Monografias
Trajetória
da imprensa gaúcha
Por
Beatriz Dornelles*
Resumo
A
grande maioria dos estudantes de jornalismo tem como objetivo
ingressar no mercado de trabalho atuando como repórteres
de grandes centros urbanos. Apesar da importância, a imprensa
interiorana não é indicada como um nicho de mercado
de trabalho. No entanto, possui grande potencial para exploração
da prática do jornalismo, no que pese o preconceito existente
no Brasil e, muito provavelmente, nos países vizinhos.
Diante de tal realidade, neste trabalho apresentamos a trajetória
da imprensa gaúcha, objetivando revelar o tipo de jornalismo
praticado fora dos grandes centros urbanos ao longo dos últimos
dois séculos.
PALAVRAS-CHAVES:
jornalismo, imprensa interiorana, mercado de trabalho
Existem,
hoje, no Rio Grande do Sul, Estado brasileiro que faz fronteira
com o Uruguai e a Argentina, cerca de 15 cursos de Jornalismo,
que formam, anualmente, em média, 600 novos jornalistas.
A grande maioria dos estudantes gaúchos, ainda hoje,
tem como objetivo ingressar no mercado de trabalho atuando como
repórteres de rádio, televisão, revista
ou jornal de grandes centros urbanos, como as capitais dos principais
Estados do Brasil.
Como
o mercado não absorve esta demanda, esses profissionais
acabam desistindo da profissão ou trabalhando em assessorias
de imprensa, frustrando o desejo de serem repórter, editor,
diagramador, redator ou fotógrafo por falta de opção,
segundo argumentam. Poucos são estimulados para buscarem
outras alternativas que não estas.
Apesar
da importância, a imprensa interiorana, de maneira geral,
tem sido pouco estudada na América do Sul. Especificamente
no Rio Grande do Sul, um dos motivos desse descaso é
a história recente de criação dos cursos
de Mestrado e Doutorado em Jornalismo, o que aconteceu a partir
de 1994, quando foi criado o primeiro curso de Mestrado em Jornalismo
no Rio Grande do Sul, pela Faculdade de Comunicação
Social da PUCRS, e somente no primeiro semestre de 1999 iniciou-se
o primeiro curso de doutorado no Estado, na Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Segundo,
porque a maioria dos pesquisadores gaúchos tem se dedicado
a estudos históricos sobre a imprensa do Estado. Raros
são os estudos sobre a imprensa gaúcha atual,
especialmente sobre o mercado de trabalho no Rio Grande do Sul,
de maneira que se possa avaliar, reestruturar ou criar cursos
voltados para a prática do jornalismo em todo o Estado.
Acreditamos,
no entanto, que, na atualidade, a imprensa interiorana possui
potencial para exploração da prática do
jornalismo, através de seus jornais locais, no que pese
o preconceito existente em todo o país e, muito provavelmente,
nos países vizinhos. Assim como em São Paulo,
no Rio Grande do Sul, há uma idéia corrente de
que o jornal do Interior é menos jornal do que o jornal
da capital.
Aceitar
isso, no entanto, implica em comparar realidades distintas e
os que pensam dessa forma incorrem, em termos lógicos,
no mesmo erro dos que advogam a idéia de que a cultura
do índio é mais atrasada do que a do branco. A
nós não satisfaz tomar a grande imprensa como
modelo, afirmou Bueno (1977), pesquisador da Escola de
Comunicação e Arte da Universidade de São
Paulo.
Diante
de tal realidade, neste trabalho apresentamos a trajetória
da imprensa gaúcha, incluindo a imprensa interiorana,
objetivando entender que tipo de jornalismo é praticado
fora dos grandes centros urbanos ao longo dos últimos
dois séculos.
A
reconstituição da imprensa gaúcha no desenvolvimento
do jornalismo no Rio Grande do Sul entre 1827, ano em que surgiu
o primeiro jornal no Estado - O Diário de Porto Alegre
- e os anos 80, década em que se inicia o desenvolvimento
tecnológico da imprensa do Interior, foi relativamente
bem explorada por historiadores e jornalistas gaúchos.
