Nº 10 - Jul. 2008
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 

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MONOGRAFIAS
 


Sala de Redação

Uma análise das estratégias dos debatedores para a
construção e manutenção da identidade do programa

Por Marcel Neves Martins
e Viviane Borelli*


Reprodução


RESUMO

Este texto, que relaciona o teórico e o empírico, demonstrando a mecânica de funcionamento do programa de debates Sala de Redação, resulta de um trabalho final de graduação do curso de Comunicação Social – Jornalismo, do Centro Universitário Franciscano (Unifra), desenvolvido em 2007. O programa Sala de Redação, da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre (RS), está há mais de 36 anos no ar. Mesmo sendo ouvinte do programa, não se conhecia em profundidade a sua mecânica e nem as estratégias mobilizadas pelos seus integrantes para constituí-lo.

Para sanar a curiosidade, após discussão teórica de conceitos como campos sociais e midiatização, foi-se a campo observar como acontece, diariamente, a construção e manutenção da identidade do programa junto aos ouvintes. A análise aponta que a união das personalidades dos debatedores constitui a identidade do Sala de Redação, a partir dos múltiplos movimentos que realizam nos processos de enunciação para construírem sentidos e alcançar a audiência.

PALAVRAS-CHAVE: Sala de Redação / Mídia / Rádio / Campos Sociais / Enunciação

1. Introdução

No cotidiano, inúmeras ações e relações se estabelecem na sociedade dentro dos campos sociais. Existem, ainda, os processos que ocorrem entre esses campos que, dotados de autonomia e legitimidade para exercerem determinadas funções na sociedade, ativam uma série de mecanismos, buscando um espaço de destaque na mesma.

O campo midiático desfruta de uma posição central na sociedade atual e, na medida em que detém legitimidade e autonomia para dar visibilidade aos outros campos sociais, torna-se alvo de disputas. A função principal das mídias é articular estratégias na produção de sentidos, garantindo diálogos e conexões entre os campos.

A mídia aciona um conjunto de simbólicas próprias nos seus processos de enunciação e se apropria das simbólicas dos outros campos para formatar relações além de suas fronteiras, reforçando a legitimidade que lhe é conferida para interpretar os fatos e promover as múltiplas vozes dos campos sociais.

Contudo, para a construção simbólica, as mídias usam diferentes modos para a realização e efetivação de suas enunciações. Tais maneiras estão de acordo com as características, modos operacionais e rotinas produtivas de cada mídia que se apropria dos acontecimentos nos campos e, da sua maneira, inicia o processo de construção de sentidos.

No caso do rádio, por exemplo, o imediatismo, o improviso e a capacidade de aguçar o imaginário do ouvinte são características marcantes que revelam seu modo particular de atuação junto à sociedade. Com relação a sua capacidade de invadir a mente dos ouvintes e despertar suas habilidades psíquicas, o rádio transporta-o até o lugar onde os sentidos são construídos. Desta forma, a curiosidade torna-se um elemento presente na relação desta mídia com a audiência, que só conhece nas transmissões radiofônicas os ruídos, a música, o silêncio e, numa maior escala, a(s) voz(es).

Num programa radiofônico de debates a situação se repete. Mesmo que as vozes sejam conhecidas e seus personagens identificados (em alguns casos até conhecidos por alguns ouvintes), não são conhecidos os contextos em que o programa se desenvolve, isto é, toda a movimentação realizada pelos participantes durante o seu transcorrer. É com a intenção de mostrar o que o ouvinte não percebe na construção de sentidos pelo rádio que esse trabalho se propõe.

Para sanar essa curiosidade, este artigo mostra como funciona o programa Sala de Redação, da Rádio Gaúcha, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. O ‘Sala’ (como é carinhosamente chamado pelos ouvintes) está a 36 anos no ar pela Rádio Gaúcha e, desde 1978, é ancorado pelo jornalista Ruy Carlos Ostermann.

O programa é composto por sete pessoas, a maioria jornalistas especializados em esporte: Ruy Carlos Ostermann, Lauro Quadros, Wianey Carlet, Paulo Sant’Ana, Luis Carlos Silveira Martins (Cacalo), Kenny Braga e Adroaldo Guerra Filho (Guerrinha).

Wianey Carlet é escalado para substituir algum dos outros participantes que não pode ir em função de compromissos profissionais ou pessoais.

O programa vai ao ar ao vivo das 13h05 às 13h55, de segunda a sexta-feira, porém o tempo de duração de cada bloco varia conforme o seu desenvolvimento. O formato em mesa-redonda [1] garante a dinâmica e a credibilidade junto ao povo gaúcho. O público é principalmente da parcela adulta no Rio Grande do Sul e o programa conta com uma média anual de 62,6% da audiência. [2] Em setembro de 2007, o índice alcançou a marca de 60,4% com um total de 33.173 ouvintes por minuto.

