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Monografias


Trajetória da imprensa gaúcha

Por Beatriz Dornelles*

Resumo

A grande maioria dos estudantes de jornalismo tem como objetivo ingressar no mercado de trabalho atuando como repórteres de grandes centros urbanos. Apesar da importância, a imprensa interiorana não é indicada como um nicho de mercado de trabalho. No entanto, possui grande potencial para exploração da prática do jornalismo, no que pese o preconceito existente no Brasil e, muito provavelmente, nos países vizinhos. Diante de tal realidade, neste trabalho apresentamos a trajetória da imprensa gaúcha, objetivando revelar o tipo de jornalismo praticado fora dos grandes centros urbanos ao longo dos últimos dois séculos.

PALAVRAS-CHAVES: jornalismo, imprensa interiorana, mercado de trabalho

Existem, hoje, no Rio Grande do Sul, Estado brasileiro que faz fronteira com o Uruguai e a Argentina, cerca de 15 cursos de Jornalismo, que formam, anualmente, em média, 600 novos jornalistas. A grande maioria dos estudantes gaúchos, ainda hoje, tem como objetivo ingressar no mercado de trabalho atuando como repórteres de rádio, televisão, revista ou jornal de grandes centros urbanos, como as capitais dos principais Estados do Brasil.

Como o mercado não absorve esta demanda, esses profissionais acabam desistindo da profissão ou trabalhando em assessorias de imprensa, frustrando o desejo de serem repórter, editor, diagramador, redator ou fotógrafo por falta de opção, segundo argumentam. Poucos são estimulados para buscarem outras alternativas que não estas.

Apesar da importância, a imprensa interiorana, de maneira geral, tem sido pouco estudada na América do Sul. Especificamente no Rio Grande do Sul, um dos motivos desse descaso é a história recente de criação dos cursos de Mestrado e Doutorado em Jornalismo, o que aconteceu a partir de 1994, quando foi criado o primeiro curso de Mestrado em Jornalismo no Rio Grande do Sul, pela Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, e somente no primeiro semestre de 1999 iniciou-se o primeiro curso de doutorado no Estado, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Segundo, porque a maioria dos pesquisadores gaúchos tem se dedicado a estudos históricos sobre a imprensa do Estado. Raros são os estudos sobre a imprensa gaúcha atual, especialmente sobre o mercado de trabalho no Rio Grande do Sul, de maneira que se possa avaliar, reestruturar ou criar cursos voltados para a prática do jornalismo em todo o Estado.

Acreditamos, no entanto, que, na atualidade, a imprensa interiorana possui potencial para exploração da prática do jornalismo, através de seus jornais locais, no que pese o preconceito existente em todo o país e, muito provavelmente, nos países vizinhos. Assim como em São Paulo, no Rio Grande do Sul, há uma idéia corrente de que o jornal do Interior é menos jornal do que o jornal da capital.

“Aceitar isso, no entanto, implica em comparar realidades distintas e os que pensam dessa forma incorrem, em termos lógicos, no mesmo erro dos que advogam a idéia de que a cultura do índio é mais atrasada do que a do branco. A nós não satisfaz tomar a grande imprensa como modelo”, afirmou Bueno (1977), pesquisador da Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo.

Diante de tal realidade, neste trabalho apresentamos a trajetória da imprensa gaúcha, incluindo a imprensa interiorana, objetivando entender que tipo de jornalismo é praticado fora dos grandes centros urbanos ao longo dos últimos dois séculos.

A reconstituição da imprensa gaúcha no desenvolvimento do jornalismo no Rio Grande do Sul entre 1827, ano em que surgiu o primeiro jornal no Estado - O Diário de Porto Alegre - e os anos 80, década em que se inicia o desenvolvimento tecnológico da imprensa do Interior, foi relativamente bem explorada por historiadores e jornalistas gaúchos. Portanto, não há necessidade de uma releitura histórica, mas apenas uma apresentação de sua evolução ao longo dos anos.

