida sem que haja uma resistência ao seu conteúdo ou mesmo consciência do processo de assimilação.

Lições de religião, história, educação moral e cívica na escola primária, ler uma revista semanal no consultório médico sem nenhum aparente compromisso, uma conversa de botequim entre os amigos em que diversas opiniões são trocadas, uma manchete do jornal na banca que deixa uma memória não necessariamente assinalada, são apenas algumas das diversas ocasiões em que o discurso prevalecente se faz presente de maneira quase informal.

Assim, novos valores passam a ser introduzidos para mais tarde passarem por um processo de abstração que resultará no discurso do indivíduo, que nada mais é que o resultado da somatória de vários discursos com suas próprias convicções e interesses.

A repetição sistêmica em massa de um discurso – que pode ser ecológico (o aquecimento global) ou econômico (a crise) – termina por contaminar e permear o grau de consciência da população nesses assuntos. Do mesmo modo, a ausência de um tema – transgênicos (perigos e problemas) cria a falsa sensação de irrelevância, na melhor das hipóteses.

Essa polifonia de vozes tem a sua hierarquia na formação de uma opinião. Dentro dessa escala, algumas são mais formais que as outras, pelo fato de serem consideradas como fontes de notícias como é o caso dos informativos na TV.

Apresentados em ambiente formal e solene como parte essencial do processo de criar credibilidade, necessitam passar a idéia que foram  preparados com o intuito exclusivo de levar ao espectador o que está acontecendo ou aconteceu de mais importante em várias áreas de interesse e que as informações ali contidas são vitais para o entendimento do mundo.

Considerando que o filósofo alemão Horkheimer já havia declarado que assistir TV é uma tarefa difícil, tal a complexidade e a variedade dos assuntos abordados, parece natural ao telespectador deixar que o telejornal atue como mediador, raramente impondo qualquer tipo de questionamento crítico em relação ao seu conteúdo ideológico.

O ritual de consumir notícias dentro da formalidade, pode ser pelo rádio de manhã, na leitura do jornal diário, nas páginas da Internet ou nos diversos telejornais durante todo o dia. Estar informado dos eventos ditos mais importantes e apresentados por diversas mídias, resulta em uma sensação de pertencimento ao espectador/leitor, fator importante para sua integração e aceitação na sociedade.

Falar de temas que sejam do conhecimento de todos e poder emitir uma opinião a respeito ou escutar as opiniões alheias, faz parte de um jogo de interação social de grande importância. Ignorar a agenda comum, com seus valores embutidos pode causar estranhamento do indivíduo dentro de uma coletividade ou até a sua exclusão. De modo contrário existe um valor de reconhecimento para quem consiga informações relevantes para o grupo social. Essa retroalimentação propicia segurança entre as pessoas, que se sentem informadas e consideram a informação atualizada como um sinônimo de atividade vital.

No Brasil, a informação tem diversas escalas de interesse devido às diferenças entre as regiões e os graus de alfabetização das diversas populações. Considerando que a maioria da nossa população não tem meios financeiros e/ou acesso a jornais, revistas ou internet e sendo composta de 75% de analfabetos e/ou analfabetos funcionais, a opção de informação que resta são os telejornais ou as poucas rádios de notícias que sobraram e que não transmitem programação evangélica. Por sua força de atração e fascínio, a TV é por excelência o eletrodoméstico mais consumido no país, estando presente nos lares de quase 94% das residências.

Em vista do déficit educacional formal a TV carrega uma maior responsabilidade entre os meios de comunicação em massa, já que é detentora e controladora do discursos que permeiam a nossa sociedade. Discurso é poder e o poder não deve servir de meio de opressão à própria população que o sustenta. Por meio do discurso dirigido, os meios de comunicação podem incutir idéias e conceitos equivocados para angariar benefícios diretos ou indiretos.

Ocorre que o modelo de estrutura econômica em que estão baseados os concessionários de serviço público de teleradiodifusão – que objetiva prioritariamente o lucro - é incompatível com a emancipação do indivíduo. Em última análise, este deveria estar capacitado para questionar não apenas o que recebe como informação, mas também diversos posicionamentos oficiais que em última instância são prejudiciais aos interesses da população, sejam econômico, sociais ou de qualquer outra ordem.

Manter o rebanho assustado dentro de padrões de comportamento dito como aceitáveis se tornou valor corrente no ideário que permeia a programação e a linguagem do nosso telejornalismo. Em nome da ordem social, retiram do indivíduo sua capacidade decisória, fazendo da nossa democracia apenas uma encenação onde apenas os detentores de influência e capital têm acesso ao poder de legislar e comunicar – e, por conseqüência - influenciar nos destinos da sociedade. Para ilustrar essas assertivas, vale citar o pensamento de Marcuse:

É precisamente essa nova consciência, esse tipo de espaço interior, o espaço para a prática da história transcendente, que está sendo barrado por uma sociedade na qual tanto os sujeitos como os objetos constituem instrumentos num todo que tem a sua razão de ser nas realizações de sua produtividade cada vez mais poderosa. Aqueles cuja vida é a Sociedade Afluente são mantidos na ordem por uma brutalidade que revive as práticas medievais e dos primórdios da vida moderna. Quanto às outras criaturas não-privilegiadas, a sociedade cuida de sua necessidade de libertação satisfazendo às necessidades que tornam a servidão aceitável e talvez mesmo imperceptível, e concretiza esse fato no próprio processo de produção. [2]

2. O avanço da televisão no Brasil

A estrutura social brasileira – ainda impregnada de fortes valores hierárquicos e sociais de origem escravocrata – pode ser melhor observada na enorme exclusão social existente, irrigada por uma das maiores desigualdades de renda do planeta.

