Nº 11 - Fev. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



MONOGRAFIAS
 

Imagens do Brasil
Análise da seção internacional do jornal El País durante o governo Lula (2003-2006)

Por Derval Gomes Golzio e Vanessa de Mélo Ferreira*

RESUMO

Este paper [1] é o resultado parcial de pesquisa que busca analisar a imagem projetada pelo Brasil na Imprensa espanhola, no período 2003/2006, através da análise de conteúdo da seção internacional (com ênfase na agenda temática e enquadramento noticioso) do mais importante jornal espanhol, El País.

Reprodução

Ao todo, foram localizadas 430 unidades informativas, que revela que o Brasil ocupa espaços significativos, seja pelas propostas do presidente Lula para a erradicação da pobreza no Brasil, ou pelas tentativas de liderar o processo de maior integração entre os países da América do Sul. Há, evidentemente, que fazer registro das informações publicadas de forma negativa. Em grande parte, estas informações tiveram como eixo central às denúncias de corrupção entre integrantes do Governo Lula e parte significativa do parlamento no escândalo que ficou mais conhecido como “mensalão".

PALAVRAS-CHAVE: Representação Social / Análise de Conteúdo / Imprensa

1. Introdução

Os brasileiros estão acostumados com a idéia de que o mundo vê o Brasil sob o prisma do samba, do futebol e das grandes favelas cariocas. De algum modo, por ser uma manifestação periódica, o samba, de fato chama, com mais freqüência, a atenção do europeu médio. O futebol, como não poderia ser diferente, engancha pelo notável desempenho da equipe nacional nas várias edições da Copa do Mundo e pelo elevado índice de exportação de seus jovens jogadores.

Já o fenômeno das favelas possui o apelo de cunho mais emocional e desperta a atenção com base na busca de entendimento que dê conta de explicações de haver tanta gente morando em lugares extremamente insalubres em um país de dimensões continentais como o Brasil.

As ponderações realizadas acima carecem de um maior grau de cientificidade, já que as imagens projetadas do Brasil no exterior são ainda muito pouco estudadas.  Questionamentos podem surgir sobre este aspecto e essa pesquisa procura responder alguns deles, com relação ao que o jornal El País veicula para a Espanha e para o mundo.

Recente pesquisa sobre imagens da América Latina [2] na imprensa espanhola demonstra que os acontecimentos tratados de forma dominante possuem ligação com a política (64,9%) e relações internacionais (50,1%). Evidentemente que estes dados possuíam um tratamento mais negativo que neutro ou distendido, mas dão uma idéia clara de que os temas mais abordados descolam dos atributos umbilicalmente ligados ao samba, ao futebol ou as favelas.

Os países que podem ser considerados protagonistas em termos de unidades informativas (número de notícias ou reportagens encontradas nos cinco mais importantes jornais espanhóis) foram Chile [3] (20,9%), Cuba (13,5%), Colômbia (12,7%), México (11,6%), Venezuela (10,4%), Brasil (10%) e Argentina (8,6%). Deve-se levar em consideração que estes países, com exceção do Brasil, tem maior proximidade com a Espanha por se tratarem de ex-colônias da coroa espanhola.

Ainda nesta pesquisa ficou registrado como cada país aparecia individualmente.

O Brasil, por exemplo, esteve mais presente nos jornais com unidades informativas ligadas a assuntos econômicos e trabalho (emprego). Destoando da idéia geral que  possuem os brasileiros: do Brasil se conhece o futebol, o samba e as favelas. Uma explicação para tal fato pode residir na mudança de enquadramento temático que o Brasil tem verificado nos últimos anos.

Tampouco a este respeito existem pesquisas aprofundadas sobre a questão, mas é possível afirmar que após o período em que vigorou a ditadura militar, com início em 1964 e durou até 1982, a imagem brasileira projetada no exterior tem mudado significativamente na medida em que se afirma como um país democrático, ainda que possuidor de uma gigantesca má distribuição de renda.

De um modo geral, a imagem que os espanhóis possuem do Brasil e dos brasileiros decorre de três fontes básicas: a partir do contato direto com o contingente de brasileiros, que vive em terras espanholas (incluindo-se os turistas); dos espanhóis que por motivo de viagem turística ou de trabalho tenham estabelecido uma relação de proximidade com o país; e através do noticiário propiciado pelos meios de comunicação.

