Nº 11 - Fev. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO VI
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



MONOGRAFIAS
  Olavo Bilac
Um jornalista ativo na fundação da moderna imprensa brasileira
Por Marta Scherer*

RESUMO

Apresentar o jornalista Olavo Bilac é objetivo central deste texto, que pretende resgatar para a história da imprensa o papel daquele que ficou conhecido como o "príncipe dos poetas" no cânone literário. A vida na imprensa e o exercício da profissão de jornalista são algumas das principais inquietações de Olavo Bilac e assuntos recorrentes em suas crônicas, fazendo do jornalista um pioneiro no pensamento que funda a moderna imprensa brasileira. Esta pesquisa situa-se no momento em que o jornalismo desloca a supremacia do fazer literário, entendido sobretudo como busca de um preciosismo expressivo, fato que é vivido de forma tensa e contraditória pelos literatos.

Reprodução

PALAVRAS-CHAVE: Literatura / Imprensa / História do Jornalismo

1. Introdução

Nem sempre o homem pode mudar de profissão como as serpentes mudam de pele. Quem uma vez foi jornalista, há de morrer jornalista. [1]

A frase, escrita em defesa do jornalismo como profissão, surpreende nem tanto por seu conteúdo, mas por ser de autoria de Olavo Bilac. Mais conhecido como o maior poeta parnasiano brasileiro, autor da letra do hino à bandeira e defensor de movimentos e políticas nacionalistas, Bilac, entretanto, foi um dos mais expressivos jornalistas da virada para o século XX.

Durante 20 anos escreveu para a imprensa, seja em pequenos jornais, grandes folhas ou revistas, sempre mostrando um texto marcante e moderno. Em milhares de crônicas, o ourives das palavras mostrou-se também um escritor de notícias.

Por tratar-se de uma personalidade atuante, um típico intelectual empenhados das primeiras décadas da República Velha, corre-se o risco de perder-se entre tantos personagens que se dividiu. De qual Bilac se trata? O poeta das estrelas? Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras? O jovem sem papas na língua que é preso e exilado? O freqüentador da Confeitaria Colombo? O cronista dinâmico e atual?

Afinal, quem era Bilac?

Marisa Lajolo contestou que era, sobretudo, o “representante de uma pequena burguesia, de seus dramas e valores, sonhos e tropeços” [2] e nessa condição estaria o segredo do seu sucesso. Entre tantas atuações, é a vida do jornalista que se quer aqui explicar, entender, explorar.

O objetivo deste texto é realçar a faceta jornalística de Olavo Bilac, superando os paradigmas estabelecidos em torno do autor e de sua produção. Em consonância com Silviano Santiago, acredito que “o valor de um objeto cultural depende também do sentido que se lhe dá a partir de uma nova leitura, sobretudo se esta desconstrói leituras alicerçadas no solo do preconceito”. [3] É assim, na tentativa de comprovar a relevância do autor como cronista, que se configurou o presente trabalho, cuja estratégia é (re)ler a imprensa brasileira pelos olhos bilaquianos.

Foram selecionadas para estudo e leitura crônicas escritas nos diversos jornais e revistas cariocas onde o autor foi colaborador ou membro efetivo durante 16 anos, período que compreende de 1892 a 1908. Alguns serão aqui ressaltados, com especial ênfase aos que versam sobre o exercício da profissional de imprensa, utilizando a escrita metalingüística de Olavo Bilac para entender também o jornalismo de sua época. É meta, acima de tudo, o jornalista Olavo Bilac, que permaneceu no ostracismo na história da imprensa brasileira.

O jornalismo não só foi central na vida do autor, como também deu vazão a uma obra diferenciada, já que, como afirmou Jeffrey Needell, “em sua escrita, Bilac mantinha uma dualidade. Na época, sua poesia já saíra de moda na França, mas sua prosa estava bem no compasso das novidades”. [4] Dessa forma, se o parnasianismo o marcou como um poeta tradicional, sua extensa prosa colocou o autor no rigor do que estava em voga.

Ainda que nunca tenha deixado de se considerar um poeta, Olavo Bilac foi mudando suas atitudes e interesses ao longo de sua trajetória profissional.  Em 1904 afirmou, em artigo à revista Kósmos, que não era preciso ter “melenas” para ser um poeta, pois quem escreve versos é um homem comum, como os outros. O príncipe, que foi “coroado” em um dos concorridos saraus realizados na casa de Coelho Neto [5] não tinha problemas em afirmar não ter mais tempo nem paciência para ‘andar a cata de rimas’.

Depois, quando mais anos passaram sobre a minh’alma; quando o amor dos versos rimados foi diminuindo à medida que crescia a responsabilidade da vida; quando deixei de crer (com que tristeza!) que o homem capaz de fazer versos não tem necessidade de mais nada; – então, um novo cerco, mais paciente e mais longo, começou. O que eu queria era ter aqui o meu dia marcado, o meu cantinho de coluna, o meu palmo de posse. [6]

É assim que surge Bilac, o jornalista, para utilizar o título da obra do professor Antônio Dimas, que organizou, recuperou, valorizou e trouxe à luz centenas de crônicas daquele que ficou para a posteridade com participação restrita na história dos homens de letras deste país. Quase um símbolo da virada de século, Bilac surpreende por ter sido idolatrado em vida, consagrado na morte e praticamente execrado no futuro.

Se há um século era intitulado ‘príncipe dos poetas’, terminou permanecendo no cânone e no imaginário ‘popular’ como poeta de gosto médio, [7] antiquado e conservador, recebendo o descrédito que os modernistas lançaram sobre quase tudo que os antecedia, o parnasianismo em particular.

Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, poeta parnasiano. A definição, embora precisa, tem mantido muitos leitores afastados desse autor, que sofreu combates impiedosos por parte dos modernistas que fizeram em São Paulo a Semana de Arte Moderna de 1922. Desde então, parnasianismo passou a ser associado a conservadorismo estético e alienação político-social. Ao ignorar o cronista e apresentar somente o poeta parnasiano, ufanista e até símbolo do exército, jogou-se fora assomos e perplexidades que suas crônicas testemunharam, e criou-se resistência em torno de tudo que se refere ao intelectual Olavo Bilac.