Os favorecimentos recíprocos nas mais altas esferas do poder fecham o sistema a qualquer invasão indesejável de mudança nas regras, onde sequer as leis têm acesso. Em nosso país as leis são os homens e eles têm interesses que não podem perder tempo com leis. Criamos neologismo absurdos com: “lei que pega”e “lei que não pega”. [3]

O mesmo discurso que preconizava dar o poder aos militares latino-americanos nos anos da Guerra Fria para que pudessem combater o comunismo – já que em tese os quartéis seriam o último bastião dos valores religiosos e patrióticos - é o mesmo que prega a democracia como símbolo da modernidade, pois sabe que o poder pode ser muito melhor manipulado por trás de uma aparente liberdade de renovação nos governantes.

Hoje já se percebe que as armas são muito menos eficientes no longo prazo que a demagogia democrática em que vivemos, pois além de serem insustentáveis no longo prazo, criam inevitavelmente animosidades e ressentimentos contra o poder vigente.

Basta dar uma olhada em nosso cenário político para constatar que a dança das cadeiras no legislativo, executivo e judiciário tem lugar cativo para poderosos – ou bajuladores do poder – desde a época dos militares, para não termos de remontar às capitanias hereditárias. Nossos vícios históricos foram se transformando em virtudes. À sombra e às custas da inépcia dos militares no poder, foi se formando o restrito círculo que domina entre outras coisas a TV neste país. A hereditariedade monárquica salta à vista como uma afronta à República.

No Brasil, o período de criação e expansão das redes de TVs e a concessão de afiliadas, aconteceu justamente na época da ditadura militar. Os apaniguados que receberam concessões, tinham como única obrigação não contrariar o regime, informando a população de notícias de qualquer tipo que  pudesse contrariar a falsa idéia de ordem e progresso em um mundo conturbado. Passávamos por uma época fortemente polarizada nas ideologias de direita e esquerda, reacionárias ou liberais, pró-Estados Unidos ou União Soviética, que era o que nos impingia o sistema.

Desse modo a nossa rede de teledifusão cresceu de modo torto e despreparado pois foi tomada de posse por famílias cuja grande virtude era a de apoiar uma ditadura militar e desprezar qualquer princípio profissional e empresarial. A TV brasileira infelizmente começou a se popularizar dentro da ditadura nos anos 60 e a criação de uma rede nacional se dá logo após o fechamento total do regime com o famigerado AI-5, que acaba de completar 40 anos.

Nosso incipiente telejornalismo cresceu à sombra da censura, e os telespectadores se acostumaram a assistir notícias sem nenhuma importância, o que explica em parte a falta de conteúdo dos noticiários.

Desobrigada a informar e a criar uma consciência crítica, a TV se nivelou por baixo em todas as áreas. Uma população desinformada, achava que o que aparecia na TV era tudo que havia de importante. Não era. O hábito de consumir notícias pelo rádio foi substituído rapidamente pela TV, com o inegável apelo tecnológico da imagem, de se poder ver personagens que até então só eram conhecidos por fotos de jornais e revistas.

A rapidez da TV dava a sensação de participação imediata e diária nos fatos. No obscurantismo da censura, nossa TV não entendeu que sua real vocação seria a de estar e continuar no poder quando o governo vigente o deixasse de ser e continuou a ser gerenciada de maneira amadora.

Com o fim do regime militar em 1985, a TV teve de se reinventar. Sabia que aquele modelo havia chegado ao fim e que a democracia exigiria uma nova postura. Exceto a TV Globo – tão favorecida no período militar – todas as outras emissoras estavam falidas e várias concessões já haviam trocado de mãos na virada dos anos 80.

Desapareceram as redes: Tupi e Excelsior e surgiram SBT e Manchete, depois Rede TV!. A Rede Record trocou de dono várias vezes. Essa rodada de troca de concessões foi a última movimentação no setor e se consolidou até hoje. Empresas jornalísticas como o Jornal do Brasil e Editora Abril, que pleiteavam uma concessão, foram preteridas pelos inofensivos e adesistas SBT de Sílvio Santos e TV Manchete de Adolfo Bloch.

Na grande mudança de hábitos efetuada nessa transição, onde a liberdade de expressão era anunciada como a panacéia para os nossos problemas, as TVs se aproveitaram fortemente da ojeriza que havia sido criada com a palavra censura para – em nome da necessidade de ter “liberdade de imprensa” – criar o hábito de não dar justificativas por seus atos nem prestar contas de seus posicionamentos por mais questionáveis que pudessem ser.

Questões menores como permitir pornografia em bancas de jornal eram discutidas, enquanto os problemas reais do país eram deixados para trás. No lugar de promover debates entre os diversos setores da sociedade brasileira para traçar o potencial caminho aberto com a democracia os telejornais preferiram seguir na linha de amenidades, pois sabia que desse modo a apropriação do discurso por eles mesmos representaria a mudança de eixo nas relações de poder entre comunicação de massa e Estado.

 Em nome dessa “liberdade” as TVs simplesmente se recusavam a dar satisfações ao poder civil. Muito ao contrário, diziam ser necessário ter uma TV sem censura para que a população pudesse escolher que caminhos tomar. Noticiários e programas superficiais eram justificados pela necessidade de audiência que atrairia anunciantes. A mudança de canal era apresentada como forma de rejeição e de escolha da população aos programas apresentados. Ocorre que o nível dos programas ia do farsesco ao grotesco sem nenhum pudor. [4]

Esse falso postulado – a população é que escolhe o que quer ver - foi na verdade apenas uma maneira de usurpar o poder que havia sido dado às emissoras para manter os militares governando. Na nova conjuntura democrática lhes era permitido criar um novo discurso superficial e consumista, para que elas pudessem desequilibrar o jogo político e se estabelecer como nova força. Afinal, para que educar uma população para a difícil tarefa de se construir uma democracia se a manutenção da ignorância coletiva serviria muito bem ao status quo. A alienação era bem vinda e oferecia como recompensa as delícias do consumismo. Ser feliz é poder comprar o que se deseja.