A natureza do Sala é o debate e, portanto, não há entrevistas ou participações de outras pessoas, exceto, em casos excepcionais quando da divulgação de informações que podem ser caracterizadas como ‘serviço público’. O eixo temático do programa é o esporte, entretanto, outros assuntos podem ser introduzidos na medida em que possuem relevância para quem os coloca na mesa, a partir de uma experiência individual.

Como todo programa de debates, a constituição do Sala de Redação resulta de múltiplas vozes que interagem e estão “recheadas” de inúmeros movimentos nos processos de enunciação.

Num primeiro momento, discutem-se os conceitos de campos sociais, midiatização, enunciação, bem como àqueles ligados às questões radiofônicas, como o debate e a oralidade, para, por fim, trazer-se algumas constatações do trabalho de campo acerca das dinâmicas de funcionamento do programa.

2. A construção midiática

O discurso de cada campo social propicia a criação de uma identidade e de uma autonomia, pois dispõe de atributos e de funcionalidades para a regulação de suas ações.

Cada um dos domínios autonomizados da experiência passa a ser constituído como um campo autônomo, dotado de legitimidade para criar, impor, manter, sancionar e restabelecer os valores e as regras, tanto constitutivas como normativas, que regulam um domínio autonomizado da experiência (Cf. Rodrigues, 2000, p. 191).

O campo é dotado de uma competência para gerir as suas atividades e reorganizar seu funcionamento quando necessário. As relações e os vínculos entre os campos ocorrem à medida que cada um dispõe de uma simbólica própria que garanta o seu reconhecimento. Entretanto, deve-se relativizar o conceito de autonomia, pois se vive numa sociedade onde as diferentes mecânicas de funcionamento dos campos se cruzam e existem interfaces: “A idéia de autonomia, porém, não implica isolamento e precisa ser atualizada constantemente, em função da própria dinâmica social que essa mesma modernidade implica” (Cf. Heberlê, 2004, p. 4).

Autonomia, portanto, é uma prerrogativa para a imposição de normas e valores. Como cada campo social trabalha com elementos simbólicos e pragmáticos, assegurando sua visibilidade pública, isso acaba gerando tensões entre eles. “Um campo é, então, um espaço de choques, seja pelo esforço em conservar determinada idéia ou situação (status), seja pela luta por subvertê-la” (Cf. Heberlê, 2004, p. 4).

Logo, um campo não existe sem uma simbólica própria. A partir do momento em que detém um capital e trabalha sempre para ser reconhecido e reforçar sua legitimidade, os seus agentes, que formam o corpo social, buscam impor sua simbólica e fazer que tenha um espaço no conjunto das simbólicas produzidas pelos outros campos sociais. Conforme Rodrigues (2000), pode-se distinguir dois tipos de simbólica: a formal e a informal.

A primeira pode ser considerada “como um sistema de mecanismos ambivalentes que asseguram, por um lado, a sua visibilidade externa, mas, por outro, restringem o seu domínio aos detentores legítimos das suas marcas e dos seus rituais” (Cf. Rodrigues, 2000, p. 197). Já a simbólica informal consiste na eliminação gradual das barreiras que impedem à sociedade o acesso a determinado campo, desta forma tornando-o permeável ao conjunto dos cidadãos.

O conceito de simbólica informal vem ao encontro do que lembra Esteves (1998) sobre a autonomia dos campos sociais que não pode representar isolamento de um campo, pois a própria estrutura social garante um contato entre eles. Neste contexto, a permeabilidade através dos campos sociais é garantida por mecanismos que funcionam como mediadores das relações entre eles e a sociedade.

Dessa forma, as mediações via processos midiáticos garantem a abertura dos campos sociais para que possam se relacionar com os demais e diminuir o impacto da autonomização sobre a estrutura social em que estão fundados. Para tanto, a atribuição legítima para o exercício da atividade, que tem por objetivo explicitar e mostrar a sociedade para si mesma, fica a cargo do campo midiático. É ele que tem a função da mediação simbólica entre as relações sociais.

A mídia produz mediações específicas por meio da midiatização. Conforme Gomes (2006), a mídia faz a sociedade se constituir e, com isso, torna-se um local de compreensão da própria sociedade, pois os fatos que não são midiatizados, por sua vez, não existem. Assim, se não há construção midiática e se não há uma publicização de determinado fato, ele não existe, pois os acontecimentos só existem na medida em que as mídias os constroem, como lembra Alsina (1998).

Desta maneira, o campo midiático aparece como um espaço legitimado pela própria sociedade a qual, na medida em que tem o direito à informação, outorga ao campo midiático a função de informá-la sobre os fatos. Esteves (1998) pensa que, além disso, a legitimidade é concretizada, ainda, pelo desenvolvimento do potencial tecnológico dos sistemas de informação e pela constituição de um corpo social próprio, detentor de um saber específico para o manuseio destes dispositivos tecnológicos e, conseqüentemente, o domínio de um bem específico que é a palavra pública.

