Nº 10 - Jul. 2008
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 

Expediente

Uma publicação
vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
Ombudsman: opine sobre a revista
 

 

 


 

 

 

 

 

 



MONOGRAFIAS
 

O telespectador jovem e
a TV Cultura de São Paulo

Por Cármen Lúcia Amorim e Ferraz Lima*

Reprodução


RESUMO

Este trabalho pretende refletir sobre a qualidade dos programas dedicados aos jovens na TV Cultura de São Paulo. A emissora pública, premiada nacional e internacionalmente pela qualidade da programação infantil e que fideliza muito bem as crianças, perde mais de 80% da audiência quando passa da faixa infantil para a dos adolescentes, entre 12 e 17 anos. O objetivo é identificar os motivos da queda de audiência e buscar respostas positivas para fidelizar o jovem na Cultura, emissora preocupada em formar telespectadores mais reflexivos. Foram realizadas quinze entrevistas abertas com estudantes adolescentes do segundo grau da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco, na grande São Paulo, que foram telespectadores assíduos da TV Cultura quando crianças. A pesquisa procurou identificar as causas que levam o telespectador jovem a trocar a Cultura por outros canais de televisão e outras mídias.

PALAVRAS-CHAVE: Adolescente / TV Cultura / Audiência / Fidelização / TV Digital

1. Introdução

A TV Cultura de São Paulo, emissora pública com mais de 300 premiações nacionais e internacionais pela qualidade da programação que dedica ao telespectador infantil, perde audiência significativa na faixa etária entre 12 e 17 anos. A audiência jovem da emissora  registra em média uma queda acima de 80% se comparada aos índices registrados na faixa etária infantil.  Acima dos 18 anos de idade a audiência cai ainda mais. Fidelizar o  também o adolescente na TV Cultura tem importância fundamental por se tratar de uma emissora pública, comprometida com a formação do telespectador e reflexão dos fatos. E, fidelizar o adolescente significa aumentar o canal de comunicação e receptividade com o adulto.

Uma das hipóteses levantadas sobre os prováveis motivos da migração do adolescente da Cultura para outros canais e mídias foi de que a emissora deveria reformular a sua imagem, modernizar sua linguagem e buscar novos formatos para melhorar a sua comunicação com o telespectador jovem. Outra hipótese, a de que a emissora não tem dedicado atenção e espaço na programação dedicada aos jovens foi identificada e reconhecida em 2007 quando a direção da Cultura decidiu criar um núcleo específico para o público infanto-juvenil, justamente para debater com especialistas e grupos de jovens uma programação diferenciada para  fidelizar os telespectadores dessa faixa etária.

Outra hipótese trabalhada foi a migração do telespectador adolescente da TV Cultura para outras mídias como, games e Internet. Com a chegada da TV digital e as possibilidades de interatividade com a convergência das mídias, é bem, provável que a televisão sem interatividade, seja uma mídia desinteressante para os jovens.  Esse momento de transição para a TV digital exige  estudos e maior atenção  para entender as mudanças necessárias no veículo televisão, sua linguagem, formato e conteúdo. Não há ainda uma receita pronta. Ela está sendo experimentada, lapidada.

O  problema aponta para a busca de uma resposta: o que fazer para  fidelizar o jovem na TV Cultura, que se dispersa causando um baque na audiência da emissora?

Para uma emissora pública de televisão, será necessário ultrapassar muitas barreiras e enfrentar muitos desafios. Um deles é a autonomia para buscar recursos para investir em novas tecnologias, equipamentos modernos e estabelecer parcerias. O outro é a conquista da liberdade para criar, manter a credibilidade da emissora, que se propôs no passado ser uma “oficina de talentos” com espaço para experimentações. O resultado, o feedback, virá em forma de audiência, no reconhecimento do telespectador que já disse uma vez “A TV Cultura é uma emissora do bem”.

2. Pesquisa

Encontrar os motivos que levam o êxodo do telespectador adolescente da TV Cultura e apontar caminhos para fidelizá-lo exige a análise de elementos subjetivos, não quantificáveis. Optou-se então pelo método qualitativo de pesquisa com a realização de entrevistas semi-estruturadas.

Os resultados apontaram caminhos possíveis na busca de linguagens e formatos mais próximos ao gosto do jovem que experimenta agora novas tecnologias digitais.

