Monografias
Gramsci
cronista e sua concepção de cultura (1)
Por
Rodolfo Puttini
Resumo
Antonio
Gramsci tem sido estudado através de sua obra mais famosa,
os Cadernos do Cárcere. Esses estudos utilizam os seus
esquemas conceituais seguindo a epistemologia marxista. No entanto,
o seu pensamento só obteve plena formulação
depois da experiência de treze anos de jornalismo militante.
Esse artigo estuda essa produção gramsciana, tendo
como fonte principal de análise as crônicas escritas
para o operariado de Turim entre 1913 e 1926. Dois significados
do conceito de cultura orientaram a composição
do trabalho intelectual do autor, que posteriormente utilizou
de base para uma teoria crítica da ação
social.
Gramsci
é um autor bastante estudado por suas contribuições
à teoria política, à sociologia marxista
e a diversos outros tópicos como as investigações
sobre uma nova cultura. É possível reconstruir
um quadro cultural a partir do levantamento de uma cronologia
dos acontecimentos obtidos em obras de comentadores e historiadores,
que se pode recuperar informações concatenadas,
privilegiando a história do socialismo e a de Gramsci
inserida nela. (2)
Considerando
a produção gramsciana anterior ao cárcere
como fundamental matéria e fonte de pesquisas, este artigo
pretende ampliar tal quadro cultural.
Defendemos
a hipótese de que existem níveis diferentes de
compreensão entre os escritos precedentes ao cárcere
e os Quaderni del carcere. Três tipos de escrituras podem
ser observados:
1)
as crônicas de crítica e cultura - a base da reconstrução
humanista e dos pressupostos do homem integral inseridos na
crise moral da sociedade capitalista;
2)
as crônicas revolucionárias - a base que verifica
a validade dos critérios pragmáticos e revolucionários;
3)
os enunciados teóricos nos Cadernos do Cárcere
- a constituição de uma linguagem teórica
estruturada para uma ciência da ação social,
organizada por esquemas conceituais.
Neste
artigo desenvolvemos os dois primeiros níveis acima citados
que correspondem ao período de 1913 a 1926. (3)
Os três tipos de escrituras a serem observadas se confrontam
com níveis de compreensão, ora reconstrutores
de pressupostos teóricos de Marx e Lênin ora constituidores
de proposições de Gramsci. A concepção
gramsciana de cultura obteve definições, conforme
a sucessão dos acontecimentos. O material de origem utilizado
para a reconstrução do conceito de cultura foi
composto pela crônica militante, que serviu de base para
a construção dos enunciados teóricos dos
Cadernos do Cárcere.
As
crônicas perante a guerra
Pode-se
constatar que Gramsci começa a se revelar no início
da I Guerra Mundial. A sua primeira atividade intelectual se
inseriu no contexto dos anos de guerra na função
de reconstruir a cultura da luta de classe, afrouxada pela II
Internacional e pelo Partido Socialista Italiano. Embora a leitura
passo a passo das crônicas gramscianas nos ofereça
a possibilidade da ordenação de temas desses registros
históricos, devemos indagar quais foram os pressupostos
teóricos na organização intelectual de
Gramsci. Apresentaremos a seguir os critérios que o levaram
à elaboração da primeira fase de seu trabalho
de educação operária, através do
qual transformou um complexo de idéias e princípios
em elementos de cultura para o proletariado.
O
primeiro sinal de vigor intelectual se pode encontrar quando
da publicação do primeiro artigo político
em resposta a Benito Mussolini, que tinha como substância
o debate sobre a guerra mundial. (4) Os argumentos
do artigo propõem conhecimentos a respeito de problemas
práticos do Partido Socialista Italiano, de sua entrada
ou não na guerra. Gramsci sustentava que não deveria
ser encarado como um simples problema estratégico de
interesses imediatos ao evento da guerra mundial; pois havia
uma problemática sociológica implícita,
pela qual se deixava evidenciar o verdadeiro papel de um partido
revolucionário. Ele via a guerra mundial como um momento
histórico de uma indizível gravidade, mas muitos
socialistas italianos mantinham ambigüidades geradas pela
II Internacional e acentuadas pelas indecisões:
"E,
nós socialistas italianos, nos propomos o problema: 'Qual
deve ser a função do Partido Socialista Italiano
(veja, e não do proletariado ou do socialismo em gênero)
no presente momento da vida italiana?' Porque o Partido Socialista,
para a qual nós damos a nossa atividade, é também
italiano, isto é, aquela seção da Internacional
Socialista que se colocou o objetivo de conquistar a nação
italiana para a Internacional; esta sua tarefa imediata, sempre
atual, o conferiu alguns caracteres especiais, nacionais, que
o obriga a assumir na vida italiana uma função
específica de responsabilidade. É um Estado em
potência, que vai amadurecendo, antagonista ao Estado
burguês, que procura, na luta diária com este último
e no desenvolvimento da sua dialética interior, criar
os órgãos para superá-lo e absorvê-lo."
(Dalla neutralità assoluta alla neutralità relativa
ed operante, "Avanti!", em 18 de outubro de 1914,
p.10).
É
evidente a crítica de Gramsci sobre o papel do PSI, que
se deixava levar, nos debates conceituais, pela falsa teoria
de seguir os acontecimentos sem agir. Essa postura na verdade
obscurecia a vitalidade do movimento: a luta de classe, enquanto
instrumento tradicional, ficara para segundo plano. Por isso
as funções de um partido revolucionário
italiano deveriam ser revistas, chamadas a seu verdadeiro papel
que deveriam ser: assumir a postura responsável de partido
nacional, concretizar a meta de ser um Estado antagonista ao
Estado burguês e criar seus próprios órgãos
para superá-lo. Além disso, deveria contar com
a autonomia de partido, devendo conquistar o Estado em seu país,
a seu modo e no momento em que se sentisse maduro:
"E
no desenvolvimento desta função é autônomo,
não dependendo da Internacional senão por alcançar
o fim supremo e pelo carácter que esta luta sempre apresentou
de luta de classe. Do modo com que esta luta deve afirmar-se
nas várias contingências e do momento em que deve
culminar na revolução é competente o PSI,
que vive por isso e sabe como movimentar-se." (Idem, p.11).
A
exemplo de socialistas de outros países, principalmente
os reformistas que se converteram à guerra (como Hervé
e a Social-democracia alemã, e que se achavam autorizados
a falar em nome da II Internacional), Gramsci condenava os dirigentes
do Partido Socialista Italiano por seguir esse mesmo caminho,
mas também condenava a atitude tranqüila da fórmula
"neutralidade absoluta", porque esta, na verdade,
refletia a covardia de enfrentar o problema, simbolizando mais
uma sabotagem à esquerda do que uma sabotagem à
guerra. No campo do conceito, portanto, a fórmula proposta
por Gramsci "neutralidade ativa e operante", em favor
da conscientização da massa operária e
de sua unidade histórica como classe revolucionária,
alcançaria um significado mais claro se utilizada junto
aos princípios de intransigência revolucionária
a serem conduzidos pelo Partido, do que as fórmulas "neutralidade
absoluta", proposta pela Internacional e "neutralidade
relativa e operante", proposta por Mussolini:
"Porque,
faça-se atenção, não é sobre
o conceito de neutralidade que se discute (neutralidade, bem
entendido, do proletariado), mas sobre o modo desta neutralidade.
A fórmula 'neutralidade absoluta' foi muito útil
no primeiro momento da crise, quando os acontecimentos nos pegaram
de improviso, relativamente despreparados. À sua grandiosidade,
porque só a afirmação dogmaticamente intransigente,
cortante, podia fazer-nos opor um baluarte compacto, inexpugnável
ao primeiro alargar das paixões, dos interesses particulares.
Agora, depois da situação inicial caótica
em que precipitaram os elementos de confusão e cada qual
deve assumir as próprias responsabilidades, essa tem
só valor para os reformistas, que dizem de não
valer jogar ternos secos (mas deixem que os outros os joguem
e os ganhem) e querem que o proletariado assista de espectador
imparcial aos acontecimentos, deixando acreditar que estes fazem
a sua hora, enquanto os adversários fazem a própria
hora e preparam suas plataformas para a luta de classe. Mas
os revolucionários, que concebem a história como
criação do próprio espírito, feita
de uma série ininterrupta de rasgos operados sobre outras
forças ativas e passivas da sociedade, e preparam o máximo
de condições favoráveis para o rompimento
definitivo (a revolução), não devem acontentar-se
com a fórmula provisória 'neutralidade absoluta',
mas devem transformá-la na outra, isto é, 'neutralidade
ativa e operante'." (Idem, p.11).
Disposto
assim, o problema da guerra transforma-se numa premissa sociológica
que será sempre trabalhada: "Não é
mais sobre o conceito de neutralidade do proletariado que se
discute mas sobre o modo dessa neutralidade" é uma
idéia polêmica. Gramsci evidenciou o verdadeiro
modo de se interpretar o evento da guerra, mostrando que as
teses em discussão não respeitavam a base teórica
revolucionária, que deveria ser aplicada pelo Partido
Socialista Italiano. Por outro lado, uma vez iniciada a guerra
mundial em julho de 1914 com a declaração da Áustria,
os debates em torno da questão teórica sobre a
decisão já não teriam mais sentido; não
se pôde evitar a entrada de todos no jogo, fatalmente
determinada pela corrida imperialista. Se o conceito de neutralidade
absoluta decidia erradamente que essa guerra não pertenceria
ao proletariado nacional, não havia dúvidas para
Gramsci de que agora, mais do que nunca, a única solução
estaria, como sempre esteve, no proletariado mesmo, precisamente
na consciência do conceito instrumental de "neutralidade
ativa e operante" para retomar a luta de classe e não
a luta nas trincheiras, esta sim de responsabilidade plena da
classe dirigente:
"O
que quero dizer [com a fórmula neutralidade ativa e operante]
é restituir à vida da nação o seu
genuíno e puro carácter de luta de classe, enquanto
a classe trabalhadora, obrigando a classe detentora do poder
a assumir as suas responsabilidades, obrigando-a a levar até
o absoluto as premissas pelas quais traz a sua razão
de existir, a suportar o exame da preparação com
o qual procurou chegar ao fim que dizia ser-lhe próprio,
a obriga a reconhecer que essa tem completamente falido em seus
objetivos, pois que conduziu a nação, de que se
proclamava única representante, a uma viela escura, da
qual essa nação não poderá sair
senão abandonando-se ao próprio destino, todos
aqueles institutos, que são diretamente responsáveis
pelo estado presente de grande tristeza. Só assim será
restabelecido o dualismo das classes, o Partido Socialista se
liberará de todos as incrustações burguesas,
que o medo da guerra lhe tem atacado (jamais como nesses últimos
dois meses o socialismo teve tantos simpatizantes, mais ou menos
interessados). E tendo feito tocar com mão ao país
(que na Itália não é tudo nem proletariado
nem burguês, dado o pouco interesse que a grande massa
do povo tem sempre demonstrado pela luta política, e
portanto é tanto mais facilmente conquistável
por quem saiba demonstrar energias e visões francas dos
próprios destinos) como aqueles que se diziam os seus
mandatários mostraram-se incapazes de qualquer ação,
poderá preparar a substituí-la, prepará-lo
a operar aquele máximo rompimento que assinala o precipitar
da civilização de uma forma imperfeita por uma
outra mais perfeita." (Idem, p.12).
Mas
como seria possível a organização da classe
operária para a luta de classe se quem fabricava armas,
quem tinha o capital, quem mobilizava as tropas era a organização
capitalista, a cujo poder o proletariado estava subordinado
pelo salário, agora na indústria de guerra? Era
uma falácia verificada até mesmo no companheiro
Tasca, que não rebatia os argumentos de Mussolini com
o método dialético marxista:
"Mas
me parece errado o núcleo central do artigo de Angelo
Tasca. Quando Mussolini disse à burguesia italiana: "Andeis
onde os vossos destinos vos chamam", isto é: "Se
vós reténs que seja vosso dever fazer a guerra
contra a Áustria, o proletariado não sabotará
a vossa ação", não renega inteiramente
o seu posicionamento de fronte ao que Angelo Tasca chama "o
mito negativo da guerra". Enquanto se fala de "vossos
destinos" se deixa entender aqueles destinos que, pela
função histórica da burguesia, culminam
na guerra, e mantém então em seguida mais intenso
ainda, depois de conquistar a consciência do proletariado,
o seu carácter de antítese irreduzível
com os destinos do proletariado." (Idem, p.13).
