MONOGRAFIAS
O
papel da verdade no jornalismo
Por
Samira Moratti Frazão*
Resumo
É
visível a inexistência de uma verdade absoluta,
em qualquer área de estudo e trabalho, desde a
ciência até o jornalismo. Entretanto, no
caso do jornalismo, vê-se que é possível
desenvolver as notícias, que serão passadas
ao público de uma forma coerente tal que a imparcialidade
possa ser adquirida pelo meio de comunicação
que passa a informação, sem deturpar os
fatos ou manipular as idéias para meios ilícitos.
Sabe-se, entretanto, que há muito a verdade dentro
do jornalismo deixou de ser um elemento básico
seu, e portanto, característico de seu profissionalismo.
Outros elementos, como a objetividade, são mais
tangíveis. Todavia, muitos meios midiáticos
ainda apregoam ser detentores, em sua forma de noticiar,
deste elemento indispensável.
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Jacques
L. David, A
Morte de Sócrates (1787)
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Conclui-se,
desse modo, que a visão da verdade sendo feita de forma
justa e coerente, dentro do jornalismo, não é
uma visão tão romântica quando se imaginava,
por mais que não haja uma verdade absoluta.
Palavras-chave:
Jornalismo / Verdade
Verdade
por seu conceito
Qual
é o papel da verdade dentro do jornalismo? Esta pergunta
vem sendo debatida com freqüência entre os profissionais,
acadêmicos, sociólogos entre outros profissionais
ligados ao assunto, sobre fundamentação da verdade
dentro do jornalismo, seja televisivo, seja nas redações
de jornais impressos ou mesmo no rádio.
Com
estudos baseados na sociologia de Weber e nas argumentações
de jornalistas norte-americanos como Bill Kovach e Tom Rosenstiel,
além dos profissionais brasileiros como Roberto Ramos,
segue o seguinte artigo, a fim de explanar sobre algumas questões
inerentes ao tema central: a função da verdade
no jornalismo.
Segundo
seu conceito descrito nos dicionários, [1] a
verdade significa conformidade com o real, coisa verdadeira,
princípio certo. Ou seja, se é conforme a realidade,
deve ser, portanto, retratada da mesma forma que aconteceu.
Contudo, várias perguntas surgem na mente de muitos leitores
quanto à existência de uma verdade literal à
verdade descrita nos dicionários.
Vê-se
que, na prática, é impensável distinguir
em meio a tantos fatos, estudos ou afirmações
vividas uma verdade perfeita, absoluta. Esse ponto é
debatido por muitos profissionais, não só comunicólogos,
mas também antropólogos e sociólogos: Será
que existe uma verdade absoluta?
A
verdade resulta a partir de argumentos e evidências. Contudo
pode-se refletir até que ponto tais argumentos e evidências
seriam verdadeiros. Sabe-se que na ciência, que é
considerada uma verdade a parte, muitos fenômenos científicos
já foram modificados, com o passar de novas descobertas.
E por que isso ocorre? Porque a ciência vive, também,
de acordo com o contexto histórico em que está
contida.
Por
exemplo, no século XVII o padrão de beleza era
ditado por mulheres com corpos carnudos, volumosos, porém
o padrão de beleza que hoje é imposto são
mulheres com corpos sarados, definidos, esbeltos. Nota-se que,
para o século XVII aquele padrão era uma verdade
tangível, que não possuía previsão
de um fim. Uma verdade que foi momentânea, como podemos
perceber.
Esse
elemento que faz parte da vida de muitas pessoas é composto,
muitas vezes, pelo senso comum ou ideologia. Sem conhecimento
apropriado, não há como chegar a uma verdade que
tenha uma lógica no momento em que se busca, até
porque como o conhecimento está em constante evolução,
não se sabe até quando aquela verdade continuará
valendo.
A
verdade é considerada um dos elementos fundamentais para
a existência de um jornalismo sólido. Todavia,
se viu que pode haver distorções em sua conjuntura.
O jornalista tem como objetivo esclarecer e expor a verdade
dos fatos à sociedade. Entretanto, os meios de comunicação
se tornaram um mercado, onde vale mais o preço que é
pago por certa informação do que pela qualidade
desta.