Dentro das novas regras democráticas as TVs entendiam perfeitamente bem, que um governo civil fatalmente teria de ser trocado de tempos em tempos já que a Constituição de 1988 viria a preconizar esse princípio. Se antes os militares tinham o poder de cassar a concessão de uma estação de rádio e/ou TV ou censurar um jornal ou revista – como diversas vezes aconteceu – agora, livre das amarras, a equação se invertia.

Os políticos passariam a depender das TVs para falarem a uma população desacostumada com eles. Uma carreira política bem sucedida dependeria essencialmente de se fazer ver na TV. A imprensa iria buscar sua fatia do vazio no poder com a saída dos militares, arbitrando quem teria o privilégio de adentrar os lares brasileiros e qual mensagem seria veiculada por eles.

Os mais favorecidos pela ditadura seriam os primeiros a agarrar a chance de interferir diretamente na vida política. A TV Globo saiu na frente no momento de escolher o primeiro presidente eleito por via direta no Brasil em 1989, apoiando o desconhecido Fernando Collor para o cargo mais importante do país. Uma ardilosa campanha que contou com a ajuda de toda a imprensa apresentava Collor como o moralizador de um país afetado por um serviço público corrupto e ineficiente, fruto de anos de ditadura e de políticas de exceção.

Collor seria o rompimento com o passado representado por figuras atreladas ao velho regime, fossem elas adesistas, como Paulo Maluf ou não, como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola. A vontade de controlar os rumos da república e de ao mesmo tempo garantir a continuação de seus privilégios incontestados são inequívocos na entrevista dada pelo patriarca da TV Globo, Roberto Marinho, em 1991, ao Jornal da Tarde.

Sobre a oposição a Leonel Brizola:

Foi depois do ataque do Governador Leonel Brizola às Organizações Globo. Uma surpresa muito grande, porque durante seu governo ele manteve comigo uma convivência cordial. E ele disse que um de seus primeiros atos seria acabar com o Globo e a Rede Globo se eleito fosse. Comecei então a me preocupar com o candidato à Presidência da República. Nós ainda não tínhamos candidato e nós estávamos esperando a ação das forças políticas. Coincidentemente dias depois desse pronunciamento do governador Brizola, recebi a visita do Fernando Collor.

Sobre o apoio a Collor:

Quando ele veio falar comigo pensei que viesse falar de sua candidatura à Presidência. Mas ele freqüentou meu gabinete durante mais de vinte dias e não me falava em candidatura Presidência (...) um dia falei com ele. Quando disse que ele pretendia ser presidente da República ele deu uma gargalhada e disse que dependia de mim. Alegou que eu tinha um instrumento de comunicação de grande penetração. Declarou que eu tinha todos os instrumentos para fazer um presidente. Quando indaguei se ele seria candidato deu uma resposta imediata. Disse que dependia de minha opinião. Disse que nós tínhamos um “partido forte”. Fez uma campanha muito brilhante e foi eleito.

Sobre o afastamento de Collor:

Foi com uma surpresa muito grande que eu acompanhei todos os fatos que ainda estão na memória de todos nós e que acabaram por afastar Fernando Collor do poder. Creio que muita gente lamentou aqueles episódios. Eu, por circunstâncias especiais, talvez tenha sido a pessoa que mais lamentou o destino do Collor (...). Não tive o menor sinal de que em determinado momento o Collor viesse a falhar e a faltar a confiança dos brasileiros. O julgamento está sendo feito pelo Supremo e pela população. Sou um formador de opinião e tenho responsabilidades muito grandes.

A candura com que Roberto Marinho se apresenta como agente regulador dos valores republicanos só é possível em um país que não entende qual o lugar de cada um em uma sociedade democrática. A arbitragem do poder não poderia/deveria estar ligada aos interesses de quem quer que fosse, muito menos ser da competência de um único cidadão que ironicamente se utiliza de uma concessão pública outorgada a ele pelo Estado com o intuito de servir à população e à solidificação de ideais que passam muito longe de alimentar o ego de alguém.

Apenas o provincianismo dos nossos valores permitiu essa submissão e a total inversão de papéis. [5] Não houve, no entanto, qualquer repreensão do ponto de vista legal por uma infração tão grave. [6]

3. Estrutura da comunicação social brasileira pós-1988

O texto da nossa Constituição Federal de 1988 não contrariou esses interesses historicamente arraigados no seio do Estado brasileiro. Muito pelo contrário, em alguns casos, a Carta forneceu base normativa para a manutenção e consolidação desses poderes. Especificamente no capítulo da Comunicação Social, foi estabelecida a formação de três modelos: o estatal, o público e o comercial. [7] Como sabemos, o único dos três que prosperou e se tornou amplamente hegemônico foi o modelo comercial.

Em primeiro lugar, precisa ser dito que as concessões de teleradiodifusão sempre foram instrumentos de moeda de troca para a costura das alianças políticas que governam o país. Em vez de os nossos governantes, deputados e senadores privilegiarem critérios republicanos de moralidade, qualidade na prestação de serviços públicos e transparência na outorga das concessões, eles preferiram adotar o fisiologismo e o favorecimento pessoal de empresários do setor.

Num segundo plano, é preciso registrar que numa sociedade perpassada por injustiças sociais, abissais desigualdades de renda, péssima qualidade de serviços públicos, o poder dos economicamente mais fortes tem grandes possibilidades de prevalecer. No Brasil, o setor comercial da teleradiodifusão encontra diversas facilidades institucionais para a perpetuação de seu poder político e ideológico diante da conveniente tolerância do Poder Público. Disso decorre que, invariavelmente, a finalidade lucrativa imediata tem amplas possibilidades de preponderar frente ao interesse público por uma informação de qualidade.

Além disso, convém registrar que os empresários do setor da teleradiodifusão e os mandatários do então Presidente da República, detentor de um portentoso latifúndio midiático no estado do Maranhão, investiram fortemente para assegurar seus interesses políticos e econômicos durante a constituinte.

