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Monografias


A jornalista-mulher
brasileira do século XXI
Por Viktor Chagas*

Introdução

"Acho que hoje a visão que os jovens têm do jornalismo é mais glamurizada ainda. Quando converso com estudantes, sou até cruel. Explico como é a profissão: trabalhar muito, comer mal, não ter vida pessoal, não ter fim de semana [...]. Então, eu digo: 'Se você quer ser jornalista porque quer ser famoso, desiste. Vai ser outra coisa na vida.'" (PADRÃO, Ana Paula apud GIL, 2003:108).

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Diante de um conselho como esse, um estudante certamente determinado perguntaria "Por que se há de ser outra coisa na vida?". Há que se constatar uma certa contradição nas palavras de Ana Paula Padrão, ainda que isso não desmereça o valor de seu depoimento. A imagem que se tem do jornalista brasileiro, não só a que ela percebe em contato com o jovem estudante que pretende seguir carreira, é a de um profissional "glamurizado".

Quando se comenta sobre o campo profissional, diante do senso comum, parece haver uma tal preferência pela influência do âncora da Rede Globo, do "apresentador" do Jornal Nacional, ou o que o valha. Os estudantes, não raro, costumam ouvir (e mesmo falar) que têm um futuro brilhante pela frente, e grandes chances de serem "William Bonneres" ou "Fátimas Bernardes". [1] E, se esse caráter é, então, negado por uma das (tidas) representantes desse mundo "glamurizado", ou se está tratando de uma recomendação "paternalista", ou de um conselho "irônico".

Tem-se que é uma recomendação paternalista a partir do momento em que se pretende que uma profissional respeitada e acreditada, como ela, não vá desaconselhar quem possa vir a se interessar pela profissão. Por outro lado, pode-se soar como ironia o fato de que uma jornalista "estrelizada" recomende que não se olhe a profissão com este intuito.

De uma forma ou de outra, no entanto, sua asserção não deixa de estar correta, no sentido em que o jornalismo, originalmente, não pressupõe a celebrização ou o glamour. E, ambos, nesse caso, são conseqüência de um processo de mercantilização dos meios de comunicação e desvalorização da imprensa como serviço público.

Diante desse panorama, este estudo irá buscar a constituição de uma imagem, ou representação dominante, do profissional jornalista na primeira década do século XXI, em continuidade à proposta de Senra, em seu Imagens do jornalista (1997:13-35). Desta vez, porém, estarão concentrados os esforços na análise do discurso de matérias em revistas, acerca do perfil de jornalistas contemporâneos. O presente trabalho irá propôr, portanto, um recorte temporal e categorizado sobre estes perfis, e terá selecionado quatro objetos principais de estudo, a saber: os perfis A bela da noite e A incrível história da garota do fantástico; e, A apaixonada Fátima Bernardes e Sem fazer pose. Primeiro e segundo pares serão analisados comparativamente ao longo dessa apresentação, e ambos trarão correspondências entre si, a começar pela metodologia adotada para seleção das matérias.

A bela da noite e Sem fazer pose foram publicados na revista Marie Claire, ao passo que A incrível história da garota do fantástico e A apaixonada Fátima Bernardes foram publicados na revista Quem. Tanto Sem fazer pose, quanto A apaixonada Fátima Bernardes perfilam a atual co-apresentadora do Jornal Nacional, e esta correlação será aproveitada no decorrer desta análise.
A opção por analisar apenas dois veículos, as revistas Quem e Marie Claire, não desmerece a tentativa de enxergar uma identidade do profissional, presente, então, nas características apresentadas pelas quatro matérias.

Quem, como Marie Claire, é uma revista de variedades, não se nega, mas ambas mantêm perfis editoriais distintos o suficiente para que se revelem coincidências denunciadoras disto a que chamamos "identidade do jornalista".

Essa identidade a que perseguimos, portanto, não estará evidente a priori no discurso tratado, mas implícita e velada, na medida em que funciona como uma ideologia. A "propagandeação" dos valores que devem constar de uma identidade ou cultura jornalística não apenas, então, são provenientes do veículo ou do perfilado, mas também são produzidas por e para um determinado público-alvo, isto é, esses aspectos são inabalavelmente admitidos como "verdades". E, nesse sentido, serão encontrados aspectos comuns em revistas de quaisquer gêneros - profissionais (voltadas para o campo midiático), de variedades, eróticas, de comportamento ou mesmo semanários. Portanto, a restrição que aqui é feita à categoria das revistas de variedades não deve ser encarada como uma limitação deste universo, mas um apuro metodológico.

Em se tratando de jornalistas de uma mesma empresa (que representam e são apresentadas por veículos dessa empresa), este estudo tentará avaliar com brevidade uma provável política editorial "apreendida 'por osmose'; [...] o jornalista acaba por ser 'socializado' na política editorial da organização através de uma sucessão subtil de recompensa e de punição" (BREED, 1955 apud TRAQUINA, 1993).

É de se ressaltar, ainda, o interesse em avaliar apenas matérias de jornalistas-mulheres, uma vez que a imagem da jornalista-mulher é, ela própria, infinitamente mais presente na contemporaneidade que até algum tempo. Ainda que não devamos nos deter sobre esta caracterização, deve-se compreender, para início de conversa, que a imagem clássica do jornalista até meados da década de 50 era a do jornalista-homem, boêmio, de aspecto quase noir.