Portanto, não há necessidade de uma releitura
histórica, mas apenas uma apresentação
de sua evolução ao longo dos anos.
A
bibliografia mais recente sobre a imprensa do Rio Grande é
bastante fragmentada e, na maioria da vezes, produzida por veteranos
jornalistas que buscam registrar suas observações
sobre processos que vivenciaram pessoalmente ou testemunharam
através de depoimentos de terceiros. São poucas
as fontes resultantes de pesquisas documentais.
A
origem da imprensa gaúcha encontra raízes no processo
político que resultou na Revolução Farroupilha.
O primeiro jornal surgiu em 1827, sob o nome O Diário
de Porto Alegre, patrocinado pelo presidente da Província
de São Pedro do Rio Grande do Sul, Salvador José
Maciel. Porto Alegre tinha cerca de 15 mil habitantes e as condições
de civilização mostravam progresso, além
da existência de um público letrado. Com isso,
o governador objetivava facilitar a comunicação
dos pensamentos e a divulgação de suas publicações.
Nos
oito anos que se seguiram ao aparecimento do Diário de
Porto Alegre foram lançados 32 jornais, com pequeno formato
(28 cm x 18 cm) e tiragens que ficavam em torno de 400 exemplares
cada um. As cidades do Interior pioneiras no surgimento da imprensa
são Rio Grande e Pelotas. A periodicidade das publicações
dessa época era bissemanária ou trissemanária,
sendo poucos os diários. Há registros sobre a
existência de 12 diários entre 1850 e 1875, mas
com pouca duração. A venda era feita só
por assinaturas ou diretamente no escritório da tipografia.
A
função dos jornais, naquela época, era
totalmente política, com textos doutrinários,
linguagem antiética, sem preocupação moral
com relação às denúncias e críticas
aos adversários. Nesse contexto, não constitui
exagero afirmar que a imprensa foi o bastidor intelectual da
Revolução Farroupilha. Nas páginas dos
jornais se gestaram as idéias que radicalizaram o processo
político e levaram ao movimento farroupilha (RÜDIGER,
1993).
Após
a Guerra Civil de 1835, ocorre a estagnação da
atividade jornalística porque não passava de um
meio para divulgação ideológica. As tipografias
passam a publicar seus próprios jornais, mas dependendo
economicamente do Estado, que controlava a publicidade e a formação
da opinião pública, através dos chamados
auxílios e subsídios.
Os
jornalistas da época, em geral, eram os donos das tipografias.
Eram artesãos especializados que decidiram montar seus
próprios negócios. Na época, não
tinham um conceito preciso de jornalismo, por isso suas atividades
restringiam-se à direção dos periódicos,
onde se confundiam as práticas editoriais com prestação
de serviços gráficos. A redação,
como hoje entendemos, não existia, e os jornais serviam
basicamente para veiculação de literatura política.
A
tecnologia dos periódicos era primitiva. Os jornais eram
editados em velhos prelos de madeira, movidos manualmente, com
material tipográfico de segunda mão, adquiridos,
na maioria das vezes, no Rio de Janeiro.
Essa
mesma imprensa surge na cidade de Pelotas, interior do Rio Grande
do Sul, em 1851, através de Cândido Augusto de
Mello, que criou O Pelotense. Posteriormente, o mesmo tipógrafo
publicou jornais no município de Jaguarão. Em
1861 a imprensa surge em Bagé, fronteira-oeste, com o
lançamento de A Aurora e O Bageense.
A
partir de 1850, surgem diversos pasquins no Rio Grande do Sul,
que se caracterizam pela falta de responsabilidade com os conceitos
externados e excessos de linguagem. Naquela época, quem
respondia pelos crimes de imprensa eram os diretores das publicações.
Os
pasquineiros fizeram história e tornaram-se célebres
pelos ataques morais e os abusos de linguagem, que criavam desavenças
na comunidade e irritavam as autoridades, o que os tornou conhecidos
no jornalismo gaúcho.
No
mesmo período de expansão dos pasquins surge o
jornalismo político-partidário gaúcho.
Grande quantidade de tipógrafos assumem cargos políticos
e a força de um jornal se estabelece como forma de ascensão
política.