Inegavelmente, o conhecimento sobre o Brasil propiciado pelas fontes mencionadas possui abrangência e proporções diferenciadas. As imagens mentais estabelecidas pelos relatos dos viajantes (moradores ou turistas) ou meios de comunicação são, diferentes. Mas, para ter as proporções exatas desta diferença seria necessária uma nova investigação para detectar o grau de aceitação a partir da recepção de cada uma das formas de relato.

No entanto, os meios de comunicação possuem uma abrangência muito superior do que os relatos dos viajantes (e residentes temporários ou não) e também do contato que uma parcela de espanhóis possua com brasileiros em terras espanholas. O Brasil e por conseqüência, os brasileiros ganham espaços consideráveis na denominada imprensa de elite.

Um dos motivos que pode explicar o interesse despertado pelo Brasil diz respeito ao lugar que conquistou entre os vizinhos do Continente americano, não só pelas dimensões que possui, mas, sobretudo, pelo potencial apresentado na agricultura e pecuária, na siderurgia, no extrativismo mineral, potencial industrial e, até mesmo no consumo (mesmo apresentando uma média salarial per capita bastante baixa).

Muito recentemente o Brasil acabou com as reservas de mercado e abriu sua economia, forçando o empresariado a modernizar o parque industrial e parte do que se configurou agro-negócio. O país conquistou uma capacidade de competitividade invejável em algumas áreas, já mencionadas em parágrafo anterior. Foi mais longe e proporcionou uma rápida (e em alguns casos predatória) privatização de companhias siderúrgicas como a Vale do Rio Doce.

A novidade da vitória de um candidato à presidência de origem operária ampliou essas expectativas externas principalmente porque esta liderança posicionava ideologicamente como socialista, por um lado o exótico, a novidade de um país de dimensões continentais como o Brasil, ter um presidente que assumia como legítimo representante popular. Do outro, as expectativas de mudanças significativas na economia (congelamento de juros, estatizações etc.).

2. A produção da notícia

Um aspecto importante é compreender quais acontecimentos serão considerados suficientemente interessantes, significativos ou relevantes, para serem transformados em notícia. Por esta razão, é pertinente analisar, com certo detalhe, seu processo de produção, já que o jornalismo é um dos grandes responsáveis pela formação da opinião pública.

Independente da proximidade ou distanciamento cultural dos temas tratados, o jornalismo sempre será uma visão parcial da realidade e tem a notícia como um autêntico sintoma social. Com isso, a análise da sua produção nos dá muitas pistas sobre o mundo que nos rodeia. Assim, a um receptor bem informado não lhe basta receber a informação, deve-se conhecer o porquê de receber esta informação e não outra.

O repórter deve aplicar cuidados técnicos para captar a realidade com maior precisão e narrá-la de tal forma que o leitor receba a mais fiel informação sobre o fato. Graças a esse papel de formador de opinião, não tardou para que os meios recebessem críticas por possibilitarem um relato parcial da realidade.

Outro ponto importante é que, num jornal, hierarquizar (que é ordenar, priorizar, destacar algo sobre a massa e relativizar outros temas) se faz imprescindível. A hierarquização, portanto, serve para que o volume de informações recebidas possa ser levado ao público de maneira mais objetiva, fazendo que algumas informações sejam mais elaboradas que outras.

O valor da informação está relacionado tanto à disposição da notícia no meio de comunicação, como o valor da construção da matéria (fonte, discurso, lead, corpo do texto, veracidade etc). Assim as informações que aparecem na primeira página são as primeiras que o leitor tem contato e as que possuem mais importância. E apesar das semelhanças entre os meios, os veículos de comunicação não são iguais. Há diferenças inclusas quando explicam a mesma notícia e essas diferenças  desempenham papel importante por dois fatores: seleção de fontes informativas e eleição dos aspectos formais da informação.

Neste processo o discurso jornalístico é composto de cinco características fundamentais:

a) Atualidade: O objeto da notícia é o que acaba de ser produzido, descoberto, anunciado;

b) Novidade: Fato que sai da rotina, é excepcional e é transmitido rapidamente;

c) Veracidade: As notícias devem ser verdadeiras e o mais próximo do real;

d) Periodicidade: Os fatos noticiados são apresentados com intervalo fixo de tempo;

e) Interesse humano: A partir desse discurso um fato será atualidade por mais tempo quanto mais expectativas despertem ou conseqüências produzam. Existem fatos que são sempre atuais, como a fome, a seca, incidência de AIDS no mundo etc.