3. Problema de pesquisa

A mídia impressa tem dedicado um bom espaço ao leitor jovem. Os Cadernos Especiais para crianças e adolescentes apresentam reportagens sobre assuntos variados com ênfase para a educação, saúde, meio ambiente, cultura e entretenimento. A televisão, ao contrário, dedica aos jovens uma pequena parcela de sua grade de programação. A criança é para a TV Cultura, o seu público número um.

Existe um compromisso claro com a qualidade do material produzido que vai ao ar, um cuidado especial e um zelo pela qualidade pedagógica, educacional e, principalmente, pela formação de um telespectador cidadão. Acontece que as crianças, telespectadores fiéis da TV Cultura, preparados para se tornarem telespectadores mais críticos e reflexivos na adolescência, se dispersam para outras emissoras na fase jovem.

Como o foco da pesquisa foi averiguar os motivos da migração do telespectador jovem da TV Cultura para outras emissoras e o que fazer para fidelizá-lo, optou-se por analisar dados de algumas pesquisas já feitas sobre a linguagem, conteúdos e audiências de outras A pesquisa possibilitará uma reflexão mais apurada das conquistas feitas nas duas últimas décadas, além de buscar caminhos e traçar desafios a serem atingidos para oferecer uma programação de melhor qualidade aos jovens.

E, se a televisão digital vai possibilitar maior interatividade entre emissor e receptor, pode realizar com maior eficácia a sua vocação de educar. A TV Cultura como emissora pública, pode utilizar essa ferramenta poderosa de comunicação. A convergência das mídias está se efetivando e é preciso alterar o modelo tradicional de oferecer conteúdo, linguagens e  formatos. É preciso sair do estilo “professoral” e rígido de repassar conhecimento, ensinar nas salas de aula virtuais. Na busca por uma linguagem inovadora, na era do videogame e da Internet, o professor Muniz Sodré da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, observa que a televisão:

(...) poderia explorar melhor, com mais inteligência, com mais elaboração, as possibilidades do jogo. Pensar nessa perspectiva é um excelente caminho para se chegar a uma linguagem jovem. Em resumo, acho que o campo da televisão não é a paideira (cultura), mas a paidia (jogo). No entanto, nós tendemos a pensar a tevê como cultura e educação. O jogo é uma linguagem mobilizadora, capaz de envolver o jovem.

4. Metodologia - métodos e procedimentos

O objetivo precípuo do método utilizado para esta pesquisa foi o de entender e descobrir os motivos que levam à TV Cultura de São Paulo a perder boa parte de seu fiel telespectador infantil quando este se torna adolescente. Assim, a proposta foi desenvolver uma pesquisa exploratória, empregando o método qualitativo para analisar conteúdo, linguagens e formatos por se tratar de uma abordagem de fenômenos intrínsecos.

Com base neste preceito, entendeu-se que era igualmente essencial pesquisar o critério de escolha no que se referem os conteúdos, linguagens e formatos que compõem e contornam o “gosto” ou, mesmo, a tendência de preferência dos jovens na decisão de  escolher um determinado programa, canal de  televisão ou  mídia digital como games e Internet em busca de informação, diversão, além de educação e cultura.

Dessa forma, o primeiro passo foi dimensionar o tamanho da perda de audiência da TV Cultura na faixa do telespectador adolescente, de 12 a 17 anos de idade, que é a faixa usada como referência para a pesquisa Ibope/TV Cultura. Realizou-se a comparação com a audiência da emissora na faixa etária do público infantil, de 4 a 11 anos de idade.

Posteriormente, foi feita a comparação com o índice de audiência da emissora com o público adulto, acima de 18 anos de idade. Os dados foram obtidos no Departamento de Pesquisas da TV Cultura, com base nos números apurados pela pesquisa Ibope/Telereport GSP no período de 1° a 17 de janeiro de 2008 (de segunda a sexta-feira).

De posse das tabelas, verificou-se a veracidade da primeira hipótese desse trabalho: a TV Cultura que é uma referência em credibilidade e qualidade como televisão pública no Brasil, premiada aqui no país, e internacionalmente, fideliza muito bem o seu público infantil, mas deixa escapar para outras emissoras e outras mídias o telespectador que cultivou quando este se torna adolescente. A constatação foi de que há uma queda acentuada de 83% da audiência da emissora quando a aferição passa a ser feita do público infantil para a o público adolescente.