Este processo de consolidação da legitimidade do campo dos media consiste no reconhecimento da competência própria do campo para seleccionar e distribuir a informação a uma escala alargada no tecido social, conferindo portanto aos discursos um caráter público (CF. Esteves, 1998, p. 148).

Assim, a mídia constrói os fatos e, desta maneira, como diz Verón (1997), oferta uma gama de mensagens em um mercado de discursos. Portanto, as múltiplas conversações na esfera pública que se estabelecem a respeito de um assunto são pautadas pelas enunciações midiáticas com base em recortes que faz do cotidiano.

Com isso, evidencia-se a autonomia do campo midiático e sua centralidade nos processos de enunciação e a mediação do conjunto dos campos sociais entre si e com a sociedade.

3. Os sentidos através do rádio

As reflexões acerca dos processos e das ações que se desenvolvem entre os campos sociais e destes com o conjunto da sociedade mostram a mecânica das relações que pautam e movimentam o dia-a-dia das pessoas. Contudo, na medida em que se fala no campo midiático torna-se necessária à compreensão das suas peculiaridades e modos operacionais no trabalho simbólico.

Como o estudo está relacionado a um programa radiofônico, necessita-se entender a mecânica de funcionamento do rádio, com base em suas características. O conhecimento, portanto, das características de um meio de comunicação – neste caso o rádio – propicia que se perceba com minúcia as lógicas de funcionamento de um programa radiofônico como o Sala de Redação.

Passados mais de 80 anos do surgimento do rádio no país, muitas de suas características se mantêm. O rádio continua com o objetivo de atingir a sociedade e, ao mesmo tempo, o ouvinte em separado, na medida em que busca falar ao “pé-do-ouvido”. Diferentemente de outros meios de comunicação, o rádio não exige a atenção especial e restrita da audiência ao seu conteúdo. Como lembra Mcleish (2001), a relação entre rádio e usuário é mais simples do que a televisão ou a mídia impressa.

O rádio tem como peculiaridade o fato de trabalhar sem imagens, usando exclusivamente a fala, a música, os ruídos – efeitos sonoros – e o silêncio. Para Ferraretto (2001), “os três últimos trabalham em grande parte o inconsciente do ouvinte, enquanto o discurso oral visa ao consciente”. Este trabalho sem a presença de ilustrações vai desencadear uma série de reações no ouvinte, ou seja, “isso, fatalmente, desperta a imaginação do ouvinte que logo irá criar na sua mente a visualização do dono da voz ou do que está sendo dito” (Cf. Barbosa Filho, 2003, p. 45).

Como o rádio necessita prender a atenção do ouvinte de algum modo, precisa, também, passar a mensagem de forma clara, concisa e objetiva. Nesse sentido, a seleção dos materiais é importante porque no rádio precisa-se manter a clareza, para o ouvinte se sentir informado mais rapidamente. A medida da rapidez que o ouvinte deseja ser informado é, no rádio, o termômetro da sua agilidade e capacidade de produção e enunciação.

O imediatismo e a instantaneidade fazem do rádio um meio veloz se comparado aos demais. Devido sua simplicidade e fácil capacidade de deslocamento, o rádio possibilita ao ouvinte saber dos fatos no momento que acontecem. Para Mcleish (2001), “esta capacidade de deslocamento geográfico é que gera seu próprio entusiasmo” (p. 16).

A partir dessas capacidades e peculiaridades, o rádio atua não só como agente de informação, mas, também, de formação. Como o ouvinte ainda vai criar um imaginário acerca do que lhe é informado, as enunciações feitas pelo rádio facilitam a articulação de uma idéia e, portanto, uma opinião acerca de determinado assunto. O processo de construção do imaginário do ouvinte dá a possibilidade de a construção final da mensagem ser feita pelo usuário do rádio, individualmente.

Contudo, todas as construções e enunciações feitas no rádio, visando determinados perfis de audiência em potencial, obedecem a uma lógica de funcionamento interna a este meio de comunicação. No rádio, a produção é dividida em gêneros a partir da característica de cada emissora e do público-alvo. Conforme Barbosa Filho (Cf. 2003, p. 89), “os gêneros radiofônicos estão relacionados em razão da função específica que eles possuem em face das expectativas da audiência”.

As características do rádio e os elementos que compõe a linguagem radiofônica podem ser analisados por intermédio de um programa em mesa-redonda ou debate. De acordo com Ferraretto, “a opinião de convidados ou de participantes fixos constitui a base da mesa-redonda, tradicional tipo de programa radiofônico que procura aprofundar temas de atualidade, interpretando-os” (Cf. 2001, p. 56).

Os programas de debate se caracterizam, portanto, pelo confronto de idéias, opiniões e visões acerca de determinado tema e/ou assunto. “São espaços de discussão coletiva em que os participantes apresentam idéias diferenciadas entre si” (Cf. Barbosa Filho, 2003, p. 103).