Ao lado da preservação de liberdades formais – como o direito à informação –, foram inseridas regras de manutenção do espaço e do poder dos concessionários de teleradiodifusão. O exemplo mais nítido dessa influência foi a redação do artigo 223, especialmente em seu parágrafo segundo:

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
[...]

§ 2º - A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.

 Note-se, portanto, que sob a aparência de proteção da liberdade de expressão das emissoras frente ao arbítrio do Poder Executivo, logrou-se normatizar a perpetuação das concessões de teleradiodifusão, fato que causou estranhamento a inúmeros juristas. [8]

Ademais, como vimos no item precedente, o setor da teleradiodifusão no Brasil está intimamente ligados com o poder político formal. Dados recentes estimam que cerca de 15% dos Senadores da República e 10% dos Deputados Federais sejam direta ou indiretamente proprietários de concessões de teleradiodifusão. [9] Além deles, pelo menos dois Ministros de Estado e um líder do Governo são também empresários do setor da comunicação social. [10]

Diante de tamanho poder, não por acaso, sucessivos governos têm fornecido o espaço público da teleradiodifusão quase que exclusivamente à iniciativa privada para exploração mercantil. [11] Diante dessa aliança entre poder político formal e empresários do setor da teleradiodifusão, o status quo do poder pelas mesmas oligarquias permanece inalterado.

Com efeito, possuímos uma estrutura informativa dos produtores de conteúdo extremamente oligarquizada, motivo pelo qual ocorre uma sensível redução de pluralidade e qualidade informativa. Logo, esse modelo informativo de incentivo irracional ao consumo, criação de falsas celebridades, espetacularização de dramas privados e hegemonia de fait-divers vai na contramão das necessidades humanasfundamentais por informações de qualidade. [12]

Tal carência informativa se reflete diretamente no prejuízo de se conferir autonomia aos indivíduos para a condução de suas opções políticas e sociais. Essa estrutura informativa não apenas enseja conformismo social, alienação, letargia e desestímulo da capacidade crítica dos receptores, como também engessa mudanças sociais, sentido de classe e de comunidade. Sobre um sentido autêntico de autonomia e liberdade, vale novamente citar Marcuse:

Como processos históricos, os processos dialéticos envolvem consciência: reconhecimento e captura das potencialidades libertadoras. Assim, envolve liberdade. A consciência é “não-livre” no quanto é determinada pelas exigências e pelos interesses da sociedade estabelecida; no quanto a sociedade estabelecida é irracional, a consciência se torna livre para a mais elevada racionalidade histórica somente na luta contra a sociedade estabelecida.
[...] o pensamento crítico luta por definir o caráter irracional da racionalidade estabelecida(que se torna cada vez mais óbvio) e por definir as tendências que fazem que essa racionalidade gere sua própria transformação. [13]

Num contexto de apropriação mercantil do espaço público da teleradiodifusão, de acovardamento de governantes para enfrentá-los, resta às organizações não governamentais, sindicatos e demais associações tentar transformar esse modelo num espaço efetivamente democrático, de criação e ampliação de direitos no lugar dessa estrutura conservadora e retrógrada de poder.

4. Definições sobre a natureza das concessões públicas

Concessões nada mais são do que autorizações administrativas pelas quais o Poder Público outorga a uma entidade particular a prestação de serviços à população. Tais serviços tanto podem ser de fornecimento de água potável, eletricidade, telefonia fixa ou móvel, transporte terrestre ou aéreo, de manutenção de rodovias mediante cobrança de pedágio ou também de televisão ou rádio.

Assim, como é elementar, o concessionário não é o dono do serviço prestado; é tão somente um prestador temporário. [14] O sujeito da relação, nessa perspectiva, é a sociedade, por intermédio do poder público, e o objeto é algum serviço público prestado por algum concessionário.

As concessões públicas no Brasil são reguladas pela Lei n.º 8.987/95, a qual estabelece os direitos e os deveres entre poder público, concessionários e usuários dos serviços.

Dentre os poderes da administração frente aos concessionários estão: aplicar penalidades, intervir na prestação do serviço; extinguir a concessão; cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas; estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio-ambiente; incentivar a competitividade; estimular a formação de associações de usuários para defesa de interesses relativos ao serviço.

Pois bem, ótimos instrumentos de defesa da cidadania seriam estes se, ao fim dessa norma não estivesse estipulado que:

Capítulo XII

Disposições finais e transitórias

Art. 41. O disposto nesta Lei não se aplica à concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

Indaga-se, então, a que tipo de regramento jurídico as emissoras exploradoras dos serviços de rádio e televisão estariam sujeitas, uma vez que seria um substancial avanço para a sociedade que esta norma a respeito das concessões públicas fosse aplicada aos serviços de teleradiodifusão. Pois bem, na ausência desse regramento geral, que abrangesse toda e qualquer concessão, que seria mais conveniente, moralizante, transparente e democrático, continuam valendo para a teleradiodifusão:

a) Os dispositivos constitucionais sobre moralidade pública, impessoalidade, eficiência (art. 37 Constituição Federal);

b) A vedação de parlamentares serem detentores de concessão com o poder público, (Art. 54, da Constituição Federal):

Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

I - desde a expedição do diploma:

a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;
[...]

II - desde a posse:
[...]

c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, "a";

c) Respeito aos princípios regentes da Comunicação Social (Art. 220-224). Foi estipulado, na redação do texto a respeito da comunicação social, com endosso dos próprios concessionários, alguns princípios inerentes à atividade da radiodifusão:

1 - Preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

2 - Promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

3 - Regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

4 - Respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

d) o Código Brasileiro de Telecomunicações (C.B.T.) – Lei 4.117/62, seu regulamento, o Decreto 52.026/63 e o Decreto-Lei n.º 236/67;

e) o Decreto nº 88.066/83, de duvidável constitucionalidade, trata da possibilidade de renovações automáticas das concessões. [15] [16]

Tudo isso para dizer: não se trata de modernização das leis já existentes, uma vez que as antigas, por mais débeis que sejam, para efeito de controle social, sequer foram devidamente aplicadas à teleradiodifusão comercial.