A bibliografia mais recente sobre a imprensa do Rio Grande é bastante fragmentada e, na maioria da vezes, produzida por veteranos jornalistas que buscam registrar suas observações sobre processos que vivenciaram pessoalmente ou testemunharam através de depoimentos de terceiros. São poucas as fontes resultantes de pesquisas documentais.

A origem da imprensa gaúcha encontra raízes no processo político que resultou na Revolução Farroupilha. O primeiro jornal surgiu em 1827, sob o nome O Diário de Porto Alegre, patrocinado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Salvador José Maciel. Porto Alegre tinha cerca de 15 mil habitantes e as condições de civilização mostravam progresso, além da existência de um público letrado. Com isso, o governador objetivava facilitar a comunicação dos pensamentos e a divulgação de suas publicações.

Nos oito anos que se seguiram ao aparecimento do Diário de Porto Alegre foram lançados 32 jornais, com pequeno formato (28 cm x 18 cm) e tiragens que ficavam em torno de 400 exemplares cada um. As cidades do Interior pioneiras no surgimento da imprensa são Rio Grande e Pelotas. A periodicidade das publicações dessa época era bissemanária ou trissemanária, sendo poucos os diários. Há registros sobre a existência de 12 diários entre 1850 e 1875, mas com pouca duração. A venda era feita só por assinaturas ou diretamente no escritório da tipografia.

A função dos jornais, naquela época, era totalmente política, com textos doutrinários, linguagem antiética, sem preocupação moral com relação às denúncias e críticas aos adversários. Nesse contexto, “não constitui exagero afirmar que a imprensa foi o bastidor intelectual da Revolução Farroupilha. Nas páginas dos jornais se gestaram as idéias que radicalizaram o processo político e levaram ao movimento farroupilha” (RÜDIGER, 1993).

Após a Guerra Civil de 1835, ocorre a estagnação da atividade jornalística porque não passava de um meio para divulgação ideológica. As tipografias passam a publicar seus próprios jornais, mas dependendo economicamente do Estado, que controlava a publicidade e a formação da opinião pública, através dos chamados “auxílios” e “subsídios”.

Os jornalistas da época, em geral, eram os donos das tipografias. Eram artesãos especializados que decidiram montar seus próprios negócios. Na época, não tinham um conceito preciso de jornalismo, por isso suas atividades restringiam-se à direção dos periódicos, onde se confundiam as práticas editoriais com prestação de serviços gráficos. A redação, como hoje entendemos, não existia, e os jornais serviam basicamente para veiculação de literatura política.

A tecnologia dos periódicos era primitiva. Os jornais eram editados em velhos prelos de madeira, movidos manualmente, com material tipográfico de segunda mão, adquiridos, na maioria das vezes, no Rio de Janeiro.

Essa mesma imprensa surge na cidade de Pelotas, interior do Rio Grande do Sul, em 1851, através de Cândido Augusto de Mello, que criou O Pelotense. Posteriormente, o mesmo tipógrafo publicou jornais no município de Jaguarão. Em 1861 a imprensa surge em Bagé, fronteira-oeste, com o lançamento de A Aurora e O Bageense.

A partir de 1850, surgem diversos pasquins no Rio Grande do Sul, que se caracterizam pela falta de responsabilidade com os conceitos externados e excessos de linguagem. Naquela época, quem respondia pelos crimes de imprensa eram os diretores das publicações.

Os pasquineiros fizeram história e tornaram-se célebres pelos ataques morais e os abusos de linguagem, que criavam desavenças na comunidade e irritavam as autoridades, o que os tornou conhecidos no jornalismo gaúcho.

No mesmo período de expansão dos pasquins surge o jornalismo político-partidário gaúcho. Grande quantidade de tipógrafos assumem cargos políticos e a força de um jornal se estabelece como forma de ascensão política.