"A
função histórica da burguesia culmina na
guerra" mostra a consciência das patologias científicas
de sua época. A guerra imperialista é um fenômeno
próprio da mentalidade empresarial e burguesa em desenvolvimento.
O método que deveria ser adotado para compreendê-la
não descartaria essa contingência, a ponto de perder
a oportunidade de aprimoramento da classe operária nas
cidades industrializadas como Turim.
"Mussolini
(...) queria que o proletariado, tendo conquistado uma consciência
de sua força de classe, e reconhecendo no momento a própria
imaturidade para assumir o timão do Estado (...) permitisse
que na história fossem deixados operar aquelas forças
que o proletariado, não sentindo-se em condições
de substituir retém mais forte. E o sabotar uma máquina
(que a uma verdadeira sabotagem se reduz a neutralidade absoluta,
sabotagem aceita de resto entusiasticamente pela classe dirigente)
não quer por certo dizer que aquela máquina não
seja perfeita e não seja útil a alguma coisa (...)
Em todos os casos a cômoda posição da neutralidade
absoluta não nos faça faz esquecer a gravidade
do momento que nós abandonemos nem ao menos por um instante
a mais ingênua contemplação e renúncia
budista de nossos direitos." (Idem, p.13).
Seis
meses depois da entrada da Itália na guerra e um ano
depois do primeiro artigo político, Gramsci denuncia
em um segundo artigo, igualmente importante na reflexão
da guerra, a falência da Internacional Socialista:
"Não
acreditamos que a Internacional esteja viva só quando
regularmente funciona seu birô e para ressurgir seja necessário
que recomece a ficar a margens práticas ou a publicar
ordens do dia. Para nós a Internacional é um ato
do espírito, é a consciência que os proletariados
de todo o mundo tem (quando o tem) de discutir uma unidade,
isto é, um conjunto de forças tendentes a uma
finalidade comum, obedecendo as posições nacionais,
a um objetivo comum, a substituição da civilização
socialista àquela burguesa, a substituição
do fator produção ao fator capital no dinamismo
da história, a irrupção violenta da classe
proletária, até que sem história ou com
história só potencial, no enorme movimento que
produz a vida no mundo. Quando esta consciência unitária
falta, não existe a Internacional e todos os esforços
para seu renascimento são vazios e ilusórios,
quando o proletariado por uma questão imediata que o
toma à garganta e o constringe à ação,
degola-se sobre o campo de batalha, indivíduos históricos
de uma realidade atual concreta que todavia é o necessário
pressuposto da realidade do amanhã para nós mais
bela e mais inteiramente nossa" (In Dopo il Congresso socialista
spagnolo, "Il Grido del Popolo", 13/11/1915, p.19).
Gramsci,
não obstante a permanência de pequenos movimentos
proletários como o da Espanha, acreditava que isso não
debilitava o movimento internacional no seu conjunto, porque
não significava uma perda de forças, mas poderia
ser ao contrário um encorajamento, mesmo com as demagogias
em favor da paz, defendidas pela burocracia da II Internacional
distante da verdadeira problemática que a guerra impunha,
há tempo noticiada pela grande imprensa nacionalista
de forma secundária:
"Mas
necessitamos viver e a vida necessita de ilusões: iludimo-nos
que a Internacional viva, também se os socialistas franceses
e ingleses na sua enorme maioria não querem ouvir falar,
também se os socialistas alemães renegam a reunião
de Zimmerwald e não desautorizam aqueles que falaram
de novas anexações e de império colonial
necessário ao proletariado germânico nos sentimos
consolados por essas provas de sobrevivência de atividade
puramente socialista na Europa. Cosas de España, gargalham
orgulhosamente os pequenos coveiros que nós conhecemos.
A nós também os pequenos movimentos, que aos olímpicos
e míopes examinadores de política internacional
parecem desprezíveis, parecem grandes porque se religam
com outros que nós só ouvimos porque vivemos.
A consciência da nossa força se faz maior, mais
intensa quando sentimos mais vivamente a ligação
que aperta esses pequenos fatos de Espanha ou do Japão,
da França ou dos Estados Unidos; ouvimos moléculas
atuantes de um modo em gestação, ouvimos esta
maré que salta lentamente mas fatalmente, e como o infinito
de gotas que a formam são aderentes; ouvimos que na nossa
consciência vive verdadeiramente a Internacional. Passam
as guerras e as realidades nacionais se exaurem na sua mesma
afirmação vitoriosa. No entanto uma massa de polvos
humanos se está construindo, seguramente pela surdina
mas tenazmente, o banco coralífero que amanhã
explodirá ao esplendor do sol, também se os pigmeus
de vários nacionalismos acreditam de tê-lo enganado
como os Liliputis acreditavam ter enganado Gulliver com os seus
fios de aranha." (Idem, ps.19 e 21).
A
cultura e a crítica como instrumentos de investigação
social
Vimos
que a questão da guerra foi o evento essencial para a
organização (ou desorganização)
do movimento internacional socialista; e foi com essa certeza
que Gramsci, convencido de seus propósitos, uma vez que
se ocupava de crônicas jornalistas, agiu durante os quatro
anos de guerra sozinho e a seu modo, na execução
de um projeto intelectual para o operariado turinense. A esse
propósito compreendeu que não bastava apoiar-se
somente na problemática da guerra. Na verdade partiu
dela para desmascarar os homens públicos, mas isso não
era suficiente para fazer surtir o efeito integral, o da conscientização
da massa de trabalhadores enquanto unidade para a luta de classe.
Seria preciso fundamentar o trabalho perseverante do jornalismo
crítico num sistema teórico de regras, que fosse
ofertada em substituição ao sistema de regras
já estabelecido pela cultura capitalista, formada desde
o iluminismo. A nova crítica então dependeria
de uma nova concepção de cultura e vice-versa,
ambas reconstruídas por critérios ainda em formulação.
Decorrido
aproximadamente um mês após o início de
suas atividades profissionais como redator do jornal "Avanti!"
turinense (10/12/1915), Gramsci rejeita os velhos critérios
que estabelecem a concepção de cultura capitalista:
"Precisa
desabituar-se e deixar de conceber a cultura como saber enciclopédico,
em que o homem não é visto senão sob forma
de recipiente por encher e acumular dados empíricos,
de fatos brutos e desconexos que ele depois deverá acasalar
em sua cabeça como nas colônias de um dicionário
para poder depois em toda ocasião responder aos vários
estímulos do mundo externo. Esta forma de cultura é
verdadeiramente danosa especialmente para o proletariado. Serve
somente para formar deslocados, gente que pensa ser superior
ao resto da humanidade, porque fez uma massa na memória
de uma certa quantidade de dados e datas que manifesta em cada
ocasião para fazer quase uma barreira entre sí
e os outros. Serve para criar aquele intelectualismo de bolso
e incolor, com razão fustigado a sangue por Romain Rolland,
que gerou toda uma caterva de presunçosos e de delirantes,
mais deletérios para a vida social de quanto são
os micróbios da tuberculose ou da sífilis para
a beleza da sanidade física dos corpos. O pequeno estudante
que sabe um pouco de latim e história, o pequeno advogado
que conseguiu tirar um pedacinho de título pela falta
de vontade dos professores, crêem ser diferentes e superiores
também ao melhor operário especializado que executa
na vida um objetivo bem preciso e indispensável e que
na sua atividade vale cem vezes mais do que os outros valem
nas suas. Mas isso não é cultura, é pedantismo,
não é inteligência, mas raciocínio,
e contra isso a razão bem sabe reagir." (In Socialismo
e cultura, "Il Grido del popolo", 29/01/1916, p. 100).
E
propõe a sua definição de cultura:
"A
cultura é coisa bem diferente. É organização,
disciplina do próprio eu interior, é tomada de
posse da própria personalidade, é conquista de
consciência superior, pela qual se consegue compreender
o próprio valor histórico, a própria função
na vida, os próprios deveres e os próprios direitos.
Mas tudo isso não pode acontecer por evolução
espontânea, por ação e reação
independentes da própria vontade, como acontece na natureza
vegetal e animal em que todo indivíduo se seleciona e
especifica os próprios órgãos inconscientemente,
por lei fatal das coisas. O homem é sobretudo espírito,
isto é, criação histórica e não
natureza. Não se explicaria de outro modo o porquê,
sempre existido os exploradores e os explorados, criadores de
riqueza e consumidores egoístas dessa, não se
realizou ainda o socialismo. (5) É que só
de grau em grau, de nível em nível a humanidade
adquiriu consciência do próprio valor e se conquistou
o direito de viver independentemente dos esquemas e dos direitos
de minoria historicamente afirmados antes. E esta consciência
se firmou não sob o punho brutal das necessidades fisiológicas,
mas pela reflexão inteligente, primeiro de alguns e depois
de toda uma classe, sobre razão de certos fatos e sobre
meios melhores para converter-lhes pela ocasião de vassalagem
em senhores de rebelião e de reconstruções
sociais." (Idem, pp.100-101).
Assim,
em primeiro lugar, essa primeira definição de
cultura carregou um significado metodológico reconstrutivo.
Tinha de fato como meta reconstruir os pressupostos teóricos
do marxismo clássico, contando com o instrumento comunicativo
principal de sua época: através da comunicação
de massa nos jornais socialistas e pelo domínio da sintaxe
e da semântica da língua e cultura italianas retomou
o projeto intelectual da luta de classes. Noutro momento, a
partir da Revolução russa, trazendo para a solução
italiana a opção comunista, com o mesmo meio de
comunicação de massas concretizou o jornalismo
integral para a finalidade última da revolução
comunista globalizadora. Por outro lado, simultaneamente ao
uso do conceito de cultura como procedimento de investigação
social nesses dois momentos históricos, Gramsci acrescentou
outros pressupostos que não foram exclusivamente da corrente
dialética marxista. A partir da orientação
metodológica do pensamento de Vico e do romântico
Novalis, Gramsci estava construindo uma nova base de argumentações
de onde desenvolveu as convicções teóricas
próprias em direção ao futuro socialista:
"Recordemos
dois trechos: um do romântico alemão Novalis (viveu
de 1772 a 1801) que disse: "o supremo problema da cultura
é de empadronizar-se do próprio eu transcendental,
de ser ao mesmo tempo o eu do próprio eu. Por isso surpreende
pouco a falta de sentido e inteligência completa dos outros.
Sem uma perfeita compreensão de nós, não
se pode verdadeiramente conhecer os outros (...) Vico ( no I
Corolário em torno ao falar por caracteres poéticos
das primeiras nações) dá uma interpretação
política do famoso dito de Sólon, que depois Sócrates
fez seu quanto à filosofia: "Conhece-te a ti mesmo",
sustentando que Sólon queria com esse ditado advertir
os plebeus, que acreditavam ser eles mesmos de origem bestial
e os nobres de divina origem, a refletir sobre si mesmos para
reconhecer-se de igual natureza humana que os nobres, e por
conseqüência a pretender ter com eles igual direito
civil. E põe depois nessa consciência de igualdade
humana entre plebeus e nobres, a base e a razão histórica
do surgir das repúblicas democráticas na antiguidade."
(Idem, p.99). (6)
Sobre
esses pressupostos antropológicos e filosóficos
de Vico e Novalis, Gramsci complementou seus procedimentos metodológicos
para concretizar o projeto intelectual de luta de classe. A
resposta de Gramsci no campo da ação política
não mais se fixava na instituição partidária
dos socialistas nem mesmo na organização da Internacional,
que para ele tinham falhado com o evento da guerra mundial,
porém tão somente se determinava no indivíduo
histórico, cujo conhecimento de si mesmo deveria coincidir
com a crítica à coerção do mundo
exterior, e que estando introjetado na vida cotidiana lançava-se
contra a cultura tradicional vigente.