Portanto, do ponto de vista normativo, na comunicação social comercial impera um verdadeiro estado de exceção, em que o Poder Público não exerce qualquer tipo de controle sobre a qualidade do serviço prestado à população e ainda permite que as concessões sejam renovadas indefinidamente.

Isto porque concessionários não prestam contas dos serviços prestados e mesmo assim, o Poder Público renova as outorgas automaticamente (após 15 anos para as TVs e 10 nas emissoras de rádio.)

Outro ponto que poderia ser objeto de maior atenção seria uma análise dos contratos de concessão firmados entre o Governo Federal e os concessionários.

Numa democracia, se não há publicidade dos atos oficiais, não há como se exercer controle social. Mas por incrível que possa parecer, numa sociedade que se diz democrática e bem informada, tais contratos nunca foram levados abertamente ao público. [17]

Ou seja, efetivamente, os concessionários de teleradiodifusão se submetem a um regramento normativo sui generis, com características que discrepam de todas as outras concessões de serviço público, que efetivamente os configura donos do espaço público que ocupam não têm deveres a cumprir ou contas a prestar à sociedade.

Quanto ao procedimento de outorgas, muitas emissoras comerciais reclamam de morosidade e burocracia no trâmite dos procedimentos perante o Ministério das Comunicações e a Comissão de Comunicação da Câmara e do Senado. Tal burocracia justificaria, assim, a necessidade do decreto acima citado (Decreto nº 88.066/83), que prorroga indefinidamente concessões vencidas.

Por mais burocrático e moroso que seja o processo de concessão e renovação das outorgas, torna-se difícil de acreditar que esse sistema seja prejudicial aos atuais concessionários, posto que seria relativamente fácil derrubá-lo ou eliminá-lo caso estivessem de fato colidindo com interesses nevrálgicos. É lícito concluir, portanto, que por mais irracional que seja essa engenharia político-burocrática, ela continua sendo conveniente aos atuais concessionários.

5. Responsabilidade social e legal dos concessionários de serviço público de teleradiodifusão

Quais então poderiam ser as responsabilidades dos concessionários que ditam suas próprias regras, em decorrência de governantes servis e parlamentares que também são concessionários? Ainda que, como vimos, os governantes não cumprem os seus papéis de fiscalizar a prestação dos serviços de comunicação social via rádio e televisão, isso não significa que a sociedade deva permanecer inerte.

Uma primeira resposta seria o uso da Lei de Imprensa. Efetivamente, as únicas indenizações pagas pelos concessionários em razão do mau uso de suas concessões são destinadas a indivíduos e instituições com o intuito de compensar financeiramente eventuais excessos verbais que venham a atingir a honra e a imagem de terceiros. A lei de imprensa, criada em 1967, no seio do obscurantismo ditatorial, quando muito, serve apenas de balizamento para o sensacionalismo midiático, deixando a desejar no que se refere ao controle social do espaço público da teleradiodifusão.

Ademais, como analisado no item precedente, as normas existentes já forneceriam base jurídica para a sociedade e o Poder Público exigirem uma maior qualidade nos serviços prestados. Todavia, historicamente, não lograram atingir tais objetivos.
Por outro lado, sem prejuízo dessas normas já citadas, existem outros mecanismos políticos e jurídicos que julgamos mais eficientes de pressão que a sociedade pode e deve exercer. Destacamos, ainda que sucintamente, os seguintes para o debate:

5.1. Discussão sobre a qualidade dos serviços prestados e critérios utilizados para renovação das concessões perante as comissões temáticas dos parlamentos

Recentemente foram colocados em discussão os critérios utilizados pelo governo para a renovação das outorgas, em especial sucessivos desrespeitos às finalidades da Comunicação Social descritas no Art. 221 de nossa Carta. Algumas organizações não governamentais se mobilizaram e questionaram a existência das renovações automáticas, a fixação de critérios objetivos de avaliação, bem como a proposição de compromissos sociais às emissoras. [18]  

Pragmaticamente, tais exigências não significam mais do que fazer com que o uso do espaço eletromagnético de rádio e televisão se tornem efetivas concessões, mediante prestação de contas e assunção de compromissos pelos prestadores de serviço. Como complemento, ressaltamos novamente a necessidade da imposição de um regime jurídico único para todas as concessionárias de serviço público (a lei acima referida - Lei n.º 8.987/95), sejam elas referentes à teleradiodifusão ou não.

5.2. Exigência de maior pluralidade interna (maior diversidade ideológica e opinativa nas matérias pelos concessionários) e externa (maior quantidade de veículos e fontes informativas com pontos de vista diversos) dos veículos

 No tocante à pluralidade interna, seria importante a conscientização da necessidade de Conselhos no âmbito das emissoras (pelo menos das mais representativas) formados por usuários do serviço público que representassem diversos segmentos e pontos de vistas presentes na sociedade.

Não apenas para dar uma aparência mais democrática às concessões, mas para efetivamente terem poder de determinação para cumprir e fazer cumprir as deliberações dos conselhos e dar publicidade aos erros e acertos de tais dos prestadores de serviço público. Isso poderia trazer um pouco mais de oxigenação à programação e abrir oportunidade para que tais representantes pudessem denunciar possíveis manipulações, preconceitos ou distorções informativas.

Isso se assemelha com a figura do Ombudsman mas com ele não se confunde. Primeiro porque não é a emissora que indica os nomes dos componentes, mas os próprios representados do serviço – a população. Segundo porque os representantes não seriam funcionários das emissoras, mas cidadãos absolutamente desvinculados com os veículos. Essa exigência, em tese, também não demandaria uma nova lei. Poderia ser, por exemplo, uma exigência contida numa cláusula contratual inserida pelo Poder Público para renovar determinada concessão.