2.1. Fonte informativa

Fonte é uma pessoa, um grupo de pessoas, uma instituição, uma empresa, um governo, uma religião, que tenha visto ou ouvido algo, ou que tenham documentos, provas sobre algo e que estão dispostos a dispô-los a algum meio de comunicação por interesse público ou de conveniência. Quanto mais fontes o jornalista tiver mais informação ele terá.

Ter muitas fontes de informação é bom para o jornalista e em conseqüência para o público que terá a possibilidade de aferir as várias opiniões sobre a notícia.
De acordo com Borrat (1989) “a credibilidade de um meio está em relação direta com a quantidade, qualidade e diversidade das informações e as fontes que cita. As fontes podem ser classificadas em: resistente, aberta, que diz respeito às fontes que são procuradas pelo jornalista, enquanto as fontes espontânea, ávida e compulsiva correspondem às informações que são dadas pelas fontes ao repórter”.

Boas fontes sempre saem da proximidade do poder seja ele (político, religioso, social, financeiro, etc.). Porém, deve-se pensar que nenhuma fonte revela 100% dos fatos. Por isso a importância de contar com inúmeras fontes de confiabilidade para contrastar as versões e expô-las ao leitor.

2.2. Formador de opinião

Os jornalistas que tomam decisões são chamados de gatekeeper (McCombs, 1981; Tuchmann, 1993; McQuail, 1991, entre outros). Eles desempenham a função de filtrar o que vai ser publicado ou não nos jornais. Trata-se de um porteiro que regula, seleciona o que entra e o que sai da publicação. Segundo Traquina (2004), o jornalista protege a população de abusos e excessos que acontecem em diversas camadas da sociedade, impedindo ou suavizando seu conhecimento em relação ao fato. Por isso, seus cargos hierárquicos fazem uma grande diferença para as tomadas de decisões no meio ao qual trabalha.

É importante salientar que a Agenda (temática) do meio de comunicação define também o valor de cada notícia para o veículo. Em se tratando da presente pesquisa, que estuda a imagem projetada do Brasil no período do governo Lula da Silva, é bom destacar que os jornais posicionam-se de forma diferente em relação aos fatos em conseqüência dos seus profissionais, da priorização da agenda temática e especialmente seu público alvo. Por isso há uma tipologia segundo López (1995): jornais de prestígio e de massas.

Os jornais de Prestígio têm texto de âmbito político como Le Monde, The Washington Post, Folha de S.Paulo, El País etc. Este tipo de publicação está dirigido à elite política, econômica e social. Tenta influenciar os líderes de opinião, se dirige a um público homogêneo e exigente dada sua ampla base cultural e o seu papel nos âmbitos político, econômico e social.

Sua leitura é pouco atrativa para grande parte da população, não possui grandes títulos e não utiliza muitas cores, separa opinião de informação e é hierarquizado por um bloco de temas político, depois temas de sociedade e por fim de economia. Procura fontes institucionais, a linguagem é muito cuidadosa e é mais objetivo possível. Estas características tornam este tipo de publicação pouco palatável (valor alto, linguagem e temas pouco atraentes) à boa parte da população.

Os jornais de massa se dirigem ao público em geral, são pouco exigentes e buscam
entretenimento informativo como The Sun (Reino Unido), US Today (EUA), El Periódico de Catalunya (Espanha) etc. Usam cotidianamente os recursos “apelativos” da cor, fotos, elementos iconográficos, uso de títulos grandes. Sua linguagem é coloquial, evitando vocabulários técnicos e a informação central se apóia em informações secundárias e notícias de interesse humano.

2.3. A tematização

A agenda temática é o conjunto de matérias jornalísticas, elementos iconográficos e até a publicidade que são publicadas, pelos meios de comunicação. Esse poder de estabelecer o que vai ser veiculado destaca que existem preferências na seleção de temas e enfoques pela imprensa. Traquina (2004) destaca que a política editorial de um meio de comunicação influencia muito na tomada de decisões, seja no que diz respeito ao que será noticiável, até como este fato vai ser descrito para o leitor. A criação de suplementos e seções tem conseqüências diretas sobre o resultado do produto jornalístico de uma empresa, pois evidenciam que aquele espaço deve ser preenchido por um tipo de assunto e não por outro. Por exemplo, na seção Internacional de um jornal somente assuntos relacionados a outros países é que vão estar naquele espaço.