Partindo
dessa oposição, o proletário adquiriria,
segundo Gramsci, uma nova ciência racional e humanista
da história. Por isso ele elaborou um novo modo de pensar
e agir no mundo, demonstrando ao proletariado que precisava
conhecer antes a si mesmo como pertencente a uma classe dominada
e que viesse a lutar por tornar-se classe dominante. Isso constituía
o ato político do eu social. Em outras palavras: o novo
conceito de cultura para Gramsci estava intrinsecamente ligado
a cada indivíduo da classe proletária, não
mais às instituições políticas que
deveriam ser renovadas de forma a efetivar a apropriação
proletária para uma sociedade socialista.
A
antiga concepção de cultura da classe dominante
perdia o significado no ato intelectual de o operário
perceber o novo critério de interiorização
a ser utilizado. Assim como acontecera na revolução
burguesa, em que todos os espíritos estavam preparados
pela metodologia dos iluministas e enciclopedistas, o socialismo
deveria entrar em vigor quando todos, num espírito coletivo,
estivessem preparados para o momento da revolução.
Gramsci conscientemente se propôs à divulgação
e preparação desse objetivo educativo nas crônicas,
já em 29 de janeiro de 1916:
"...toda
revolução foi precedida de um intenso trabalho
de crítica, de penetração cultural, de
permeação de idéias através de agregados
de homens, primeiro refratários e só preocupados
em refletir dia após dia, hora após hora o próprio
problema econômico e político por si mesmos, sem
ligação de solidariedade com os outros que se
achavam nas mesmas condições. O último
exemplo, o mais vizinho a nós e por isso menos diferente
do nosso, é aquele da Revolução francesa.
O período cultural anterior, dito o Iluminismo... não
foi em suma só um fenômeno de intelectualismo pedante
e árido, similar àquele que vemos diante dos nossos
olhos, e que acha a sua maior explicação na Universidade
popular de ínfima ordem ... Tudo isso parece natural,
espontâneo aos superficiais, e ao invés do que
pensam esses seria incompreensível senão conhecêssemos
os fatores de cultura que contribuíram a criar aqueles
estados de ânimo prontos às explosões por
causa do que se acreditava ser comum." (Idem, p.101).
Enfim,
da crítica gramsciana à cultura dominante resulta
imediatamente que crítica e cultura tem o mesmo valor
para a nova cultura do proletariado:
"O
mesmo fenômeno se repete hoje para o socialismo. É
através da crítica da civilização
capitalista que se formou a consciência unitária
do proletariado, e crítica quer dizer cultura, e não
já evolução espontânea e natural.
Crítica quer dizer precisamente aquela consciência
do eu que Novalis dava como fim à cultura. É o
eu que se opõe ao outro, eu que se diferencia e, sendo
criada uma meta, ajuíza os fatos e os outros acontecimentos
que de si e por si também são valores de propulsão
ou de repulsão. Conhecer-se a si mesmo quer dizer ser
si mesmo, isto é, ser patrão de si mesmo, distinguir-se,
sair fora do caos, ser um elemento de ordem, mas da própria
ordem e da própria disciplina com um objetivo e um ideal.
E não se pode obter isso se não se conhecem também
os outros, a sua história, o suceder-se dos esforços
que eles fizeram por ser aquilo que são, por criar a
civilização que tem criado a qual nós queremos
substituir pela nossa." (Idem, p.102).
Essas
premissas foram aquelas às quais Gramsci adaptou os métodos
e as técnicas para a tarefa específica de educar
a classe operária turinense, servindo-se do seu jornalismo
cotidiano. Com esses pressupostos estava preparada intelectualmente
a estratégia para a instrução das massas
proletárias da cidade de Turim. Assim identificadas as
definições conceituais entre crítica e
cultura ele pode iniciar com dedicação integral
a difusão da cultura socialista às diversas camadas
proletárias e aos dirigentes do Partido socialista italiano
de entre 1919 a 1926.
Até
agora desenvolvemos três pontos de suma importância
para compreender o sistema metodológico gramsciano: a
guerra mundial, o conceito de crítica e aquele de cultura.
O conceito de cultura assumiu um papel fundamental. Veremos
que o valor de uso dessa primeira conceituação
sobre cultura foi adotado no nível de procedimentos tecnológicos
e não só no nível teórico, como
pressuposto para o trabalho crítico cotidiano. Ele usa
um conceito já produzido por Vico e por Novalis, recurso
esse que lhe permitirá construir, nos espaços
das crônicas dos anos de guerra e nos anos pós-guerra,
a sua concepção de cultura revolucionária.
A
relação entre esses três pontos culminou
num alicerce teórico simples que lhe permitiu realizar
o projeto intelectual de educação política
e revolucionária para a massa operária de Turim,
cujo principal objetivo foi na prática reconstruir a
pragmática marxista nos anos anteriores à sua
prisão. É possível verificar que a validade
desse procedimento instrumental-conceitual ajudou Gramsci a
realizar um jornalismo crítico científico e recuperar
determinados conhecimentos amparados pela sociologia marxista.
Por exemplo, veremos que partindo dos conceitos de crítica
e de cultura Gramsci realizou análises apuradas da realidade
reacionária italiana. O conceito de cultura lhe serviu
para sintetizar os acontecimentos do processo histórico
de seu tempo. Portanto iniciou privilegiando a dialética
da luta de classe através da crítica jornalística,
que foi, por outro lado, instrumento de crítica à
cultura dominante. Acreditamos que ele deixou uma inovação
tecnológica para a atualidade. É o que nos preocuparemos
demonstrar a seguir.
O
homem na sociedade capitalista
Iniciando
a investigação da obra de Gramsci pela leitura
de artigos nas crônicas turinenses, de uma forma ou de
outra nos defrontaremos com a evolução gradativa
de esclarecimentos, de clareza e de lucidez de seu pensamento
sobre o processo histórico que vivia, cronologicamente
correspondente ao desenvolvimento de sua vida intelectual. Ele
vive o que escreve e a cada novo dia o seu repertório
evolui junto com o próprio jornal e com o leitor diante
dos acontecimentos. Sua metodologia andava moldando-se, porque
ele não estava consigo mesmo dialogando teoricamente,
mas testava o sistema pragmático de pressupostos marxistas.
Sem
os opositores Gramsci nunca teria concretizado a sua crítica
dialética. Ele deixou demonstrado que a crítica
à cultura, quando conduzida com ironia e desprezo, esclarece
e reproduz os caracteres morais dos homens públicos,
propriamente daqueles indivíduos participantes da cultura
capitalista que assumem o poder para se favorecer. Essa demonstração
deveria ser composta por dois elementos essenciais: os modelos
positivo e negativo do homem na sociedade. Com esses modelos
Gramsci iniciava o desenvolvimento de sua concepção
de cultura, ainda mesclada entre a utilização
prática e o conteúdo de conhecimento.
A
seguir passamos a discorrer sobre a nossa investigação
do primeiro bloco de artigos, que termina com a fundação
do jornal "Ordine Nuovo" e que está reunida
nos quatro primeiros livros das obras completas. (7)
Foi possível organizar nossa pesquisa em quatorze grupos,
que agregam ao todo duas divisões. (8) Não
perdemos a atenção ao nosso objetivo principal,
que é o desenvolvimento do conceito de cultura na obra
gramsciana. Ao contrário, veremos que a crítica
moral e social do indivíduo na sociedade italiana constituiu
parte integrante da noção de cultura, cujos traços
Gramsci tomou com precisão junto aos episódios,
fatos e acontecimentos cotidianos, modificando diacronicamente,
não somente o leitor que tentava conscientizar - para
quem o fazia recorrendo à metodologia marxista -, mas
registrando sincronicamente os elementos de crítica à
Humanidade, válida para todos os tempos.
No
artigo La luce che si è spenta (A luz que se apagou)
encontramos dedicadas linhas ao modelo positivo que foi para
Gramsci a pessoa de Renato Serra. (9) Estão
ali registrados os significados para ele do verdadeiro professor,
escritor e poeta modernos. Veremos a importância dessas
reflexões tomar corpo no firme propósito de fundamentar
o modelo de homem público, especialmente para a Itália,
cujos professores universitários vinham ocupando cargos
públicos de interesses políticos ao invés
de se dedicarem ao ensino e à educação,
em todos os níveis do conhecimento e da prática.
Na verdade as características positivas descritas nesse
artigo sempre estiveram em todos os tempos. Assim foi porque
Gramsci justificou Francisco de Assis na Idade Média
que, diante do conhecimento teológico escolástico,
tentou aplicar e estabelecer uma nova era humanista:
"Penseis
naquilo que na Idade Média representa o movimento franciscano
enfrentando o teologismo doutrinário da Escolástica.
A teologia era o pão dos anjos, não dos míseros
mortais, mesmo assim penetradas todas as manifestações
religiosas, também a predicação ao povo:
Deus desaparecia atrás dos silogismos, aclarava longe
ou gravava sobre a consciência como alguma coisa de enorme,
esmagadora. O intelecto havia assassinado o sentimento, a reflexão
com lupa tinha estrangulado o ímpeto da fé. Vem
São Francisco, alma humilde, modesto. Espírito
simples, bufou toda a papelada cartaceu, que tinham distanciado
Deus dos homens e fez renascer em cada alma o divino delírio.
Assim fez De Sanctis e o Serra para a poesia." (Idem, p.23).
A
guerra mundial pertence à era da modernidade, mas o humanismo
de Serra na visão de Gramsci não tem começo
e nem fim, porque nele se encarnou a síntese de seu tempo,
como acontecera com Francisco de Assis e com Francesco de Sanctis:
"Mas
agora não podemos esperar mais nada do Renato Serra.
A guerra o esmagou, a guerra da qual ele tinha escrito com palavras
assim puras, com conceitos ricos de visões novas e de
sensações novas. Uma nova humanidade vibrava nele:
era o homem novo dos nossos tempos, que tanto ainda nos poderia
ter dito e ensinado. Mas a sua luz se apagou e nós não
vemos ainda quem poderá substituí-la." (Idem,
p.25).
A
modéstia não deixaria Gramsci perceber que ele
mesmo caminhava com luzes suficientes para realizar o projeto
latente da concretização de um novo homem e de
um novo humanismo. Na verdade, o título do artigo bem
reflete uma argúcia: não se estavam apagando as
luzes com a morte de Serra, mas deixando de produzir coisas
de seu espírito inspirador para o socialismo; ou seja
inspirava a contradição, era um modelo vivo ideal,
continuador de Francesco De Sanctis. Os dois foram os verdadeiros
mestres de Gramsci, que concordaria em dizer que Serra e De
Sanctis poderiam ser considerados os iluministas do socialismo
italiano:
"...O
Serra deu uma lição de humanidade; nisto ele verdadeiramente
continuou Francesco De Sanctis, o maior crítico que a
Europa jamais teve ... Renato Serra mostra que os professores,
que os críticos de professores tem tomado por arte aquilo
que era pura e simples tapeçaria. Esses dois homens foram
verdadeiramente mestres, como entendiam os gregos, isto é,
mistagogos, mas iniciaram aos mistérios mostrando que
estes mistérios são vãs construções
de literatos, e que tudo está claro, límpido para
quem tem olhos puros e vê a luz como cor e não
como vibrações de íons e elétrons.
Eles são colaboradores da poesia, leitores da poesia.
Cada ensaio deles é uma nova luz que se acende para nós.
Sentimos-nos como absorvidos num encanto." (Idem, p.24).
Assim
situado o modelo de homem integral, Gramsci tomou a integridade
como um fator comparável aos homens que se mantinham
no poder público. A contradição desses
encontrava-se no posto em que assumiam, revelando uma personalidade
pública sem abdicação de seus interesses
particulares, nessa difícil tarefa de manter a integridade
moral, junto à responsabilidade a respeito da coletividade.