O
jornalista virou um "homem de negócios", preocupado
com sua credibilidade, que muitas vezes é estraçalhada
por um valor mais alto, imposto por uma indústria que
paga pelo silêncio acerca de certa 'verdade' que pode
vir à tona. Nesse entremeio, várias perguntas
se fazem presentes entre a sociedade e alguns profissionais
do ramo: a verdade ainda é um elemento básico
do jornalismo? Até que ponto ela é absoluta ou
acrescida de subjetividade? Qual o papel do Jornalismo para
com a manipulação da verdade em seus artigos e
notícias? Qual o papel do governo e o papel da sociedade
para a garantia desse bem, por vezes dissoluto?
Essas
e outras questões serão explanadas com mais detalhes
nos tópicos a seguir.
A
verdade no jornalismo
Essa
invariância do conceito de verdade acontece com freqüência
no meio jornalístico. Assim como na ciência, o
jornalismo não é dotado de verdades absolutas,
pelo contrário: o fato, que deve ser posto no noticiário
com exatidão, é manipulado por diversos fatores
até chegar ao seu ponto final, que é a exibição
ou mostra aos telespectadores e leitores, enfim.
Há
certa confusão por parte dos próprios profissionais
de jornalismo quanto à definição de verdade.
Confundem-na com exatidão dos fatos, com imparcialidade,
o que na realidade são fatores subjetivos.
São
subjetivos porque a verdade imparcial, crua, é analisada
de uma forma diferente por cada indivíduo. Quem a analisa
põe sua ideologia em jogo, para ajudar a compreendê-la.
Para Weber, [2] o cientista, ao analisar uma ação
praticada pela sociedade, "também age guiado por
seus motivos, sua cultura, sua tradição, sendo
impossível descartar-se... de suas prenoções"
(COSTA, 2000).
Logo,
a ideologia que o jornalista carrega consigo muitas vezes é
utilizada no momento de transcrever a análise feita sobre
a ação, de forma indireta ou direta. É
fato que o jornalista aprende a ser 'imparcial', mas uma imparcialidade
vivida de forma descontinuada.
Outro
fator problemático, praticado pelas indústrias
de notícias, é que muitas delas empregam às
notícias a linguagem do marketing, transformando os cidadãos
em clientes (KOVACH & ROSENSTIEL, 2004, p. 97). Esse ato
de manipulação da verdade, que age em certos instantes
como propagadores de uma certa pacificidade no sentido das informações,
[3] deve ser esquecido, por mais que seja o meio pela
qual muitas empresas angariam quantias estratosféricas.
Para se tornar um meio de comunicação com credibilidade
é necessário passar confiança ao público,
e essa confiança é garantida com o uso da verdade,
por mais que seja manipulada antes de ser transferida a sociedade.
Uma
forma que a verdade deve ser empregada no jornalismo é
agindo com a técnica de verificação que,
ao ser usada no trabalho de investigação, considera
os dois lados de um mesmo fato: o lado contra e o favor, para
que haja uma certa imparcialidade. O repórter ou jornalista
que manipula e ordena a informação antes de chegar
ao público, faz com que uma verdade seja garantida de
forma natural. [4]
Ou
seja, o leitor, ouvinte ou telespectador é bombardeado
com notícias de diversas fontes, narrando o mesmo fato
com perspectivas semelhantes. Ele próprio mistura todas
as informações captadas, a fim de encontrar a
informação com base em sua melhor compreensão,
a qual muitas vezes envolve a própria ideologia de vida,
tirando as conclusões convenientes.
Assim,
garante-se uma boa notícia, mostrando a verdade mesmo
que não seja uma verdade literal.
Isso
é necessário, pois o leitor procura uma informação
que é passada de forma elaborada, segura, verificada.
A verificação deixou de ser essencial devido à
proliferação de meios informativos que dão
ênfase somente a rápida interpretação,
sem averiguação dos fatos, sem investigação.
Esse jornalismo imediatista é chamado de jornalismo
de afirmação.
Estes
novos meios muitas vezes agem de forma autopromocional, deixando
que o leitor se "auto-sirva" no processo de seleção
de notícias, tornando a busca da verdade em uma conversação
sem embasamento.