Se até o nome era um “alexandrino perfeito”, o que dizer da produção daquele que foi considerado o maior poeta do seu tempo? Para a crítica literária tradicional a resposta é de que Olavo Bilac é o poeta. Ponto. O cronista, o conferencista e qualquer outra faceta que seja reservada aos rodapés ou frases breves.  Somente estudos mais recentes começaram a ressaltar a produção em prosa bilaquiana. E como a poesia era a sublime e a crônica mundana, os próprios contemporâneos lhe conferiam o título de grande parnasiano.

Sílvio Romero afirma: ‘Se Teófilo dias é o mais ardente, Raimundo Correia o mais sereno, Alberto de Oliveira o mais artistas destes poetas, Olavo Bilac é o mais espontâneo, o mais natural de todos eles’. E conclui, logo adiante, em frase sintomática: ‘sua poesia, com ser límpida e brilhante, não é ampla e profunda, como uma reprodução fiel das grandes mágoas dos imensurados tormentos, dos insondáveis abismos do coração moderno’. O não ser ampla nem profunda, mas restrita e superficial, é também a observação de Alceu Amoroso Lima: ‘o poeta não teve concepções torturadas nem momentos de psicologia aguda’, comenta sobre o primeiro livro de Bilac; e, sobre o último, conclui: Bilac desconheceu a tortura do pensamento ou, pelo menos, nunca a revelou. [8]

A apreciação de José Veríssimo, um dos mais renomados críticos literários da Belle Époque, seguia a mesma linha. Ainda que considerasse o livro Poesias, lançado por Bilac em 1888, que já nesta época o consagrara, como “o mais acabado exemplar do nosso parnasianismo, tanto pelas qualidades formais como de inspiração”, [9] o crítico afirmou que o poeta carecia de extensão e de profundidade, além de ter habilidades mais brilhantes do que tocantes. Veríssimo, entretanto, não deixou de enxergar na produção poética uma distinção positiva e de enaltecer as “notáveis qualidades de brilho, colorido, rara força verbal, facilidade e felicidade de expressão, pompa, eloqüência, inexcedível mestria técnica, calor, entusiasmo”. [10]

Da população em geral, entretanto, Olavo Bilac tinha os aplausos, sendo mesmo uma celebridade da Belle Époque. Entre tantos relatos, ressaltamos o de Luiz Edmundo, [11] que contou como a chegada do poeta parava a confeitaria Colombo, onde era idolatrado pelos jovens e respeitado pelos velhos, e como seus poemas eram declamados de memória em todos os salões. Lembrando ainda do espírito irônico de Bilac, o autor afirmou que “além de poeta, é um orador brilhante, imaginoso, erudito, fluente, ao qual não faltam os recursos de uma voz sonora, redonda, clara e musical. Isso dentro de uma prosódia rigorosamente brasileira. Nesse particular ele não faz a menor concessão”.

Além de sua conhecida campanha cívica nacional pelo serviço militar, foi essa defesa da ‘inculta e bela’ língua portuguesa que faz com que Bilac fosse considerado como o poeta nacional por outros autores, como Ronald de Carvalho [12] ou Alceu Amoroso Lima, [13] para citar os mais entusiastas do veredicto. Foi Alceu Amoroso ainda quem explicou o segredo de tanto sucesso, obtido através do saber expressar-se do poeta, que de forma simples, porém elegante, conseguia atingir a massa com o sentimento espontâneo e fácil dos seus versos.

Tamanha influência não poderia continuar atuando se a idéia era quebrar paradigmas, como queriam os modernistas de 22. O passado tinha que ser superado e Bilac era o bode expiatório perfeito. [14] O grupo talvez não soubesse exatamente onde sua antropofagia o levaria, mas sabia bem o que não queria. Oswald de Andrade, no prefácio de Memórias Sentimentais de João Miramar, lamenta que "um velho sentimentalismo racial vibra ainda nas doces cordas alexandrinas de Bilac", ao mesmo tempo em que acredita que a nova revolução mudará o cenário.

Mário de Andrade, em seu famoso manifesto Mestres do Passado, série de artigos publicados na edição paulista do Jornal do Commércio, decreta a antiguidade da obra bilaquiana, que não mais deveria influenciar a nova poética. Considerando o poeta um indiferente, escreveu com veemência o autor de Macunaíma:

Do ponto de vista ideológico, foi o poeta que melhor exprimiu as tendências conservadoras vigentes depois do interregno florianista. À política renovadora que animara alguns fautores da República seguiu-se um ufanismo estático e vazio, amante da tradição considerada em si mesma como beleza. Bilac, poeta dos nautas portugueses em Sagres e dos bandeirantes no Caçador de Esmeraldas, será também o cantor cívico da bandeira, das armas nacionais e o didata hosanante das Poesias Infantis. [15]

Entretanto, ainda no manifesto Mário de Andrade afirmou ser Olavo Bilac "inteligentíssimo”, tendo atingido uma perfeição no "manejo do alexandrino" quase incomparável, só perdendo para Victor Hugo entre todos os poetas. Ainda que com reverência, os elogios não o impedem de "enterrar" Bilac, junto com os demais mestres do passado: Francisca Júlia, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira e Vicente de Carvalho. [16]

Ícone entre os mais famosos parnasianos, Bilac foi reconhecido pela crítica como a figura mais gloriosa, além de autor da 'Profissão de Fé' mais apurada da escola no Brasil. Analisando esse poema bilaquiano, assim como “Inania Verba” e “A um poeta”, Afrânio Coutinho [17] realizou ainda uma defesa do conteúdo na poesia bilaquiana, que estaria igualado à forma, o que fez com que fosse o mais equilibrado e representativo da escola. A mesma opinião é ratificada por Otto Maria Carpeaux, [18] que ainda reforça a popularidade do poeta, usando termos como idolatrado e endeusado, a quem o povo permanecia fiel, mesmo após 22. Mais uma vez é o parnasiano que entra na história.