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A figura da jornalista-mulher surge com impacto maior quando da revolução-liberação sexual e dos movimentos feministas de fins da década de 1960 e início da de 1970.

A partir daí, e, sobretudo, durante a década de 80, surge também a idéia de um jornalismo plástico, dito "estrelizado", em que se dá mais atenção à imagem do jornalista que à notícia propriamente dita.

Com isso, "tanto jornalistas se transformaram em estrelas em reação ao anonimato quanto estrelas trouxeram seu 'brilho' para as redações, transformando-se em jornalistas" (SENRA, 1997:26).[2] E, portanto, com esse processo, ganha papel de destaque a mulher, que transmite, ou irradia de si, não só a beleza que lhe vale como artifício para conquistar a "audiência", mas também a sofisticação, a credibilidade e o sentimento de que há um certo quê de democracia no cotidiano do jornalismo.

1. A representação do jornalismo em cena

Na banca de jornal
O Rio faz pose
Num close todo especial
(Mario Chagas)

A busca por ícones no jornalismo contemporâneo reflete, indubitavelmente, a procura pela credibilidade máxima. Um veículo midiático que se preze deve estabelecer com seu público-alvo uma relação de confiança, como a proposta por Giddens, em que a rede social é interlaçada por atores que desejam confiar no Outro. Os meios de comunicação perseguem este motivo de credibilidade porque sabem que a relação entre eles e o seu público é frágil, de certo modo, instável.

Assim, segundo Lazarfeld (apud TRAQUINA, 2001), "se a mensagem midiática entra em conflito com as normas do grupo, a mensagem será rejeitada; [...] as pessoas consomem as mensagens midiáticas de forma seletiva". E, então, os meios de comunicação irão buscar na figura-forte, no âncora, no locutor, no apresentador, no editor-chefe (que redige os editoriais) etc., uma imagem de transparência, de verdade, e, sobretudo, uma marca pessoal, que o distinga de um sem-número de outros âncoras, locutores, apresentadores, editores-chefe... Essa marca pessoal que passa a ser valorizada é o que Senra denomina de "expressão 'pessoal'" (1997:26) ou "sua 'transformação em imagem'" (ibid.:id.).

A expressão pessoal que distingue e caracteriza um jornalista é exatamente o que o torna "glamurizado", porquanto ele passa a ser visto como um "estilo", um way of life. Senão, que outra justificativa teríamos para os tantos almejantes a "William Bonneres", estudantes de jornalismo ou não? Mas Bird e Dardenne se apóiam em outro aspecto: o valor do discurso criado pela notícia jornalística. Um discurso com apelo mítico-narrativo, pois está embasado no que o jornalista passa como "verdade", e na autoridade transmitida por ele para tanto.

O jornalista, portanto, assumiria um papel de "contador de estórias" ou "fabricante de mitos", em que teria o poder de definir o caráter dos personagens, cooptando por categorias como o herói, o vilão, a vítima, o traidor. Contudo, ainda diante dessa posição quase divina, o jornalista não deve ser tomado como tal, e, a partir daí, entra em cena o esforço de humanizá-lo, torná-lo uma pessoa ordinária, comum, que bebe e festeja com os amigos, é mãe de três filhos, separou-se da mulher, etc.

O que, aqui, tentaremos interpretar é a representação desta imagem do jornalista, através dos elementos que pudermos identificar como próprios de uma cultura jornalística, definida e elaborada, por sua vez, por meio de uma teoria do jornalismo. Conquanto não possamos contar com um conjunto teórico fechado e imutável sobre o assunto, o presente estudo irá se deter nos usos da rotina jornalística, em que se prevê que o leitor absorva o contexto geral, isto é, o que possa vir a mudar no campo das possibilidades, mas jamais que o leitor irá absorver os detalhes.

O jornalista sabe concretamente que, para o leitor, a estrutura organizacional da notícia é mais importante que o conteúdo informacional, porque, no fim das contas, a informação desaparece. E, no momento em que ele, o jornalista, é tratado em uma matéria (em um perfil), estamos admitindo a hipótese de que, o que restará para o "leitor", após a absorção do texto noticioso, é precisamente a imagem contextual do caráter e da identidade do profissional retratado, [3] ou seja, uma série de "representações mentais, integrais e duradouras a respeito dos profissionais que a elas se dedicam" (SENRA, 1997:13).

2. O sofisticado e o indefectível

De acordo com Stella Senra (1997:24), tendo sido delineados os campos do saber jornalístico por um analista nos anos 1980, são compreendidas três funções distintas para o jornalismo àquela época, que ora se alternavam em predominância sobre as demais. O jornalismo como arte, como serviço público, e como técnica. A cada um deles, porém, identificamos o momento em que seus aspectos se sobrepõem aos outros.

O jornalismo-arte pressupõe de grande apuro estético, e passa a encarar o leitor como público. O jornalismo-missão trata-o com a nobreza de um serviço público dirigido à conquista da dignidade e bom exercício da cidadania. O jornalismo-técnica, em contrapartida, apresenta um profissional que segue padrões estilísticos rígidos e apresenta dados acentuadamente quantitativos.

Estas três funções do jornalismo, que se complementam, portanto, traduzem os três olhares que se alternam sobre a identidade do jornalista.