Na responsabilidade de reconstruir tais valores bem a vista
do leitor socialista, Gramsci partiu em seguida para a reorganização
das características negativas, fundamentais para caracterizar
a (des)umanidade desses homens na relação ética
com a sociedade, tais como: a vilania, a covardia moral de não
enfrentar os adversários, o orgulho, a incapacidade de
administração pública, a hipocrisia, as
respostas vazias de conteúdo, a tábua rasa para
gosto, a falsa moral, a preguiça e a miséria moral,
o descaramento, a vaidade (de poder, de vestimenta, de decorações
e de condecorações), a preguiça mental,
a ganância, o egoísmo e tantos outros qualitativos
alocados como elementos negativos, todos elencados num repertório
que bem caracteriza o desenho entre 1914 e 1926.
Os
artigos restantes (cerca de oitocentos) cumprirão a tarefa
de revelar as deficiências morais desses promotores da
cultura dominante, do qual faziam parte enquanto possuidores
do poder e do saber na sociedade. A seguir os apresento como
personagens os quais foram criticados por Gramsci.
Foram
dedicados muitos artigos por exemplo ao acadêmico Vittorio
Cian, (10) professor de Gramsci de literatura italiana
na Universidade de Turim de 1913 a 1935, que também foi
deputado e senador. Era colaborador do jornal nacionalista "Gazzetta
del Popolo", do semanal "L'Idea Nazionale" e
da revista organizada pelo movimento interventista turinense
"Umanità nuova"; mas entre os nacionalistas
era o verdadeiro capintesta, (11) foi a favor da guerra
da Líbia e boicotava quem era contra a Guerra mundial,
denunciando também às autoridades escolásticas
os colegas que não conjugavam com os interesses da política
da classe dirigente, intencionado assim em recolher os louros
do patriotismo de guerra.
Passou
a ser comum denunciar o disfattismo (12) e o movimento
que o caracterizava foi denominado cianismo (do professor Cian).
Um outro episódio de denúncia marca a covardia
moral de Cian. Uma de suas vítimas foi Umberto Cosmo,
também professor de Gramsci na Universidade de Turim
e professor nos Liceus Gioberti e D'Azeglio, o qual foi submetido
a um inquérito, conduzido pelo inspetor da escola média;
mas tendo a seu favor Benedetto Croce e o historiador Gaetano
De Sanctis, foi absolvido. O nacionalismo de Cian não
se limitava à Universidade. Junto com Arnaldo Monti,
estendia-se, desde o ano em que terminara a Guerra, para a juventude,
a qual, de posse da consciência de Pátria que os
nacionalistas ajudaram a plasmar, pensavam que eles eram as
referências dos verdadeiros educadores, mas não
percebiam que estavam só travestidos de intelectuais
da alta cultura universitária.
Entretanto,
propagavam a idéia de nação que deveria
ser renovada para a obra de reconstrução do pós-guerra.
Nos anos posteriores à Revolução Russa
Cian chefiou o movimento contra o Lêninismo. Enfim, a
seu respeito Gramsci complementa: "era cultor da tagarelice
literária". Com profundo desprezo Gramsci o chamava
de "questo epistolografo da bocca del leone" (epistológrafo
de boca de leão) e de "sterile ciucciariello"
(pequeno asno estéril) que "não conseguindo
ejacular de seu cabeção de avestruz outra coisa
a não ser volumes pesados e chatos", gostava de
compor livros longos, de oitocentas páginas em média,
mantendo-se assim como mandarino universitário junto
ao governo.
Outro
personagem que não escapou à crítica de
Gramsci foi Francesco Ruffini (13) que tinha os mesmos
ardentes traços de nacionalismo de Cian. Também
foi na Universidade de Turim de 1908 a 1931 professor de Gramsci
de direito eclesiástico, reitor da mesma, senador em
1914 e ministro da Educação no governo Boselli.
Era contudo um pseudo-historiador, pois disfarçava intelectualidade.
Pesquisando a obra de Camillo Cavour, justificava assim a propagação
dos valores nacionalistas, exaltando as glórias da pátria
através de conferências, fazendo-se passar como
grande historiador ao público culto turinense.
Sentia-se
autorizado a explorar teorias sobre o nacionalismo. "Palavras,
palavras e palavras" foi o título dado a três
artigos que Gramsci publicou para designar as atribuições
das conferências bélicas em Turim, com as quais
Ruffini se vangloriava. Entre outros citados por Gramsci vemos
os professores Bertarelli, Bossi e o famoso Achille Loria, todos
professores universitários nacionalistas, ora exaltando
a guerra por conferências contra os alemães, ora
dando ao pensamento cavouriano o sentido imperialista. Ruffini
foi colaborador vivo da revista "Rassegna italiana",
que era puramente nacionalista. Também como ministro
nada deixou de importante; demonstrava incapacidade de compreender
e fazer a história, de compreender as responsabilidades
do Estado e do governo.
Francesco
De Sanctis era considerado por Gramsci o único ministro
da Educação que a Itália já teve.
Aliás Ruffini enquanto ministro da educação
organizou congressos de temas bélicos com nomes ilustres,
todos evidentemente nacionalistas. Sobre o episódio da
escola profissional para favorecer a indústria em detrimento
da "escola de saber desinteressado", Gramsci posicionara-se
escrevendo artigos contra Ruffini, que mostrava não dar
importância nem a escola de estudos clássicos nem
a escola profissional.
Mais
um personagem duramente criticado por Gramsci foi Arnaldo Monti,
(14) professor de escola média, que também
atuava como presidente do "Fascio studentesco per la guerra
e per l'idea nazionale" (Grupo estudantil pela guerra e
pela idéia nacional), instituição de tendência
interventista e nacionalista que ajudou a caminhar para o fascismo
em anos posteriores. "Seja dado a Cesar o que é
de Cesar e à Arnaldo o que é de Arnaldo"
sintetiza com ironia um artigo no qual Gramsci denominou Arnaldo
de cretino, pela polêmica de querer constituir uma organização
estudantil a favor da guerra no ginásio de Turim. Também
foi criticado por Gramsci toda vez que escrevia contra o filólogo
alemão Schultz, cujo livro de latim Arnaldo Monti insistia
em não respeitar, mais em função de ataques
à nação alemã; tratava-se de uma
ramificação da polêmica de Ruffini de elevar
o ensino profissional e técnico em detrimento da escola
clássica. Escrevia Gramsci:
"O
Monti mais não é que um vulgar enchedor de mentes.
Falta-lhe toda preparação também para fazer
aquilo pouco de bem que as suas pesquisas poderiam dar"
(In "Il presidente del 'soviet' degli scolaretti"
(CF526). (15)
Gramsci
dedicou um grande número de artigos ao nacionalismo.
(16) Sabemos da importância desse tema para a
ideologia dominante de um país que teve na guerra imperialista
sua forma mais expressiva de dominação. Trazendo
à tona as aparências ideológicas do nacionalismo,
Gramsci estava promovendo a crítica à cultura
em dois raios de ação: um no espaço nacional
outro no ambiente internacional. A cultura dominante não
atuava somente dentro da nação italiana, resultado
de uma interação social do grupo de professores
universitários. Esse conjunto de indivíduos sentia-se
equilibrado de acordo com os interesses do capitalismo internacional
e da grande burguesia, que se relacionava com o Estado italiano
e não se relacionava com os seus cidadãos proletários.
A
ideologia do liberalismo atuava, influenciando decisivamente.
Era a época do capitalismo monopolista e se impunham
regras aos Estados retardatários, mais ou menos de acordo
com o jogo de forças entre os Estados beligerantes. Portanto
o tema nacionalismo dizia respeito à essas duas instâncias.
Vimos
que Vittorio Cian, Francesco Ruffini e Arnaldo Monti, entre
outros, foram expoentes do nacionalismo italiano através
de suas posições de professores e intelectuais
interessados na manutenção e intervenção
italiana na guerra. Demonstramos o uso do poder conferido ao
intelectual universitário como instrumento de dominação,
buscando a ideologia do nacionalismo em forma de propagação
e movimento social. Ficou comprovado para Gramsci que a cultura
dominante passava pelo crivo da razão desses indivíduos,
que associavam-se a outras atividades sociais formando organizações,
cuja estrutura desempenhava o papel de acordo com o status que
ocupavam enquanto professores universitários.
Por
isso mesmo Gramsci preocupou-se novamente em estereotipar o
conjunto das ações dos membros desse grupo, mostrando
que a cultura italiana tinha uma peculiaridade quanto a dinâmica
da estrutura social que se formou para a guerra imperialista.
Essa gente Gramsci denominou de Stenterello, (17) deixando
claro que a mentalidade nacionalista era um tanto ridícula
quanto falsamente culta e moralmente desprezível por
não gostar de trabalho modesto:
"Stenterello
não é nem menos um homem; é um animal.
Stenterello é o protótipo da burguesia italiana,
tagarela, vanitosa, vazia, que não quer se adaptar ao
trabalho modesto, mas fecundo da coletividade anônima
e sempre a soar a guitarra para louvar os grandes fatos dos
antepassados, dos quais esses outros não é que
um modesto piolho. Stenterello è cabeça vazia,
e por isso não entende que uma forma de vida se deve
opor a uma outra forma de vida. Que ao trabalho se opõe
outro trabalho, mais e melhor se possível. Mas Stenterello
è também embusteiro e embrulhão. Ele é
o professor è il sempre chamado aos concursos; é
o poeta que não acha leitores é o industrial que
quer enriquecer-se dormindo; é o comediógrafo
que o público zomba; é o nobre avariato que não
acha mais quem tira o chapéu diante a sua majestade."
(Idem, p.86).
Era
costume explorar a fama mundial de que na Itália sempre
nasceu e se formou "gênios altíssimos, verdadeiros
criadores". Bem poderia ser verdade para reforçar
o argumento nacionalista; mas disse Gramsci:
"Na
Itália faltou sempre, ou quase sempre, um ambiente de
seriedade de trabalho efetivo e digno em torno aos iluminados
da ciência, da política, da vida moral, da cultura..."
(Em CF85).
E
continuava dizendo:
"uma
caterva de medíocres ... Stenterellos que urram, berram,
adulam com ares de gravidade a barriguinha acadêmica,
exaltam as virtudes da estirpe, o alto saber dos antepassados,
mas esses mesmos não fazem nada, não trabalham,
não são produtores de uma idéia, de um
fato." (Em CF85).
Nesse
e em outros artigos que acentuou tal estereótipo Gramsci
designou como fonte um dos primordiais elementos de formação
da cultura italiana dominante. Ou seja, o Stenterello representava
o conjunto de princípios (ou falta deles) aceito de modo
geral pela sociedade italiana.
Ficaram
registrados em vários artigos muitos personagens que
personificavam o Stenterello , tais como: o falso cientificismo
de Achille Loria; a demagogia do economista, redator e liberal
Giuseppe Prato e a ideologia católica em geral. Entretanto,
esses artigos funcionaram mais como denunciadores do que como
elementos que definiam aquilo que Gramsci entendia por cultura.
(18)
A
participação nacionalista conquistou espaços
em associações institucionalizadas para expandir
suas atitudes conservadoras e reacionárias. Para além
dos fundamentos e dos princípios que estavam sendo propagados
em conferências e artigos de revistas e jornais por esses
indivíduos e intelectuais universitários, queria-se
estimular a nação para a ação imperialista.
Avançou-se no campo da ideologia prática, que
objetivava alcançar um maior raio de ação
e legitimidade: o movimento nacionalista, o cianismo e o irredentismo
de Cappa (CT472), tornaram-se entidades políticas dirigidas
por esses homens, cujos fins eram validados por atos legais.