Somente com a visão que a distância temporal permite é que as demais atividades do autor começam a aparecer, ainda que a produção poética seja sempre a mais destacada. Alfredo Bosi [19], por exemplo, ressaltou “o mais antológico dos nossos poetas", colocando em nota de rodapé um pequeno histórico, no qual se lê não mais do que uma frase sobre as demais facetas do “príncipe dos poetas”. Foi Nelson Werneck Sodré, ao escrever a História da Literatura Brasileira, o primeiro aressaltar a vida de imprensa como um dos fatores da "preeminência indisputada" de Olavo Bilac. [20]

Contudo, foi nas palavras de Antonio Candido que encontramos a valorização de Olavo Bilac também na prosa, afirmando que operou com maestria "a íntima aliança do verbo literário com a música e a retórica". [21] E, sobretudo, quando asseverou que Bilac "escreveu a vida toda para a imprensa como excelente cronista em prosa e verso, num estilo expressivo e rico, mais rebuscado nos discursos e conferências" [22], sem esquecer de citá-lo entre os ‘grandes” quando se refere ao aparecimento da crônica no moderno jornalismo brasileiro.

As revistas e alguns jornais, nesse período, foram muito importantes como veículos de literatura (...). Todas essas publicações se ligavam às orientações dominantes de cunho parnasiano e realista. A propósito das publicações periódicas, convém lembrar que nesse período foi muito cultivado o gênero meio jornalístico, a princípio denominado folhetim, depois crônica. Ele consiste no tratamento breve e acessível dos fatos diários, de temas ligados aos costumes, à arte, à política, geralmente do ângulo das impressões pessoais. Sobressaíram-se Machado de Assis, França Junior, Olavo Bilac, Artur Azevedo e outros menores”. [23]

Aproveitando o caminho aberto, em estudos mais atuais encontramos um posicionamento no mínimo mais abrangente, seja por estar mais distante da época em que o poeta era aclamado como tal, seja por estar menos comprometido com a visão que os modernistas determinaram. É assim que encontramos a afirmação do engajamento de Bilac não somente através de tarefas concretas como a do alistamento militar, mas no exercício cotidiano da crônica.

Em recente estudo, o crítico Luís Augusto Fischer [24] demonstra como o autor de “Via-Láctea” foi um perfeito exemplo do intelectual orgânico que Gramsci apresentou, ressaltando a necessidade do entendimento da obra de Olavo Bilac na compreensão da história nacional, como algo a que sempre se deve voltar.  E, como comprovou Antonio Dimas, os mais variados temas foram analisados pelo intelectual que encontrou nos periódicos um caminho para expor suas impressões.

Nesses quase vinte anos de jornalismo diário, muitas vezes espalhado por mais de um veículo, seu posto privilegiado permitiu-lhe uma visão angular da sociedade, cujas frinchas e reentrâncias dificilmente escapavam ao seu olhar bisbilhoteiro e nem sempre certeiro. Ideologicamente irregulares como é de se esperar de quem não se pautava por um credo único, religioso ou político, as crônicas de Bilac pouco atraem aqueles que precisam de posições alheias para confirmar as suas. Mais que escora, elas se prestam ao investigador minucioso que esteja preocupado com uma visão mais abrangente de dado período. Porque, nelas, o material é farto. [25]

Com essa matéria-prima farta, o presente artigo busca encontrar nas crônicas e nos livros informações sobre o jornalista Bilac, um homem que acompanhou as mudanças no país. Quando o Brasil vivia a abolição da escravatura e a proclamação da República, era boêmio e revolucionário. Nos atribulados anos de implementação do novo sistema, foi contestador e político, no auge da Belle Époque, foi um entusiasta. Era, sem dúvida, um homem de seu tempo e “o trabalho que empreende, desta forma, afina-se com a mais pura tradição da modernidade, compreendida por campo de tensões e contradições”. [26]

Ainda que se refira a João do Rio, contemporâneo e companheiro da Belle Époque, a afirmação de Carlos Capela poderia muito bem ter sido formulado para a vida de Olavo Bilac, cuja carreira foi composta de diversas facetas. Transgressor quando jovem, parnasiano na poesia, polêmico na imprensa, burocrata no serviço público. Um príncipe que inspecionava escolas.

Ourives na poesia, produziu obras didáticas, elaborou reclames, escreveu na imprensa, realizou conferências. O certo é que tinha como traço fundamental de sua personalidade o papel de comunicador, deixando um legado de quem dominou a escrita, absorveu e assumiu as posições e correntes de sua conturbada época. Com uma eloqüência caracterizada como “irresistível” por Antônio Candido, o escritor era amado e idolatrado.

Para acompanhar as transformações de um país que se modernizava, Olavo Bilac encontrou nas páginas dos jornais as companheiras ideais para vivenciar um momento de mutação. Entre centenas de títulos publicados na então capital federal e na emergente São Paulo, os de maior destaque eram a A Gazeta de Notícia, Jornal do Commércio, O Estado de S.Paulo, Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, entre outros. Os periódicos ainda disputavam espaço com revistas como A Semana, Kósmos, Fon-Fon, Revista Ilustrada, A Careta e muitas mais. 