Em nosso estudo, embora tracemos um perfil próprio de revistas de variedades, iremos, contudo, encontrar marcações das demais visões no decorrer do discurso tanto do perfilado, quanto do "perfilando". Assim, quando Ana Paula Padrão explica que não se deve ter essa visão "glamurizada" do jornalismo, ela está, de certo modo, contrapondo a predominância da técnica em relação à arte.

A escolha dos textos de revista, em detrimento do texto de jornal, pressupõe que a análise encontre maior liberdade na linguagem. O fato de as revistas de variedades terem uma procura maior por parte de mulheres que de homens, também, pode se apresentar como um facilitador em nossa leitura, uma vez que tratamos especificamente de jornalistas-mulheres. Mas, há que se ressaltar, que o universo de Quem e de Marie Claire se distinguem profundamente na questão da busca pela identificação de seus leitores, ou suas leitoras.

Em Marie Claire, o nome da publicação já sugere um refinamento, mas seu título é o mesmo em todo o mundo, o que nos dá a idéia de um mercado global. Apenas pela análise de seu título, já se pode também perceber que a revista é, de certa forma, humanizada (MIRA, 2001:50), ela possui um nome de mulher, uma identidade feminina e a trata intimamente. É uma revista dirigida, sobretudo, à mulher sofisticada que aprecia a moda e o glamour, mas que se reconhece como uma mulher simples, com qualidades e defeitos.

Quem, por outro lado, não se "define" pelo título. É, de fato, uma revista de variedades sem enfoque de gênero, apenas de status. "Quem faz diferença", "quem domina", "quem é quem".

Sua política segue uma linha editorial semelhante à de Caras, em que são retratados ricos e famosos, personalidades e celebridades, seres indefectíveis. Quem enfoca os personagens que Edgar Morin (apud MIRA, 2001:208) classifica de "olimpianos", meio-humanos, meio-deuses, acima dos mortais em riqueza, beleza e fama. O peculiar dessa categorização, no entanto, fica por conta dos estudos de jornalistas perfilados. Se um jornalista sai detrás dos "bastidores" para figurar entre os "olimpianos", ele se reconhece como "estrela", no sentido de que, um jornalista não pode ser notícia sem que haja outro jornalista para cobri-lo, então, naquele instante, ele se despe de sua carapaça profissional para encarnar a de "celebridade".

3. Pose espontânea

Prosseguindo a jornada a que se propõe este estudo, deparamo-nos com uma Fátima Bernardes "sem fazer pose". O Sem fazer pose que dita o título do perfil nos remete à idéia de uma modelo, e, portanto, condiz com o discurso original da revista em que é publicada a matéria (Marie Claire). Ali, está implícito que a jornalista não é uma modelo, é uma mulher comum, do dia-a-dia, que age espontaneamente e é livre. Todavia, logo em seguida, a imagem que ocupa a página inteira da revista, traz uma Fátima Bernardes em pose e sorriso de modelo, fotografada de perfil, para, então, dar a idéia de que é exatamente isso o que a matéria é: um perfil da apresentadora, que irá revelar suas necessidades e vicissitudes. É uma imagem com alto contraste que evidencia o rosto de Fátima, a aproxima do leitor.

O rosto, aliás, é enquadrado no canto superior esquerdo, talvez para equilibrar a foto, e não colocar todo o peso do assunto principal ao lado direito, que seria o mais forte. Os olhos de Fátima para o leitor enfatizam a proximidade do "diálogo" leitor-perfilado. Ênfase que é novamente testada quando a jornalista que assina a matéria (Lina de Albuquerque) indaga: "Estrela ou mulher normal?". A pergunta, do modo como é feita, já recebe uma carga tendenciosa: "mulher normal, é claro", ou, no caso, "normalíssima", como a própria apresentadora se define.

Ainda assim, a matéria faz questão de evidenciar o outro lado da questão. Ela menciona a "quantidade de fãs", o "tempo de exposição na TV" e a longa e bem sucedida carreira da perfilada. O lugar-comum não perde sua majestade: Fátima "aparece mais na TV do que qualquer protagonista de novela", é como se a função de ambas encontrasse algum paralelo. E, entretanto, a virada acontece quando a matéria passa a citar a infância da apresentadora, como se um dia ela já houvesse sido uma menina pobre, e que, agora, depois de muito esforço, conseguiu subir na vida. O bairro do Méier é apresentado como subúrbio, sem contudo ser esclarecido o fato de que seus moradores pertencem, em sua maioria, às classes média e média alta.

Em seguida, há menção ao sonho de que se tornasse bailarina. Um retrato típico de uma menina de subúrbio da sua geração. Ora, tanto quanto as meninas hoje sonham em ser modelos e atrizes, há bem pouco tempo, a grande aspiração delas seria o balé.

Fátima Bernardes (à dir.) é uma mulher tão comum, tão simples, que sua entrevista ganha ares de bate-papo entre comadres. Em determinado momento, a jornalista que redigiu o texto opta por deixar a expressão de Fátima, trazendo o vocativo que chama pela intimidade. "Menina, o mundo veio abaixo". O assunto: seus cabelos. O penteado da apresentadora, por sinal, era um dos ganchos da matéria, e Fátima descreve como foi difícil contornar o interesse do público na época em que havia adotado um novo corte.