A tematização é o mecanismo de formação da opinião pública, agendados pelos meios. A temática é o conjunto de conteúdos informativos e noticiosos existentes no jornal. Com ela se define a personalidade de cada veículo de comunicação. Esse recurso (a tematização) é utilizado pelos gatekeepers para levar ao público leitor os assuntos que são de interesse do jornal.

O grande volume de notícias de todo tipo e sem nenhuma classe de filtro supõe a desinformação, causando no público um efeito narcotizante, um desinteresse que acaba por incapacitar qualquer operação de análise ou aproximação da realidade.

Por causa do enorme volume de notícias, o jornalista tem três opções permanentes: incluir, excluir e hierarquizar a informação. Através disso ele confecciona seus conteúdos que correspondem tanto aos interesses do público, quanto aos de cada meio e setores da sociedade.

Existem fatores que determinam essa seleção, segundo Galtung e Rudge (1980): A freqüência, cujos fatos que ocorrem durante o dia têm mais destaque; umbral ou catástrofe com alguém conhecido; ausência de ambigüidade; a significatividade ou afinidade cultural; consonância, a exemplo os avanços na luta contra AIDS; imprevisibilidade; continuidade; composição e valores socioculturais.

Cada meio tem interesse em dar a conhecer ao seu público, determinados fatos e opiniões para conseguir, fundamentalmente dois objetivos: ganhar dinheiro e ter a máxima influência e difusão. Nesse sentido, cada veículo pretenderá persuadir de que os conteúdos que oferece são os mais adequados para todos e que dará como resultado a construção da temática.

3. A influência da agenda dos meios na agenda pública

Na hipótese principal da perspectiva da Agenda Setting em que se baseia como conseqüência da ação dos meios de comunicação, o público será consciente ou ignorará atenção ou descuidará, enfatizará ou se distanciará de elementos específicos dos cenários públicos. Desse modo se pode afirmar que a força da influência dos recai sua capacidade de sensibilizar ao público sobre determinados aspectos ou temas sociais.

As pessoas reagem diante da notícia acreditando que os acontecimentos que mais cobertura recebem são os mais importantes. Nessa perspectiva, os meios exercem uma influência cognitiva poderosa porque fazem crer aos leitores (audiovisuais) de que certas coisas (temas, indivíduos etc.) são mais importantes do que outras.

O principal efeito dessa exposição da notícia e informações nos meios de comunicação é que o fato será visto numa perspectiva recortada e não com o tamanho real que ele tem. De forma congruente alguns estudos apontam que as pessoas mais influenciáveis pelo efeito da agenda setting são aquelas que não tem uma experiência direta ou de primeira mão com os temas abordados.

3.1. Perfil do jornal El País

Fundado em 1967, na fase de transição da ditadura para a democracia, El País se  consolidou como o mais respeitado e o de maior influência e difusão na Espanha. O jornal possui área de impressão de 950 cm² de um total de 1.168,5 cm². Ao todo são 64 páginas  e o espaço para publicidade não ultrapassa 40% do total da área impressa.

El País fechou o ano de 2005 com 2,048 milhões de leitores diários e o levantamento inicial de 2006 aponta para 2,025 milhões de leitores. Sendo líder da imprensa na Espanha, é o único jornal de difusão nacional cujo faturamento está em torno de 127,13 milhões de euros.

3.2. Método

A presente pesquisa tem como método de trabalho o instrumento de análise de conteúdo. Esta ferramenta tem sido largamente utilizada por pesquisadores desde a década de 1960 e tem sido visto com desconfiança por boa parte dos pesquisadores brasileiros por estar assentada, de forma mais recorrente, em dados empíricos.

O método de análise de conteúdo, portanto é fundamental para evitar abstrações e o uso de intuição que em muitos dos casos só se esforça à projeção da subjetividade do próprio pesquisador. Ao adotar procedimentos sistemáticos de verificação e comprovação de hipóteses, a análise de conteúdo se faz uma ferramenta para a descrição e interpretação abalizada de mensagens.