Os
partidos lançam publicações e surgem as
redações propriamente ditas. Pouco a pouco, os
políticos substituem os tipógrafos na função
social de jornalistas e desenvolvem a concepção
de que o papel dos jornais é essencialmente opinativo,
visa veicular organizadamente a doutrina e a opinião
dos partidos na sociedade civil. (RÜDIGER, 1993).
Neste
período aumenta o número de publicações.
A tiragem sobe de 400 exemplares, em 1830, para 2.000 no ano
de 1900. O formato muda de 28cm x 18cm (menor que uma folha
de ofício) para standard, e a fabricação
perde o caráter artesanal para passar à manufatura,
baseado na tecnologia da máquina a vapor.
A
distribuição melhora em conseqüência
do progresso dos serviços de correio e das estradas.
Os leitores continuam, porém, sendo poucos em função
do analfabetismo e do baixo poder aquisitivo, além da
vigência do sistema escravagista até 1888. A montagem
de uma tipografia e o lançamento de um periódico
não era difícil, mas o custo de manutenção
das publicações era relativamente alto, em decorrência
dos preços do papel, matéria-prima importada,
mão-de-obra composta por trabalhadores assalariados e
especializados e o porte de circulação.
Apesar
do progresso técnico apresentado, os jornais continuavam
sendo usados para doutrinação da opinião
pública, constituindo-se num prolongamento da tribuna
parlamentar e meios de articulação partidária
do movimento da sociedade civil, e não visavam lucro.
Estudo
realizado em torno da participação da imprensa
na campanha abolicionista revelam essa realidade. Estiveram
na vanguarda do movimento, entre tantos jornais da época,
A Voz do Escravo, de Pelotas, e a Gazeta de Alegrete, fundada
em 1882, que, junto com outros, criou um clube de emancipação,
levantando fundos e movendo campanhas de alforria, através
de suas colunas. Este é o mais antigo jornal em circulação
hoje, no Rio Grande do Sul.
Em
1869, ocorre no Estado novo marco do jornalismo político-partidário,
com o lançamento do jornal A Reforma, órgão
do Partido Liberal. O diário apresentou-se ao público
dizendo que não daria publicidade a escritos que, embora
não ofendessem as regras de dignidade, verdade e decência,
tratassem de interesses e questões pessoais. O principal
diretor desta folha era Silveira Martins, líder do Partido
Liberal, que chegou a imprimir 20 mil exemplares em uma das
edições, distribuídos gratuitamente por
todo o Estado.
Após
o surgimento de A Reforma, surgiram dezenas de folhas político-partidárias,
destacando-se no Interior O Conservador, publicada pelo partido
do mesmo nome, que sustentou a doutrina da agremiação
de 1879 até a Proclamação da República.
O Diário de Pelotas (1867-89) desempenhou papel de liderança
entre os liberais da zona sul do Estado. O Diário do
Rio Grande (1848-1911) e O Echo do Sul (1856-1937), da mesma
cidade, tiveram significativa participação oposicionista
durante a República Velha.
O
Partido Republicano foi responsável pelo lançamento
de diversos jornais importantes durante essa época, estando,
entre eles, O Diário Popular de Pelotas, que circula
até hoje e será analisado nos tempos atuais nos
próximos capítulos.
Os
jornais político-partidários tiveram significativa
participação no trabalho de organização
das forças políticas, nas quais se elaborava a
doutrina. Eles formavam lideranças e criavam o consenso
partidário, permitiam aos partidos intervirem homoge-neamente
na esfera pública, sustentavam as campanhas eleitorais
e criavam um espaço comum de discussão dos problemas
da sociedade civil. A sobrevivência das candidaturas políticas
dependia da publicidade sustentada pelos periódicos,
controlados pelas cúpulas partidárias, que assim
continham as tendências dissidentes da agremiação.
Nessa
época surgiam diversos jornais durante o período
de eleições municipais. Os partidos vencedores
mantinham as publicações no período de
gestão como órgãos oficiosos do Governo.
Após
a Proclamação da República, aumenta a violência
política através do jornal, objetivando calar
a voz da oposição, período difícil
para o exercício do jornalismo. Pratica-se censura policial
direta nas redações, ocorrendo a prisão
de diversos jornalistas e o fechamento de várias folhas
na capital e no Interior.