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Mas, assim como ela sabe se vestir elegantemente e jamais apareceria "no jornal de frente única, embora possa sair assim na rua", também consegue ser bem educada, a ponto de aceitar as intromissões em sua vida particular.

Nesse ponto, percebemos que se Fátima possui uma vida particular distinta de sua vida pública, ela é, de fato, uma "estrela", posto que assume com certo orgulho e legitimidade a constância dos autógrafos e fotos com fãs. E, se se admite como tal, está, portanto, desmentindo o que havia antes posto em pauta. Não é "normalíssima", é uma estrela. Está acima do bem e do mal.

Isso é o que fica subentendido, apesar de o esforço da matéria ir em sentido contrário. Na verdade, não são as pessoas que invadem a sua vida particular ("Não me sinto invadida"), mas ela que invade a vida privada de seus espectadores ("estou dentro da casa das pessoas").

A informação principal do perfil, no entanto, diz respeito à "ginástica", ao enorme sacrifício para conciliar os papéis de mãe, esposa dedicada, profissional bem sucedida e estrela. Assim, sem fazer pose, mas já fazendo ("O elogio que mais gosto de ouvir [...] é que sou exatamente do jeito que a pessoa imaginava."), o perfil procura aproximar a "estrela" Fátima Bernardes das pessoas comuns, especialmente, do público-alvo da revista: as mulheres sofisticadas, bem sucedidas e "batalhadoras". Por isso, ela aparece em close na capa da revista, com um fundo de motivos avermelhados e uma roupa devidamente elegante. Fátima Bernardes é exatamente como elas, as leitoras. Fátima Bernardes é uma Marie Claire.

4. Espontaneidade posada

O título de A apaixonada Fátima Bernardes leva a perfilada exatamente para o lado oposto do que foi apontado na matéria anterior. O adjetivo, nesse caso, contribui para distanciar a personagem, ela é uma mulher "apaixonada", "sonhadora", "idealizadora", "distante". Até porque sua descrição se aproxima, em verdade, do imaginário fantasioso de toda mulher, ela vive um conto de fadas. É "bem casada", tem um marido "lindo" e famoso de quem "volta e meia ganha um mimo", é mãe de "três filhos gêmeos", "faz ginástica com personal trainer", "capricha na alimentação", "hidrata a pele", cuida dos cabelos, e é bem sucedida em sua profissão. Seu ápice se dá quando subjuga os homens no que eles fazem de "melhor", comentar futebol. Por sua atuação, por ter se saído muito bem no terreno dos homens, ela foi eleita "musa da Copa de 2002".

Não há qualquer ponto que possa se refletir em algo negativo, em algum esforço. Mesmo para conciliar casa e trabalho - e apenas casa e trabalho - não há grande dificuldade ("Não vejo nada de diferente entre a minha rotina e a da minha empregada"). Na única pergunta que gera um certo sentimento de "temor", Fátima esclarece que receia morrer agora, porque alguém depende dela, isto é, seus filhos. Ora, ela, então, é uma mãe dedicada, com uma história familiar, e que, aprendeu dos pais, a "importância da educação". No fim da matéria (sua ascensão na vida e sua trajetória de sucesso profissional são enfocados apenas na última pergunta), ela reconhece que, por esse motivo, seus pais são vencedores. E, aqui, ressaltamos, os vencedores são eles, não ela. Eles é que sofreram e venceram na vida. Ela já nasceu "perfeita".

Em outro momento, Fátima revela que "A fama veio e é boa" e que "isso [a superexposição] faz parte". Ela, dessa vez, admite que a mudança de penteado ter virado notícia é algo "muito surpreendente" - antes, em outro contexto, ela havia dito que tanto ela quanto o marido gostam de "fazer coisas para surpreender" -, mas não inaceitável, ou incabível.

5. Prestígio sem fama

"Ana Paula Padrão gosta mesmo é de contar histórias reais". Em A bela da noite, Marie Claire enfoca o caráter da objetividade jornalística, é o jornalismo-técnico, sem espaço para a espetacularização. Ela é uma mulher "poderosa", sem deixar de ser "apaixonada"; é sonhadora, mas tem um pé no chão. Na imagem que toma a página inteira, ela se debruça com um sorriso e um ar despojado, casual. Sua inclinação para a esquerda equilibra a disposição da foto, conferindo leveza e romantismo à imagem. A mesma leveza que está expressa na capa da revista, em close-up, e em tons claros, sem muito contraste.

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A despeito da fotografia posada, novamente a matéria faz menção logo de início a uma provável "pose de apresentadora", da qual Ana Paula (à esq.) se faz livre no momento em que é entrevistada. Ora, ela abandona essa pose porque, de fato, sai da posição de jornalista, e passa a ser notícia. Não há, portanto, nada de surpreendente nessa atitude. Mas o termo pose reforça a caracterização da revista como uma publicação de moda. Quem faz pose são as modelos.

No perfil, ela cita que sua vida "não é o glamour, o reconhecimento público. O que me sustenta é a minha história profissional". É uma nítida descrição da profissional de sucesso. Seu reconhecimento da fama como um fardo faz com que ela seja identificada como uma "Celebridade por acaso", que se incomoda com a fama (embora não se incomode e fique "até envaidecida" em servir de modelo para outras mulheres), e acha que o fato de o jornalista virar celebridade "cria um peso que não é da profissão". Ela, no entanto, rejeita a fama, e se orgulha do prestígio. O prestígio que traz "credibilidade" ao seu nome. O prestígio que ela conquista com grande esforço e "disciplina".