Todo o cenário montado nesse tipo de programa está intimamente ligado ao contexto social em que as coisas acontecem. Nada é dito sem estar relacionado com os fatos do dia-a-dia das pessoas. Nesse sentido, os debatedores se apropriam dos diferentes sentimentos que a sociedade possa ter e, como atores sociais, reivindicam para si o direito de defesa de determinados grupos sociais para expor suas convicções. Como refere Rodrigues (2000), os campos sociais contam com os mecanismos retóricos da linguagem do campo midiático para se aproximar da sociedade a partir dos valores e regras que a mídia cria, promove e impõe.

O lançamento e o uso de estratégias junto aos ouvintes passa, antes de tudo, pela linguagem e pelo discurso utilizados para a exposição das opiniões. Principalmente em um programa radiofônico de debates no formato de mesa-redonda, a linguagem e a oratória assumem funções destacadas, pois a fala é o elemento principal de que os debatedores dispõem para a enunciação.

Trabalhar com a linguagem radiofônica significa, portanto, conhecer as características do rádio, porque o seu trabalho envolve a formação do imaginário no ouvinte deslocando-o para os locais onde se desenvolvem os processos e ações sociais.

Nesta medida, segundo Moura (2003), o profissional do rádio deve conhecer a capacidade argumentativa da linguagem na interação com o ouvinte, pois “além do texto enquanto enunciado escrito, há também os elementos não-verbais, que compõem o discurso radiofônico de modo eficiente e interativo” (p. 6). O conhecimento do discurso radiofônico se faz importante, ainda, na medida em que o ouvinte só conta com o aparelho auditivo para interpretar a mensagem.

O enunciado radiofônico, portanto, representa um discurso peculiar ao modo como as falas se expressam via rádio. Nesse sentido, as falas são diversas e se misturam nas enunciações, ou seja, existe um jogo de vozes que se combinam no discurso radiofônico. Esse fato pode ser comprovado em um programa de debates como o Sala de Redação, no qual cada participante busca articular sua fala no conjunto das falas postas no debate.

No contexto das transmissões radiofônicas, a voz ganha principalmente em um programa de debates destaque pelas possibilidades que oferece para as construções discursivas. Segundo Silva (CF. 2003, p. 1) “a voz faz presente o cenário, os personagens e suas intenções, a voz torna sensível o sentido da palavra, que é personalizada pela cor, ritmo, fraseado, emoção, atmosfera e gesto vocal”. Assim, a voz surpreende a escrita revelando valores que se integram ao sentido do texto transmitido fazendo que o objeto de discurso obtenha significados além das fronteiras que já o constituem.

A utilização de mecanismos articuladores das vozes passa pela colocação em funcionamento da língua através da fala. É nesse ato que são articuladas as múltiplas formas de produção de sentidos e se desenvolvem estratégias nas conversações para a participação em processos sócio-interacionais.

4. Enunciação e processo de construção de sentidos

As estratégias que os locutores utilizam para ir ao encontro das expectativas dos ouvintes passam, necessariamente, pela forma como operam mecanismos de articulação dos discursos. Desta maneira, a língua aparece como ferramenta que o locutor utiliza para a realização e efetivação de suas necessidades a partir de enunciações.

A enunciação surge como conseqüência da apropriação da língua pelo locutor e de suas necessidades em se comunicar com o universo de interlocutores. Portanto, a enunciação deriva da interação dos sujeitos que estão socialmente organizados em campos sociais. A centralidade da mídia e sua função de legitimação social fazem da enunciação midiática um mecanismo de força para a articulação das vozes de outros campos do saber.

Conforme Benveniste (Apud Flores e Teixeira, 2005), a enunciação pode ser resumida à prática de se colocar a língua em funcionamento por um ato individual de utilização, pois o aparelho formal da enunciação é determinante no uso da língua. Neste processo, a língua ganha significados e atua como “motor” para o estabelecimento das funções e relações que se desenvolvem no cotidiano. A mobilização e a apropriação da língua possibilitam, ainda, que o locutor estabeleça relações com o mundo via discursos.

Não bastasse a constituição do “eu” no discurso, os locutores se armam com dispositivos que incluem a aparição do discurso do outro no seu discurso, porém, sem esquecer que a transmissão das enunciações proferidas é direcionada para alguém.

Os discursos dos outros são vistos pelo narrador como um discurso completo, mas fora do contexto narrativo. A partir disso, o locutor traz para si aquele discurso, busca a sua compreensão e assimilação para encaixá-lo no seu contexto narrativo. Assim, ocorre a elaboração de regras sintáticas e semânticas para a incorporação à sua enunciação. O reconhecimento e a manutenção da “autonomia” do discurso do outro se mantêm como pressupostos para a sua apreensão. É no quadro do discurso interior que se realiza esse processo de injunção do discurso dos outros com o próprio discurso.

Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado de palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua atividade mental, o que se pode chamar o “fundo perceptivo”, é mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso apreendido do exterior. É no quadro do discurso interior que se efetua a apreensão da enunciação de outrem, sua compreensão e sua apreciação, isto é, a orientação ativa do falante (Cf. Bakhtin, 1986, p. 147-148).