Em quase todos encontramos a colaboração do cronista. Mais do que uma profissão, o jornalismo era uma paixão de Olavo Bilac, como descreveu em texto que lembrou como se desenrolaram suas atividades na imprensa:

Um pobre rabiscador de crônicas principia a escrever uma seção diária, numa folha, por necessidade ou por desfastio; dentro de poucos meses, já a escreve por gosto; e dentro de menos de dois anos, escreve-a por paixão – por uma dessas paixões que são feitas ao mesmo tempo de amor e de hábito, de prazer e de vício, de revolta e de ciúme, – cativeiro voluntário, que o cativo às vezes amaldiçoa, mas do qual não se quer libertar. [27]

Como quase tudo em sua carreira, o início de sua trajetória como jornalista trouxe um paradoxo: começou em São Paulo. Logo ele, que amava e vivia o Rio de Janeiro de forma intensa, apaixonada. Entretanto, em 1887, ao tentar se formar advogado na conceituada faculdade do Largo de São Francisco, o jovem Olavo viu na imprensa sua possibilidade de ganha pão. Foi no jornal Diário Mercantil, de Gaspar da Silveira, para o qual foi contratado por recomendação do parnasiano Raimundo Correia, que Bilac começou sua colaboração de forma sistemática nos periódicos. Tinha como função resumir o noticiário carioca.  De São Paulo ainda envia colaborações para a revista A Semana, de Valentim Magalhães, que circulava no Rio de Janeiro.

Como mesmo assim o salário não lhe chegava para viver, procurou nova fonte de renda na Vida Semanária, de Emiliano Perneta, onde assumiu a seção literária. Apesar de ser oriundo de uma família de classe média, o estudante já não mais contava com mesada, ao contrário da maioria de seus colegas de estudo. O pai, militar e cirurgião ligado à monarquia, rompeu relações e ajudas pecuniárias por não suportar ver o filho prodígio desistir da carreira de médico, depois de longos cinco anos freqüentando o curso. O menino, que aos 15 anos teve que pedir permissão ao Imperador para entrar no ensino superior de medicina, no Rio de Janeiro, nunca se formou. O movimento das ruas tirou-lhe a atenção das lousas.

Depois da malfadada experiência acadêmica em São Paulo, que durou pouco mais de um ano, Bilac voltou ao Rio de Janeiro e continuou seu trabalho nos jornais. Seu ex-colega de medicina, Alcindo Guanabara, conseguiu-lhe uma vaga no jornal abolicionista Novidades. Em seguida colaborou também para a Gazeta de Notícias e para o Cidade do Rio, onde começou publicando versos mas logo foi contratado para a redação, juntamente com Pardal Mallet e Raul Pompéia. Com esses dois fundou o republicano A Rua, de curta duração, sendo publicado apenas de abril a julho de 1889. No periódico, era o responsável pela crítica teatral, publicava poesias e assinava uma coluna de notícias diversas.

Foi assim que de 1887 a 1889 Bilac empenhou-se nas campanhas abolicionista e republicana. Na noite de 15 de novembro participou ativamente da cobertura jornalística que contou à população o quê, afinal, estava acontecendo. Foi um dos defensores do novo sistema e relatou em crônica ter passado um dia trabalhoso e rude, ficando “extenuado por doze horas de trabalho contínuo para poder explicar os acontecimentos da revolução, exercendo o papel de jornalista. O Cidade do Rio publicou três edições no próprio dia 15, levando à população “todas as notícias desencontradas, todos os atrapalhados boatos, todas as complicadas surpresas daquela jornada fantástica”. [28]

No primeiro ano do novo regime escreveu crônicas para o Correio do Povo, de Sampaio Ferraz. Mas a colaboração foi interrompida porque José do Patrocínio o convidara para ser correspondente do Cidade do Rio na Europa. A profissão de jornalista fazia com que Olavo Bilac realizasse um sonho e ainda ganhasse por isso. O trabalho de correspondente foi realizado de julho de 1890 a março de 1891. Em nota de primeira página a Gazeta de Notícias comentou a viagem.

Segue hoje para Europa, onde vai ser correspondente da Cidade do Rio, Olavo Bilac. Não há no mundo das letras quem não conheça e não tenha apreciado o moço glorioso que em diversos jornais, e ainda ultimamente na Gazeta de Notícias, deu as mais brilhantes provas da opulência do seu talento e do seu engenho literário. Vemo-lo partir com a mágoa de quem perde um grande colaborador; mas essa mágoa é em parte suavizada pela certeza que temos, de que na sua nova posição, aquele espírito brilhante ainda mais se desenvolverá pela convivência com o que de artes e de letras tem de mais requintadamente apurado. [29]

Dessa experiência Bilac deixou testemunho em correspondência a Max Fleuiss, a quem convidou para ir a Paris, onde vivia “modestamente, mas com conforto”, [30] gastando 700 francos por mês (cerca de 300 mil réis). Nos seus gastos incluía, além de alimentação e hospedagem, teatro, carro de aluguel, enfim, tudo que precisava para se encharcar de parisina. [31]

Afirmava, ainda, que na capital francesa vivia exclusivamente com os ordenados do Cidade do Rio: já era um jornalista profissional. Nessa mesma carta se referiu ao Brasil como “confraria portuguesa que a generosidade dos povos insiste em chamar país civilizado” e perguntou: “como vai essa terra ignóbil?". A antipatia em relação à pátria teria sido ainda maior se soubesse o que o esperava no regresso, durante a presidência de Floriano Peixoto.

Com a ascensão do “marechal de ferro” ao poder, o cronista que retornou à atividade tão logo chegou ao Brasil, dirigiu fortes ataques ao ditador, através de textos publicados no jornal de Patrocínio e, sobretudo, em O Combate, fundado por ele, Lopes Trovão e Pardal Mallet. Nesse último publicou crônicas que o levaram a se desentender com Raul Pompéia, florianista empedernido, tendo a discussão quase terminado em duelo. As críticas eram endereçadas não só à instituição governo, mas a tudo que estivesse em sua volta também, com ênfase nos jornais ditos florianistas. 

Como sempre de forma irônica, atacava as folhas que haviam publicado como verdade as supostas afirmações comprometedoras de um sargento que havia sido ferido gravemente na cabeça. Assim ele, Bilac, “como repórter ativo – desculpem a imodéstia – tive a ocasião de interrogar, sobre o caso raro, vários médicos e todos eles são concordes em declarar que o sargento Sylvino no estado em que o descrevem os jornais, não pode ter feito declarações”, [32] desmascarando a operação perante o público.