De fato, agiam dentro da legalidade, como se tudo fosse corretamente
instituído: foi o caso da Liga antialemã de Turim,
liderado pelo professor universitário Pietro Romano,
do "Fascio studantesco per la guerra e per l'idea nazionale",
presidido por Arnaldo Monti e do "Fascio giovanile",
liderado por Cesare Foà, também secretário
da Liga antialemã. (19)
A
esse propósito Gramsci move uma crítica sistemática
ao prefeito de Turim, ao governador da província de Turim,
aos ministros e políticos do Parlamento, aos editores
e redatores de jornais liberais, aos políticos que se
tornavam empresários e aos religiosos que se tornavam
políticos. Ele dedica um grande número de artigos
a eles, sempre cuidando em dialogar em duas instâncias,
diacrônica e sincrônica, tentando realizar a meta
de reconstrução do método dialético-marxista,
conscientizando o leitor socialista e os líderes do proletariado
turinense para a luta de classe. (20)
O
prefeito Teofilo Rossi de Turim foi amplamente evidenciado logo
no início das crônicas gramscianas. (21)
As reuniões sindicais, freqüentadas por Gramsci
para resultar posteriormente num produto jornalístico
de interesse à classe operária turinense, não
intencionavam apenas cumprir tal dever profissional; os estímulos
maiores se concentravam em esclarecer as características
de quem pertencia à classe burguesa e de quem pertencia
à classe operária. Era questão de convicção
delinear com precisão os dois limites.
Veremos
que o modo como escreve a respeito do prefeito de Turim é
atencioso: o estilo irônico marca a mente do leitor em
dois lances: o primeiro deveria atraí-lo pela forma divertida.
O segundo deveria desmanchar o poder artificial desse prefeito,
que era antes de tudo um industrial.
O
prefeito Rossi, representando o modelo moral de homem pertencente
à cultura dominante, apresentava-se simultaneamente como
industrial e administrador público, enquanto que claramente
seus interesses eram particulares. Ou seja, era uma figura que
sintetizava duas situações concretas: pertencia
à classe de capitalistas italianos e exercia o poder
público de um governo para manter o controle social sobre
a situação vigente da guerra. Por isso era o típico
estereótipo que Gramsci queria denunciar. Apontou a sua
falta de caráter e a hipocrisia como elementos característicos
de sua personalidade, que nunca mudaram enquanto exerceu o poder.
Por isso chamou a atenção do leitor operário
para conscientizá-lo de quem administrava, isto é,
uma pessoa que pertencia à classe empresarial e exploradora,
e o monopólio da violência do Estado, que utilizava,
estava sendo feito com arbitrariedade contra a organização
inimiga do proletariado de Turim. (22)
Necessário
foi para Gramsci substancializar os adjetivos, tornar real e
acentuar as qualidades impuras, que se poderiam referenciar
com um nome próprio ao prefeito de Turim: o artigo L'idiota
con decoro (O idiota com honra) tem essa função
de apresentá-lo ao público como um personagem
típico da história falida do capitalismo, fazendo
marcar um clichê, pelo qual poderia facilmente ser lembrado
com ironia. Teria ficado somente com esse apelido se não
fosse o episódio do Museu do Risorgimento, quando o prefeito
proibiu a participação dos socialistas na comissão
municipal, e Gramsci o destacou com outro pronome: "aria
ai monti". (23)
Um
outro recurso literário para realçar essa contradição
no processo histórico do capitalismo foi acrescentar
prosas imaginárias, no mesmo estilo irônico. Os
artigos "L Sindich", "Aria ai monti" prega"
e "Da giovannnino", divertindo o leitor em diálogos
fictícios, já poderiam fazê-lo raciocinar
quão ridícula era a situação de
visitas oficiais a Turim de homens tão obscuros quanto
o prefeito Rossi: foi a primeira vez que Salandra, o governador
da província, e Giolitti, o primeiro ministro, receberam
o desprezo de Gramsci. Cinco meses depois desses episódios,
surge um novo artigo, agora apontando com seriedade as irresponsabilidades
do governo local, alarmando o prefeito com um discurso final,
onde lembrava a Revolução francesa, botando medo
nele pela possibilidade dos "administradores ineptos"
serem guilhotinados. (24)
Será
o artigo Vanità, virtù cardinale que melhor descreve
a falta de caráter de Rossi, o qual escreveu um artigo
para o aniversário da declaração de guerra
da Itália. (25) Esse artigo fez a Gramsci abandonar
não totalmente o estilo cômico, apesar de passar
a interpretar com realismo a gravidade da situação:
"É
seguro de si, o bom homem, certo de representar uma grande parte
do mundo, e a vaidade o nutre. A vaidade é a plantinha
que com mais amor ele cultiva no fechado orto da sua consciência,
regando-a cotidianamente com abundante repetição
como disco e de pergaminhos graciosamente ilustrados com miniaturas.
Essa se torna a leva que move o universo. Entre a vaidade e
o dever existe um abismo incomensurável, e o Rossi tem
medo de dar saltos no escuro. Tanto mais que deveria começar
de si mesmo e não se pode pedir a ninguém de suicidar-se
por desarranjos morais." (Idem, p.326).
Além
da vaidade gerada pelo exercício do poder, Gramsci apontava
no seu artigo o descaramento resultante da hipocrisia do governo
de Rossi. Também no artigo intitulado Attorno ad una
veste rossa (Em torno de uma veste vermelha), o articulista
se divertia a mostrar a vaidade do prefeito quando o descreve
como uma pessoa pomposa que vestia roupas solenes, ostentado
em conjunto com o representante oficial da Igreja. "Está
sempre a caráter porque lhe falta caráter",
diz Gramsci em Film "municipale"; "encomenda
atores circenses mais famosos e mais caros, mas quando é
denunciada que a carne suína está sendo contrabandeada
pede ao ministério ajuda e aguarda, nada mais fazendo".
Vimos
que a crítica de Gramsci ao comportamento desses indivíduos
na sociedade capitalista não foi só uma crítica
aos seus comportamentos morais e sociais, mas também
à cultura por eles representada. A essa altura se pode
constatar também que a noção de cultura
para Gramsci vai se modificando, transformando-se de acordo
com os eventos que lhe se apresentavam, ora na pessoa desses
indivíduos que detinham algum poder, ora na pessoa jurídica
daquelas entidades, dirigidas pelo mesmo grupo de homens. Vimos
que as idéias de nacionalismo, ligando-se às ações
de um grupo determinado, integraram-se harmoniosamente num programa
ideológico em torno do conceito de nação
italiana. O preconceito racial, o xenofobismo, o protecionismo
econômico e científico, a discriminação
principalmente em relação aos alemães,
foram marcas do processo de identidade da nação
italiana, que se formou portanto numa cultura moderna de dominação,
cujos traços não se podem afinal separar do conceito
de nacionalismo.
Mas
tudo isso não se concretizaria se não existisse
outro instrumento de dominação, no nível
do controle e do consenso social. Tratava-se da censura, que
naqueles anos de guerra exerceu papel fundamental do arbítrio,
cuja propriedade funcionava como força atuante de dominação
interna. Gramsci dedicou vários artigos à censura
e aos censuradores, sempre com o propósito de denunciar
a falta de responsabilidade e abuso de poder exercidos por eles:
"Não
trabalhamos por esporte, para divertir-se em escrever. Obedecemos
a um imperativo categórico da nossa consciência...
a censura assim, sem conhecer os dados de fato, faz a sua escolha,
e procura de destruir uma, justamente aquela que tem razão,
aquela que pode contar só sobre a própria força
de sacrifício para vencer. A censura milanesa, com um
traço de lápis, abole tudo, cancela tudo, sem
consciência da enorme responsabilidade que se assume.
A censura milanesa talvez sem consciência daquilo que
faz torna-se agente provocador. Cada palavra de ressentimento,
cada ato de cólera seria pequena expressão daquilo
que o nosso ânimo sente neste momento ..." (CT629).
Para
Gramsci, ao contrário, a censura deveria ter outro objetivo,
isto é, o papel de golpear a ostentação
da riqueza inútil:
"Faltou
a outra censura, a verdadeira tradicional censura, que golpeia
o sentido, o luxo, o prazer. Nenhuma lei que proíbe a
ostentação da riqueza inútil, porque transformada
em jóias e ornamentos, retirado do trabalho, da produção.
Foi criado o censor das idéias, não o censor dos
costumes. Única riqueza por limitar, as idéias;
única riqueza por seqüestrar, as idéias."
(CF438).
A
sociedade não dispunha de meios para denunciar o abuso
da censura e cobrar dos censuradores uma postura digna:
"Quem
censura os censuradores? Quem se preocupa de advertir que o
seu trabalho deveria ter uma finalidade fundamentalmente educativa
e por isso deveria ser desempenhado de modo lógico, com
justiça, com calma? O censor italiano é a imagem
viva do arbítrio estúpido." (CF435).
Com
as denúncias às atitudes da censura e aos seus
funcionários Gramsci, percebendo a aparente relação
democrática entre o Estado e os cidadãos, revelava
o despotismo de um certo grupo de pessoas e não de uma
classe inteira, característica aliás pertinente
à cultura dominante capitalista, que aparecia naquele
momento do processo histórico como um sinal da organização
fascista:
"A
censura é o método do governo do Estado italiano
permanecido paterno e despótico sob o superficial verniz
da ênfase democrática. (...) O Estado italiano
é paterno e despótico porque representa um círculo
particular e não uma classe; é a negação
da democracia liberal porque a vontade dos cidadãos conta
nada, porque os cidadãos não podem ter uma vontade
concreta, porque o Estado impede que esta vontade surja, inibindo
a discussão, impedindo a chegada dos jornais estrangeiros
(...) A censura continua a fazer estragos, e isso acontece porque
o círculo de pessoas que nos governa quer instaurar também
explicitamente um governo despótico, quer anular o Estatuto
e as outras garantias de liberdade e de desenvolvimento das
forças históricas novas." (NM390). (26)
Contudo,
a indústria cultural também proporcionava um ambiente
para esse estado de coisas: os proprietários, editores
e redatores de jornais, revistas e livros foram uma preocupação
constante de Gramsci. O instrumento de trabalho dele era fundamentalmente
o jornal. O seu trabalho de intelectual servia à classe
dominada no jogo da luta de classe, enquanto que a classe dirigente
insistia com a superficialidade da tarefa jornalística
em geral como um trabalho de intelectuais tradicionais. Vejamos
como Gramsci descreve os promotores da cultura e o uso que esses
fazem do instrumento de comunicação de massa.
Os artigos dedicados aos diretores e redatores de jornais instruíam
sobre a demagogia por exemplo do nacionalista Giuseppe Prato,
economista e historiador, professor no "Istituto superiore
di commercio de Turim" e redator chefe do jornal "Riforma
Sociale":
"O
professor Giuseppe Prato colabora, contribui à confecção
da saladinha de ideais, de programas, de fins, que não
é certo nutrição por dar solidez às
mentes nacionais. O prof. Giusepe Prato não se percebe
deste dissídio, que não é somente dele,
mas de todo o grupo da "Riforma Sociale". Não
se percebe que com esse dissídio ele e seu grupo, voluntária
ou involuntariamente, são um dos elementos principais
da deseducação nacional, da falta de idéias
claras e concretas sobre todas as questões econômicas.
O prof. Giuseppe Prato deveria escrever de si mesmo de ser um
demagogo." (CF848).
O
que vimos acima por Gramsci declarado sobre o prof. Giuseppe
Prato não são injúrias criminosas, porque
o sentido ideológico veiculado às idéias
socialistas permitia-lhe nas crônicas desvendar os embustes,
o que não poderia acontecer com os jornais da cultura
dominante, pois a falta de clareza e a mistura de ideais são
características de seu domínio. Gramsci alerta
que nem mesmo a ideologia liberal era respeitada. Havia falta
de responsabilidade civil, quando pronunciava-se pelos veículos
de comunicação liberal, notícias sem seguir
uma regra do jogo democrático, pressupostos básicos
dos direitos e dos deveres assegurados por um poder judiciário.
As injúrias contra as organizações socialistas
deveriam ser interpretadas como crimes, pois facilmente invadiam
a integridade dessas organizações por disputa
ideológica, como por exemplo o jornal católico
"Momento", dirigido por Guido Podrecca, quando noticiou
contra a cooperativa socialista "Alleanza", insinuando
ter contrabandeado remédios dos inimigos alemães:
"...O
jornal clerical tinha insinuado que a Alleanza tivesse contrabandeado
os medicamentos alemães. Que outra coisa queria dizer
a pergunta: "E a proibição feita pelo governo
de comercializar com empresas de nações inimigas?"