Esta estratégia da mídia em utilizar o discurso dos outros campos tem como função dar consistência e fundamento às suas enunciações como estratégia de buscar autoridade nessa co-enunciação. No entanto, não são somente as vozes de outros campos que permeiam as conversações. A referência ao próprio discurso midiático é um mecanismo acionado na regulação dos processos internos ao campo e na autorreferência como membro dele. Segundo Fausto Neto (1995) essa característica da mídia atua no reforço dos contratos com a audiência, pois “explicita as operações com que institui a realidade que constrói” (p. 7).

O estabelecimento de conversações é regra fundamental para a efetivação dos propósitos da mídia, que busca nos contatos com os demais campos o reconhecimento de suas enunciações. Nesse jogo de vozes acontecem as trocas simbólicas que permitem a instalação de conversações no discurso midiático.

A conversação é eficaz conforme os objetivos e características da circunstância em que se realiza. Mas ela apenas se torna efetiva quando há essa conivência entre locutor e audiência. “Emprego a palavra “conivência” no sentido de relação estabelecida entre pessoas que partilham um saber, e que podem se apoiar nesse saber partilhado para desenvolver uma troca de palavras (ou gestos e olhares)” (Cf. Braga, 1994, p. 27). Desta maneira, a conivência propicia que a conversação se realize de forma dinâmica, pois as relações sociais compõem o domínio das trocas simbólicas.

A conversação se instala a partir do diálogo entre, no mínimo, duas pessoas que estão sob a influência de dispositivos conversacionais, os quais delimitarão os modos de ação de cada sujeito. Dessa forma, a interação entre locutores e interlocutores se estabelece a partir dos movimentos tomados em uma situação de diálogo.

A interação verbal está constituída pelo diálogo, pois ele está inserido em todas as formas de comunicação verbal. Mas, para que essa interação ocorra, se torna necessária a colocação da língua em funcionamento a partir da fala em um contexto conversacional. Portanto, a interação verbal se constitui como fenômeno social para o funcionamento da língua via processos de enunciação.

A enunciação é uma atividade de cunho social e voltada para o social. O ato de enunciar é utilizado como ferramenta para a construção e instituição de sentidos que podem gerar novos contextos a partir dos quais foram produzidos. A multiplicidade de contextos e sentidos engendrados neles propicia que os fatos sejam apropriados pelos atores sociais, que no processo de comunicação entram em cena para gerar novos significados. Com isso, a enunciação aparece como produto das interações sociais.

O sujeito está inserido em sistemas de relação e deve procurar se adaptar às ações que transcorrem em cada um desses sistemas, pois, segundo Winkin (1998), “esses sistemas funcionam segundo uma lógica que pode ser formulada em termos de regras, à maneira das regras constitutivas da linguagem” (p. 111).

Conforme o autor, os sistemas aos quais os sujeitos se inserem podem ser conhecidos como: interações, família, instituições, grupos, sociedade, cultura. O funcionamento da sociedade acontece, então, a partir das relações diárias que os sujeitos acionam para constituírem-se como participantes ativos dos processos interacionais.

As reflexões até o momento indicam os elementos que estão presentes em um programa de debates como o Sala de Redação. Agora, na quinta parte desse trabalho, parte-se para a aplicação dessas reflexões fundamentadas no empírico com o objetivo de relacionar as observações de campo com as teorias que sustentam essa pesquisa.

5. Descobrindo o Sala de Redação

O programa Sala de Redação se constitui a partir da chegada dos seus membros à Rádio Gaúcha. O hall de entrada da rádio, o corredor que permite o acesso ao estúdio, a Sala da produção e o próprio bar (em frente à porta de entrada da rádio) são os lugares onde acontece um primeiro encontro dos participantes antes do início do Sala.

A ante-sala não é compreendida apenas como lugar físico, mas está constituída também pelas ações dos membros do programa e pelos processos que ocorrem (enunciações, conversações e interações) nos lugares mencionados, serve como um primeiro contato, o início da falação sobre um tema que pode ser posto e desenvolvido depois no Sala. A referência à ante-sala é algo presente nas falas dos debatedores durante o programa e é articulada como estratégia que visa contextualizar o ouvinte ao conjunto dos processos de construção de sentidos.

O programa que inicia para o ouvinte não é o mesmo nos estúdios da Rádio Gaúcha, em Porto Alegre. Para quem escuta no rádio, a vinheta que roda sugere que todos estão a postos e que o programa está começando. No entanto, a situação é diferente. A sala [3] pode estar vazia, assim como pode estar com alguns dos participantes. O programa não começa de forma presencial com todos integrantes como sugere aos ouvintes.

Senão todas, pelo menos algumas cadeiras estão vazias. Desta maneira, o Sala de Redação é um programa de duas temporalidades, ou seja, há duas situações e os contextos de início são diferentes. À medida que o mediador chama os patrocinadores, os demais membros do Sala entram no estúdio.