 “Parnasiano apenas na arte, Bilac teve forte atuação política como jornalista” [33] e, além de publicar artigos atacando o governo, participou de manifestações populares e até de uma tentativa de contragolpe em abril de 1892. Como conseqüência, nesse ano foi preso por quatro meses na Fortaleza da Lage. Dessa época deixou testemunho Luiz Murat, que publicou no O Combate a seguinte nota:

Apesar da pilhéria do Sr. Floriano Peixoto, mandando dizer à imprensa que, na declaração de sítio e a suspensão de garantias, excetuava-se a liberdade de imprensa, estão presos e incomunicáveis alguns jornalistas, entre eles os nossos queridos amigos Pardal Mallet e Olavo Bilac, desta folha, e José do Patrocínio, o genial jornalista brasileiro, redator da Cidade do Rio. [34]

Solto, voltou ao ofício e chegou a secretário de redação do Cidade do Rio, um posto importante na carreira que exercia. Em biografia publicada no periódico o Álbum, de março de 1893, Guimarães Passos apresentou Bilac como alguém com memória prodigiosa, que lia todos os jornais "com um cuidado extraordinário" e escrevia no “meio do maior barulho”, [35] uma boa descrição para um jornalista. Nesse mesmo ano, entretanto, teve que se exilar em Minas Gerais, quando o jornal de Patrocínio foi fechado pelo governo de Floriano Peixoto.

O exílio não o fez interromper suas atividades de jornalista: enviava crônicas para a Capital Federal, mandando notícias importantes como a do lançamento da nova capital mineira, a primeira cidade projetada do Brasil: Belo Horizonte. Em outra ocasião, de Ouro Preto encaminhou artigo que comentava o lançamento do monumento a Tiradentes, com texto que se tornou mais uma prova de sua condição de jornalista. E mais, de quem buscava um “furo” de reportagem.

Querendo que a Gazeta fosse a primeira a dar do monumento notícia minuciosa e completa, obtive do notável escultor V. Cestari um croquis geral da belíssima obra de arte e uma fotografia fidelíssima da estátua: fica assim a Gazeta habilitada, graças a isso e ao talento do seu primoroso desenhista Belmiro de Almeida, a dar aos leitores uma idéia perfeita do que é esse monumento – o primeiro, talvez, do Brasil, no gênero, com beleza de concepção e sobriedade e perfeição de estilo. [36]

Voltou ao Rio de Janeiro em 1894, quando o estado de sítio – que só atingia o Distrito Federal – foi levantado. Porém, mal desembarcou na Central do Brasil e foi detido pela polícia de Floriano Peixoto. Como resultado de sua volta precipitada, acrescentou no seu currículo mais uma semana de cárcere. Ao total foram quatro as vezes em que esteve preso, episódios que provavelmente colaboraram para sua declarada ojeriza à política. 

Popular e aclamado, além de herdeiro de uma geração que fez com que Sílvio Romero afirmasse que no Brasil mais do que em outros países, a literatura conduz ao jornalismo e este a política (...) literato é jornalista, é orador e é político”, [37] estranha que Bilac nunca tenha se interessado por cargos eletivos. Somente anos depois conseguiria entender por que o governo provisório tinha tanta “má vontade’ com a imprensa: “A revolta da criatura contra o criador é uma lei fatal...”, [38] afirmou, talvez tentando justificar sua própria decepção. Jamais se candidatou a cargo público e evitou o tema em suas crônicas depois da queda de Floriano.

De seu retorno do exílio até 1908, Olavo Bilac conquistou um papel de destaque na sociedade carioca, trabalhando intensamente na imprensa. O intelectual combatente e perseguido pela ditadura florianista saiu de cena e entrou, junto com grande parte da intelectualidade da época, o defensor da Belle Époque, o símbolo da vida literária. Nesse período manteve intensa colaboração na Gazeta de Notícias e no vespertino A Notícia, veículos onde publicou durante mais de uma década. [39]

Em 1897 substitui ninguém menos que Machado de Assis na crônica semanal do jornal de Ferreira de Araújo, obtendo assim sua consagração na vida de jornalista. Ainda que só tenha começado a assinar a coluna a partir de 1903, o “acento pragmático” de suas crônicas é facilmente observado em todos os anos da colaboração, como comprovou Antonio Dimas, [40] que também apontou para o tom informal, próximo e familiar que o escritor utilizava, estando aí uma pista de sua cumplicidade com o leitor, o que lhe conferia extraordinária popularidade.

Em biografia sobre Bilac, Raimundo Magalhães pergunta e responde: “Por que era Olavo Bilac um cronista tão lido, tão comentado, tão apreciado? Pela variedade de assuntos de que se ocupa e elegância de seus escritos, pela boa informação que veiculava e pelo arejamento de sua mentalidade progressista e adiantada”. [41]

Bilac ampliou as visões do leitor, ao abordar temas tão díspares como a falta de higiene e as emendas constitucionais, a inauguração de um teatro e a prisão de uma quadrilha de estelionatários, entre tantos outros. E, para relatar todos esses assuntos, exercia sua escrita em prosa de forma direta, tão diferente do rebuscado estilo de suas conferências e de sua poesia, dualidade que foi observada por Jeffrey Needell [42] quando afirma que “na época sua poesia já saíra de moda na França, mas sua prosa estava bem no compasso das novidades”.