O segundo passo foi selecionar um grupo de 15 estudantes adolescentes da FITO, Fundação Instituto Tecnológico de Osasco, grande São Paulo, para uma pesquisa com entrevistas semi-estruturadas e abertas, para averiguar porque os adolescentes deixam de assistir a TV Cultura. Quais são os programas e conteúdos prediletos em outros canais de televisão ou se eles optam por outras mídias digitais, como games e Internet. A pesquisa tem como foco entender o que é preciso  fazer para fidelizar o telespectador jovem na TV Cultura.

5. Audiência

A audiência no target infantil é de 2,9% na TV Cultura nos horários entre 09h30m e 12h15m. A aferição foi feita tomando como base cinco milhões de lares na Grande São Paulo. Na faixa etária infantil de 4 a 11 anos de idade verificou-se uma pontuação de 66.600 crianças. A aferição feita junto ao telespectador jovem constatou-se uma audiência bem inferior, de 0,5% com 9.100 pontos no mesmo período utilizado para a faixa etária infantil, entre os dias 1° a 17 de janeiro de 2008. O público infantil da TV Cultura é de 2 milhões 336 mil crianças e os jovens de 12 a 17 anos  representam um universo de 1 milhão 783 mil 400 telespectadores. 

A audiência cai ainda mais na faixa etária seguinte, e vai para 0,3% quando a aferição é feita tomando como referência o telespectador adulto, com 18 anos de idade ou mais. A pontuação é maior: 42.300 porque essa faixa etária abarca um número maior de telespectadores. Como a pesquisa não propõe analisar a audiência do público adulto, optou-se por não entrar em detalhes com informações para esta faixa etária.

É importante observar a audiência da TV Cultura no que se refere à afinidade do público telespectador e compará-lo com a afinidade medida em outras emissoras como a Globo SBT e Record. Entende-se por afinidade a relação entre a audiência média em um determinado target e a audiência média no total da população. Quanto mais acima de 100, maior a afinidade. No dicionário Houaiss, obtemos a definição de afinidade como “coincidência ou semelhança de gostos, interesses, sentimentos, simpatia, identidade de interesses”.

Entre o público infantil, a TV Cultura é líder no quesito “afinidade” com a obtenção de 312 pontos. A programação infantil do SBT está um pouco acima dos 200 pontos. A pontuação da TV Globo é de aproximadamente 200 pontos. A Record, não chega a 200 pontos. [1]

Quando se trata da “afinidade” do público adolescente com a programação da TV Cultura, a pontuação cai para 68 pontos. Menos da metade da afinidade obtida, por exemplo, pela emissora SBT que foi a melhor classificada na afinidade junto ao público jovem.  No item afinidade, aparece em segunda colocação a Record, com aproximadamente 100 pontos. A Globo tem menos de 100 pontos. A Cultura  aparece na última colocação.

Os programas que possuem maior afinidade com o público adolescente na TV Cultura são, conforme o Departamento de Pesquisas da TV Cultura, no ano de 2008:

  • Pé na Rua
  • Vitrine
  • Entrelinhas
  • Metrópolis
  • Zoom

Na audiência medida junto ao público adulto, com 18 anos ou mais, a audiência obtida pela TV Cultura foi bem menor que a da TV Globo que aparece em primeiro lugar. Em segundo lugar na preferência do público adulto está a Record. Em terceiro, o SBT. Em quarta colocação a Bandeirantes e, em quinto, a TV Cultura.

É importante observar que a fidelização do telespectador jovem na TV Cultura, como proposta de análise desse trabalho reflete, por conseqüência, na fidelização do público adulto. Procurar uma linguagem de aproximação com o telespectador jovem significa cultivar, formar e investir na audiência adulta no futuro.Para aprofundar na análise dos dados relativos a pesquisa de audiência da TV Cultura foi realizada uma entrevista com a diretora do Departamento de Pesquisas da TV Cultura, Fátima Pacheco Jordão, em agosto de 2007. Sobre a baixa audiência da emissora na faixa  etária dos adolescentes, Pacheco Jordão respondeu:

O adolescente, o jovem tem outras alternativas de lazer ao longo da noite e de estudos. Ele tem escola, tem bares, tem grupos de amigos e, assim por diante. E, nos últimos anos, esse adolescente também está confinado em seu ambiente pessoal, no quarto, e coisa do gênero, sobretudo àqueles de renda maior, estão envolvidos com a Internet (Jordão, 2007). 