Os partidos lançam publicações e surgem as redações propriamente ditas. Pouco a pouco, os políticos substituem os tipógrafos na função social de jornalistas e “desenvolvem a concepção de que o papel dos jornais é essencialmente opinativo, visa veicular organizadamente a doutrina e a opinião dos partidos na sociedade civil”. (RÜDIGER, 1993).

Neste período aumenta o número de publicações. A tiragem sobe de 400 exemplares, em 1830, para 2.000 no ano de 1900. O formato muda de 28cm x 18cm (menor que uma folha de ofício) para standard, e a fabricação perde o caráter artesanal para passar à manufatura, baseado na tecnologia da máquina a vapor.

A distribuição melhora em conseqüência do progresso dos serviços de correio e das estradas. Os leitores continuam, porém, sendo poucos em função do analfabetismo e do baixo poder aquisitivo, além da vigência do sistema escravagista até 1888. A montagem de uma tipografia e o lançamento de um periódico não era difícil, mas o custo de manutenção das publicações era relativamente alto, em decorrência dos preços do papel, matéria-prima importada, mão-de-obra composta por trabalhadores assalariados e especializados e o porte de circulação.

Apesar do progresso técnico apresentado, os jornais continuavam sendo usados para doutrinação da opinião pública, constituindo-se num prolongamento da tribuna parlamentar e meios de articulação partidária do movimento da sociedade civil, e não visavam lucro.

Estudo realizado em torno da participação da imprensa na campanha abolicionista revelam essa realidade. Estiveram na vanguarda do movimento, entre tantos jornais da época, A Voz do Escravo, de Pelotas, e a Gazeta de Alegrete, fundada em 1882, que, junto com outros, criou um clube de emancipação, levantando fundos e movendo campanhas de alforria, através de suas colunas. Este é o mais antigo jornal em circulação hoje, no Rio Grande do Sul.

Em 1869, ocorre no Estado novo marco do jornalismo político-partidário, com o lançamento do jornal A Reforma, órgão do Partido Liberal. O diário apresentou-se ao público dizendo que não daria publicidade a escritos que, embora não ofendessem as regras de dignidade, verdade e decência, tratassem de interesses e questões pessoais. O principal diretor desta folha era Silveira Martins, líder do Partido Liberal, que chegou a imprimir 20 mil exemplares em uma das edições, distribuídos gratuitamente por todo o Estado.

Após o surgimento de A Reforma, surgiram dezenas de folhas político-partidárias, destacando-se no Interior O Conservador, publicada pelo partido do mesmo nome, que sustentou a doutrina da agremiação de 1879 até a Proclamação da República. O Diário de Pelotas (1867-89) desempenhou papel de liderança entre os liberais da zona sul do Estado. O Diário do Rio Grande (1848-1911) e O Echo do Sul (1856-1937), da mesma cidade, tiveram significativa participação oposicionista durante a República Velha.

O Partido Republicano foi responsável pelo lançamento de diversos jornais importantes durante essa época, estando, entre eles, O Diário Popular de Pelotas, que circula até hoje e será analisado nos tempos atuais nos próximos capítulos.

Os jornais político-partidários tiveram significativa participação no trabalho de organização das forças políticas, nas quais se elaborava a doutrina. Eles formavam lideranças e criavam o consenso partidário, permitiam aos partidos intervirem homoge-neamente na esfera pública, sustentavam as campanhas eleitorais e criavam um espaço comum de discussão dos problemas da sociedade civil. A sobrevivência das candidaturas políticas dependia da publicidade sustentada pelos periódicos, controlados pelas cúpulas partidárias, que assim continham as tendências dissidentes da agremiação.

Nessa época surgiam diversos jornais durante o período de eleições municipais. Os partidos vencedores mantinham as publicações no período de gestão como órgãos oficiosos do Governo.

Após a Proclamação da República, aumenta a violência política através do jornal, objetivando calar a voz da oposição, período difícil para o exercício do jornalismo. Pratica-se censura policial direta nas redações, ocorrendo a prisão de diversos jornalistas e o fechamento de várias folhas na capital e no Interior.