Após a vinheta e a leitura do texto que anuncia os patrocinadores do programa, uma série de estratégias é acionada para a colocação dos assuntos na discussão. Qualquer debatedor está livre para iniciar a discussão e colocar o assunto que considera pertinente para debate; o primeiro assunto também pode ser referido pelo mediador, que, neste caso, cumpre sua função de alimentar o programa para que os demais discutam.

Os assuntos trazidos para discussão são de fontes diversas: jornal, televisão (algum dos integrantes pode ter visto algum fato que lhe chamou atenção em um dos dois aparelhos do estúdio) ou do release do “Esportes ao meio-dia” (cada debatedor possui uma folha com as principais informações do programa), veiculado, na mesma rádio, das 12h às 12h50 pelo jornalista Silvio Benfica. Os temas para debate provêm, ainda, das discussões prévias que os participantes têm na ante-sala.

Enquanto as primeiras vozes se manifestam para o ouvinte, as outras, caladas, são trocadas por olhares atentos. Os olhos têm direções variadas e são focados para os elementos que compõem o dispositivo Sala de Redação, principalmente, os jornais Diário Gaúcho e Zero Hora e os dois monitores de televisão. É nesse momento que acontece o casamento entre os três principais meios de comunicação (jornal, rádio e televisão) para a criação de contextos discursivos particulares. Os dois computadores presentes no estúdio não são utilizados durante o programa, desta forma, a mídia via Internet não tem espaço nas produções discursivas.

O rádio é o meio pelo qual acontecem as manifestações e também o lugar onde as demais mídias se manifestam com base nas vozes que compõem a mesa-redonda. O celular e o próprio rádio também são dispositivos que atuam como elementos formadores do dispositivo Sala de Redação e servem, portanto, como ferramentas para a construção de discursos e a produção de sentidos. A televisão é a fonte da notícia de última hora, que não estava nos jornais da manhã, ou como fonte de algo inusitado, do extraordinário.

No entanto, o jornal é o dispositivo que participa de maneira efetiva nos contextos de enunciação. O jornal funciona como dispositivo que não só abastece os debatedores com informações, mas é também um meio utilizado para a inserção de outras vozes no programa, participando como fonte de assuntos para o programa e sendo constantemente mencionados na fala dos debatedores.

Se algum tema não está no jornal é porque não está na agenda da mídia e, conseqüentemente, fora da agenda do Sala de Redação. Quando o assunto é esporte, o jornal funciona como meio de confirmação de uma informação dada anteriormente e sustentação de uma opinião ou, ainda, para esclarecer o ouvinte com uma informação precisa, pois o debatedor não teria certeza do que diz.

Com isso, percebe-se que a mídia refere e pauta a própria mídia e, assim, tornam-se claros os procedimentos internos ao próprio campo midiático no sentido de as relações que os seus diferentes dispositivos de enunciação estabelecem no processo de construção de sentidos.

A pauta do Sala de Redação é baseada nos acontecimentos esportivos, como anuncia a chamada após o “Correspondente Ipiranga”, veiculado entre 12h50 e 13h, e antes do intervalo: “É hora de Sala de Redaçãodebates esportivos”. Portanto, é um programa radiofônico que debate o esporte, no entanto, não está limitado aos fatos desse campo, como já mencionado na introdução.

Outros assuntos que não são relacionados ao esporte ganham espaço no Sala de Redação por diferentes motivos: são fatos extraordinários, conversas da ante-sala e que os debatedores colocam em cena como estratégias para inserir o ouvinte no contexto discursivo, assuntos que dizem respeito ao cotidiano vivido pelos integrantes do Sala – que nesse sentido representam estratégias para aproximação com o público, diálogos que se estabelecem com o objetivo de ironizar o colega de mesa-redonda, brincadeiras (os debatedores se conhecem há anos e, por isso, alguns tons de “deboche” marcam as discussões) e desdobramentos de pautas do próprio Sala de Redação em dias anteriores.

Ainda, o próprio esporte serve como gancho para o estabelecimento de outros temas.

Mesmo que outros assuntos façam parte da agenda do Sala de Redação em virtude de valores e condições (já referidas anteriormente) que reúnem para se estabelecerem no debate, os membros do programa articulam falas e realizam movimentos no sentido de resgatar o “assunto esporte” para o centro das discussões.

Portanto, o campo esportivo é trazido, debatido e comentado no Sala de Redação de diversas maneiras. No entanto, as estratégias discursivas das quais os participantes se apropriam no debate não se limitam a expressão de opiniões. Pelas vozes que compõem a mesa-redonda, os discursos alheios, a saber, dos personagens do campo esportivo e também dos próprios integrantes do programa, se instituem como ferramentas nos múltiplos atos de enunciação.

Outra forma de entrada dos assuntos referentes ao esporte no Sala de Redação é o uso, pelos participantes, do discurso alheio nas suas falas. Trazer os discursos dos personagens que compõem o campo esportivo é uma maneira que o Sala de Redação encontra para agregar outras vozes às de seus membros, usando o discurso do outro para se dizer o que quer. Desta maneira, propicia-se ao ouvinte um “contato” com esses membros do esporte, se não pela entrevista, é a partir do discurso alheio que se coloca o sujeito no imaginário dos ouvintes.