E, o que fazer para trazer de volta, conquistar a fidelidade do adolescente? Pacheco jordão acredita  que será preciso mostrar o jovem na televisão de tal maneira que ele se sinta protagonista, participante da programação.

Eles querem muita atualidade, querem sentir que estão vivendo, que podem; eles querem protagonismo, ou seja, querem que aquele assunto, aquela matéria, aquele conteúdo tenha a ver com a sua vida cotidiana, com aquilo que ele faça, com aquilo que ele gosta, com aquilo que ele pratica na escola, nos bares, com colegas etc. (Jordão, 2007).

Pacheco Jordão observa que as pesquisas realizadas pelo Ibope/TV Cultura indicam a preferência dos jovens pela nova linguagem da internet.

(...) o jovem, de fato, tem na Internet informação, protagonismo, capacidade de se expressar, capacidade de se comunicar, ou seja, uma autonomia e uma circulação que ele não tinha nos meios anteriores e nos veículos anteriores. Isso é uma novidade e, cada vez mais nós vamos ver não só a televisão e outros meios comunicarem técnicas, formatos, referências, a coisa mais curta, a informação codificada e, assim por diante. Ou para o bem ou para o mal, isso é uma coisa; é uma questão de tendência (Jordão, 2007).

6. Pesquisa com adolescentes

Constatado o êxodo de boa parte do telespectador adolescente da Cultura, para outros canais de televisão e mídias, o passo seguinte foi entrevistar 15 estudantes do ensino médio da FITO, Fundação Instituto Tecnológico de Osasco, na grande São Paulo. O foco nas entrevistas foi procurar entender os motivos da migração dos adolescentes para outros canais de TV e outras mídias e procurar  entender a preferência deles por conteúdos televisivos, novas linguagens e formatos de programas.

Nas entrevistas feitas com os adolescentes verificou-se que todos eram telespectadores fiéis da TV Cultura quando crianças. Eles contam sobre as preferência entre os personagens do Castelo Rá-Tim-Bum e de outros programas.

Confessam que voltam a assistir a programação infantil da emissora para “matar a saudade”. Muitos continuam telespectadores da TV Cultura em muitas outras programações, algumas até específicas para o público adulto. Muitos adolescentes disseram que buscam na Cultura a abordagem mais reflexiva da notícia e dos temas da sociedade.

A escolha dos estudantes da FITO como população de pesquisa foi feita porque  se trata de telespectadores da classe média que é atualmente o público de maior audiência da TV Cultura. Segundo o Departamento de Pesquisas da Fundação Padre Anchieta, 40% dos telespectadores da Cultura, canal aberto, são da classe média. Em segundo lugar estão as classes D e E. Com a entrada da TV por assinatura, boa parte dos telespectadores das classes A e B, deixou de assistir a TV Cultura, canal aberto.

As indagações a serem feitas nas entrevistas necessitavam de adolescentes com acesso a outras mídias como videogames, computador, e até mesmo acesso a canais pagos.  Outro motivo é a facilidade de acesso e liberação para realização da pesquisa, uma vez que leciono telejornalismo na Faculdade FAC-FITO.

Como o alvo da observação desta pesquisa abarca várias possibilidades e exige minúcias nos detalhes das variáveis em questão, a opção foi por realizar entrevistas semi-estruturadas, com relatos personalizados para a  apuração dos dados convergentes, por meio do método dedutivo. Ao tomar como base vários relatos dos entrevistados, amplia-se a probabilidade da obtenção de uma abordagem mais fidedigna, mais detalhada do problema em questão. A pesquisa exploratória permite uma aproximação e melhor entendimento dos problemas a serem pesquisados.

As entrevistas realizadas pela própria pesquisadora foram aplicadas em estudantes adolescentes com idades entre 12 e 19 anos, escolhidos de acordo com indicação dos professores. Estes adotaram como critério de seleção os alunos mais  participativos em sala de aula. O uso desse critério de seleção tem como princípio escolher os mais interativos e conectados com os acontecimentos culturais, políticos e sociais. 