Paulatinamente o jornalista ganhava espaço e “aos poucos, esvaziava-se sua ‘cabeça cheia de versos’ e no seu lugar organizava-se a responsabilidade pela ‘resenha semanal dos casos’; aos poucos o verso estético cedia lugar à prosa ética, aos poucos, mas nunca de forma absoluta, o jornalista fazia sombra ao poeta”. [43]

Foi ainda por duas vezes correspondente dos jornais paulistas O Estado de S.Paulo (1897-1898) e Correio Paulistano (1907-1908), para os quais enviava notícias da Capital Federal. E, em 1900, viajou para Buenos Aires na comitiva oficial de Campos Sales como representante da Gazeta de Notícias, ocasião na qual se sentia “mais à vontade no perfil de jornalista que de poeta” [44] e, outra vez, utilizou o dom da oratória para responder em nome dos colegas de imprensa ao brinde que lhe foi oferecido pelo diretor do jornal El Tiempo. Martins Fontes afirmou que "Bilac maravilhou a Argentina", com frases de efeito como esta: "Durante cinco años estudié medicina; durante trés años estudié derecho; hace 36 años estudio la vida; y a pesar de tanto estudio, es mi ignorancia profunda". [45]

A falsa modéstia não correspondia à realidade da atribulada e intensa vida de um dos mais conhecidos intelectuais da Capital Federal. Além dos jornais, as revistas também foram local de trabalho para o cronista e, mais ainda, outra vitrine para expor seu talento. Já em 1895 teve como seu maior projeto a revista A Cigarra – semanário colorido e ilustrado, do qual Bilac foi o único redator, escrevendo crônicas e notas. Lá trabalhou com o ilustrador português Julião Machado, com quem fundou no ano seguinte A Bruxa, em que assinava crônicas usando como pseudônimos diversos sinônimos para diabo.

Quase uma década depois e com um discurso completamente diferente, tornou-se cronista da luxuosa Kósmos. Para o texto da primeira edição, quando apresentou a revista, escolheu como tema central o papel dos periódicos na vida da sociedade, enaltecendo a importância desta:

[...] imensa e dilatada imprensa de informação, que avassala a terra, dirigindo todo o movimento comercial, político e artístico da humanidade, pondo ao seu próprio serviço, à medida que aparecem, todas as conquistas da civilização, aumentando e firmando de ano em ano o seu domínio, – e chegando a ameaçar de morte a indústria do livro(...). [46]

No mesmo texto apresentou a linha editorial da revista e seus propósitos, no que chama de “programa”, exercendo papel de editorialista. [47] “Instalado comodamente” nas primeiras páginas da revista, de 1904 a 1908, “comenta o mundo a seu redor, abordando-o genericamente, exortando-o ao progresso, enaltecendo os avanços técnicos, mencionando explicitamente os dirigentes, quando nos louvores, mas calando-se oportunamente, quando na incisão mais funda e decidida. [48]

Ainda no texto da primeira edição, ou seja, na sua apresentação aos leitores,  afirmou que finalmente o Brasil havia entrado numa fase de revitalização, tendo a higiene, a beleza e a arte encontrado quem as introduzisse no país, fazendo  “essa lenta e maravilhosa metamorfose da lagarta em borboleta”. [49] O cronista explicou, ainda, que era projeto da direção da revista acompanhar todas as mudanças desta regeneração moral e material e que esse fato explicava suas presença naquelas páginas.

Essa posição de aliado do poder estabelecido o levou a tornar-se também o cronista oficial do Jornal da Exposição Nacional, evento organizado pelo Governo em 1908, com o objetivo de mostrar aos outros países – e sobretudo aos próprios brasileiros – o país republicano que entrava no novo século de cabeça erguida. Entre estandes que ressaltavam a produção industrial, agrícola e comercial do país, Bilac idealizou e concretizou colocar a imprensa nessa imensa vitrine.

Montou uma redação dentro do pavilhão, toda de vidro, mostrando ao público como se fazia um jornal, folha que era distribuída aos visitantes no mesmo dia, e no centro da cidade durante a tarde, numa visão pertinente do que veio a ser realizado pelas assessorias de imprensa de hoje em dia. É assim que Bilac, o jornalista, atua em mais um ramo da profissão, a dos que estão do “do outro lado do balcão”, tornando-se “uma espécie de assessor de imprensa da Exposição”, [50] um precursor dos boletins institucionais.

Nas crônicas publicadas na primeira das quatro páginas do Jornal da Exposição, Olavo Bilac exaltou a Feira e o progresso que o Brasil expunha. No boletim de número seis escreveu como assessor consciente da importância da divulgação do evento, ressaltando que sem a publicação de notícias sobre a Exposição, essa estaria “irremediavelmente perdida”. Para tanto, elogia os repórteres do evento, que trabalhavam sem folga para fazer com que a população estivesse atenta ao que ali se passava:

Os ‘repórters da Exposição’... A eles é que o Diretório Executivo, o Governo, todas as delegações e todo o povo devem oferecer uma grande festa radiante! Porque enfim foram eles verdadeiramente os criadores da vida deste recinto e são ainda eles que estão mantendo a concorrência e o brilho destes dias e destas noites de encanto e folguedo. [As notícias que eles escrevem, as novidades que eles revelam, os projetos que eles anunciam, as surpresas que eles comentam, mantêm a população num estado de excitação febril, que a impede de cair no cansaço e no enfaro]. O primeiro pensamento que acode atualmente, ao romper da manhã, ao cérebro do carioca que desperta, é este: ‘que haverá hoje na Exposição?’ – E depressa! À leitura dos jornais! E, com a leitura dos jornais, reaviva-se a curiosidade, reanima-se o entusiasmo, reacende-se o desejo de sustentar esta brilhante manifestação da nossa força nacional. [51]

Todo entusiasmo pela profissão e pela força da mídia, entretanto, não o impediu de abandoar a vida de imprensa justo nesse momento. Foi exatamente o poder que os jornais têm de criticar – positiva ou negativamente – os acontecimentos que o fizeram encerrar as atividades periodísticas. Em 1908 rompeu todos os compromissos profissionais com a Gazeta de Notícias e a Kósmos, cessando sua carreira jornalística abrupta e inesperadamente. Pouca coisa publicou após essa data e somente em revistas. O motivo da saída, nunca assumido pelo jornalista, foram as críticas recebidas por causa da sua tentativa de montar uma agência de notícias, com empréstimo do governo brasileiro, concedido graças à influência de seu amigo Barão do Rio Branco.