Outra sugestão seria o compromisso firmado pelos concessionários de fornecer direitos de resposta individuais e coletivos a pessoas ou entidades que se sintam prejudicadas por informações equivocadas. Muitas vezes, os concessionários, tão acostumados a serem os detentores da “verdade”, não admitem o contraditório às informações que divulgam ao grande público.

Exigir o direito de resposta, mesmo sem recorrer ao Poder Judiciário seria uma medida importante para os receptores começarem a compreender que as informações não possuem um “lado único” ou “verdadeiro”, mas sim vertentes plurais, diversificadas e, por vezes, absolutamente antagônicas. 

Pluralidade externa significa diversidade de fontes informativas. Não apenas quantitativamente, mas ideologicamente diversas. Vale dizer que a diversidade opinativa deve respeitar as diversas parcialidades existentes e para derrubar o mito da “neutralidade” jornalística dos grandes veículos.

Isso só se conquista, pragmaticamente, com a edificação de um modelo público, que paralelamente ao comercial, sem preocupações mercantis ou publicitárias, possa dar concretude ao direito de comunicar, que não consegue se afirmar nas emissoras tradicionais. A criação de um espaço não comercial é fundamental não apenas para a conquista do direito de comunicar, mas para a própria libertação do pensamento e a emancipação da cidadania. Segundo Marcuse:

A mera ausência de toda propaganda e de todos os meios doutrinários de informação e diversão lançaria o indivíduo num vazio traumático no qual ele teria a oportunidade de cogitar e pensar, de conhecer a si mesmo (ou antes, o negativo de si mesmo) e a sua sociedade. Privado de seus falsos pais, líderes, amigos e representantes, teria de novamente aprender o ABC. Mas as palavras e sentenças que formaria poderiam surgir de modo assaz diferente, o mesmo podendo suceder às suas aspirações e seus temores. [19]

Podem ser instrumentos desse sistema a concretização do direito de antena nas televisões abertas para sindicatos e entidades representativas, sem prejuízo da ampliação de espaço para televisões e rádios comunitárias. Ou seja, isso resultaria traduzir o princípio constitucional da liberdade de expressão em realidade.
Assim, de um lado são demandadas maiores exigências para o setor comercial (pluralidade interna) e maior espaço para a diversidade de canais representativos de segmentos diversos (pluralidade externa).

5.3. Ações coletivas de responsabilização dos concessionários em razão da prestação deficiente ou mesmo irresponsável das outorgas

 No que se refere às ações judiciais em face de excessos das emissoras, relativamente pouco se tem feito. Seja por desconhecimento da importância das ações coletivas, seja por falta de estrutura de ONGs e Sindicatos, ou por atuação ainda um pouco tímida do Ministério Público Federal no setor da teleradiodifusão. Quando este último se propõe a pleitear responsabilização das emissoras, resultados positivos vêm surgindo.

Um exemplo desse tipo de iniciativa foi a ação proposta pela Procuradoria da República em São Paulo em face da Rede TV! em função da entrevista ao vivo realizada por uma apresentadora de programa vespertino com o seqüestrador do Caso de Santo André, em que uma adolescente faleceu e outra ficou seriamente ferida. A ação procura responsabilizar a emissora por danos morais difusos causados pelos excessos e interferência indevida na condução do sequestro. [20]

Outra importantíssima e inovadora medida foi adotada pela Procuradoria da República em Santa Catarina. Nesse caso, foi questionado judicialmente o oligopólio da empresa Rede Brasil Sul (RBS). A ação em referência tem por objetivo a redução da quantidade de veículos atrelados a esse grupo empresarial, nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, nos quais a concentração de mercado de comunicação social supera os limites aceitáveis para uma economia de mercado e prejudica o direito à informação da população. [21]

Esses são apenas dois exemplos de felizes iniciativas perante o Poder Judiciário. Podemos ainda cogitar de outras, como:

a) Apuração de responsabilidades de concessionários de teleradiodifusão na época da ditadura militar, mediante deliberada tentativa de controle da opinião pública e conseqüente co-autoria em crimes de lesa-democracia;

b) Omissões deliberadas quanto poluição ambiental causada por eventuais anunciantes das emissoras, ocasionando a perda de uma chance da sociedade adotar medidas contra a degradação da saúde pública;

c) Por derradeiro, interferências indevidas em processos eleitorais, sobretudo a famigerada edição do Jornal Nacional no ano de 1989 em favor do então candidato Collor de Mello, quebrando a isonomia democrática que deveria existir entre todos os candidatos. 

Esses tipos de medida ressaltam a importância da atuação de entidades e representantes do Ministério Público Federal no âmbito do Poder Judiciário, que vêm sendo relativamente pouco utilizadas. Além disso, essa via possui maior autonomia em relação à vontade de governantes e pessoas ligadas direta ou indiretamente a radiodifusores comerciais.

5.4. Compromisso dos intelectuais com a comunicação popular e alternativa

Muitos intelectuais denunciam as mazelas do sistema comercial para a democracia. Contudo, muitas vezes, são figuras freqüentes em programas dessas mesmas emissoras. Seja para preencher papéis de “especialistas” em matérias jornalísticas, seja para divulgar seus livros mais recentes. 

Por isso, seria conveniente que utilizassem o seu prestígio e privilegiassem tanto a imprensa alternativa, como também os poucos veículos populares de rádio e televisão, caso seus respectivos compromissos democráticos sejam realmente sinceros. Nesse sentido, vale citar a frase de Ernst Bloch:

Um intelectual é alguém que se recusa a fazer compromissos com os dominantes. [22]

5.5. Maior aplicação da Legislação de Proteção ao Consumidor

Por último, para a proteção dos receptores, seria interessante um maior emprego da legislação do consumidor. [23] Considerando que o governo federal e os concessionários relutam em tratar as pessoas como cidadãos, que ao menos as tratem como consumidoras. [24]

Como tais, seus direitos mais importantes são: serem bem informados a respeito de produtos ou prestação de serviços, não serem objeto de publicidade enganosa ou abusiva (inclusive publicidade oculta em novelas e outros programas ou que aproveitem fragilidades de crianças e idosos), e serem plenamente ressarcidos em razão dos prejuízos eventualmente sofridos por defeito na prestação de serviços.