...as injúrias mais sanguinolentas não seriam
justificadíssimas. Mas é melhor deixar correr
e deixar que os caracóis clericais choraminguem na própria
baba." (CT583-584).
Desmascarando
os demagogos e a falsa cultura em torno da sociedade, Gramsci
dispunha de elementos empíricos para análise da
cultura dominante, que comumente utilizava o meio de comunicação
de massa para manipular informações contra ou
a favor de seus interesses. Com a contratação
de Italo Minunni, ex-diretor do jornal "Idea Nazionale",
para a direção do jornal liberal "Gazzetta
di Torino", Gramsci mostrou as relações entre
os intelectuais da classe burguesa e as instituições
de cultura. Mesmo sendo um liberal audacioso Minunni refletia
a falta de união da classe liberal italiana:
"O
senhor Ítalo Minunni vem da "Gazzetta" para
a "Perseveranza" de Milão e passou desta à
"Idea Nazionale". Mas não é a sua carreira
jornalística que importa a nós. Importa-nos notar
um fenômeno que nesta carreira é também
exteriormente marcado. O desenvolvimento do nacionalismo na
Itália marcou e está marcando o surgimento da
classe burguesa como organismo combativo e consciente. Até
agora tínhamos na Itália uma burguesia política,
sem programas claros e orgânicos, sem atividade econômica
coerente e retilínea (...) O nacionalismo está
dando consciência de sí à classe burguesa.
O "Idea nazionale" é por este ponto de vista
o jornal mais importante da Itália (depois do "Avanti!")
... é o fornecedor de idéias, de elementos polêmicos,
de coragem para toda a imprensa burguesa italiana. Tornou-se
também o incubador de energias jornalísticas se
espalham da sua redação e galvanizam as gelatinosas
colunas dos outros jornais burgueses. Uma destas energias é
Ítalo Minunni (...) não é um economista,
embora seja um especialista em "artigos" econômicos.
É um audacioso, é um despreocupado, é um
"focinho" duro. É um documento vivo da impotência
liberal italiana, se não da idéia nacional. Representa,
em comparação a idéia liberal, um pensamento
imaturo, um pensamento confuso e inorgânico que se impõe
com a audácia." (CF470).
Ainda
não fundado o Partido comunista, Gramsci se pronunciava
contra Prampolini, um socialista reformista que se desviou dos
interesses de propaganda educativa do partido: levou ao Parlamento
idéias mal interpretadas contidas num artigo de Gramsci
e de Treves, publicados no "Giustizia", jornal semanal
da Reggio Emilia, provando a sua incompetência pela ligeireza
dos assuntos e pela distância entre o seu modo de pensar
e o seu modo de agir:
"Liberalíssima
a "Giustizia" em julgar homens e fatos. Mas para julgar
deveria procurar de ser informada com exatidão dos homens
e dos fatos de que quer se ocupar. De outro modo as suas hipóteses,
as suas máximas, as suas afirmações tornam-se
gratuitamente ofensas, são a expressão não
da sagacidade, mas da ligeireza, e nestes casos como aqueles
de que se trata, são perigosos estímulos para
reforçar-se de uma opinião pública estranha
ao proletariado, que contra o proletariado procura algemas e
execuções sumárias ... Não se pode
reprovar a ninguém de ser reformista ... pode-se no entanto
reprovar, é antes um dever fazê-lo, àqueles
que este método interpretam mal, dirigem-se a uma ação
que não é de classe, que obstrui o sentido de
classe; isso acontece quando existe um contraste entre pensamento
e ação, e que se quer fazer passar por ação
de classe, por fato proletário aquilo que é somente
exterioridade de classe, exterioridade proletária."
(CF391-392) (27)
Como
se pode ver deste trecho Gramsci polemizava com Prompolini não
só por uma razão política, mas também
por razão cultural, revelando as contradições
ideológicas incorporadas, enquanto ele não sabia
assimilar a cultura revolucionária do proletariado, confundindo
elementos da cultura proletária com elementos da classe
dominante.
De
forma geral encontramos nos artigos de Gramsci, que agregamos
sob a rubrica "socialismo", a tônica revolucionária
da ideologia comunista, confirmando a ditadura do proletariado
mesmo antes da Revolução russa. Utilizando os
parâmetros da militância no final de 1918 num artigo
onde comentava as ações do Partido Trabalhista
inglês, ele se posicionou claramente favorável
aos conselhos dos operários, assim chamando os futuros
Conselhos de fábrica italianos, que para ele significava
o caminho para a verdadeira revolução comunista,
uma vez que o controle econômico deveria preceder os objetivos
políticos na tomada do poder, portanto bem diferente
como ocorrera na Rússia:
"...os
proletários mesmos devem convencer-se da verdade que
somente os organismos de classe representam os seus interesses
e as suas aspirações, que necessita trabalhar
para que o poder executivo da nação passe do governo
parlamentar às organizações, aos Conselhos
dos operários." (NM438).
Dessas
palavras se percebe que Gramsci nunca negligenciou o problema
cultural-ideológico, com o fim de utilizá-lo na
revolução política na Itália a favor
dos operários. Em maio de 1919 afirmou fervorosamente
os aspectos mais importantes para a política da Internacional
comunista em seus objetivos de revolução mundial,
apontando outra vez os conselhos de operários como fator
primeiro na revolução dos países do Ocidente.
Ao mesmo tempo declarava implicitamente as mudanças ocorridas
em seu trabalho jornalístico: de crítica à
cultura dominante passaria à cultura do realismo construtivo,
tomando como referência a cultura comunista instaurada
na Rússia:
"O
proletariado russo, com o advento da Revolução,
ofertou aos seus irmãos de todo o mundo uma experiência
real histórica que substanciou robustamente o espírito
e a ação da Internacional proletária. A
ação revolucionária da crítica e
negativa transformou-se em realismo construtivo; a dialética
histórica gerou a sua síntese no novo tipo de
Estado, o sistema dos conselhos de operários e camponeses.
(...) O lento e tenaz esforço que os núcleos mais
conscientes e historicamente eficientes do proletariado mundial
cumprem por ordenar-se na Internacional comunista de Moscou,
recriar os tecidos conjuntivos sociais, suscitar uma mais vasta
e compreensiva unidade moral do mundo, realizar as teses marxistas
do Comunismo na instauração de uma República
federativa dos conselhos de operários e camponeses nos
cinco continentes." (ON5-6).
Com
essa nova postura revolucionária de pensar, Gramsci preparava
a revolução italiana construindo criticamente
a organização da cultura comunista. Três
fatores importantes deviam ser observados no novo modo de produção
comunista: a produção, o consumo e as instituições
cooperativas de consumo. Assim devemos entender as críticas
gramscianas às cooperativas, como um dos instrumentos
de afirmação para atingir o poder pela via política
da nova classe proletária. Diferente dos Conselhos de
fábrica, onde o controle sobre a produção
privilegiava a classe proletária e o seu domínio
econômico, nas cooperativas de consumo não existiam
conflitos de classes, porque todo mundo consumia. Aqui sim,
advertia Gramsci, caberia uma interferência política.
Apesar disso, as Cooperativas de consumo juntamente com os Conselhos
de fábrica deveriam se voltar para o campo da luta de
classe, orientando-se pelas diretrizes do modelo de controle
econômico:
"O
socialismo não tende a resolver só o problema
da distribuição dos produtos. A justificativa
moral do nosso esforço e da revolução que
será determinado por isso, é invés, próprio
dado pela certeza, adquirida pelo proletariado através
da crítica dos modos atuais de produção,
que o coletivismo servirá a acelerar o ritmo da produção
mesma, eliminando todas as causas artificiosas que limitam o
rendimento (...) O consumo é campo relativamente neutro
da atividade social. O povo se separa em duas classes em função
da produção, não do consumo. Só
politicamente, não economicamente, também o consumo
pode tornar-se campo de luta, enquanto o Estado, ente governativo
e executivo da burguesia capitalista, com o protecionismo regula
o consumo sobre a produção do capitalismo nacional.
Mas consumidores somos todos (...) dadas estas interferências
sociais em função ao consumo, não se pode
certamente afirmar que a cooperação seja na sua
essência socialista, e seria ingênuo e criminoso
fazer crer que essa exaure o programa socialista (...) as cooperativas
do tipo da Aliança são uma entre os grandiosos
experimentos através dos quais se afina o sentido de
responsabilidade social dos socialistas (...) as cooperativas
de consumo podem, porque se quer, adquirir valor revolucionário
(...) desenvolvidos, reforçados, multiplicados, tornar-se-ão
tantas armas apontadas contra o organismo burguês."
(CT600-602).
Em
fevereiro de 1918, Gramsci reprovando o Congresso nacional das
cooperativas agrícolas, levanta a polêmica frente
às instituições sindicais, estas ideologicamente
incoerentes em relação ao socialismo: as cooperativas
de produção deveriam ter um controle espontâneo
e não ser conduzida por vontade política, isto
é, era necessário considerar o fator econômico
pela lei da necessidade e não pelos interesses do capital:
"Entendemos
a cooperação como atividade livre do proletariado,
como necessidade que se afirma e se desenvolve também
em regime de individualismo. Mas isso deve ser livre e representar
uma necessidade útil, independente da ajuda e da legislação
estatal. A sua força deve consistir somente na sua necessidade,
na sua utilidade, não em leis de favores. De outro modo
se cai nos mais perigosos protecionismos, criam-se organismos
parasitários, suscitam-se pequenos grupos de proletários
privilegiados, que saem liberados da exploração
capitalista, a prejuízo da classe e a despesa da produção
em geral. O nascimento das cooperativas agrícolas, o
seu agrupar-se em sindicatos deve ser fenômeno espontâneo,
assim como espontâneo deve ser o concentrar-se do capital
e o surgir dos sindicatos industriais. Só assim se pode
falar de progresso econômico e de modernidade. Mas se
as cooperativas se reúnem em ligas só por ser
uma força política e arrancar alguma coisa com
a intriga de corredor, ou com a intimidação amestrada,
com leis de favor, com concessões antieconômicas,
não se pode falar de progresso e de modernidade: é
idade média, é feudalismo, é privilégio."
(CF677).
Esta
nota de Gramsci é fundamental ao nosso modo de ver por
duas razões: político-moral e cultural. Enquanto
Gramsci mostra que a importância das cooperativas agrícolas
operárias não deveria ser instrumentos de privilégio
a ninguém, mas organizações que operassem
de modo economicamente sadio, deveriam apoiar-se somente sobre
suas próprias forças. Evidente que se os operários
não tivessem cultura para gerar um organismo econômico
nunca poderiam depois ser capaz de gerar um Estado comunista.
Crítica
cultural ao reformismo socialista, ao sindicalismo e ao fascismo
Tentamos
até agora provar a hipótese inicial de que as
crônicas de crítica e cultura foram "a base
da reconstrução humanista e dos pressupostos do
homem integral inseridos na crise moral da sociedade capitalista".
No período referido verificamos a atuação
de crítica à cultura dominante, especialmente
composta por artigos que denunciavam a produção
da cultura da grande burguesia. Provamos, do conjunto de artigos,
a sistematização e levantamento de elementos de
humanidade, possíveis graças à concepção
instrumental do conceito de cultura utilizado para a crítica.
No
final desse exame começamos a verificar que com a Revolução
russa os procedimentos de crítica metódica à
cultura capitalista passaram para a crítica construtiva
de uma cultura e ideologia comunistas, candidata na Itália
à cultura dirigente. As crônicas revolucionárias
gramscianas, referentes a esse período pós Revolução
russa, foram então atuantes no campo da política
profissional, como se pode verificar através do trabalho
iniciado em 21 de janeiro de 1921 com o "Ordine Nuovo",
órgão ligado ao Partido Comunista Italiano recém
formado.