Esta
situação perdurou até a década de
30, época do Estado Novo, quando também desaparece
o jornalismo político-partidário. O último
grande jornal do gênero a ser lançado no Rio Grande
do Sul foi O Estado do Rio Grande, em 1929, órgão
do Partido Libertador, que sucedeu ao Partido Federalista, fechado
em 1932 pelo Estado Novo, que aboliu oficialmente os partidos
políticos e decretou o fechamento de diversos jornais.
As
folhas sobreviventes adaptam-se aos novos tempos e mudam a linha
editorial. Passam simplesmente a informar os fatos ou adotam
uma postura oficialesca. O jornalismo noticioso gaúcho,
que se inicia na segunda metade do século 19, entra em
ascensão, no Estado, com o Correio do Povo, fundado em
1895.
Surge,
paralelamente, o jornalismo literário independente, como
alternativa ao jornalismo político-partidário.
Estes dois novos estilos de jornalismo rompem, aos poucos, com
as doutrinas partidárias e especializam-se na difusão
de notícias e na discussão de assuntos da atualidade
sem compromisso doutrinário.
A
formação, senão de uma sociedade, pelo
menos de uma mentalidade burguesa, favorecia a diversificação
das concepções jornalísticas vigentes,
propondo a supremacia de novos valores como a veracidade editorial,
que na realidade contribuíam para a expansão do
público potencial de cada periódico ao rejeitarem
o compromisso político-partidário do jornalismo
dominante à época. Em conseqüência
disso, verifica-se a manifestação cada vez mais
comum do princípio da neutralidade nos novos jornais,
que visam com isso não somente se subtrair às
conveniências partidárias, mas promover o interesse
geral da sociedade (RÜDIGER, 1993).
O
apogeu do jornalismo literário-noticioso aconteceu entre
1890 e 1920, época em que se multiplicaram os jornais
comprometidos com o modelo noticioso no Rio Grande do Sul. Nesse
período, muitos tipógrafos transformaram-se em
pequenos empresários.
A
época artesanal já havia sido superada e a imprensa
baseava-se na máquina a vapor. Houve renovação
na circulação, com o aumento da venda avulsa e
distribuição dos jornais no Interior, através
da rede ferroviária. Ocorreu, ainda, a modernização
do parque gráfico, o que permitiu o aumento das tiragens
e do número de páginas dos jornais, que pula de
quatro (tradicional no século passado) para 12 nos primeiros
anos do século.
A
paginação tornou-se mais leve, com melhor distribuição
das matérias, as cores passam a ser usadas nos títulos,
em assuntos de destaque e nas ilustrações, substituídas
pelas fotografias a partir de 1910.
Nesse
mesmo período, o conceito de jornalista sofre uma complexificação,
segundo Rüdiger (1993): O nome jornalista deixou
de ser aplicado exclusivamente aos proprietários e diretores
de periódicos político-partidários, passando
a designar também os responsáveis pela coleta
e confecção de notícias. Em outras palavras,
a classe dos jornalistas estava passando por uma mudança
em sua composição, de cujas origens dão
conta os próprios jornais.
Conforme
os registros históricos, o processo de organização
do novo grupo de jornalistas segue os passos de sua própria
consolidação como categoria social. Em 1889, com
o propósito de evitar, entre colegas, agressões
pessoais que abalam a imprensa, surge a Associação
dos Jornalistas de Pelotas. Dez anos depois, com proposta semelhante,
é fundado o Grêmio dos Jornalistas de Rio Grande.
Nos
anos 10, surge o primeiro projeto de agrupar os jornalistas
de todo o Estado com o Círculo da Imprensa, que funcionou
em Porto Alegre, de 1911 a 1914. Porém, o esforço
mais significativo para congregar e organizar a classe ficou
registrado com a fundação da Associação
Riograndense de Imprensa (ARI), em 1920. Realizou relevantes
serviços à categoria, mas anos depois a entidade
se dissolveu.