Já ganhava dinheiro dando aulas aos 14 anos, mas "tinha outras ambições". É, portanto, uma mulher ambiciosa, no sentido de que luta por seus direitos, é batalhadora, é guerreira. Mas, acima de tudo, não deixa de ser mulher. E, nesse momento, cita, inclusive, a experiência com o balé, na infância. Orgulha-se de um "casamento estável", faz planos para ter filhos (retrato da mulher bem sucedida que espera a hora certa e acaba sendo mãe tarde), e é emotiva. Nas coberturas de guerra que faz questão de ressaltar, lembra que "chorava muito, muito" e que aquilo lhe dava "muita dor no coração".

Ela "arriscava a pele para conseguir informações exclusivas", e acha que "você já ajuda se vai lá, faz o seu trabalho e põe aquilo no ar", situação em que podemos notar o caráter de responsabilidade de que o jornalismo é imbuído, é a necessidade de trazer informações novas e atuais, um "comprometimento com a verdade" (TRAQUINA, 2001:28). [4]

Ana Paula Padrão aparenta, tanto na foto, quanto no fim da matéria quanto o assunto é "cabelo", um despojamento absoluto. Ela não usa mais do que uma calça jeans nos fins de semana, não arruma o cabelo, é naturalmente bonita.

É bonita, alegre, pequena, delicada, tem "gestos largos e sorriso fácil", isto é, é bela por si mesma. O título A bela da noite sugere uma mulher que se produz para sair à noite, que está dentro da moda, mas Ana Paula Padrão é exatamente o oposto disso. Não sai muito de casa, trabalha no Jornal da Globo à noite, e é bonita sem fazer esforço.

O fato de ser bonita sem se esforçar caracteriza uma mulher "livre" dos ditames da moda. Ela é uma mulher que se reconhece livre. Liberdade que diz ter adquirido desde a adolescência, quando "ia a todos os lugares".

Um dos pontos, porém, que mais chamam a atenção no perfil é quando ela define a mulher como "aquela que está sempre procurando alguma coisa nova, se impondo um desafio, querendo o que não tem". A mulher, ela diz, "Precisa ser feliz no trabalho, feliz com o marido, com a casa, com as crianças, na relação com os amigos...". Tem, portanto, de conciliar todos esses "quereres" se quiser sentir-se realizada.

6. Fama sem prestígio

O antetítulo já anuncia: "É A GLÓRIA". Com letras capitulares, a frase conserva a ambigüidade do lugar-comum. "É a Glória" ou "É a glória"? De um jeito ou de outro, está consolidado o caráter glorioso de ser Glória Maria: a fantástica "garota do Fantástico", "a jornalista mais charmosa da TV", "com seu estilo espontâneo e aventureiro". A espontaneidade e a sinceridade aparecem tanto como virtudes, quanto como aspectos capazes de gerar problemas.

Essa espontaneidade, a transparência e o mistério de Glória são transmitidos nas imagens pelo seu vestido branco. O modelo, que aparece na última foto sendo erguido pela apresentadora, assemelha-se a um vestido de noiva e confere sentido à matéria que explora o "marido secreto" de Glória. Na foto que aparece na primeira página do perfil, a repórter ocupa o eixo central da imagem, com o rosto de perfil no centro. O cenário do Parque Lage, com colunas e construções em estilo neoclássico, remetem à "incrível história" da manchete da matéria. Glória Maria aparece sempre muito maquilada com o cabelo produzido, com jóias "da designer Carla Amorim" [grifo do original] e trajando um modelo "John Galliano". ("Tive o meu dia de Naomi Campbell".) Uma mulher de estilo impecável.

Tratada como a "Jornalista de TV mais popular do país", e que "conquistou a credibilidade do público", Glória Maria (à dir.) orgulha-se de não fazer tipo e não ter frescura. O mote da matéria, porém, é o casamento em segredo que ela manteve ou mantém por cinco anos, sob o pretexto de que estaria preservando a sua liberdade. Segredo e mistério são termos recorrentes, mas perdem para o par livre-liberdade, que aparece no texto, por mais de 10 vezes, nas 5 páginas.

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Glória Maria se define como "intensa" e diz que não fala a idade porque não teve "tempo de contar o meu tempo". O título da matéria faz referência a sua idade, a sua vitalidade, e ao seu caráter "aventureiro" quando reforça a palavra garota. Ela aparenta ter um certo receio da morte, mas diz não ter medo de envelhecer, embora confesse uma certa compulsão por pílulas que prometem saúde e rejuvenescimento. É uma mulher, acima de tudo, experimentada. E, dentro de suas experimentações, reflete uma espécie de sincretismo multicultural. Cita viagens a Saint-Tropez e Estocolmo, estuda Cabala e faz yoga, gosta de bossa nova, jazz e feijoada. Admite a possibilidade de ter filhos "daqui a cinco anos", e completa dizendo que "Temos que fazer opções na vida".

Sobre a fama e a sua popularidade, Glória Maria compreende que tem motivos para o reconhecimento: "Estou na televisão há muito tempo. Minha história não veio do nada". E, como retrato da mulher batalhadora que venceu na vida, ela relata a história de sua família, relacionando-a com a escravidão e o seu início de carreira durante a ditadura. Orgulha-se de ser negra, e exatamente por esse motivo preza tanto a liberdade.