Os relatos foram gravados e transcritos posteriormente dentro das normas técnicas estabelecidas para transcrição. A pesquisa foi feita com 7 (sete) meninos e 8 (oito) meninas. Faixa de idade dentro das variantes consideradas pelos pesquisadores e especialistas como representantes da população jovem. O Ibope, por exemplo, considera de 11 a 17 anos de idade para efeito de pesquisa. O Fundo de População das Nações Unidas estabelece de 15 a 24 e o Estatuto da Criança e do Adolescente fixa as idades entre 12 e 18 anos.

As gravações foram feitas em três dias, no mês de outubro de 2007. A pesquisa apontou uma tendência que confirma os índices de audiência e afinidade do público infantil em relação à TV Cultura. A TV Cultura foi referência para todos os entrevistados quando crianças. Os resultados obtidos nas entrevistas apontaram para uma seqüência de informações repetidas por diversas vezes, por vários entrevistados. A repetição das mesmas informações nas repostas serve para indicar, com uma probabilidade maior de acerto, um dado fenômeno.

As entrevistas identificaram que a migração do jovem para outros canais e mídias acontece em torno dos 10 anos de idade. Dos 15 adolescentes entrevistados, quatro disseram que ainda assistem a TV Cultura e que não deixaram de assistir o canal quando atingiram a adolescência.

R.F.J., de 19 anos, disse:

“Assisto até hoje”.

 - O que assiste?

R.F.J. - “Reportagens, aquele da noite com o Abujanra… Provocações. É legal pegar o que ele passa, as mensagens”.

“Na Globo eu gosto de ver futebol, corrida, novela. Quando estou enjoado, passo para a Cultura pára ver se tem um desenhosinho pra lembrar da infância. Tem o Castelo Rá-Tim-Bum, o Rá-Tim-Bum, o Glub Glub. Gosto de matar a saudade. O Tim Tim também”.

B.R.O., de 12 anos de idade, disse:

“Eu assisto o Castelo Rá-Tim-Bum até hoje. Eu gosto ainda. Gosto das brincadeiras”.

A.C.S., de 15 anos de idade, disse:

“Eu continuo assistindo até hoje”.

- O que você assiste hoje?

A.C.S. - “Eu assisto os jornais e o Roda Viva. Não tão assíduo quanto os programas infantis.

- O que você gosta de assistir na televisão?

A.C.S. - “Às vezes um programa esportivo, às vezes um programa Café Filosófico”.

K.A., de 14 anos de idade, disse:

“Assisto ainda os programas infantis que dá pra matar a saudade e os seriados mais antigos”.

Os adolescentes que assistiam a TV Cultura quando crianças e continuam assistindo até hoje, acessam a Cultura para assistir:

Tab. 1. O que os entrevistados assistiam e continuam assistindo até hoje

Desenhos animados 

 4 citações

Documentários         

 4 citações

Castelo Rá-Tim-Bum

 2 citações

Roda Viva           

 2 citações

Obs: Cartão Verde, Café Filosófico, Provocações, Rá-Tim-Bum, Glub Glub são citados uma vez.

O fato dos adolescentes acessarem a TV Cultura para assistir programas que a princípio seriam de interesse do adulto é explicado pela diretora do Departamento de Pesquisa da TV Cultura, Fátima Pacheco Jordão como natural. Da mesma forma que o adolescente volta à TV Cultura para matar a saudade da programação infantil, é possível “fisgar” o público adolescente depois do horário nobre, no início da madrugada.

Provocações é uma série de programas que interessam aos jovens maciçamente, como os programas infantis. Nós vamos ter um pouco mais de contato com eles a partir das 11 da noite e pela madrugada. São programas musicais, debate, informação, vamos dizer assim, mais polêmicos e eles estão conosco numa proporção maior do que o horário propriamente nobre, chamado horário das 19 às 23 horas (Jordão, 2007).