6. Apontamentos finais

Sem democracia na informação, não há democracia no restante da sociedade. Cidadãos bem informados são componentes necessários de uma sociedade plural, tolerante, civilizada e protetiva do ambiente para a atual e futuras gerações. No Brasil, diante do enorme poder da teleradiodifusão, os prestadores de tais serviços têm grandes responsabilidades pelo nosso atraso social e educacional. Por isso, devem ser cobrados em razão de atitudes e posturas condenáveis contra o regime democrático brasileiro.

Os concessionários de teleradiodifusão têm sim contas a prestar à sociedade, em razão de serem prestadores temporários de serviços públicos de informação, cultura e educação para a população. Os instrumentos normativos para tal prestação de contas já são suficientes para uma exigência de mudança de caminhos e mentalidades na comunicação social.

Ao mesmo tempo, a apropriação dos meios de comunicação torna-se fundamental para qualquer mudança significativa no destino das sociedades contemporâneas. Nesse sentido, a comunicação popular e alternativa é substancial para esse caminho de conquista de uma verdadeira emancipação individual e coletiva, com vistas ao rompimento de estruturas retrógradas de poder e criação de formas mais solidárias de convivência.

Portanto, não basta à sociedade se mobilizar com o propósito de aparar as arestas do sistema comercial de teleradiodifusão. Além dessa primeira medida, torna-se necessária a participação ativa da cidadania na produção e veiculação do conteúdo por ela produzido.

Resta à sociedade tomar as rédeas de tais transformações e ser protagonista desse papel emancipador, posto que, a depender dos nossos governantes ou dos concessionários comerciais, nada de progressista podemos esperar.

NOTAS

[1] Na próxima edição pretendemos dar continuidade aos temas levantados, mostrando diversas ocasiões no nosso telejornalismo em que o discurso não se apresenta de maneira clara em apenas uma ou duas emissões, mas que se revela inequívoco em suas orientações quando analisado por períodos contínuos e correlacionados dentro de complexas formas de poder.

[2] MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 42.

[3] Um caso contemporâneo é a recusa da Petrobrás em produzir óleo diesel com menor teor de enxofre mesmo que exista uma lei que a obriga a fazer isso a partir de janeiro de 2009. Produzindo toneladas de gases tóxicos que envenenam o ar das grandes metrópoles, causando uma série de doenças respiratórias e até mortes, a empresa simplesmente se recusa a cumprir a lei, pois a lei não tem o poder de atingi-la. Nesse caso, a lei “não pegou”. Pior que isso, não ocorreu em nenhum momento questionar o porque da adoção do diesel como combustível para caminhões e ônibus. Por quê não proibiram há anos esse combustível –notório poluente- pelo álcool, já que a própria imprensa o apóia como “limpo”. Por quê não estudar – e denunciar – os lobbies que atuam em interesse do diesel sujo? O que justifica o seu uso?

[4] Inclusive, seria interessante medir qual a evolução mental de alguém que passou 20 anos vendo novelas, programas de auditório e assistindo aos nossos telejornais.

[5] Quando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, resolveu fechar a RCTV, que lhe fazia aberta oposição, estava apenas usando uma de suas prerrogativas legais já que a emissora havia apoiado o golpe que retirou Chávez do poder por alguns dias. A TV Globo imediatamente começou a incluir Chávez no Jornal Nacional, com uma frequência que jamais havia ocorrido com qualquer outro presidente latino-americano, mas sempre apresentando-o como desequilibrado  e com o intuito de fortalecer a idéia de que tais atitudes não seriam toleradas em um Brasil “democrático”.

[6] É digno de nota que o mesmo Lula, prejudicado e preterido pela TV Globo em diversas ocasiões, conseguiu finalmente chegar ao poder em 2002 fazendo questão de dar sua primeira entrevista como presidente eleito, exatamente para esta emissora.

[7] Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de teleradiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

[8]Citamos Celso Antonio Bandeira de Mello: “Quando se trata de concessão ou permissão de rádio ou televisão, tal regra (art. 175 da C. F.) é inteiramente ignorada, seguindo-se muito disfarçadamente, a velha tradição de mero favoritismo. Como se sabe, é grande o número de congressistas que desfruta de tal benesse. Nesse setor reina – e não por acaso – autêntico descalabro. [...] acresce que, para completar o quadro confragedor, uma única estação de televisão detém índices de audiência nacional esmagadores, ensejado pelo sistema de cadeias ou repetidoras de imagem – sistema que, aliás, constitui-se em manifesta burla ao espírito da legislação de telecomunicações. [...] o tratamento escandaloso que a Constituição dispensou ao assunto revela que inexiste coragem para enfrentar ou sequer incomodar forças tão poderosas – as maiores existentes no País. Veja-se: a disciplina da matéria foi estabelecida no art. 223 da Lei Magna. Ali se estabelece que a outorga e renovação da concessão, permissão ou autorização para teleradiodifusão sonora e de sons e imagens competem ao Poder Executivo, mas que o Congresso Nacional apreciará tais atos no mesmo prazo e condições conferidos aos projetos de lei de iniciativa do Presidente, para os quais este haja demandado urgência. Agora, pasme-se: para não ser renovada concessão ou permissão é necessária deliberação de 2/5 (dois quintos) do Congresso Nacional e por votação nominal !  Contudo, há mais, ainda: o cancelamento de concessões ou permissões antes de vencido o prazo (que é de 10 anos para emissoras de rádio e de 15 para as de televisão) só poderá ocorrer por decisão judicial, contrariando, assim, a regra geral que faculta ao concedente extinguir concessões ou permissões de serviço público !”. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 602-603. (Grifos dos autores).