O
papel da verdade no jornalismo é o seu emprego usado
da melhor maneira possível, pelo próprio profissional,
para tentar ser o mais claro e objetivo ao leitor, que irá
tirar suas conclusões particulares. Essa imparcialidade
integral é difícil de ser conquistada, como dito
nos escritos anteriores, mas não é impossível
fazer com que elementos como a clareza e a coerência se
façam presentes em um jornalismo que, sendo praticado
de forma a ser legítimo e fiel ao público, ganha
grande potencial em se tornar imparcial.
O
papel do jornalismo para com a manipulação da
verdade
"...Siamo
nell'era dei media e ai media, più che la verità,
interessa la novità." (Predica del P. Raniero
Cantalamessa nella Celebrazione della Passione del Signore)[5]
"...para
a mídia, mais que a verdade interessa a novidade".
Os profissionais de jornalismo, com certeza, garantem legitimidade,
mesmo que indiretamente, nessa afirmativa de Pe. Raniero Cantalamessa.
De certo, um furo de reportagem feito sobre qualquer assunto
que esteja em alta na atualidade é um grande passo para
que o jornalista em questão seja aclamado por um bom
tempo. Entretanto, muitas vezes em uma novidade, para garantir
um furo, há vários pormenores que podem fazer
com que a verdade seja um elemento de 2º, 3º ou 4º
planos.
Ou,
às vezes, acontece totalmente o contrário: a verdade
é escancarada, sem preocupações. Muitos
casos já foram registrados, pelo uso indevido de verdades
para ganhar um furo de reportagem. O mais recente se deu com
o jornalista Matheus Leitão que, em primeira mão,
conseguiu detalhes sobre a quebra do sigilo bancário
do caseiro Francenildo Costa, ex-funcionário pessoal
do então ex-ministro Antônio Palocci, do
Partido dos Trabalhadores.
O
uso da verdade foi impróprio pelo grandioso fato de que,
o assessor político de Antônio Palocci, Marcelo
Netto, é pai de Matheus Leitão, e portanto,
foi um furo de reportagem concebido sem nenhuma forma de investigação
coerente e zelosa para com o maior envolvido na história,
Francenildo Costa, [6] mas sim em detrimento
deste.
Uma
verdade que, depois de muitas investigações feitas
pela polícia, foi constatada não ser totalmente
verdadeira, pois foi feita com o único objetivo de expor
um fato mentiroso, que ocorreu contra o caseiro. Esse é,
sem dúvida, um furo de reportagem, porém usado
para fins ilícitos. Nessa reportagem que ganhou grande
repercussão no meio jornalístico não há
muita verdade, mas sim novidade.
Essa,
sem dúvida nenhuma, não é a melhor forma
do jornalista tratar a verdade. Não só o jornalista,
mas também a própria empresa que faz com que a
notícia seja seu objeto de trabalho. A verdade não
deve ser usada para tais fins, mas sim para expor a realidade
para a sociedade, de forma coerente e, principalmente, verificada.
Mais
uma vez o ponto da verificação é exposto
aqui, pois é considerado elemento fundamental para jornalistas,
como os do Comitê de Jornalistas Preocupados
[7] que, entre outros assuntos, bateu em cima dessa tecla,
então considerada pertinente.
A
defesa da verdade
O
jornalismo trata da verdade, mas muitas vezes em proveito próprio,
de forma incoerente e desmedida. É necessário
que esse paradigma seja quebrado. Para tanto, não somente
os profissionais de jornalismo devem reaprender a defender uma
notícia verdadeira e imparcial, como toda uma sociedade
também o deve fazer. Mas como?
O
que entendemos por sociedade? Sociedade é um todo. O
leitor, os jornalistas e o próprio governo estão
dentro do que chamamos de sociedade.
Portanto,
todos podem agir para o bem da verdade. O governo pode fazê-lo
viabilizando meios que possibilitem uma verdade, abrindo mão
de certos sigilos que mantêm, desde documentos históricos
a um julgamento no Superior Tribunal de Justiça importante,
que envolva notícias fundamentais para a informação
da sociedade.