Tab. 2. O que os adolescentes gostam de assistir em outros canais

Classificação/programas
N° de citações

1) Desenho animado (várias emissoras)         

07

2) Programas esportivos (várias emissoras)        

07

3) Filmes (várias emissoras)                               

06

4) Novelas (várias emissoras)                           

05

5) Programas musicais (MTV e outras)            

04

6) Documentários (várias emissoras)         

03

7) Clips (MTV e outras)               

03

8) Malhação (Globo)           

02

9) Fantástico (Globo)        

02

10) Reality Show (Globo e canais pagos)     

02

11) Humorístico (Hermes e Renato-MTV)      

01

12) Variedades (Superpop- Rede TV)       

01

13) Globo Repórter                  

01

14) Chaves (SBT)                   

01

15) Jogo do Milhão (SBT)              

01

16) Mister Bean (Band)

01

O telespectador infantil da TV Cultura migra para os seguintes canais de televisão quando atinge a adolescência da seguinte forma:

Tab. 3. Migração dos adolescentes para outros canais de televisão na adolescência

Canal TV
N° de citações

1) Globo                        

10

2) MTV                    

06

3) SBT             

06

4) Record     

04

5) Bandeirantes     

 03

6) Rede TV            

03

7) Cartoon Network     

03

8) People and Arts    

03

OBS: TNT, GNT, Play TV, Mix TV, E!, Multishow, National Channel, Telecine, HBO, Nicklodeon, Sport TV, Discovery, National Geographic foram citados uma vez.

A migração do telespectador adolescente da TV Cultura se dá principalmente para a  programação da Globo, MTV e SBT.
Basicamente o conteúdo que se procura nestes canais são:

  • Na Globo: Novelas (inclui-se a soup opera Malhação), Desenhos, Esporte, Telejornal, Filmes, Reality Show;
  • Na MTV: Musicais, Clipes, Esporte com Humor;
  • No SBT: Variedades, Humor, Desenhos, Filmes, Novelas;

Os telejornais que os adolescentes assistem são descritos conforme tabela a seguir:

Tab. 4. Telejornais que os adolescentes assistem

Jornal Nacional (Globo)

05 citações

Jornal da Record (Record)                     

02 citações

Fala Brasil (Record)               

01 citação

Hoje em Dia (Record)            

01 citação

Jornal Hoje (Globo)              

01 citação

Jornal da Cultura (Cultura)       

02 citação

Jornal da Rede TV (Rede TV)           

01 citação

OBS: Somando-se os diferentes telejornais citados da Rede Record, a emissora aparece em segundo lugar, com 4 citações. É importante observar a preferência pelos jornais vespertinos, mais leves.

Dos 15 adolescentes entrevistados, a maioria, 13 deles, disseram que trocam a televisão pelo computador.

Quando perguntados: Entre a televisão e o computador qual você prefere?

A.C.S. de 15 anos disse:

“Eu prefiro o computador” [...] “Por que o computador você interage diretamente. Já a televisão, por enquanto você não interage. Na televisão você só fica recebendo. No computador é completamente diferente. Ele é que recebe de você.

A interatividade que a Internet oferece é o principal motivo pela troca da televisão pelo computador. Abaixo, estão 10 motivos que levam o adolescente a trocar a televisão pelo computador: todos buscam mais interatividade.

1) “No computador você interage diretamente”.

2) “Na televisão você só fica recebendo. No computador é completamente diferente. Ele  é que recebe de você”.

3) “Na TV você ouve e no computador você pode interagir com a notícia. Pode dar opinião sobre ela”.

4) “Eu uso para falar com os amigos e ver as notícias, saber das novidades pela Internet”.

5) “Computador além de jogar, você pode ver as notícias e conversar”.

6) “Hoje, o computador está roubando um espaço importante da TV. Ele tem uma espécie de TV dentro dele. Com o avanço da banda larga, você tem vídeos, tem entrevistas ao vivo”.

7) “A gente hoje quer respostas rápidas. É muito mais dinâmico”.

8) “Pesquisa, interatividade com os amigos, conversar. Orkut e e-mail, uma reportagem ou outra, umas curiosidades”.

9) “Orkut, conversa com amigos, opinião em sites etc.”

10) “Você pode escolher o que vai ver e fazer. Na TV você não escolhe”.

Assim que assumiu a coordenação do Núcleo Infanto-juvenil, criado em julho de 2007 na TV Cultura, Ambar de Barros convidou um grupo de 40 jovens de ONGs para um bate-papo. Na ocasião foi perguntado: o que eles gostariam de ver na televisão?

Eles disseram que gostariam de se ver; de ver a realidade deles; que gostariam de participar dos programas, de mostrar o que eles estão produzindo; eles querem ficar, inclusive, na frente da câmera. Eles querem se ver na nossa tela, muitos deles são de periferia e eles disseram que não se vêem em nossa televisão. Nem eles, nem a realidade da comunidade deles, conforme Barros (2007).