Esta situação perdurou até a década de 30, época do Estado Novo, quando também desaparece o jornalismo político-partidário. O último grande jornal do gênero a ser lançado no Rio Grande do Sul foi O Estado do Rio Grande, em 1929, órgão do Partido Libertador, que sucedeu ao Partido Federalista, fechado em 1932 pelo Estado Novo, que aboliu oficialmente os partidos políticos e decretou o fechamento de diversos jornais.

As folhas sobreviventes adaptam-se aos novos tempos e mudam a linha editorial. Passam simplesmente a informar os fatos ou adotam uma postura oficialesca. O jornalismo noticioso gaúcho, que se inicia na segunda metade do século 19, entra em ascensão, no Estado, com o Correio do Povo, fundado em 1895.

Surge, paralelamente, o jornalismo literário independente, como alternativa ao jornalismo político-partidário. Estes dois novos estilos de jornalismo rompem, aos poucos, com as doutrinas partidárias e especializam-se na difusão de notícias e na discussão de assuntos da atualidade sem compromisso doutrinário.

“A formação, senão de uma sociedade, pelo menos de uma mentalidade burguesa, favorecia a diversificação das concepções jornalísticas vigentes, propondo a supremacia de novos valores como a veracidade editorial, que na realidade contribuíam para a expansão do público potencial de cada periódico ao rejeitarem o compromisso político-partidário do jornalismo dominante à época. Em conseqüência disso, verifica-se a manifestação cada vez mais comum do princípio da neutralidade nos novos jornais, que visam com isso não somente se subtrair às conveniências partidárias, mas promover o interesse geral da sociedade” (RÜDIGER, 1993).

O apogeu do jornalismo literário-noticioso aconteceu entre 1890 e 1920, época em que se multiplicaram os jornais comprometidos com o modelo noticioso no Rio Grande do Sul. Nesse período, muitos tipógrafos transformaram-se em pequenos empresários.

A época artesanal já havia sido superada e a imprensa baseava-se na máquina a vapor. Houve renovação na circulação, com o aumento da venda avulsa e distribuição dos jornais no Interior, através da rede ferroviária. Ocorreu, ainda, a modernização do parque gráfico, o que permitiu o aumento das tiragens e do número de páginas dos jornais, que pula de quatro (tradicional no século passado) para 12 nos primeiros anos do século.

A paginação tornou-se mais leve, com melhor distribuição das matérias, as cores passam a ser usadas nos títulos, em assuntos de destaque e nas ilustrações, substituídas pelas fotografias a partir de 1910.

Nesse mesmo período, o conceito de jornalista sofre uma complexificação, segundo Rüdiger (1993): “O nome jornalista deixou de ser aplicado exclusivamente aos proprietários e diretores de periódicos político-partidários, passando a designar também os responsáveis pela coleta e confecção de notícias. Em outras palavras, a classe dos jornalistas estava passando por uma mudança em sua composição, de cujas origens dão conta os próprios jornais”.

Conforme os registros históricos, o processo de organização do novo grupo de jornalistas segue os passos de sua própria consolidação como categoria social. Em 1889, com o propósito de evitar, entre colegas, agressões pessoais que abalam a imprensa, surge a Associação dos Jornalistas de Pelotas. Dez anos depois, com proposta semelhante, é fundado o Grêmio dos Jornalistas de Rio Grande.

Nos anos 10, surge o primeiro projeto de agrupar os jornalistas de todo o Estado com o Círculo da Imprensa, que funcionou em Porto Alegre, de 1911 a 1914. Porém, o esforço mais significativo para congregar e organizar a classe ficou registrado com a fundação da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), em 1920. Realizou relevantes serviços à categoria, mas anos depois a entidade se dissolveu.

Nesse período, a notícia, como entendemos hoje, surge no jornalismo, substituindo as matérias de cunho literário, que se baseavam em comentários pessoais, e toma conta das páginas dos jornais, inclusive do noticiário político.