[9] Ver levantamentos mais detalhados nos sites Congresso em Foco e Observatório do Direito à Comunicação.

[10] Segundo informação veiculada no site Congresso em foco, um em cada cinco deputados da Comissão de Comunicação e Tecnologia, que analisa pedidos de concessões e renovações de emissoras tem ligações com emissoras de rádio ou TV. Dos 76 membros (titulares e suplentes) do colegiado, que tem o poder de analisar e aprovar projetos de outorga e renovação das concessões dos serviços de teleradiodifusão, 16 mantêm relações diretas ou indiretas com veículos de comunicação. Fonte: Matéria assinada por Ricardo Taffner. Disponível em: http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=18464.

[11] Tanto que, ao ser criada a TV Brasil no atual governo, em muitas capitais, sequer havia espaço para o sinal dessa emissora nos chamados canais abertos de VHF.

[12] Com efeito, não é por acaso o apelo ao sensacionalismo de grande parte das emissoras comerciais, uma vez que exibindo esse tipo de matéria, a audiência da televisão chega a aumentar 46% e o valor dos anúncios publicitários pode aumentar consideravelmente. Fonte: Coluna assinada por Daniel Castro. Folha de S.Paulo, 18 abr. 2008.

[13] MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. São Paulo: Zahar, 1967. p. 207.

[14] Caso o concessionário  não esteja em condições de prestar os serviços a que se destina a concessão, não deveria a mesma ser revogada e ser aberta uma licitação para novos pretendentes? A resposta parece valer para setores como a aviação civil em desfavor de empresas falidas, como a Varig, VASP e Transbrasil, que perderam suas concessões ao se mostrarem inadimplentes. Não é o caso das nossas emissoras de TV, que incapazes de gerar programação própria, terceirizam horários a quem quer que seja e continuam a usufruir do privilégio da outorga sem a contrapartida de conteúdo.

[15] O único tipo de concessão de serviço público que permite a renovação do contrato sem que haja outra licitação para averiguar se existe outro interessado em prestar o serviço é o da teleradiodifusão - vide Decreto nº 88.066/83. Art. 4º e § único . Art. 4º - Havendo a concessionária ou permissionária requerido a renovação na forma devida e com a documentação hábil, ter-se-á o pedido como deferido, se o órgão competente não lhe fizer exigência ou não decidir sobre o pedido até a data prevista para o término da concessão ou permissão. § único - Formulada a exigência a entidade perde o direito ao deferimento automático, previsto neste artigo.

[16] Ver Lei nº 4.117/1967 – Código Brasileiro de Telecomunicações - Art. 67. [...] Parágrafo único. O direito a renovação decorre do cumprimento pela empresa, de seu contrato de concessão ou permissão, das exigências legais e regulamentares, bem como das finalidades educacionais, culturais e morais a que se obrigou, e de persistirem a possibilidade técnica e o interesse público em sua existência. (Incluído pelo Decreto-lei nº 236, de 28 fev. 1967), e decreto n º 88.066, de 26 jan. 1983.

[17] Por exemplo, é legítimo questionarmos: haveria limites para a venda de espaço nas televisões, como “terceirizações”? Em caso afirmativo, quantas vezes o Poder Público, por intermédio do Ministério das Comunicações apurou eventuais excessos?  Quais são os deveres dos concessionários e os direitos dos usuários da teleradiodifusão? Qual o valor pago pelas grandes emissoras de televisão ao governo federal pelas respectivas concessões? Quais são os parâmetros técnicos para a fixação desses valores?

[18] Audiência pública realizada no dia 27 nov. 2008 capitaneada pelas Deputadas Maria do Carmo Lara e Luiza Erundina de Souza com importante auxílio do Coletivo Intervozes.

[19] MARCUSE, Herbert. Op. cit, p. 226.

[20] MPF aciona Rede TV! e pede indenização por dano moral coletivo por cobertura do caso Eloá -
 O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou uma ação civil pública contra a Rede TV! por danos morais coletivos em função da exibição de entrevista com a adolescente Eloá Cristina de Oliveira e com o seqüestrador e ex-namorado da garota, Lindemberg Alves. O MPF pede uma indenização de R$ 1,5 milhão, equivalente a 1% do faturamento bruto anual da emissora, que deverá ser paga ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. A entrevista foi exibida durante o programa “A Tarde é Sua”, com apresentação de Sônia Abrão. Numa conversa ao vivo e outra gravada, a apresentadora conversou com a adolescente e o seqüestrador. Na ação, a procuradora Adriana da Silva Fernandes ressalta que a entrevista interferiu no rumo das negociações, dificultando a atividade policial e colocando em risco a vida da adolescente e dos demais envolvidos na operação. Em nota, a Rede TV! disse que ainda não foi notificada da ação e que “defenderá sempre a liberdade de expressão e o não cerceamento do direito do jornalismo informar os telespectadores considerando, portanto, essa iniciativa do Ministério Público Federal, uma forma velada de censura”. Fonte: Observatório do Direito à Comunicação, em 03 dez. 2008.

[21] Fonte: “É a RBS que governa o Estado”. Entrevista com o Procurador da República Celso Três. Matéria assinada por Rafaela Mattevi e Cora Ribeiro. Observatório do Direito à Comunicação. Acesso em: 18 dez. 2008.

[22] Apud MARCUSE, Herbert. Vida e Obra. In: LOUREIRO, ISABEL. (Org.). A Grande Recusa Hoje. Editora Vozes: Petrópolis, 1999.

[23] Código de Defesa do Consumidor – Lei n.º 8.078/90.

[24] Conforme entendimento dos Tribunais, o Código do Consumidor é plenamente aplicável aos prestadores de serviço público. Inclusive, o artigo 22 desse mesmo diploma estipula de maneira expressa: “Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código”.

*Eduardo Altomare Ariente é advogado e professor de Deontologia e Legislação do Jornalismo na ECA/USP. Roberto Lestinge é jornalista e mestre em Ecologia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ).

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]