Nesse
período, a notícia, como entendemos hoje, surge
no jornalismo, substituindo as matérias de cunho literário,
que se baseavam em comentários pessoais, e toma conta
das páginas dos jornais, inclusive do noticiário
político.
Na
mesma época, os jornais passam a contar com serviços
noticiosos provindos das agências internacionais. Na década
de 10, os principais jornais do Estado fecharam acordos com
as agências Havas, Americana e Transocean.
Apesar
da tentativa de se tornarem independentes, noticiosos e imparciais,
os jornais do início do século não conseguiram
se desvencilhar dos partidos políticos e continuavam
sustentando a campanha deste ou daquele político. A independência
dos jornais dependia de fontes de financiamento e, na época,
elas eram muito limitadas.
Tanto
que, conforme dados do Anuário do Rio Grande do Sul de
1885, do Departamento Nacional de Estatística, 80% dos
jornais gaúchos apresentavam tiragem de até 5
mil exemplares em 1930; de 5 mil a 10 mil, 12%, e de 10 mil
a 30 mil, 8%. Portanto, sem independência econômica,
não havia condições de se conquistar a
independência editorial, especialmente na área
política, e, principalmente, porque os jornais não
estavam estruturados como empresas jornalísticas. Somente
quando os periódicos tornam-se empresas jornalísticas
é que o jornalismo noticioso realmente firma-se na imprensa
gaúcha.
Jornalismo
Noticioso
O
primeiro jornal a implantar o jornalismo noticioso foi o Correio
do Povo, fundado em 1895 por Caldas Júnior. Caldas era
sergipano e veio para o Rio Grande do Sul ainda criança.
Trabalhou como redator-chefe do Jornal do Comércio e,
depois de juntar um pequeno capital, montou seu próprio
jornal.
A
época era favorável a um jornal sem comprometimento
político. E o Correio do Povo, além de adotar
esta linha, assumiu uma postura empresarial que lhe garantiu
o sucesso, investindo na tecnologia e na administração
do jornal.
Enquanto
os demais jornais existentes no Estado preocupavam-se, apenas,
em não ter prejuízo, Caldas Júnior resolveu
reinvestir o lucro na própria empresa. Manteve na direção
os maiores valores do jornalismo da época, fez sucessivas
reformas em suas oficinas, objetivando reduzir custos e aumentar
a produtividade. Procurou, também, equipar os padrões
gráficos do jornal aos mais modernos do país,
aumentou o número de páginas e o formato da folha,
sem custos adicionais para o leitor.
Em
1910, Caldas Júnior montou a primeira impressora rotativa
no Estado e, nos anos seguintes, as quatro primeiras linotipos,
elevando a tiragem de mil exemplares para 10 mil. Em 1920, a
tiragem foi para 20 mil exemplares, configurando, conforme valores
da época, o chamado monopólio da imprensa.
Para
fazer frente ao Correio do Povo, em 1925 surge o Diário
de Notícias, tornando-se o segundo maior jornal do Estado.
Introduziu um jornalismo moderno, apoiado em campanhas de opinião
pública. O forte desse jornal também era o departamento
comercial, que levantava grandes volumes de anúncios.
Em 1930, o Diário tinha uma tiragem diária de
25 mil exemplares.
Breno
Caldas faz uma outra revolução na imprensa gaúcha,
em 1936, quando lança a Folha da Tarde, um vespertino,
formato tablóide, que conquistou os leitores gaúchos
até os dias atuais.
Em
1936, também foi reconstruída a Associação
Riograndense de Imprensa, tendo como presidente o jornalista
Erico Verissimo. A entidade ressurge lutando pelo novo estatuto
do jornalista na sociedade e a criação do Sindicato
dos Jornalistas, o que aconteceu em 1942.
A
partir de 1930 o Brasil vive uma nova fase, a da industrialização,
que fomenta o desenvolvimento das empresas jornalísticas,
aumentando o público leitor e viabilizando a publicidade,
que progressivamente passa a ser a principal fonte de financiamento
do jornalismo.
A
mudança verificada no jornalismo, entretanto, não
significou, na época, a neutralidade e imparcialidade
dos jornais em relação aos seus candidatos políticos.