Para colocar em andamento a Agência Americana, Bilac e seus sócios, Martins Fontes e o italiano Alfredo de Ambris, receberam vinte e sete contos de réis do governo. A Agência chegou a funcionar por curto período e tinha como objetivo informar os homens de negócios do Brasil sobre as cotações da bolsa de Londres, Paris e Nova Iorque.

Para o funcionamento do serviço, que também contava com um serviço permanente de propaganda dos produtos brasileiros, Bilac criou códigos utilizando termos da mitologia grega. [52] Em livro de “crônicas poéticas biográficas” Martins Fontes relembrou que o plano era imenso e foi totalmente executado por Bilac, de forma “admirável”, motivo pelo qual “todos ainda se recordam em Santos das vantagens da nossa agência. Nunca houve serviço tão rápido, tão exato, tão minucioso, tão bom". [53]

Entretanto, ao ser chamado de “picareta” e “mordedor ministerial” devolveu a quantia e abandonou o negócio. Ao comentar sobre o fato, o biógrafo Raymundo Magalhães transcreveu parte do artigo O segundo Olavo Bilac, de João do Rio, que relembrou o episódio:

Devia ser uma obra ajudada pelo governo, claramente, como as congêneres de outros países o são. Mas como convencer a mediocridade perversa? O primeiro subsídio, dados sem meios indiretos, causou o ataque (...). Eram vinte e sete contos.  Bilac foi ao Ministério e, contra a vontade do ministro, restituiu a importância, passando a outras mãos a agência. Havia jornais a atacá-lo. Bilac disse-me um dia: ‘ – Nunca mais escrevo em jornais’. E passou dez anos e morreu sem escrever para jornais. [54]

De sua obra jornalística, pouco publicou em livro. Talvez por acreditar que suas crônicas fossem mesmo “poeira tênue da história”, como se referiu a seus escritos, mas nunca por não reconhecer em vida a profissão. Para Bilac, os homens não podem mudar de ofício como as serpentes de pele e, por isso, quem foi jornalista, morre como tal. Em crônica de reminiscências, fez uma bela descrição da atividade.

Quanta cousa tenho deixado por aqui, - quanto sonho vago, quanta palavra alegre ou magoada, quanta sincera piedade e quanta ironia mal contida, – na contínua contradição deste trabalho diário, que se desfaz e desaparece mais facilmente do que as pegadas de um caminhante sobre a neve! Só Deus sabe, porém, se tudo isso se perdeu. Talvez algum dia, nas linhas que a minha fantasia tem derramado por aqui, alguma alma tenha achado um pouco de consolo e de prazer. E isso basta para que a minha pena continue a escrever e para que meu espírito continue a sonhar. [55]

O jornalista tornou-se uma síntese de sua classe, de seu grupo, de sua época, de sua cidade, justo no momento que a imprensa se consolidava como meio de comunicação de massa, afirmando-se como veículo social e informativo. Ao se deixar levar durante quase 20 anos pela vida de imprensa, Olavo Bilac definiu seu nome e seu lugar como intelectual participante, distante da “torre de marfim”, que não raro freqüentou com sua poesia.

E, como jornalista que foi, analisou com voz de quem está do lado de dentro a atuação da imprensa, talvez até mesmo para pedagogicamente ensinar o leitor a entender como eram as relações intrínsecas a um jornal, alertá-lo para ler também o que ia nas entrelinhas. E foi assim que “durante esses anos todos, Bilac permitia-se, vez ou outra, comentários metalingüísticos sobre sua obrigação semanal ou diária”, [56] tornando possível hoje estudar a imprensa daquela época não apenas em si mesma, mas como potência do que vivemos.

NOTAS

[1] BILAC, Olavo. “Chronica”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 8 dez. 1907. In: DIMAS, Antônio. Bilac, o jornalista: crônicas. São Paulo: Imesp, 2006. Vol. 1. p. 857.

[2] LAJOLO, Marisa. Usos e abusos da literatura na escola: Bilac e a literatura escolar na República Velha. Rio de Janeiro: Globo, 1982. p. 42.

[3] SANTIAGO, Silviano. O cosmopolitismo do pobre: crítica literária e crítica cultural. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p. 113.

[4] NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque tropical: sociedade e cultura de elite na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 243.

[5] BROCA, Brito. Vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio/Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro, 2004. 4ª ed. p. 63.

[6] BILAC, Olavo. “Chronica”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 2 ago. 1903. In: DIMAS, Antônio. Bilac, o jornalista: Crônicas. Op. cit., Vol. 1. p. 577.

[7] CANDIDO, Antônio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. Modernismo – História e Antologia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. 10ª ed. p. 377.

[8] FISCHER, Luís Augusto. Parnasianismo brasileiro: entre ressonância e dissonância. Porto Alegre: Edipucrs, 2003. p. 219.

[9] VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1963, 4ª ed. p. 265.

[10] _____________. Estudos da literatura brasileira: 5ª série. Belo horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1977. p. 9.

[11] EDMUNDO, Luiz. O Rio de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938. Vol. 2. p. 630- 633.

[12] CARVALHO, Ronald. Pequena história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Briguiet & Cia Editores, 1949. 8ª ed. p. 307.

[13] LIMA, Alceu Amoroso. Primeiros estudos: contribuição à história do modernismo literário. VI – O pré-modernismo de 1919 a 1920. Rio de Janeiro: Agir, 1948. p. 84-91.

[14] "A obra bilaquiana experimenta o equilíbrio precário de ter constituído o modelo dos poetas jovens de muitas gerações e, mais tarde, ter personificado o bode expiatório dos modernistas de 22", afirma Marisa Lajolo na apresentação da coletânea Os melhores poemas de Olavo Bilac, São Paulo: Global, 1985.

[15] ANDRADE, Mário – Mestres do passado – V – Olavo Bilac – 1921. Reproduzido em: BRITO, Mário da Silva. História do modernismo brasileiro – antecedentes da Semana de Arte Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. Vol. I. 6ª ed. p. 256.