Gramsci
seguiu a elaboração dos artigos apoiando-se sobre
três frentes orientadoras:
1)
no nível nacional, organizava o pensamento revolucionário
do proletariado italiano;
2)
no nível internacional, apoiava a Internacional Comunista,
isto é, a organização política do
proletariado internacional e
3)
no nível global, compunha reflexões sobre a revolução
comunista no planeta.
O
conceito de cultura foi adquirindo uma nova formulação,
passando de instrumento de investigação social
para um teste político partidário, atuando e intervindo
na realidade social. Formou-se assim a última etapa de
sua produção intelectual orgânico, que culminou
nos posteriores enunciados teóricos dos Cadernos do cárcere.
A
sensibilidade da análise política de Gramsci aumentava
de acordo com as responsabilidades assumidas junto ao Partido
comunista. Agora como intelectual dirigente do partido, dispunha
de forças políticas mais intensas para marcar
com maior precisão a luta de classe revolucionária.
Gramsci teve de enfrentar no nível interno os opositores
da cultura comunista, que agora avançavam por uma oposição
única: eram eles os socialistas reformistas do Partido
Socialista Italiano; o sindicalismo congregado às várias
instituições corporativas - no grau máximo
da Confederação Geral do Trabalho; e o movimento
fascista liderado por Mussolini.
Selecionamos
um artigo (28) em que Gramsci denuncia justamente o
Partido Socialista Italiano, que deveria seguir o rumo do socialismo
revolucionário, advertindo que não se deveria
deixar para depois a oportunidade de implantação
do comunismo na Itália, para isso deveria seguir o modelo
russo:
"A
crítica desta posição ideológica
do Partido socialista foi feita pelo mesmo desenvolvimento dos
acontecimentos históricos: a situação atual
do partido é o quadro real desta obra de crítica
e de dissolução realizada não por homens
individualizados, mas por todo um processo de desenvolvimento
da história de um povo." (SF03).
O
PSI e seus dirigentes, segundo Gramsci, não mais poderiam
representar o proletariado italiano, porque se desviaram dos
propósitos essenciais: a fundação de um
Estado proletário e o incentivo e organização
das condições políticas para essa finalidade.
A objetividade da ideologia comunista confrontava o Partido
socialista italiano à tarefas práticas e deveres
imediatos em relação aos objetivos históricos
da fundação de um novo Estado. Assim que o mito
wilsoniano, o do imperador dos povos, defrontou-se com a nova
paixão política de Lênin, chefe da Comuna
Internacional, foi inevitável a formação
de uma intransigência irremovível dos comunistas,
que lutavam para a implantação de uma cultura
social autêntica. Na prática isso significava a
luta contra a corrupção e o ceticismo italianos,
propiciando assim a defesa eficaz da educação
política das massas operárias, que para Gramsci
era a condição primordial na fundação
do Estado operário italiano.
Gramsci
denuncia a irresponsabilidade do governo que justificou os passos
tomados pelo Partido socialista em abril de 1920, deixando de
concluir o movimento dos Conselhos de fábrica, cujo controle
operário era evidente ocorrer no país. A irresponsabilidade
dos dirigentes políticos socialistas era prova da incapacidade
de compreender o seguinte sobre as regras do jogo democrático:
"Uma
associação pode ser chamada 'partido político'
só enquanto possui uma própria doutrina constitucional,
só quando conseguiu concretizar e divulgar uma noção
própria da idéia de Estado, só enquanto
conseguiu concretizar e divulgar entre as grandes massas o seu
programa de governo, ato a organizar praticamente, isto em condições
determinadas, com homem reais e não com fantasmas de
humanidade...", (SF03).
"...hoje
os socialistas, a propósito da situação
criada pela aspereza da luta de classes, querem fazer crer que
hesitam e querem só buscar as responsabilidades do governo
burguês. O governo burguês é responsável
só para a classe burguesa: essa obteve a confiança
da classe representada; essa cumpriu o seu dever de classe.
Os socialistas, assim raciocinando e assim impondo o problema,
demonstram só uma coisa: de encontrar-se sobre o terreno
da democracia, de ser persuadido que possa, no regime burguês,
existir um governo parcial, árbitro desinteressado nos
conflitos de classe."
Não
sendo para Gramsci revolucionárias as ações
políticas do Partido socialista, não conspirando
com forças revolucionárias no nível internacional
para se emanciparem da exploração do capitalismo
nacional, deixavam às claras os desvios diante o autêntico
objetivo, no interior do qual a meta de construção
de um Estado de controle da classe operária não
deveria ser retórica, não deveria ter por modelo
o Estado democrático burguês, que falseava posturas
de desinteresse e imparcialidade na luta de classes, enquanto
na verdade mantinha a sua existência para manutenção
dos interesses da classe dominante na sociedade. Gramsci atacou
com tenacidade a falsa ideologia revolucionária do Partido
socialista italiano, que continuava com a maioria nas cadeiras
parlamentares desde as eleições de 1921 a 1924.
Havia
uma relação conjunta do Partido socialista com
o sindicalismo. Ambos acreditavam nas vias constitucionais para
se chegar ao socialismo. No V Congresso Geral do Trabalho, o
primeiro após a guerra ocorrido em 26 de fevereiro de
1921 em Livorno, Gramsci colocou-se no movimento alertando sobre
as verdadeiras vias revolucionárias, que tinham sido
abandonadas por ambas as instituições citadas,
que eram representantes do maior número da classe trabalhadora.
Eis as diferenças da tarefa do Partido comunista, único
que proclamava a destruição da ordem estabelecida
e contrapunha a cultura dominante a nova cultura revolucionária
em formação. Mesmo que as massas operárias
e camponesas estivessem no processo de conscientização
de seu papel enquanto classe revolucionária, eis o que
Gramsci desmistificava:
"O
Partido socialista caiu completamente nas mãos da burocracia
sindical que, de resto, com o seu pessoal e com os meios das
organizações, procurara a maioria à tendência
unitária: o Partido socialista reduziu-se a ser um janízero
dos mandarins e dos condutores que estão na cabeça
da Federação e da Confederação.
Os comunistas devem reconhecer este estado de fato e operar
conseqüentemente. Os comunistas devem considerar a Confederação
à mesma medida do Estado parlamentar, isto é como
um organismo a cuja conquista não pode vir a ser por
via constitucional. De outro modo a questão confederal
deve ser resguardada tendo em vista estes outros postulados:
que se quer a unidade proletária e que se quer colocar-se
no sentido revolucionário o problema do controle sobre
a produção. O campo de atividade do Partido comunista
é toda a massa de operários e camponeses; a Confederação
é teatro de maior propaganda e maior atividade só
porque numericamente abraça a maior parte dos operários
e camponeses italianos organizados, isto é, os mais conscientes
e preparados." (SF83).
Com
a luta pela formação e pelo desenvolvimento dos
Conselhos de fábrica, Gramsci acreditava que, sendo uma
luta do Partido comunista, poderia mais tarde conquistar de
modo estável e permanente a maioria da Confederação
Geral do Trabalho, com postos de direção no período
pós-revolucionário, como acontecera na Rússia.
Na verdade acreditava que em breve tempo haveria um congresso
dos Conselhos de fábrica e das Comissões internas
e daí sim poder-se-ia gerar uma central de trabalhadores.
Essa via mais racionalmente de acordo com seus propósitos
revolucionários mostrava-se sempre possibilista. Gramsci
acreditou nesta via mesmo depois dos resultados das primeiras
eleições no pós-guerra, (29) que
não foram favoráveis para os comunistas:
"Talvez
a capacidade revolucionária da classe trabalhadora se
mede pelo número de representantes comunistas que foram
enviados ao Parlamento? (...) A participação às
eleições teve o significado e o valor de uma revista,
de uma resenha de forças de mobilização
do partido (...) mas uma organização política
de um partido como o nosso não tornar-se-á jamais
forte e efetivamente ativo no seio da sociedade capitalista,
se não cuidar de conquistar as massas trabalhadoras na
sua sede mais natural de luta: sindicato, oficinas, fazendas,
cooperativas, etc. Ter dez ou vinte deputados a mais no Parlamento
não tem importância para um partido seriamente
revolucionário (...)" (SF169-170).
No
artigo Il prezzemolismo (O atrevido) Gramsci mostra a completa
indignação com o Partido socialista italiano e
com o sindicalista Mario Guarnieri na luta contra a Fiat, esclarecendo
a incapacidade de direção política e da
possível corrupção conjunta. Vale a pena
observar os detalhes históricos nessa longa transcrição,
principalmente nos conflitos de classes nas instituições
sindicais, no qual poderemos ainda hoje resgatá-los como
referência:
"A
concepção política dos mandarins sindicais
da Fiom é terra a terra, falta toda ossatura ideológica,
falta toda quadratura teórica; é apenas uma justificação
da velhacaria e do sectarismo anticomunista que faz idiotas
estes senhores. Os mandarins sindicais crêem, não
resistindo, não lutando, de evitar a reação.
Em verdade eles evitam só a reação contra
suas pessoas, não evitam a reação contra
as massas trabalhadoras; algumas vezes não evitam nem
mesmo a reação contra suas pessoas. Embebidos
de violência, os mandarins crêem que tudo seja permitido
aos capitalistas. Os capitalistas podem licenciar, podem condenar
a morrer de fome milhares e milhares de operários com
as suas famílias, podem espedaçar os concordatos,
podem arrolar corpos armados de guarda branca e mandá-los
incendiar, saquear e assassinar; para os mandarins sindicais
isto é normal, é lógico, é naturalíssimo.
Talvez tivemos inventado a luta de classe aos capitalistas contra
os operários? - perguntam estupidamente os mandarins
sindicais. Certo, é natural, é lógico,
é normal que os capitalistas lutem contra as exigências
vitais do povo trabalhador. Mas porque foram criados os sindicatos
profissionais, as federações, a Confederação
geral do trabalho? ... Mas que virá a ser das massas
trabalhadoras que sofrem e desfalecem, devem pagar o aluguel
de casa, a luz, a água, que devem matar a fome, vestir,
calçar as mulheres, os filhos, os velhos pais ? As massas
caem de todo nível humano: os operários rasgados,
magros, desesperados se depravam, a delinqüência
comum se multiplica, a loucura e a idiotia fazem estragos, os
pequenos filhos do proletário se vêem desnutridos,
raquíticos em um ambiente malsão de exasperação
(grifos nossos). O que sucederá ainda? Vendo que a organização
não funciona, que os entes máximos da resistência
faltam aos seus precisos deveres, uma parte do operariado torna-se
cética e passa ao fascismo; o fura-greve acha sempre
maiores sequazes para o egoísmo e a desconfiança
desenfreadas; a organização sindical se descara
e a massa torna-se como um cadáver em decomposição."
(SF199-200).
Essa
longa citação, que é polêmica a respeito
dos sindicalistas e do PSI, na realidade contém também
uma polêmica cultural, no sentido que Gramsci bate contra
a incapacidade ideológica dos dirigentes socialistas,
que não sabiam elaborar uma teoria condutora do proletariado
à tomada do poder. Não aderiram ao ideal político
comunista. Evidente que Gramsci nunca divide em um dirigente
o aspecto político do aspecto cultural, como também
do aspecto moral.
E
arrematando a denúncia da incompetência dos sindicalistas
e do Partido socialista italiano, propôs com a união
das duas instituições proletárias a luta
de classe ideal contra o Estado burguês, mas agora também
contra o inimigo comum gerado pelo movimento fascista:
"Porque
continuar a chamar socialistas e revolucionários, se
isso serve só para procurar quedas, se o socialismo caiu
nas mãos de homens indiferentes, que sorriem dos sofrimentos
populares, que dizem com um sorrisinho: - é natural,
é lógico, é normal que seja assim, porque
os proprietários devem necessariamente lutar contra os
pobres - e não movem um dedo para organizar um qualquer
resistência e não procuram fazer mobilização
geral contra a tirania branca? O que seria sucedido se os dois
milhões de operários e de camponeses que votaram
para o Partido socialista, invés de ser chamado às
urnas, fossem chamados à luta pelo 'Avanti!', pela direção
do Partido socialista, pela Confederação geral
do trabalho, simultaneamente, com as armas que a raiva e a dor
metem nas mãos do povo quando insurge pelo seu direito
e pela sua justiça? Certamente que o fascismo seria sufocado
e com o fascismo o Estado burguês." (SF200-201).