A pesquisa feita com os estudantes adolescentes da FITO, constatou que os adolescentes sabem muito bem o que querem ver na televisão. Eles são receptores ativos, gostam de programas com conteúdo reflexivo, gostam de opinar, participar, ter voz ativa e, especialmente de interagir com a mídia. Daí a preferência pelo computador, Internet e games.

Outra constatação foi que o adolescente de um modo geral, gosta de reflexão, de programas provocativos como “Provocações” e “Roda Viva” da TV Cultura, mas não gostam de programas ditos “sérios”, com excesso de hard news. Interessante observar que os adolescentes gostam muito de programas de conteúdo humorístico, os que misturam humor com notícia. Entre os exemplos citados podemos destacar o “Rock Gol” da MTV, que mistura humor ao esporte, outra paixão dos jovens.

A pesquisa aponta ainda que a migração do adolescente da TV Cultura se dá a procura de programas mais leves em outras emissoras. Apesar de gostarem excessivamente de desenho animado que a TV Cultura exibe bastante, os adolescentes deixam de assistir a emissora pública para buscar em outros canais, programas de humor, mais leves e, se possível, com boas pitadas de informação inteligente. Os adolescentes deixaram claro que não gostam de noticiários que mostram cenas de violência. Por outro lado, adoram teledramaturgia e os seriados.

Ficou evidente na pesquisa que os adolescentes buscam em outros canais de televisão as novidades em formatos e linguagens. Citam, por exemplo, o programa da Play TV “Combo: Fala + Joga ” que mistura games e entrevistas.

A pesquisa aponta ainda que a televisão digital tem como desafio número um, oferecer interatividade ao telespectador jovem. Se a TV Cultura ou qualquer outra emissora quiser conversar com os jovens e fidelizar esse telespectador terá que se modernizar.

Apresentar programas com formatos, linguagens e conteúdos diferentes dos que estão na telinha da TV há muitos anos. A televisão do futuro para os jovens é uma TV que tem semelhança com a Internet.

A perda de audiência na transição do infantil para a faixa etária juvenil se deve a falta de opção na programação da emissora que passou muitos anos sem se dedicar ao telespectador jovem. Ciente da necessidade de recuperar essa faixa etária perdida em mais de 80% para outros canais e mídias, a TV Cultura anunciou mudanças na grade de programação em maio de 2008. A maioria das atrações está voltada ao público jovem.

São programas com conteúdos mais leves,entre eles, dramaturgia e música. A emissora decidiu abrir espaço para as produções independentes e realizar parcerias com outras emissoras na produção dos programas.

Na madrugada, apontada como horário de preferência dos jovens, a TV Cultura  vai apresentar o “Virada Musical” com atrações de sábado para domingo além dos documentários e filmes nacionais e estrangeiros. Esta deve ser o início de uma necessária estratégia para recuperar a audiência perdida em mais de 80% na faixa dos telespectadores jovens e adultos jovens, com idades  entre 15 e 35 anos.

NOTA

[1] Optou-se por referências numéricas aproximadas das emissoras concorrentes porque os números obtidos com o Departamento de Pesquisas da TV Cultura relativos a estas emissoras  não podem ser divulgados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMO, H. W.; BRANCO P. P. M. (Org.). Retratos da Juventude Brasileira: Análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania; Fundação Perseu Abramo, 2005.

BARROS, A. Depoimento [nov. 2007]. Entrevistadora: C.L.A.F. e LIMA. São Paulo, 2007. 1 fita cassete (60 min.).

CADERNO DE DEBATES DO I FÓRUM NACIONAL DE TV'S PÚBLICAS. S/r, Brasília, 2007.

CARMONA, B. Et. Al. (Org.). O desafio da TV pública: uma reflexão sobre sustentabilidade e qualidade. Rio de Janeiro: TVE Brasil, 2003.

CARTA DE OURO PRETO. S/r, s/d. Disponível em: www.forgrad.org.br/arquivo/CARTA_de_ouro_preto.doc. Acesso em: 28 maio 2007.

CROCOMO, F. A. TV digital e produção interativa: a comunidade manda notícias. Florianópolis: UFSC, 2007.