[16] O modernista proclama: "Venho depor a minha coroa de gratidões votivas e de entusiasmo varonil sobre a tumba onde dormis o sono merecido! Sim: sobre a vossa tumba, porque vos todos estais mortos!".

[17] COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editorial Sul-americana, 1955. Vol. II. p. 323-329.

[18] CARPEAUX, Otto Maria. Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1964. 3ª ed., rev.

[19] BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Editora Cultrix, 1979, p. 254.

[20] SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira - seus fundamentos econômicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. 4ª ed.

[21] CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Belo horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1975. 5ª ed. p. 43.

[22] _____________; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. Op. cit., p. 376.

[23] Ibidem, p. 283-285.

[24] FISCHER, Luís Augusto. Parnasianismo brasileiro: entre ressonância e dissonância. Op. cit., p. 217.

[25] DIMAS, Antonio. (Org.). Vossa insolência. Crônicas de O. Bilac. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 14.

[26] CAPELA, Carlos Eduardo S. “Um rio excelso, o rio do excesso”. In: DOMINGOS, Chirley; ALVES, Marcelo. (Org.). A cidade escrita – literatura, jornalismo e modernidade em João do Rio. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2005. p. 157.

[27] BILAC, Olavo. “Registro”. A Notícia, 17 set. 1906, p. 2. In: SIMÕES JR., A. S. A sátira do parnaso. Tese de doutorado, PPGL, UNESP, Assis/SP, 2001. p. 56.

[28] ___________. “Chronica”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 8 jan. 1905. In: DIMAS, Antônio. Bilac, o Jornalista: crônicas. Vol. 1. Op. cit., p. 679.

[29] ___________. “Um que parte”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 10 jul. 1890 – texto recolhido no arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.

[30] PONTES, Eloy. A vida exuberante de Olavo Bilac. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1944. p. 182.

[31] Artur Azevedo, ao comentar o regresso de Bilac, escreveu de forma irônica no Correio do Povo: 'O nosso poeta está seriamente intoxicado, ingeriu pantagruélicas doses de 'parisina', a famosa bebida de que falava Charles Nodier, e agora não há volta a dar-lhe. Se ficar aqui a passear, entre o beco das Canelas e a rua da Vala, morre da pior das nostalgias, a nostalgia de Paris". Citado por: BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. Op. cit., p. 143.

[32] BILAC, Olavo. “Vida Fluminense”. O Combate, Rio de Janeiro, 23 jan. 1892 – texto recolhido no arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.

[33] COSTA, Cristiane. Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904-2004. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 50.

[34] Citado por: PONTES, Eloy. A vida exuberante de Olavo Bilac. Op. cit., p. 198.

[35] FONTES, Martins. O collar partido. Santos: Editora B. Barros e Cia., 1927, p. 188.

[36] Citado por: PONTES, Eloy. A vida exuberante de Olavo Bilac. Op. cit., p. 241.

[37] ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1914. Vol. 2. p. 865.

[38] BILAC, Olavo. “Chronica”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 8 dez. 1907. In: DIMAS, Antônio. Bilac, o jornalista: Crônicas. Vol. 1. Op. cit., p. 857.

[39] Por 13 anos Olavo Bilac escreveu a coluna Registro, do jornal A Notícia. Entretanto, segundo testemunho do professor Dimas, a falta de condições de armazenamento fez com que todo esse material fosse perdido, ainda que depositado na Biblioteca Nacional, pois se deteriorou a ponto de impedir a pesquisa.

[40] DIMAS, Antônio. Bilac, o jornalista: ensaios. São Paulo: Imesp, 2006. p. 123.

[41] MAGALHÃES JR., Raymundo. Olavo Bilac e sua época. Rio de Janeiro: Ed. Americana, 1974. p. 290.

[42] NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque tropical: sociedade e cultura de elite na virada do século. Op. cit., p. 234.

[43] DIMAS, Antônio. Bilac, o jornalista: ensaios. Op. cit., p. 124.

[44] Ibidem, p. 115.

[45] FONTES, Martins. O collar partido. Op. cit., p. 191.

[46] BILAC, Olavo. “Crônica”. Kósmos, Rio de Janeiro, jan. 1904 – texto recolhido no arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.

[47] O termo é utilizado por Antônio Dimas ao analisar as crônicas escritas por Bilac para a Kósmos, nas quais “respondia, ainda que involuntariamente, às atribuições de editoralista, explorando de modo opinativo os assuntos do momento”. In: DIMAS, Antônio. Tempos eufóricos – análise da revista Kósmos 1904-1909. Op. cit., p. 51.

[48] DIMAS, Antônio. Tempos Eufóricos – análise da revista Kósmos 1904-1909. Op. cit., p. 51.

[49] BILAC, Olavo. “Crônica”. Kósmos, Rio de Janeiro, jan. 1904 – texto recolhido no arquivo de periódicos da Biblioteca Nacional.

[50. DIMAS, Antônio. Bilac, o jornalista: ensaios. Op. cit., p. 29.

[51] BILAC, Olavo. Jornal da Exposição n° 6, Rio de Janeiro, 1898. In: DIMAS, Antônio. Bilac, o Jornalista: crônicas. Vol. 2. Op. cit., p. 289. Os colchetes fazem parte do texto original e não representam aqui uma intervenção.

[52] PONTES, Eloy. A vida exuberante de Olavo Bilac. Op. cit., p. 593.

[53] MARTINS, Fontes. O collar partido. Op. cit., p. 233.

[54] RIO, João do. “Ramo de Louro”. Aillaud e Bertrand, p. 183. In: MAGALHÃES JR., Raymundo. Olavo Bilac e sua época. Op. cit., p. 318.

[55] BILAC, Olavo. “Chronica”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 2 ago. 1903. In: DIMAS, Antônio. Bilac, o Jornalista: crônicas. Vol. 1. Op. cit., p. 578.

[56] DIMAS, Antônio. Bilac, o jornalista: ensaios. Op. cit., p. 41.

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*Marta Scherer é doutoranda em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora da Universidade do Sul de Santa Catarina.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]