Trata-se de estabelecer, segundo Bardin (1996), de maneira consciente ou não, uma correspondência entre as estruturas semântica ou lingüística e as estruturas psicológicas ou sociológicas dos enunciados: “Não se trata de atravessar pelos significantes para captar os significados da natureza psicológica, sociológica, política, histórica, etc, através de significantes ou significados manipulados”.

Pode-se dizer que a análise de conteúdo é uma técnica de investigação que permite reconstruir sua arquitetura, conhecer a estrutura, seus componentes básicos e o funcionamento dos mesmos (do que está sendo analisado). Desse modo, análise de conteúdo pode ser utilizada para dessecar qualquer produto da comunicação de massa, para conhecê-lo melhor, por dentro, para saber como esta feita, para inferir seu funcionamento e predizer seu mecanismo de influência.

Esta análise permite examinar cientificamente tanto os significados (análise temática) como os significantes (análise dos procedimentos, das convenções) de qualquer texto (Bardin, 1986; Weber, 1994; Wimmer; Dominick, 1996).

3.3. Amostragem

Compõem o universo de análise as informações publicadas no jornal El País, no período compreendido entre janeiro de 2003 a dezembro de 2006. Após identificação das unidades de análise (informações publicadas no jornal espanhol El País), uma ficha de análise foi elaborada para atender as necessidades da pesquisa.

Nela constam dados de identificação básicos: jornal, dia da semana, mês da publicação, as fontes de informação utilizadas (experts, agências etc.), quem produz a informação analisada (enviado especial, correspondente etc.), lugar da publicação da informação (número de página, se direita ou esquerda etc.) e avaliação do tipo e tamanho da informação (se notícia, reportagem, notas e ocupa menos de um quarto de página, um quarto de página, meia página, três terços de página, página completa etc.).

Os indicadores relacionados com a notícia também estão contemplados na ficha de análise e foram codificados mediante uma escala de 17 itens para detectar as categorias temáticas (política, educação, cultura, relações internacionais etc.). Para este ponto específico da ficha de análise deve ser observado que uma determinada informação pode fazer referência a categorias temáticas diferentes.

3.4. Coleta de dados

À luz da análise de conteúdo, esclarecida anteriormente, a pesquisa teve seu início com a investigação, via Internet, dos textos referentes publicados na sessão internacional do jornal El País, de 1° de janeiro de 2003 a dezembro de 2006. Ao todo, nesses 48 meses do Governo Lula, foram localizadas 430 unidades informativas (matérias jornalísticas).

A partir aquisição da assinatura do jornal (que possibilitou o acesso à hemeroteca com os arquivos desde a sua fundação) uma série de passos (cliques de mouse) foram necessários para acessar os formatos PDF com cópias reduzidas das páginas onde se encontram as notícias publicadas.

4. Descrição e interpretação dos resultados

Os resultados dessa pesquisa foram totalizados, em relação ao período pesquisado. Porém, neste relatório, apresentamos alguns dados totais do trabalho. Os resultados estão expostos em quatro fases, de acordo com a distribuição na ficha de análise das unidades. Sendo assim, os resultados são mostrados com maior clareza, proporcionando uma compreensão mais acessível. A ficha está dividida em quatro grandes partes gerais:

1) identificação dos dados básicos;

2) indicadores relacionados com o tema abordado;

3) enquadramento noticioso (framming) e

4) indicadores relacionados com os atores do relato.

O volume de unidades (matérias) publicado no jornal El País é inegavelmente considerável, como mostra a Tabela 1. De janeiro de 2003 a dezembro de 2006, onde se observa que foram publicadas 430 unidades informativas sobre o Brasil. Tais unidades foram distribuídas regularmente entre os dias da semana, sendo o sábado o dia de maior aparição (67 unidades) e as segundas-feiras o dia de menor aparição de informações dedicadas ao Brasil e aos brasileiros (51 unidades).

Ano

Freqüência

Percentagem

Percentagem Valida

Percentagem acumulada

2003

129

33,9

33,9

33,9

2004

78

20,5

20,5

54,5

2005

118

31,1

31,1

85,5

2006

105

14,5

14,5

100,0

Total

430

100,0

100,0

 

Tab. 1. Volume de matérias publicado no jornal El País (2003-2006).