Não
se pode esquecer inclusive a reformulação da atual
Lei de Imprensa que, por ter sido elaborada e posta em prática
- até hoje - no período ditatorial, há
mais de 42 anos atrás, contêm artigos danosos não
só ao profissional da área de comunicação,
bem como com a verdade.
A
sociedade, os leitores, trabalhadores, brasileiros, enfim, contribuem
com a verdade sendo mais críticos, e ser crítico
não significa somente ser letrado, possuir diploma. Ser
crítico nas pequenas atitudes, ao ler um jornal, ao refletir
se aquela informação foi coerente ou não
para quem a viveu.
Com
esses pequenos atos, há a possibilidade de fazer com
que haja mais atenção e menos alienação
e manipulação por parte de meios que queiram se
autopromover e dizimar a verdade.
E
para os profissionais de jornalismo, resgatar os valores éticos
que foram perdidos com as novas tecnologias e com a preocupação
financeira, farão a diferença tanto para o modo
como passarão a informar a notícia, como os leitores
irão perceber a diferença e garantirão
a credibilidade perdida.
É
necessário fortificar novamente o jornalismo, para que
valores como a verdade, confiança, imparcialidade, credibilidade,
elementos do jornalismo, jamais deixem de fazer parte de tão
antiga e nobre profissão: a de transmitir conhecimento
e informação.
NOTAS
[1]
Retirado de Mini-Aurélio Século XXI (FERREIRA,
2001, p. 707).
[2]
Trecho retirado de Sociologia: Introdução à
ciência da sociedade (COSTA, 2000).
[3]
Tema abordado no artigo científico "Telejornalismo:
a Pacificação do sentido", pelo Doutor em
Educação, professor da FAMECOS-PUCRS na Graduação
e na Pós-Graduação, Roberto Ramos, na revista
eletrônica de jornalismo Verso e Reverso, em 2005.
[4]
KOVACH & ROSENSTIEL, 2004, p. 114 (1º Parágrafo).
[5]
"
Estamos na era da mídia e para a mídia,
mais que a verdade, interessa a novidade." (Pregação
do Pe. Raniero Cantallamessa na Celebração da
Paixão do Senhor) - Citação retirada do
artigo "Mais que a verdade interessa a novidade",
escrito pelo Mons. Antonio Rômulo Zagotto, da Arquidiocese
de Cachoeiro de Itapemirim - ES.
[6]
Informações retiradas a partir do artigo "Marcelo
Netto, Marcelo Netto", de Diogo Mainardi, jornalista da
revista Veja.
[7]
Comitê criado pelos jornalistas Bill Kovach e Tom Rosenstiel,
nos EUA, composto por vários profissionais da área
jornalística, que expuseram o jornalismo de verificação
como sendo um dos elementos fundamentais para um bom jornalismo,
explanado no livro "Os elementos do jornalismo: o que os
jornalistas devem saber e o público exigir", capítulo
4, da página 111 à página 144.
Referências
Bibliográficas
VERDADE.
In: Miniaurélio Século XXI Escolar: o minidicionário
da língua portuguesa. 4 ed. rev. e amp. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001, p. 707.
COSTA,
Cristina. Sociologia: Introdução à ciência
da sociedade. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2000, p.
70-82. Cap.: Sociologia alemã: a contribuição
de Max Weber.
KOVACH,
Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do Jornalismo: O que
os jornalistas devem saber e o público exigir - tradução
de Wladir Dupont. 2 ed. São Paulo: Geração
Editorial, 2004.
ZAGOTTO,
Mons. Antônio Rômulo. Mais que a verdade interessa
a novidade. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <icart@terra.com.br>
em 29 abr. 2006.
MAINARDI,
Diogo. Marcelo Netto, Marcelo Netto. Veja. 1949, ed.
São Paulo, Abril, ano 39, n. 12, p. 57, 29 mar. 2006.
RAMOS,
Roberto. Telejornalismo: a pacificação do sentido.
Verso e reverso. [s.l.], ano XX, n. 42, 2005/3. Disponível
em: <http://www.versoereverso.unisinos.br/index.php?e=6&s=9&a=54>.
Acesso em: 06 abr. 2006.
*Samira
Moratti Frazão é graduanda do curso de Comunicação
Social, com habilitação em Jornalismo, pelo Centro
Universitário São Camilo - Espírito Santo.
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