7. Os cabelos do jornal nacional

Conquanto avaliem as características de uma mesma pessoa, Sem fazer pose e A apaixonada Fátima Bernardes traçam um perfil com semelhanças e diferenças a serem avaliadas.

Na matéria de Marie Claire, o enfoque recai primordialmente sobre a carreira, a fama (e o lidar com ela no dia-a-dia) da apresentadora. Em termos de linguagem, a revista adota um texto mais elaborado em relação à outra. Em Marie Claire, há apenas um foto, e está completamente dissociada do texto, o que sugere uma leitura menos leve (embora não tanto densa).

Em Quem, entretanto, a matéria acaba se detendo em aspectos da vida privada, que revelem detalhes íntimos da pessoa pública. Ou seja, de acordo com Mira (2001:209), "essa penetração da informação pelo imaginário faz com que a vida privada dos ídolos seja consumida como se fosse uma narrativa".

Ambos os perfis, porém, trazem menções à infância da apresentadora no Méier, à cobertura de 42 dias durante a Copa do Mundo, e à polêmica gerada pela mudança em seus cabelos (o alisamento japonês). Isto equivale a dizer que esses fatores são reforçados nos dois gêneros de revista, e, portanto, constituem um passo importante para nossa análise em particular.

Por ter a apresentadora nascido em um bairro de subúrbio, sua história de vida traduz um certo aspecto vitorioso no campo profissional. O jornalista, em seu caso, é, antes de tudo, um profissional vencedor. Ele deve lutar contra uma série de obstáculos porque sua dedicação ao jornalismo indicam uma vocação a ser seguida. Um talento natural que não deve ser desperdiçado.

No caso de Quem, a revista aponta para as dificuldades que foram vencidas: Fátima é uma mulher de sucesso. Para Marie Claire, ela largou tudo para abraçar a profissão: ela é uma mulher determinada.

Com relação à experiência como repórter durante o Campeonato Mundial de Futebol, em 2002, a revista Quem enfatiza o lado pessoal. A apresentadora deixou os filhos e o marido sós, viajou e ficou longe de casa. Em Marie Claire, a cobertura aparece como uma espécie de prêmio ou reconhecimento ao seu trabalho, ela foi "elogiada por gente de todo tipo".

O episódio da mudança de penteado é explorado por Marie Claire como uma invasão de privacidade, uma "interferência em sua vida", mas Quem prefere ressaltar a questão da "espetacularização", da jornalista que vira notícia. O ponto principal que distinguirá as duas abordagens, contudo, se refere exatamente a esta idéia. Na revista Marie Claire, a jornalista é encarada como aquela que fala para 40 milhões de brasileiros, ela entra na casa das pessoas, invade os lares. Em Quem, por outro lado, são os leitores que invadem a vida particular de Fátima, querem saber o que ela faz, qual a sua rotina e como são as suas escapadas.

8. Musas globais

Embora no perfil de Ana Paula Padrão o destaque para a fama seja inteiramente negativo e no de Glória Maria o contrário, as duas matérias se aproximam no motivo de tal alcance nacional: a credibilidade das jornalistas. Credibilidade é uma palavra-chave nos dois textos. Por ela, em busca dela, Ana Paula e Glória ultrapassaram todas as barreiras, venceram todos os obstáculos, os percalços da vida.

A bela da noite reforça a infância em Brasília de Ana Paula Padrão, Brasília é vista como uma "cidade que não existia". Isso a caracteriza como diferente, a jornalista teve de conquistar seu espaço, mesmo vindo daquela cidade. Glória Maria, em contrapartida, tem uma história de sofrimento na família. Ela luta contra o racismo, a escravidão, a segregação etc. e é uma mulher vencedora, que carrega uma "incrível história". Nesse ponto, as duas matérias se assemelham, mas podemos dizer que há um pequeno diferencial se tratarmos da abordagem do termo história.

Em Marie Claire, Ana Paula Padrão conta "histórias reais", ela é a narradora, ela relata e registra os fatos. Em Quem, Glória Maria tem uma história "incrível". Ela é personagem, ela vivencia. É a "estrelização" plena da imagem do jornalista, de que tratávamos anteriormente. Glória Maria não é a jornalista, mas a celebridade.

Para Marie Claire, a fama surge para Ana Paula Padrão como um fardo, mas em Quem, Glória Maria a admite como uma conseqüência natural de seu esforço. As duas visões se distinguem também com relação ao trabalho. A apresentadora do Jornal da Globo conta que teve (com muito custo) de aprender a relaxar em seu tempo livre. Glória Maria, por outro lado, afirma que gosta de descansar, e a abordagem da revista se detém, muito mais, sobre as suas atividades de tempo livre do que sobre o seu trabalho. Ana Paula Padrão narra as obrigações do jornalista, Glória Maria os prazeres da profissão. A idéia que temos é de que a primeira prefere o prestígio, e a última, a glória. Uma almeja o reconhecimento profissional, a outra, a fama.