Na mesma época, os jornais passam a contar com serviços noticiosos provindos das agências internacionais. Na década de 10, os principais jornais do Estado fecharam acordos com as agências Havas, Americana e Transocean.

Apesar da tentativa de se tornarem independentes, noticiosos e imparciais, os jornais do início do século não conseguiram se desvencilhar dos partidos políticos e continuavam sustentando a campanha deste ou daquele político. A independência dos jornais dependia de fontes de financiamento e, na época, elas eram muito limitadas.

Tanto que, conforme dados do Anuário do Rio Grande do Sul de 1885, do Departamento Nacional de Estatística, 80% dos jornais gaúchos apresentavam tiragem de até 5 mil exemplares em 1930; de 5 mil a 10 mil, 12%, e de 10 mil a 30 mil, 8%. Portanto, sem independência econômica, não havia condições de se conquistar a independência editorial, especialmente na área política, e, principalmente, porque os jornais não estavam estruturados como empresas jornalísticas. Somente quando os periódicos tornam-se empresas jornalísticas é que o jornalismo noticioso realmente firma-se na imprensa gaúcha.

Jornalismo Noticioso

O primeiro jornal a implantar o jornalismo noticioso foi o Correio do Povo, fundado em 1895 por Caldas Júnior. Caldas era sergipano e veio para o Rio Grande do Sul ainda criança. Trabalhou como redator-chefe do Jornal do Comércio e, depois de juntar um pequeno capital, montou seu próprio jornal.

A época era favorável a um jornal sem comprometimento político. E o Correio do Povo, além de adotar esta linha, assumiu uma postura empresarial que lhe garantiu o sucesso, investindo na tecnologia e na administração do jornal.

Enquanto os demais jornais existentes no Estado preocupavam-se, apenas, em não ter prejuízo, Caldas Júnior resolveu reinvestir o lucro na própria empresa. Manteve na direção os maiores valores do jornalismo da época, fez sucessivas reformas em suas oficinas, objetivando reduzir custos e aumentar a produtividade. Procurou, também, equipar os padrões gráficos do jornal aos mais modernos do país, aumentou o número de páginas e o formato da folha, sem custos adicionais para o leitor.

Em 1910, Caldas Júnior montou a primeira impressora rotativa no Estado e, nos anos seguintes, as quatro primeiras linotipos, elevando a tiragem de mil exemplares para 10 mil. Em 1920, a tiragem foi para 20 mil exemplares, configurando, conforme valores da época, o chamado “monopólio da imprensa”.

Para fazer frente ao Correio do Povo, em 1925 surge o Diário de Notícias, tornando-se o segundo maior jornal do Estado. Introduziu um jornalismo moderno, apoiado em campanhas de opinião pública. O forte desse jornal também era o departamento comercial, que levantava grandes volumes de anúncios. Em 1930, o Diário tinha uma tiragem diária de 25 mil exemplares.

Breno Caldas faz uma outra revolução na imprensa gaúcha, em 1936, quando lança a Folha da Tarde, um vespertino, formato tablóide, que conquistou os leitores gaúchos até os dias atuais.

Em 1936, também foi reconstruída a Associação Riograndense de Imprensa, tendo como presidente o jornalista Erico Verissimo. A entidade ressurge lutando pelo novo estatuto do jornalista na sociedade e a criação do Sindicato dos Jornalistas, o que aconteceu em 1942.

A partir de 1930 o Brasil vive uma nova fase, a da industrialização, que fomenta o desenvolvimento das empresas jornalísticas, aumentando o público leitor e viabilizando a publicidade, que progressivamente passa a ser a principal fonte de financiamento do jornalismo.

A mudança verificada no jornalismo, entretanto, não significou, na época, a neutralidade e imparcialidade dos jornais em relação aos seus candidatos políticos. O que aconteceu foi apenas a omissão explícita deste interesse. Os donos de jornais continuaram defendendo determinados nomes, mas negando publicamente que estariam sendo parciais.