O Sala de Redação – debates esportivos é um programa constituído de duas espacialidades. Através das ondas radiofônicas é representado para o ouvinte na forma de vozes, falas, conversações e diálogos, ou seja, é apresentado por múltiplas enunciações. Contudo, no estúdio da Rádio Gaúcha, em Porto Alegre, é um programa radiofônico de debates que se configura pelas encenações realizadas nos processos de enunciação.

As falas não constituem a única expressão dos debatedores nos seus modos de enunciação, na verdade, estão contidas nas operações enunciativas que se relacionam a contextos particulares de produção de sentidos. Uma série de negociações e estratégias dentro da Sala representam os movimentos de cada participante, contextos discursivos aos quais o ouvinte está privado de conhecer.

O estúdio parece a Sala de casa de cada um dos debatedores, um lugar íntimo, integrado ao seu dia-a-dia e onde desenvolvem e afloram as suas personalidades. Na medida que cada um dos seis lugares para debate é ocupado sempre pelo mesmo sujeito (exceto Wianey Carlet que não possui local fixo e ocupa o lugar de quem substitui), cada membro do Sala possui território definido. O ato de colocarem objetos pessoais em cima da mesa ou abrirem o jornal ou demais materiais impressos a sua frente, representa a demarcação desse espaço como um lugar legítimo e que tem “dono”, durante os 50 minutos de programa.

Nessas conversações de bastidores são instituídos movimentos com o objetivo de que as falas não sejam captadas pelos microfones. Afastar-se do microfone, tapá-lo ou abaixar-se para o lado são as maneiras encontradas pelos debatedores para que as conversas não saiam no ar.

As vozes escutadas pelo ouvinte sugerem que os demais estão atentos ao debate, porém, a interação nem sempre se estabelece entre todos os componentes da mesa.

Os dispositivos presentes na configuração do Sala e as conversas paralelas são os principais fatores que competem na atenção dos debatedores com o tema em discussão. Nesse sentido, existem os movimentos de “entrada” e “saída” do debate que revelam quando o participante está prestando atenção às discussões. Essa movimentação se constitui, principalmente, via aproximação da mesa e do microfone, toques laterais no corpo dos colegas de mesa ou, ainda, a partir de olhares atentos que se dirigem à quem fala.

Todo esse conjunto de movimentos, entre outros, realizados nos processos de articulação de falas e ligados a contextos particulares de enunciação revelam que os processos interacionais estabelecidos ao longo do Sala de Redação são movidos por um conjunto de simbólicas, as quais atuam como estratégias discursivas no debate. A construção discursiva no Sala é permeada por atitudes que estão relacionadas não somente aos diálogos “no ar”, mas por movimentos realizados a partir da instituição de uma linguagem não-verbal e por todo um processo de articulação de falas, gestualidades e movimentos.

Nesse contexto de colocar-se e constituir-se como parte do Sala de Redação, os discursos de cada um dos participantes são ferramentas utilizadas para a referência aos colegas como estratégia de trazê-los para a discussão na mesa-redonda a partir da própria enunciação. Não é incomum o fato dos debatedores se valerem da opinião do colega e colocá-la para discussão, seja de maneira séria ou irônica.

Deve-se lembrar que as referências aos interlocutores também passam pela referência ao ouvinte, que não participa diretamente do programa, pois o próprio formato do Sala de Redação não inclui a participação da audiência. O que acontece é a participação indireta do ouvinte através dos discursos dos membros do programa, isto é, a voz do ouvinte é manifestada pelas vozes dos que estão na mesa-redonda.

A linguagem-verbal também institui movimentos através da fala e que são realizados como estratégias discursivas. Essas referências não são dirigidas somente aos colegas, mas também a si mesmos, uma espécie de autorreferência.

Articular as falas no sentido de compartilhar as experiências pessoais e se colocar no próprio discurso é uma das formas utilizadas pelos membros do Sala de Redação para garantir a atenção dos colegas de mesa ao debate e mostrar ao ouvinte que os integrantes do programa são cidadãos comuns e de diferentes modos estão envolvidos com as múltiplas realidades do dia-a-dia.

Com efeito, a composição da mesa-redonda do Sala de Redação por outras vozes é uma estratégia usada como possibilidade para o estabelecimento de uma maior dinâmica no programa, pois o aparecimento dessas vozes faz que novos assuntos surjam e novas falas e opiniões se coloquem na mesa. Toda essa conversação que se estabelece também funciona como um elemento gerenciador da abertura do Sala de Redação junto aos fatos que transcorrem fora do tempo de duração do programa.

6. Considerações finais

Diversos caminhos foram percorridos com o objetivo de conhecermos e entendermos o objeto de estudo. O Sala de Redação não aparecia como um programa estranho, pelo contrário, como ouvintes tínhamos conhecimento – através do rádio – do seu funcionamento, de quem eram os integrantes e de algumas características dos mesmos.