Das 430 unidades de informação 96 tiveram fontes de informação mencionadas, mas não identificadas; 76 fizeram uso de comentários de especialistas; em 248 às são oficiais. O dado mais curioso está diretamente relacionado com a citação de outros meios de comunicação (jornais, revistas e emissoras de TV) como fonte informativa, num total de 100.

Desde o ponto de vista da produção da informação, 290 foram redigidas por correspondentes, (que apesar da capital do Brasil ser Brasília, o correspondente produz as matérias na cidade do Rio de Janeiro, e às vezes em São Paulo), 74 matérias foram produzidas por enviados especiais, 09 foram produzidas pela redação do jornal e 37 por agências de notícia.

Quanto ao tamanho das unidades informativas publicadas na sessão internacional de El País, 17 ocuparam a totalidade das páginas, 23 tiveram dimensões superiores a ¾ de página, 103 entre ½ e ¾ de página, 147 entre ¼ e ½ página e 136 foram menores que ¼ de página. Das 430, apenas 15 abriram a sessão internacional, sendo que 101 correspondiam ao gênero informativo “notícia³”, 299 reportagens, 20 entrevistas e 10 breves.

Da totalidade das unidades informativas veiculadas no jornal, 235 apresentavam elementos gráficos. Destes, 219 eram imagens fotográficas, 12 iconográficos, duas caricaturas e um esquema e gráfico.

Os enfoques temáticos do acontecimento principal das unidades predominantes foram: a política (231), predominantemente em outubro mês das eleições presidenciais; relações internacionais (55), violência (42), onde se pode destacar o aumento de incidência deste tema, visto os fatos ocorridos em São Paulo no primeiro semestre de 2006, que abordaram a organização criminosa PCC e suas ações de violência no Estado; economia (37), interesse humano (16), justiça (14), trabalho (10), conflitos agrários (09), questões sociais (07), acidentes/catástrofes e defesa (03), religião (02) e culturas (1).

Os políticos praticamente predominaram as citações de personalidades nos textos jornalísticos publicados: em apenas 26 matérias, num total de 430 unidades, deixaram de ser citados. Os sindicatos também obtiveram aparição significativa, com 24,9% (107 unidades). Os intelectuais estiveram presentes em 16,3% (70 das unidades): os empresários com 13,7% (59 aparições) e as pessoas comuns com 14,7% (63 unidades) foram os segmentos menos freqüentes.

5. Discussão

O resultado, ainda que parcial, já que não detalhamos todos os pontos da ficha de análise, nem nos aprofundamos em sua totalidade, aponta com clareza as formas de representação do Brasil na imprensa espanhola (El País). Independente do grau de exotismo que possa apresentar a vitória eleitoral do operário Lula da Silva no pleito para a presidência da República, em 2003, é inegável o crescimento ou destaque dispensado ao Brasil e a alguns de seus personagens.

As razões para tal destaque são de natureza múltipla: as potencialidades de um país de dimensões continentais, seu destaque comercial no campo do agro-negócio, os resultados na economia (mesmo que crescendo de forma bastante tímida se comparada a alguns países com mesmo potencial, a exemplo de China, Índia etc.), a violência urbana crescente, as divergências entre grupos parlamentares ou partidários e, sobretudo a implementação de uma política de relações exteriores mais agressiva.

Com os referidos números já se pode fazer afirmações a respeito da imagem transmitida pelas matérias veiculadas em El País. As informações de conteúdo político são predominantes e podem ser consideradas o espelho da imagem positiva. Ao abordar essa temática, o jornal reflete bons resultados.

O texto jornalístico traz consigo um poder de retórica capaz de influenciar pessoas. Isso não se dá por acaso. A estrutura do texto jornalístico o faz convincente, já que o mesmo não se limita às figuras usuais da fala. Como retrata Van Dijk (1990):

(...) se utilizan los dispositivos estratégicos que relacionan la veracidad, la plausibilidad, la corrección, la precisión y la credibilidad.(...)Estos dispositivos incluyen el uso destacable de las cifras; uso selectivo de las fuentes; modificaciones especificas en las relaciones de relevancia (las proposiciones incompatibles aparecen al final o son completamente ignoradas); las perspectivas ideológicamente coherentes en la descripción de los sucesos; los usos de argumentaciones especificas esquema de actitudes, los usos selectivos de personas e instituciones fiables, oficiales, bien conocidas y creíbles; la descripción de detalles cercanos, concretos; y la referencia o apelación a las emociones.