O que aconteceu foi apenas a omissão explícita
deste interesse. Os donos de jornais continuaram defendendo
determinados nomes, mas negando publicamente que estariam sendo
parciais.
Além
da dissimulação da grande imprensa, o desenvolvimento
do jornalismo provocou, também, a decadência da
imprensa interiorana no final dos anos 50 e início dos
anos 60, bem como o monopólio da imprensa da capital,
especialmente em termos de distribuição de verba
publicitária.
A
falta de sustentação econômica no Interior,
nos anos 60, não permitiu que grande parte dos jornais
se transformassem em empresa jornalística, conforme RÜDIGER
(1993). Entre 1970 e 1973, os diretores da Associação
dos Jornais do Interior do Rio Grande do Sul (Adjori), fundada
em 1963, fizeram intensiva campanha junto aos sócios.
Exigiram deles o Alvará da Prefeitura, o registro do
jornal no Livro Especial em Cartório, o registro jurídico
da empresa na Junta Comercial e o registro do nome e marca do
jornal no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Nesse
período, praticamente todos os sócios da ADJORI
(207 no total) passaram a constituir empresas jornalísticas,
tendo por objetivo a produção, edição
e comercialização de jornais. As menores, em forma
de empresa individual, e as médias e grandes, como sociedade
limitada, composta por dois ou mais sócios.
Posteriormente,
com a aprovação da Lei das Microempresas, ao longo
da década de 90 os jornais semanários (com receitas
inferiores a R$ 20 mil mensais), transformaram suas empresas
em microempresas, sendo favorecidos pelo reduzido índice
de pagamento dos impostos.
É
somente nos anos 70 que a imprensa gaúcha interiorana
adota o jornalismo informativo como método de produção
dos periódicos, abandonando o jornalismo de opinião
e o colunismo. Um grande número de proprietários
de jornais do Interior procura as universidades para cursarem
as Faculdades de Jornalismo do Rio Grande do Sul. Paralelamente,
máquinas offset de impressão são instaladas
em cidades de grande e médio porte do Estado, como, por
exemplo, Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Pelotas, Venâncio
Aires, Santo Ângelo, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Sarandi,
Passo Fundo, entre outras [1].
Nos
anos 90, novamente os jornais gaúchos passam por uma
revolução. Todas as redações, pequenas,
médias e grandes, substituem as máquinas de escrever
por computadores e a diagramação passa a ser feita
eletronicamente, exceto o jornal O Taquaryense, que até
hoje continua sendo impresso em linotipia e produzido em máquinas
de escrever manual[2].
Tradição:
os três diários mais antigos de Porto Alegre
Em
2004, a capital gaúcha conta com seis jornais diários:
Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio, Diário
Gaúcho, O Sul e o suplemento gaúcho da Gazeta
Mercantil. São esses os periódicos visados pelos
estudantes de jornalismo como futuro empregadores. No entanto,
cerca de 250 novos jornalistas saem, por ano, das quatro universidades
da Grande Porto Alegre: PUCRS, UFRGS, Unisinos e Ulbra. Evidentemente,
os seis diários não têm condições
de absorver esta demanda, significando que um grande número
de jornalistas recém-formados não entra no mercado
das redações dos jornais diários.
A
título de registro histórico, registramos alguns
dados sobre os três diários mais antigos.
Zero
Hora
A
Rede Brasil Sul, verdadeiro império de comunicações
no sul do país, surgiu do trabalho de seu fundador Maurício
Sirotsky Sobrinho, um locutor de rádio com muita visão
empresarial. Em 1957, Maurício Sirotsky Sobrinho e Frederico
Arnaldo Ballvé convenceram Arnaldo Ballvé a completar
a sua rede de emissoras de rádio no interior com uma
estação-chave na capital, que seria a Rádio
Gaúcha. Participaram da sociedade Nestor Rizzo, Manoel
Arrochelas Galvão e Eduardo Esquemazzi, que assumiram
a Rádio Sociedade Gaúcha em 01 de julho de 1957.
Ao assumir a rádio Gaúcha, Sirotsky afastou-se
da Mercur Publicidade, deixando a agência sob a administração
de seu irmão Jayme Sirotsky.