Além da dissimulação da grande imprensa, o desenvolvimento do jornalismo provocou, também, a decadência da imprensa interiorana no final dos anos 50 e início dos anos 60, bem como o monopólio da imprensa da capital, especialmente em termos de distribuição de verba publicitária.

A falta de sustentação econômica no Interior, nos anos 60, não permitiu que grande parte dos jornais se transformassem em empresa jornalística, conforme RÜDIGER (1993). Entre 1970 e 1973, os diretores da Associação dos Jornais do Interior do Rio Grande do Sul (Adjori), fundada em 1963, fizeram intensiva campanha junto aos sócios. Exigiram deles o Alvará da Prefeitura, o registro do jornal no Livro Especial em Cartório, o registro jurídico da empresa na Junta Comercial e o registro do nome e marca do jornal no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Nesse período, praticamente todos os sócios da ADJORI (207 no total) passaram a constituir empresas jornalísticas, tendo por objetivo a produção, edição e comercialização de jornais. As menores, em forma de empresa individual, e as médias e grandes, como sociedade limitada, composta por dois ou mais sócios.

Posteriormente, com a aprovação da Lei das Microempresas, ao longo da década de 90 os jornais semanários (com receitas inferiores a R$ 20 mil mensais), transformaram suas empresas em microempresas, sendo favorecidos pelo reduzido índice de pagamento dos impostos.

É somente nos anos 70 que a imprensa gaúcha interiorana adota o jornalismo informativo como método de produção dos periódicos, abandonando o jornalismo de opinião e o colunismo. Um grande número de proprietários de jornais do Interior procura as universidades para cursarem as Faculdades de Jornalismo do Rio Grande do Sul. Paralelamente, máquinas offset de impressão são instaladas em cidades de grande e médio porte do Estado, como, por exemplo, Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Pelotas, Venâncio Aires, Santo Ângelo, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Sarandi, Passo Fundo, entre outras [1].

Nos anos 90, novamente os jornais gaúchos passam por uma revolução. Todas as redações, pequenas, médias e grandes, substituem as máquinas de escrever por computadores e a diagramação passa a ser feita eletronicamente, exceto o jornal O Taquaryense, que até hoje continua sendo impresso em linotipia e produzido em máquinas de escrever manual[2].

Tradição: os três diários mais antigos de Porto Alegre

Em 2004, a capital gaúcha conta com seis jornais diários: Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio, Diário Gaúcho, O Sul e o suplemento gaúcho da Gazeta Mercantil. São esses os periódicos visados pelos estudantes de jornalismo como futuro empregadores. No entanto, cerca de 250 novos jornalistas saem, por ano, das quatro universidades da Grande Porto Alegre: PUCRS, UFRGS, Unisinos e Ulbra. Evidentemente, os seis diários não têm condições de absorver esta demanda, significando que um grande número de jornalistas recém-formados não entra no mercado das redações dos jornais diários.

A título de registro histórico, registramos alguns dados sobre os três diários mais antigos.

Zero Hora

A Rede Brasil Sul, verdadeiro império de comunicações no sul do país, surgiu do trabalho de seu fundador Maurício Sirotsky Sobrinho, um locutor de rádio com muita visão empresarial. Em 1957, Maurício Sirotsky Sobrinho e Frederico Arnaldo Ballvé convenceram Arnaldo Ballvé a completar a sua rede de emissoras de rádio no interior com uma estação-chave na capital, que seria a Rádio Gaúcha. Participaram da sociedade Nestor Rizzo, Manoel Arrochelas Galvão e Eduardo Esquemazzi, que assumiram a Rádio Sociedade Gaúcha em 01 de julho de 1957. Ao assumir a rádio Gaúcha, Sirotsky afastou-se da Mercur Publicidade, deixando a agência sob a administração de seu irmão Jayme Sirotsky.