Entretanto, o olhar sobre o Sala de Redação era um olhar apenas de ouvinte, que desconhecia os múltiplos contextos nos quais o debate acontecia. Inicialmente, acreditávamos que apenas o conhecimento das formas que cada um dos membros discursava e de algumas ações, como, por exemplo, as intervenções do mediador, eram elementos suficientes para o estudo. Não eram. Na verdade, o que tínhamos eram pistas indicativas de alguns caminhos a serem seguidos, mas outros tantos foram surgindo ao longo deste trabalho.

Como tínhamos idéias sobre o funcionamento do objeto, fizemos uma revisão bibliográfica, buscando teorias que pudessem elucidar as questões e que estivessem em acordo com os primeiros indícios mostrados pelo Sala de Redação. Pistas estas que surgiram apoiadas no próprio nome do programa: Sala de Redaçãodebates esportivos.

A constatação da presença de um campo (esportivo) “dentro” de outro (midiático) surgiu também pelo conhecimento das ações de sujeitos dos campos e também das pautas do programa, na maioria das vezes constituídas pelas temáticas do esporte. No entanto, o olhar de pesquisador serviu justamente para mostrar que essa relação entre os dois campos estava constituída de movimentos específicos realizados pela mídia na construção de sentidos.

Após as reflexões teóricas fomos a campo para realizar a etnografia do Sala de Redaçãodebates esportivos. A ida a campo e a reflexão sobre o empírico com base nas teorias estudadas possibilitou enxergarmos como são os processos de construção de sentidos pela mídia e os movimentos que realiza na tematização dos outros campos.

A análise mostra que os temas do campo esportivo tem lugar garantido na agenda do Sala de Redação, de modo que as discussões são feitas principalmente sobre futebol e, mais especificamente, a dupla Gre-nal. Os debatedores procuram fazer inferências sobre as ações desse campo e, com base nos seus anseios, fazer juízos de valor às atitudes dos atores do esporte. Assim, a mídia procura não só tematizar o esporte, mas também interferir nas ações desse campo.

Os sentidos acerca do esporte resultam de atravessamentos, de temas de outros campos, de opiniões de torcedores, jornalistas e especialistas. Essa ampla conversação acerca do esporte acaba por instituí-lo como um campo complexo perpassado por ações também de outros campos.

Visualizamos, ainda, que assuntos de outros campos também aparecem na agenda do programa desde que sejam fatos extraordinários ou motivos de inquietações dos seus membros.

Quanto ao desenvolvimento do Sala, constatamos que o programa vai além do que os microfones captam, estando constituído de inúmeros contextos discursivos e situações que o ouvinte não percebe. O Sala de Redação começa, na verdade, na ante-sala, ambiente que está composto não apenas pelos lugares físicos mencionados (bar, corredor, hall de entrada da rádio e sala da produção), mas ainda por um conjunto de ações desenvolvidas como estratégias e que, em determinadas situações, se refletem de forma explícita ou implícita “no ar” para o ouvinte.

O trabalho mostrou que são variados os movimentos realizados pelos debatedores durante o programa e nos bastidores com o objetivo de articular estratégias enunciativas. Observamos que uma mesma situação revela diferentes ângulos de constatação dos contextos discursos.

Enfim, a identidade do programa Sala de Redação – debates esportivos é constituída pelas características peculiares de cada um dos seus debatedores, que instituem múltiplos movimentos nos processos de enunciação com o objetivo de construir sentidos e reforçar os vínculos com o público.

O estudo do Sala de Redação mostrou que as relações entre o campo midiático e os demais campos são complexas e frutos de deslocamentos, tensões, apropriações simbólicas, entre outras. Mas, acima de tudo, a centralidade da mídia e a sua gerência no conjunto das relações sociais revelou parte das estratégias utilizadas no processo de construção de sentidos.

Acreditamos que esse trabalho traz contribuições para a sociedade na medida em que estuda os processos, as relações e ações que se desenvolvem entre campos distintos, evidenciando suas lógicas de funcionamento internas e as estratégias que desenvolvem para se legitimarem, terem autonomia e, portanto, se relacionarem com os demais.

NOTAS

[1] A palavra “mesa” é usada como sinônimo do formato do programa em mesa-redonda.

[2] Os dados relativos à audiência foram fornecidos pela produção do programa (Fonte: Ibope/set. 2007).

[3] Precedida de pronome feminino, com todas as letras minúsculas e sem grifo em itálico, a palavra é usada como sinônimo para o “estúdio”, lugar físico, ambiente onde o Sala de Redação – debates esportivos vai ao ar.

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*Marcel Neves Martins é bacharel em jornalismo pelo Centro Universitário Franciscano (Unifra), em Santa Maria/RS. Viviane Borelli é pesquisadora e professora adjunta do Centro Universitário Franciscano (Unifra), em Santa Maria/RS.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]