Como
empresário, Maurício Sirotsky Sobrinho tinha uma
obstinação: fazer de sua empresa a mais moderna
e abrangente possível. Em 1962, junto com Frederico Arnaldo
Ballvé e Nestor Rizzo, fundou a TV Gaúcha, hoje
RBS TV, canal 12, passando a diretor-presidente da emissora.
A
4 de maio de 1964 surge o jornal Zero Hora, ocupando o espaço
de Última Hora, fechada com o golpe militar, tablóide
vespertino, de linha editorial sensacionalista. Em 1966, Maurício
torna-se sócio da Zero Hora. Em maio de 1967, a Zero
Hora envia o primeiro repórter brasileiro para a Guerra
do Vietnã. Em 1968 inicia-se a construção
das novas instalações do jornal, na Avenida Ipiranga,
1.075, onde está até hoje, e a renovação
do parque gráfico.
Em
1969, Zero Hora tornou-se o primeiro jornal diário do
sul do país a adotar a tecnologia offset de impressão,
tornando extremamente competitiva a área industrial da
empresa. Em 1970, a RBS assumiu totalmente o controle das ações
do jornal, que sofreu uma série de reformas no sentido
de modernizar seus métodos de gestão, adequar
sua linha editorial às novas condições
do mercado local e expandir-se.
Em
1972 ocorre a reorganização da circulação
do jornal, surgindo o departamento de transportes. Multiplicam-se
os pontos de venda, atingindo locais como bares, supermercados
e farmácias. Utilizando frota própria, a circulação
no Interior é agilizada e ampliada, posteriormente, para
Santa Catarina e principais capitais do país.
A
partir de 1975, a Zero Hora torna-se o jornal de maior venda
avulsa no sul do país. Em 1979, muda a razão social,
passando para Zero Hora Editora Jornalística. Os equipamentos
utilizados por esse periódico equiparam-se aos utilizados
pelos mais importantes veículos do mundo e está
entre os dez maiores diários do Brasil, com uma tiragem
de 130 mil exemplares.
Correio
do Povo
Enquanto
acontecia a ascensão de Zero Hora, a Caldas Júnior
caminhava para seu fim. Enfrentando dificuldades financeiras,
decorrentes de uma gestão administrativa ultrapassada
e da própria situação econômica do
país, a maior empresa jornalística do Estado fazia
a história de sua decadência. Em 1979, Breno Caldas
suspende a circulação da Folha da Manhã,
terminando com uma experiência renovadora no mercado.
A Folha da Tarde, vespertino da empresa, fechou em 1983 e, um
ano depois, 1984, os gaúchos assistem ao triste episódio
do fechamento do Correio do Povo. Sobressai-se vitorioso o projeto
editorial, gráfico, empresarial e mercadológico
de Zero Hora.
Em
1986, o Correio do Povo retorna às ruas do Rio Grande
do Sul sob o comando do empresário rural Renato Ribeiro,
mantendo sua principal característica, o formato standard.
Um ano depois, seu proprietário decide transformá-lo
em tablóide, finalizando definitivamente a era dos standards
no Rio Grande do Sul. Em 2002, o número de assinantes
do Correio do Povo é de 205 mil, e o jornal não
trabalha com venda avulsa, representando a maior tiragem do
Estado.
2.2.3
Jornal do Comércio
O
Jornal do Comércio é um tablóide, fundado
em maio de 1933, por Jenor Cardoso Jarros, sob o nome Consultor
do Comércio. Sua primeira sede foi na rua General Câmara,
centro, e a carência de recursos humanos e técnicos
era total. O diário possuía apenas uma máquina
de escrever e um mimeógrafo. Divulgava informações
comerciais, como a entrada de produtos, estatísticas
mensais e anuais dos principais bens importados ou exportados
e o movimento de vapores, considerado de grande importância
para concorrência.
Em
abril de 1953, o Consultor do Comércio começou
sua modernização, adquirindo uma máquina
impressora meia-folha, Mercedes, e mudando seu formato com o
objetivo de deixar de ser um boletim. Tinha veiculação
trissemanal e ocupava duas salas no primeiro andar do edifício
Palácio do Comércio, inaugurado por Getúlio
Vargas, em 1940. A equipe de funcionários nessa época
já atingia 20 pessoas.