Ainda assim, as duas são mulheres completamente independentes (Glória não avisa que não os homens não encontrarão nela "aquela mulher submissa, cozinhando para o marido"), livres e intensas. As duas são mulheres emotivas, sensíveis e apaixonadas. Ambas buscam o amor perfeito, embora de modos diferentes. Ana Paula enfoca o casamento estável e feliz; Glória, o relacionamento livre, aberto e feliz. Nenhuma das duas tem filhos, e ambas admitem a possibilidade para um futuro breve. É uma "opção", como afirma a apresentadora do Fantástico. Uma opção que caracteriza a "típica" mulher de classe média, que trabalha fora e adia os planos de ser mãe para não atrapalhar a carreira. Carreira, aliás, que é ressaltada como longa e brilhante.

Tanto Marie Claire, quanto Quem fazem menções ao jornalista-celebridade e remetem ao mundo do glamour e das modelos. Marie Claire, uma revista de moda, caracteriza Ana Paula Padrão com a "pose de apresentadora de jornal".

Glória Maria, no fim da matéria, alude à top model Naomi Campbell. Portanto, para Marie Claire, o jornalista encarna um personagem enquanto trabalha; ao passo que, para Quem, o jornalista vivencia esse personagem em suas horas livres. Por isso, Ana Paula Padrão é vista como uma mulher com uma beleza natural, em suas folgas, ela não se arruma, não se maquila etc. Glória Maria, por sua vez, aparece inteiramente "produzida".

As duas jornalistas são mulheres fortes. Ana Paula Padrão é caracterizada como "poderosa", Glória Maria assume que as pessoas "não dizem não" a ela. Elas são mulheres realizadas, que venceram todos os desafios da vida.

9. Quando o narrador vira narrativa

A abordagem diferente entre as duas revistas de variedades aponta preferências, definições e perspectivas distantes para os dois gêneros, mas as similaridades que são encontradas entre ambas, reforçam a idéia de um ponto comum, um traço de proximidade entre a identidade do jornalista brasileiro contemporâneo. Um jornalista que produz e reproduz conhecimento, que não é bem senso comum, nem tanto saber científico.

O que distingue uma matéria jornalística de um relato científico, de um texto didático ou de um relatório policial é o fato de que se dirige a pessoas que não tem [sic] obrigação de ler aquilo. Em conseqüência, procura de alguma forma aliciar as pessoas para que se interessem por aquela informação, através de técnicas narrativas e dramáticas. Isto não é um mal em si, o uso destas técnicas se justifica amplamente pela eficácia comunicativa e cognitiva que proporcionam. O problema é quando passam a ser utilizadas em função de objetivos que não os cognitivos, como a luta comercial por audiência e o esforço político de persuasão. (MEDITSCH, 1997)

Essa conversão do "cotidiano" em sensacional é o que, então, definimos como espetacularização da sociedade. No entanto, quando o jornalista é quem passa a ser o alvo desta espetacularização, temos a clara idéia de que o jornalismo é um campo "estrelizado". Por esse motivo, Serge Daney (apud SENRA, 1997) propõe a adoção de clones no lugar de apresentadores de telejornais, porquanto a imagem, a plástica, a estética passa, contemporaneamente, a ser a função-mor, e não a informação em si.

Nos quatro perfis analisados, fica clara a figura da jornalista-mulher no Brasil do século XXI. É uma mulher intensa, independente, e que procura desafios.

Ela transmite um certo mistério, mas firma com o público, sobretudo, uma relação de confiança, de credibilidade. São poderosas, têm carreiras longas, estáveis e bem sucedidas. Casamentos ou relacionamentos felizes. A maternidade é uma opção. (Ana Paula Padrão e Glória Maria não têm filhos, Fátima Bernardes fez tratamento para fertilização.) Todas mantêm opiniões fortes e decisivas, traduzindo uma noção "construtivista da notícia", em que a versão dos fatos, e mais importante que o seu recorte, sua apresentação.

A linguagem das revistas, de maneira geral, é de intimidade com o leitor ou a leitora, característica própria do gênero de variedades. Pode-se dizer que é um texto transparente, e leve, em que não há publicidade direta, mas propaganda de um "estilo de vida", uma visão sofisticada. Marie Claire reforça a visão glamurosa, através do esforço e da realização pessoal e profissional.

Quem enfoca o glamour pelos ares de bon vivant. Os textos de Quem trazem um excesso de fotos, fazendo com que o texto, por vezes, perca espaço para a imagem. Os perfis de Marie Claire dissociam texto e imagem, colocando-as em página inteira, quase separadas da parte escrita. O design de ambas, contudo, é bastante leve, o que não confere uma densidade, ou um peso maior ao texto. Marie Claire e Quem pertencem à mesma editora. Assim, como as três repórteres perfiladas: Fátima Bernardes, Ana Paula Padrão e Glória Maria.