Como empresário, Maurício Sirotsky Sobrinho tinha uma obstinação: fazer de sua empresa a mais moderna e abrangente possível. Em 1962, junto com Frederico Arnaldo Ballvé e Nestor Rizzo, fundou a TV Gaúcha, hoje RBS TV, canal 12, passando a diretor-presidente da emissora.

A 4 de maio de 1964 surge o jornal Zero Hora, ocupando o espaço de Última Hora, fechada com o golpe militar, tablóide vespertino, de linha editorial sensacionalista. Em 1966, Maurício torna-se sócio da Zero Hora. Em maio de 1967, a Zero Hora envia o primeiro repórter brasileiro para a Guerra do Vietnã. Em 1968 inicia-se a construção das novas instalações do jornal, na Avenida Ipiranga, 1.075, onde está até hoje, e a renovação do parque gráfico.

Em 1969, Zero Hora tornou-se o primeiro jornal diário do sul do país a adotar a tecnologia offset de impressão, tornando extremamente competitiva a área industrial da empresa. Em 1970, a RBS assumiu totalmente o controle das ações do jornal, que sofreu uma série de reformas no sentido de modernizar seus métodos de gestão, adequar sua linha editorial às novas condições do mercado local e expandir-se.

Em 1972 ocorre a reorganização da circulação do jornal, surgindo o departamento de transportes. Multiplicam-se os pontos de venda, atingindo locais como bares, supermercados e farmácias. Utilizando frota própria, a circulação no Interior é agilizada e ampliada, posteriormente, para Santa Catarina e principais capitais do país.

A partir de 1975, a Zero Hora torna-se o jornal de maior venda avulsa no sul do país. Em 1979, muda a razão social, passando para Zero Hora Editora Jornalística. Os equipamentos utilizados por esse periódico equiparam-se aos utilizados pelos mais importantes veículos do mundo e está entre os dez maiores diários do Brasil, com uma tiragem de 130 mil exemplares.

Correio do Povo

Enquanto acontecia a ascensão de Zero Hora, a Caldas Júnior caminhava para seu fim. Enfrentando dificuldades financeiras, decorrentes de uma gestão administrativa ultrapassada e da própria situação econômica do país, a maior empresa jornalística do Estado fazia a história de sua decadência. Em 1979, Breno Caldas suspende a circulação da Folha da Manhã, terminando com uma experiência renovadora no mercado. A Folha da Tarde, vespertino da empresa, fechou em 1983 e, um ano depois, 1984, os gaúchos assistem ao triste episódio do fechamento do Correio do Povo. Sobressai-se vitorioso o projeto editorial, gráfico, empresarial e mercadológico de Zero Hora.

Em 1986, o Correio do Povo retorna às ruas do Rio Grande do Sul sob o comando do empresário rural Renato Ribeiro, mantendo sua principal característica, o formato standard. Um ano depois, seu proprietário decide transformá-lo em tablóide, finalizando definitivamente a era dos standards no Rio Grande do Sul. Em 2002, o número de assinantes do Correio do Povo é de 205 mil, e o jornal não trabalha com venda avulsa, representando a maior tiragem do Estado.

2.2.3 Jornal do Comércio

O Jornal do Comércio é um tablóide, fundado em maio de 1933, por Jenor Cardoso Jarros, sob o nome Consultor do Comércio. Sua primeira sede foi na rua General Câmara, centro, e a carência de recursos humanos e técnicos era total. O diário possuía apenas uma máquina de escrever e um mimeógrafo. Divulgava informações comerciais, como a entrada de produtos, estatísticas mensais e anuais dos principais bens importados ou exportados e o movimento de vapores, considerado de grande importância para concorrência.

Em abril de 1953, o Consultor do Comércio começou sua modernização, adquirindo uma máquina impressora meia-folha, Mercedes, e mudando seu formato com o objetivo de deixar de ser um boletim. Tinha veiculação trissemanal e ocupava duas salas no primeiro andar do edifício Palácio do Comércio, inaugurado por Getúlio Vargas, em 1940. A equipe de funcionários nessa época já atingia 20 pessoas.