Desta forma, é possível aludir um novo descobrimento midiatico do Brasil. Esteredescobrimento, apesar de não constar como um dos objetivo da pesquisa, pode ser identificado a partir da quantidade de unidades informativas presentes na seção internacional de El País.

Além da quantidade de unidades informativas, chama a atenção o fato de que, na maioria delas, o caráter avaliativo tenha sido avaliado como positivo para 52,1% do total de 430 unidades. A avaliação negativa obteve 28,1% do total, o que indica não somente uma presença significativa na imprensa espanhola, mas, sobretudo uma melhor valoração na forma como é destacada.

6. Conclusão provisória

A pesquisa tem como objetivo verificar a representação do Brasil no período do governo Lula da Silva. O ponto de partida para a análise são as matérias veiculadas publicadas na seção Internacional do jornal El País, da Espanha. Ao todo, foram localizadas 430 unidades informativas, de tamanhos e gênero informativo variado.

É perceptível que o Brasil, desde janeiro de 2003, tem ocupado espaços generosos na mídia internacional, seja pelas propostas do presidente Lula para a erradicação da pobreza no Brasil e no mundo, seja pelas incursões ou tentativas de liderar o processo de estabelecer uma maior integração entre os países integrantes da América do Sul, ou ainda pela desinibida vontade de ocupar um assento definitivo na Organização das Nações Unidas.

Há, evidentemente, que fazer registro das informações publicadas de forma negativa. Em grande parte, estas informações deram-se tendo como eixo central às denúncias de corrupção entre integrantes do Governo Lula e parte significativa do parlamento (Senado e Câmara Federal), no escândalo que ficou conhecido como “mensalão”.

Um outro fator que contribuiu para o índice de 28,1% de unidades informativas de caráter avaliativo negativo decorreu das cenas de violência urbana e no interior das prisões brasileiras. Os fatos que gravitam em torno da temática da violência sempre despertam a atenção do jornalismo internacional. A presença das ameaças e da concretização de uma série de atentados oriundos de facções criminosas como Primeiro Comando da Capital (PCC), no Estado de São Paulo, contribuíram de forma significativa para a freqüência de unidades informativas de caráter avaliativo negativo.

Inegavelmente, as informações publicadas acerca de menores abandonados (meninos de rua) já não são presentes como no passado. A violência urbana registrada em El País, contudo, não pode ser entendida como fatos isolados ou distantes das condições insalubres dos casebres amontoados em morros cariocas e periferias de São Paulo: não deixa de ser um estágio evolutivo do abandono de menores (presentes no noticiário e manchetes do passado).

Nos seis meses finais de 2006 o jornal El País deu um destaque diferenciado ao Brasil quando evidenciou em suas páginas uma série de quatro reportagens, de duas páginas, sobre o país, no mês de agosto, realçando as cidades do Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo. As temáticas de carnaval, favelas, negros, violência e política marcaram as matérias.

O repórter Francisco Peregil visitou cada uma das localidades e com suas experiências e depoimentos de moradores, elaborou seu ponto de vista, traduzidos para o jornal de maior importância na Espanha. Outro realce a ser visto é a introdução no mês de outubro de caricaturas dos principais candidatos a presidência da república, o que antes só utilizava a fotografia.

Tais resultados refletem uma tendência já registrada a partir da pesquisa “Medios de comunicación e inmigración. El análisis de los encuadres noticiosos en la prensa española”, realizada en 2002. Nela, o Brasil está entre os países considerados “ensalzados mediaticamente”, ou seja, é um país cujo noticiário reflete uma certa “benevolência” da mídia espanhola.

NOTAS

[1] Trabalho apresentado no NP - Intercom - VI Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação, 2006.

[2] Pesquisa coordenada pelos professores doutores da Universidad de Salamanca, Juan José Igartua e Maria Luisa Humanes, onde participamos como pesquisadores de vários países da América Latina, além de Portugal.

[3] As unidades de aparições na imprensa espanhola registraram Chile como maior protagonista devido ao julgamento do pedido de extradição do ex-ditador Augusto Pinochet, solicitado pelo Fiscal do Estado Baltazar Garzon.

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*Derval Gomes Golzio é doutor em Comunicación Cultura y Educación pela Universidad de Salamanca (2003) e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Vanessa de Mélo Ferreira é graduanda em jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]