Em Quem, tanto Glória Maria, quanto Fátima Bernardes são interpeladas sobre sua relação com a superexposição na mídia. Elas são, inegavelmente, "celebridades", seres "olimpianos", sem pontos negativos, apenas aspectos vitoriosos e de sucesso. O único temor é o da morte. Fátima Bernardes tem receio da morte por causa de seus filhos. Glória Maria não tem medo de envelhecer, mas diz que evita pensar na chegada da hora final. A morte, aqui, então, representa a única inevitabilidade para esses "seres perfeitos", "divinos", "olímpicos". Elas são, desde já, "estrelas", "musas", "divas". [5]

Outra curiosidade é que, nos dois perfis, Fátima Bernardes e Glória Maria referem-se a si mesmas em terceira pessoa por um momento. "A Fátima tem uma vida fora da TV Globo", "Todo mundo acha que Glória Maria não casou, que só ficou". Os dois instantes remetem à vida particular das apresentadoras, há uma dissociação entre a figura pública e a privada. Lembramos, então, do famoso caso de Pelé, que trata a si próprio como Edson ou Pelé, se respondendo sobre a sua vida pessoal ou nos campos. No caso das apresentadoras, é interessante notar que o jornalista, em seu discurso no cotidiano da profissão, evita fugir da terceira pessoa.

Em Quem, então, eles são colocados de fora, à margem da profissão, ser jornalista é uma ocupação como qualquer outra, fato é que eles são estrelas.

Eles passam por um processo de "estrelização", de "fetichização", passam a servir como modelos para a sociedade, objetos de desejo, conquistam fãs, tornam-se ídolos, ícones da vida social. E tudo isso, porque ao narrar a história, interagem com ela, tornam-se história também. [6]

Notas

[1] Talvez mais do que há não muito tempo se procurava dizer que estes estudantes seriam "Cids Moreiras". E, nesse caso, deve-se entender que há uma provável associação maior do apresentador Cid Moreira com o papel do locutor de rádio, do que propriamente com o do âncora. As imitações que ainda lhe são feitas, ainda hoje, trazem esse cuidado, diferentemente das que, por exemplo, são feitas sobre o estereótipo de um "Sílvio Santos", um "Clodovil" ou um "Lula", que, embora não sejam jornalistas, são personagens típicos do imaginário brasileiro e se firmam, sobretudo, pelo gestual.

[2] Nesse ponto, Senra cita dois nomes masculinos para apresentar ida e volta, o jornalista-artista Paulo Francis e o artista-jornalista Arnaldo Jabor. Diríamos, contudo, dois outros respectivos exemplos femininos ainda mais "estrelizados": a atriz, outrora jornalista, Carolina Ferraz; e a jornalista, outrora modelo, Fabiana Scaranzi.

[3] Se a imagem do jornalista perfilado é captada por aproximações, e registra, em verdade, tão-somente essas "representações mentais duradouras", a figura do jornalista-forte, o âncora ou o apresentador, ganha ainda mais peso na constituição dessa categorização do profissional.

[4] Ver ELIOTT, 1978 apud TRAQUINA, 2001:28. "[A] verdade era a única responsabilidade da profissão do jornalismo, um objetivo e uma confiança comparáveis à responsabilidade da profissão médica pela saúde ou a responsabilidade da profissão legal pela justiça".

[5] Note-se que toda a etimologia dos termos utilizados confere um ar de "divindade" às jornalistas. Estes adjetivos são comumente empregados. Como no caso de Fátima Bernardes, a "musa da Copa". As musas são filhas de Zeus, as estrelas são figuras celestes, e as divas, seres angelicais.

[6] "É a mesma sensação de quem estava na frente da TV quando os aviões colidiram com as torres do World Trade Center", diz Ana Paula Padrão. "Só você viu, os seus filhos não viram. Eles vão ver o vídeo, vão viver as conseqüências, mas não viram na hora em que aconteceu, como você viu". E, note-se, você [grifo nosso] viu também pela televisão, tanto quanto "seus filhos", a diferença está no tempo presente. "Você" participa da história, como o jornalista. Por isso, "você" se sente e se torna história.

10. Bibliografia

GIL, Marisa Adan. A bela da noite. In: Marie Claire. Edição 153. Rio de Janeiro: Globo, 12.03.

ALBUQUERQUE, Lina de. Sem fazer pose. In: Marie Claire. Edição 141. Rio de Janeiro: Globo, 12.02.

DOMINGUES, Ana Paula. A incrível história da garota do Fantástico. In: Quem. Rio de Janeiro: Globo, 10.10.03.

DOMINGOS, Denise. A apaixonada Fátima Bernardes. In: Quem. Edição 128. Rio de Janeiro: Globo, 21.02.03.

MEDITSCH, Eduardo. O jornalismo é uma forma de conhecimento? Conferência feita nos Cursos da Arrábida. Universidade de Verão, S.l.: 1997. Disponível em:
<http://bocc.ubi.pt/pag/meditsch-eduardo-jornalismo-conhecimento.html>

SENRA, Stella. Imagens do jornalista. S.l.: 1997.

MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas. São Paulo: Olho d'água/FAPESP, 2001.

SODRÉ, Muniz. A comunicação do grotesco. Petrópolis: Vozes, 1988. 11a ed.

BIRD, S. Elizabeth; DARDENNE, Robert W. Mito. registro e 'estórias': explorando as qualidades narrativas das notícias. S.l.: 1993.

TRAQUINA, Nelson. A redescoberta do poder do jornalismo: análise da evolução da pesquisa sobre o conceito de agendamento (agenda-setting). S.l.: 2001.

_______________. As notícias. S.l.: 1993.

RODRIGUES, Adriano Duarte. O acontecimento. S.l.: 1993.

BAHIA. J. Categorias profissionais, formação e treinamento. In: S.n. S.l.: 1990.


*Viktor Chagas é escritor e graduando em Comunicação Social/Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (FCS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: viktor@contoaberto.org.

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