Guerreiro
(1994) destaca que a evolução dos conteúdos
do Consultor do Comércio, marcadamente técnicos,
dava aos assinantes a visão de que, aos poucos, estava
nascendo um jornal, embora ainda trissemanário. Sua aceitação
se ampliava pela essência do que publicava. Os grandes
jornais da capital gaúcha não se preocupavam com
ele e muito menos com o que divulgava, porque o noticiário
econômico era cansativo, não dava manchetes e não
tinha leitores.
Em
1º de outubro de 1956, após 23 anos de existência,
o Consultor do Comércio passa a se chamar Jornal do Comércio.
A mudança de nome resulta na abrangência editorial
do jornal. As matérias passam a ser avaliadas, com peso
gráfico específico, e valorização
dos conteúdos, sempre com priorização para
a economia. Isso determina o crescimento do jornal e, no dia
1º de setembro de 1960, passa a diário, somando-se
aos que já circulavam, ou seja, o Correio do Povo, o
Diário de Notícias, a Folha da Tarde, a Folha
Esportiva, o Jornal do Dia e a Última Hora. Portanto,
era o sétimo diário porto-alegrense.
Em
1968, o JC adquire sua sede definitiva, passando a funcionar
na Avenida João Pessoa, 1282, onde está até
hoje. Em 1970, passa a ser impresso em offset. Mais tarde, o
jornal passa para a composição gráfica
computadorizada. Em setembro de 1984 o Jornal do Comércio
adota a logomarca JC, como centro principal de sua primeira
página, em substituição ao antigo título
Jornal do Comércio, diagramado em seis colunas. Em 2002,
a tiragem declarada é de 20 mil exemplares.
Jornais
do interior
Os
jornais do interior tiveram e continuam tendo importante participação
política, econômica e social na história
gaúcha, como vimos ao longo deste artigo. Por isso vêm
merecendo a atenção dos pesquisadores. Dando continuidade
a este estudo, estamos recuperando a história de vida
dos jornais do interior a partir dos anos 90, no final do século
20. Conforme os estudos forem sendo finalizados, estaremos publicando
os resultados.
Referências
bibliográficas
ALMEIDA,
Gastão Thomaz de. Imprensa do Interior, Um Estudo
Preliminar. São Paulo: Convênio IMESP/DAESP,
1983.
BAHIA,
Juarez. Três fases da imprensa brasileira. Santos: Editora
Presença, 1960.
_________.
Jornal, História e Técnica. São
Paulo: Ibrasa, 1972. 4ª ed. Ampliada, São Paulo,
Ática, 1992.
BUENO,
Wilson da Costa. Caracterização de um objeto-modelo
conceitual para a análise da dicotomia imprensa industrial/imprensa
artesanal no Brasil. São Paulo, 1977, 440p. Dissertação
de Mestrado em Jornalismo, Universidade de São Paulo.
GALVANI,
Walter. Um Século de Poder Os bastidores da
Caldas Júnior. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1995.
GUERREIRO,
Homero. Jornal do Comércio. Porto Alegre: Cia.
Jornalística J. C. Jarros, 1994.
MACEDO,
Francisco Riopardense de. Imprensa Farroupilha. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1994.
RÜDIGER,
Francisco. Tendências do Jornalismo. Porto Alegre:
Editora da Universidade, 2ª ed, 1998.
SODRÉ,
Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
TABLÓIDE.
Mais que um formato, hoje uma forte marca de jornalismo sério,
formador de opinião. Zero Hora, 1989.
Notas
[1]
Arquivo de informações da ADJORI/RS.
[2]
Ibid.
*Beatriz
Dornelles é professora Drª do Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Comunicação Social da PUC/RS.
#
Trabalho apresentado no VII Congresso Latino-Americano de Ciências
da Comunicação, da Associação Latinoamericana
de Pesquisadores em Comunicação (ALAIC), realizado
na Faculdad de Periodismo y Comunicación da Universidad
Nacional de La Plata, Argentina, de 11 a 16 de outubro de 2004.
Voltar
|