Guerreiro (1994) destaca que a evolução dos conteúdos do Consultor do Comércio, marcadamente técnicos, dava aos assinantes a visão de que, aos poucos, estava nascendo um jornal, embora ainda trissemanário. Sua aceitação se ampliava pela essência do que publicava. Os grandes jornais da capital gaúcha não se preocupavam com ele e muito menos com o que divulgava, porque o noticiário econômico era cansativo, não dava manchetes e não tinha leitores.

Em 1º de outubro de 1956, após 23 anos de existência, o Consultor do Comércio passa a se chamar Jornal do Comércio. A mudança de nome resulta na abrangência editorial do jornal. As matérias passam a ser avaliadas, com peso gráfico específico, e valorização dos conteúdos, sempre com priorização para a economia. Isso determina o crescimento do jornal e, no dia 1º de setembro de 1960, passa a diário, somando-se aos que já circulavam, ou seja, o Correio do Povo, o Diário de Notícias, a Folha da Tarde, a Folha Esportiva, o Jornal do Dia e a Última Hora. Portanto, era o sétimo diário porto-alegrense.

Em 1968, o JC adquire sua sede definitiva, passando a funcionar na Avenida João Pessoa, 1282, onde está até hoje. Em 1970, passa a ser impresso em offset. Mais tarde, o jornal passa para a composição gráfica computadorizada. Em setembro de 1984 o Jornal do Comércio adota a logomarca JC, como centro principal de sua primeira página, em substituição ao antigo título Jornal do Comércio, diagramado em seis colunas. Em 2002, a tiragem declarada é de 20 mil exemplares.

Jornais do interior

Os jornais do interior tiveram e continuam tendo importante participação política, econômica e social na história gaúcha, como vimos ao longo deste artigo. Por isso vêm merecendo a atenção dos pesquisadores. Dando continuidade a este estudo, estamos recuperando a história de vida dos jornais do interior a partir dos anos 90, no final do século 20. Conforme os estudos forem sendo finalizados, estaremos publicando os resultados.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Gastão Thomaz de. Imprensa do Interior, Um Estudo Preliminar. São Paulo: Convênio IMESP/DAESP, 1983.

BAHIA, Juarez. Três fases da imprensa brasileira. Santos: Editora Presença, 1960.

_________. Jornal, História e Técnica. São Paulo: Ibrasa, 1972. 4ª ed. Ampliada, São Paulo, Ática, 1992.

BUENO, Wilson da Costa. Caracterização de um objeto-modelo conceitual para a análise da dicotomia imprensa industrial/imprensa artesanal no Brasil. São Paulo, 1977, 440p. Dissertação de Mestrado em Jornalismo, Universidade de São Paulo.

GALVANI, Walter. Um Século de Poder – Os bastidores da Caldas Júnior. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1995.

GUERREIRO, Homero. Jornal do Comércio. Porto Alegre: Cia. Jornalística J. C. Jarros, 1994.

MACEDO, Francisco Riopardense de. Imprensa Farroupilha. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994.

RÜDIGER, Francisco. Tendências do Jornalismo. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2ª ed, 1998.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

TABLÓIDE. Mais que um formato, hoje uma forte marca de jornalismo sério, formador de opinião. Zero Hora, 1989.

Notas

[1] Arquivo de informações da ADJORI/RS.

[2] Ibid.

*Beatriz Dornelles é professora Drª do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação Social da PUC/RS.


# Trabalho apresentado no VII Congresso Latino-Americano de Ciências da Comunicação, da Associação Latinoamericana de Pesquisadores em Comunicação (ALAIC), realizado na Faculdad de Periodismo y Comunicación da Universidad Nacional de La Plata, Argentina, de 11 a 16 de outubro de 2004.

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