FERRARI, P. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2004.

FREIXEDA, N. Guia de princípios TV Cultura. São Paulo: Fundação Padre Anchieta, 2004.

FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA. “Fundação Padre Anchieta 40 anos”. S/r, s/d. Disponível em: http://www.tvcultura.com.br/fpa/institucional/receitas.aspx. Acesso em: 7 fev. 2008.

GOMES, P. G.; COGO, M. (Org.). O adolescente e a televisão. Porto Alegre: Conselho Editorial do IEL Universidade Vale do Rio dos Sinos, 1998.

GUIA DE PRINCÍPIOS JORNALISMO PÚBLICO. TV Cultura de São Paulo, s/d, São Paulo.

HOHLFELDT , A.; GOBBI, M. C. (Org.). Teoria da Comunicação (Antologia de Pesquisadores Brasileiros). Porto Alegre: Sulina, 2004.

HOINEFF, N. A nova televisão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.

________. “Juventude e televisão: os digital natives”. S/r, s/d. Disponível em: observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/indice.asp?edi=455- 68k. Acesso em: 16 out. 2007.

JORDÃO, F. P. Entrevista sobre adolescentes. Produção de Cármen Lúcia Amorin e Ferraz Lima. São Paulo: TV Cultura, 2007. DVD.

LACERDA, A. P. “Emissoras de tv investem na Internet para atrair jovens”. S/r, jul. 2006. Disponível em: http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=8194. Acesso em: 18 dez. 2007.

LEAL FILHO, L. “O Desafio da TV pública”. Seminário, Rio de Janeiro, 2003. [Informação verbal].

MACHADO, E. S.O gosto cultural dos jovens: estudo sobre o papel da mídia e dos valores culturais na construção do gosto”. Dissertação de mestrado, Universidade de  São Paulo, 2002.

MARTÍN-BARBERO, J. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Senac, 2004. Tradução de Jacob Gorender, 2ª ed.

MATTELART, A.; MATTELART, M. História das teorias da comunicação. Porto Alegre: Campo das Letras, 1999.

MELO, J. M.. Comunicação social: teoria e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 1978.

MOREIRA, D. “Nova geração de internautas diz adeus ao e-mail e à televisão”. S/r, s/d. Disponível em: http://www.podbrasil.com.br/noticias/not_detail.php?RecordID=143. Acesso em: 19 fev. 2008.

OTONDO, T. M. “TV Cultura: A diferença que importa”. In: RINCÓN, O. (Org.). Televisão Pública: do consumidor ao cidadão. São Paulo: SSRG, 2002.

PACHECO, E. D. (Org.). Comunicação, Educação e Arte na Cultura Infanto-Juvenil. São Paulo: Loyola, 1991.

PERUZZO, C.; BRITTES, J. (Org.) “Comunicação, direitos sociais e políticas públicas”. In: Sociedade da Informação e Novas Mídias: Participação ou Exclusão? São Paulo, Intercom, 2002. p. 123-130.

PORTO, T. M. E. A televisão na escola... Afinal, que pedagogia é esta? Araraquara: JM Editora, 2000.

PRADO, F. Ponto eletrônico: dicas para fazer telejornalismo com qualidade. São Paulo: Publisher do Brasil, 1996.

PRIMO, A. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. Porto Alegre: Editora Sulina, 2007.

PRIORE, M. D. O olhar adolescente. São Paulo: Duetto, 2000.

REIMÃO, S. Livros e Televisão. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.

REIS, J. A. N. “Isto não é TV, é MTV: linguagem da MTV brasileira”. Dissertação de mestrado em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo/SP, 2006.

RINCÓN, O. (Org.). Televisão pública: do consumidor ao cidadão. São Paulo: Friedrich Ebert Stiftung, 2002.

SQUIRRA, S. Jornalismo online. São Paulo: Arte e Ciência, 1998.

VIVARTA,V. (Coord.). Remoto controle: linguagem, conteúdo e participação nos programas de televisão para adolescentes. São Paulo: Editora Cortez, 2004.

WAISMAN, T.TV Digital Interativa na Educação: Afinal, Interatividade Para Quê?” São Paulo, Escola do Futuro da USP, s/d.

*Cármen Lúcia Amorim e Ferraz Lima é pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo/SP.


Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]