O
fascismo, segundo Gramsci, foi determinado por circunstâncias
criadas pelos socialistas e pelos sindicalistas, que detendo
a maioria no Parlamento e o controle das massas proletárias,
não atuaram de acordo com as finalidades revolucionárias,
anunciadas pelas regras comunistas. Os fascistas tomaram a vez,
passando a atuar com violência pública, mas não
em nome da revolução senão para continuidade
da própria organização fascista.
"A
posição política do fascismo é determina
pelas seguintes circunstâncias: 1) os fascistas, nos seis
meses de atividade militante, se encarregou de uma pesadíssima
bagagem de atos delituosos que ficaram impunes, o que a faz
mais forte e temida a organização fascista; 2)
os fascistas desenvolveram suas atividades só porque
dezenas de milhares de funcionários do Estado, especialmente
da Segurança Pública (guarda do rei, soldados
e policiais) e da magistratura, tornaram-se cúmplices
morais e materiais; 3) os fascistas possuem , disseminados em
todo território nacional, depósitos de armas e
munições em quantidade tal de ser ao menos suficiente
para construir uma armada de meio milhão de homens; 4)
os fascistas organizaram um sistema hierárquico de tipo
militar que encontra seu natural orgânico coroamento no
estado maior." (SF186).
Gramsci,
como intelectual orgânico da classe oprimida na luta pela
consciência de sua alienação social, bastava-se
na tarefa de dirigir o leitor comunista, insistindo abertamente
em desvendar a lógica fascista e em denunciar a todos
as iludidas relações estabelecidas entre os falsos
representantes da classe operária, o Estado e os capitalistas,
que convergiam para um inevitável golpe de estado, uma
vez que os fascistas poderiam imitar os socialistas no golpe
da ocupação de fábricas:
"Que
intentam fazer os socialistas e os chefes confederados para
impedir que sobre o povo venha a gravar a tirania do estado
maior, dos latifundiários e dos banqueiros? Estabeleceram
um plano? Tem um programa? Não parece. Os socialistas
e os chefes confederados poderiam estabelecer um programa 'clandestino'?
Este seria ineficaz, porque só uma insurreição
das grandes massas pode espedaçar um golpe de força
reacionário, e as insurreições das grandes
massas, se tem necessidade de uma preparação clandestina,
tem também necessidade de um propaganda legal, aberta,
que dê um endereço, que oriente os espíritos,
que prepare as consciências. Os socialistas jamais se
colocaram seriamente a questão da possibilidade de um
golpe de estado e dos meios de predispor para defender-se e
para passar à ofensiva. Os socialistas, habituados a
ruminar estupidamente algumas formuletas pseudo-marxistas, negam
a revolução "voluntarista", "miraculosa",
etc., etc. Mas se a insurreição do proletariado
viesse imposta pela vontade dos reacionários, que não
podem ter escrúpulos "marxistas", como deveria
comportar-se o Partido socialista? Deixaria, sem resistência,
a vitória à reação? E se a resistência
fosse vitoriosa, se os proletários sublevados e armados
derrotarem a reação, que palavra de ordem daria
o Partido socialista: de consignar as armas ou de continuar
na luta até o fim? Nós acreditamos que estas perguntas,
neste momento, são todas elas acadêmicas e abstratas.
Pode dar-se, é verdade, que os fascistas, que são
italianos, que tem todas as indecisões e as fraquezas
de caráter da pequena burguesia italiana, imitem a tática
seguida pelos socialistas na ocupação das fábricas:
voltem atrás e abandonem à justiça punitiva
de um governo reconstrutor da legalidade aqueles dos quais tem
cometido delitos e seus cúmplices. Pode dar-se; é
no entanto horrível tática confiar-se aos erros
dos adversários, imaginar os próprios adversários
incapazes e ineptos. Quem tem a força, dela se serve.
Quem sente o perigo de andar em galera, se sustenta sobre o
espelho para conservar a liberdade. O golpe de estado dos fascistas,
isto é, do estado maior, dos latifundiários, dos
banqueiros é o espectro ameaçador que desde o
início compete a esta legislatura." (SF187).
Diante
dessa situação eminente do golpe de estado fascista,
o Partido comunista em contraposição a qualquer
outro partido garantiria a tomada do poder político e
econômico diante a competência de intransigência
revolucionária, momento do qual os socialistas e os sindicalistas
jamais tiveram sequer a visão para estabelecer um programa
de combate:
"O
Partido comunista tem seu endereço: lançar a palavra
de ordem da insurreição, conduzir o povo em armas
até a liberdade, garantida pelo Estado operário.
Qual é a palavra de ordem do Partido socialista? Como
podem as massas ainda confiar-se deste partido, que exauriu
a sua atividade política no gemido e se propõem
somente fazer possuir pelos seus deputados alguns "belíssimos"
discursos no Parlamento?" (SF187-188).
Com
a ascensão fascista na Itália, os organizadores
da cultura comunista foram encarcerados, impedidos de pensarem
com as massas proletárias uma saída à organização
política. Todo o esforço intelectual de Gramsci,
inovador de uma pragmática marxista através da
prioridade da Revolução cultural, demonstra a
força do movimento histórico no qual foi protagonista.
Esse percurso intelectual serviu de pressuposto para a sua construção
teórica (conceitos, raciocínios e argumentos críticos),
feita no cárcere diante o falecimento de sua ação
política-cultural, quando a classe operária italiana
sucumbira ao avanço fascista.
Conclusão
Foi
precisamente tenaz e com "perseverança clarividente",
como ele mesmo definia sua tarefa, o modo pelo qual Antonio
Gramsci conduziu as críticas aos opositores do socialismo
italiano. As provas, como vimos, podem ser encontradas nos registros
que fez a partir dos anos da I Guerra mundial como jornalista
da imprensa socialista da cidade italiana de Turim. Encontrar-se-ão
detalhes históricos indispensáveis desses registros
de variados temas se o leitor seguir suas crônicas passo
a passo, elaboradas cotidianamente a serviço da classe
proletária. Ele se dispunha a projetar os ideais socialista
e comunista para essa classe que, posteriormente até
a atualidade, deveria servir-se de sua obra como fonte historiográfica
de enorme importância.
As
esperanças revolucionárias, baseadas na teoria
da luta e consciência de classe do marxismo clássico
e as decepções históricas culminadas no
nazismo e fascismo, foram fatos que Gramsci participou como
um agente social na história. O intelectual orgânico
Gramsci foi um dos responsáveis pela ascensão
e triunfo fascista, uma vez que adotando a teoria mecanicista
e causal presente na teoria revolucionária, contribuiu
para a emancipação da classe operária de
modo opressivo e violento?
Gramsci
iniciara seu posicionamento crítico diante a neutralidade
na guerra dos países capitalistas, com a crítica
ao Partido Socialista que não seguia os caminhos clássicos
da Revolução aproveitando o momento da guerra.
Essa posição ideológica identificava-se
em princípio com a Revolução Russa, que
se tornou a esperança de universalizar intelectual e
politicamente os países da Europa. A implantação
do comunismo na Itália encontrou resistências naturais
à repetição do modelo bolchevista, que
se impôs como modelo internacional. Além disso,
os países em luta pelo socialismo estavam em condições
históricas e culturais diversas da Rússia. Gramsci
registrou os fatos em seu país e foi seu intérprete
nos acontecimentos, levantando toda a problemática para
a implantação de uma revolução comunista
global, apoiado em seus pressupostos conceituais sobre a cultura.
Teve
como referência para o trabalho jornalístico a
perda dos valores tradicionais substituídos pelos valores
utilitários, dados pela ciência e pela técnica,
pelo prestígio e pelo dinheiro. O conceito de cultura
em um primeiro momento valeu como instrumental de crítica.
Aplicou a noção de cultura quando o sujeito se
defrontava com os elementos da cultura capitalista de modo crítico,
isto é, objetivava a crítica desvendar a ilusão
ideológica de hábitos da classe dominante, na
qual o proletariado ou não percebia e aceitava ou também
os admitia como próprio de sua cultura. Para desconstrução
da base da racionalidade tradicional, cuja relação
direta entre os indivíduos o homem transformado em coisa
aliena-se, Gramsci promoveu incansavelmente seu projeto de atingir
as "consciências". O seu papel como intelectual
era através das crônicas alertar os desvios (ir)racionais
da cultura dominante, sem no entanto descartá-la, transformando-a.
Num
segundo momento, quando decide pela alternativa revolucionária
soviética, o conceito de cultura significou para Gramsci
a forma de promover a revolução pela via econômica
dos Conselhos de Fábrica, em detrimento da opção
política e violenta preconizada por Lênin. Como
político, Gramsci não abandonara o marxismo em
sua teoria da alienação. A práxis cotidiana
dirigia as crônicas jornalísticas para uma efetiva
transformação cultural no âmbito das instituições
democráticas.
O
presente artigo procurou sugerir de modo sistemático
a existência das crônicas gramscianas como modelo
metodológico para a crítica à cultura dominante.
Constata-se uma ampliação no modo de encarar a
luta de classe datada, que pode ser revista segundo o roteiro
levantado a partir das suas duas definições de
cultura. Procuramos mostrar a importância dessa metodologia
para os estudos gramscianos, fornecendo o uso das definições
de cultura que viriam a servir na elaboração dos
esquemas conceituais elaborados nos Cadernos do Cárcere.
Mas também acreditamos que tal reflexão aqui desenvolvida
possa servir ao trabalho intelectual interessado na atual crítica
à indústria cultural, que oculta a razão,
o raciocínio, o pensamento e o acesso aos bens culturais,
limitando o direito à sua compreensão para transformação
das consciências.
Bibliografia
de Antonio Gramsci
I)
Cronache torinesi (1913-1917), organização de
Sergio Caprioglio, Tuirm, Einaudi, 1980.
II)
La città futura (1917-1918), organização
de Sergio Caprioglio, Turim, Einaudi, 1982.
III)
Il nostro Marx (1918-1919), organização de Sergio
Caprioglio, Turim, Einaudi, 1984.
IV)
L'Ordine Nuovo (1919-1920), organização de Valentino
Gerratana e Antonio A. Santucci, Turim, Einaudi, 1987.
V)
Socialismo e fascismo. L'Ordine Nuovo, 1921-1922, Turim, Einaudi,
1978
VI)
La costruzione del partito comunista (1923-1926), Turim, Einaudi,
1978.
VII)
Quaderni del carcere, edição crítica do
Istituto Gramsci, organização de Valentino Gerratana,
Roma, Einaudi, 1975
VII)
Lettere (1908-1926), organização de Antonio A.
Santucci, Turim, Einaudi, 1992.
Bibliografia
Geral
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do Livro Brasileiro, Lisboa, s/d.
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Norberto. Profilo ideologico del Novecento italiano, Turim,
Einaudi, 1986.
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in Dialética da colonização, São
Paulo, Cia. das Letras, 1983.
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G.D.H. História del pensamiento socialista, "La
segunda Internacional, 1889-1914", Mexico, Fondo de Cultura
Economica, 1964.
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Maurice A. Gramsci and the history of dialetical thought, Nova
York, Cambridge University Press.
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Giuseppe. Vita di Antonio Gramsci, Bari, Laterza, 1966.
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Eugenio. La cultura italiana fra 800 e 900, Roma, Laterza, 1976
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formazione di Gramsci e Croce", in Critica Marxista. Quaderno
3, p.119-133.
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Dominique e Maggiori, Robert. Guida a Gramsci, Milão,
Biblioteca Universale Rizzoli, 1977.
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1964.
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1978.
_________________.
(org.) Historia do marxismo , Rio de Janeiro, Paz e Terra, 12
vols., 1982.
INSTITUTO
GRAMSCI. Studi gramsciani, Roma, Riuniti, 1958
____________________.
Gramsci e la cultura contemporanea, Roma, Riuniti, 2 vols.
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Orbis, 1986.
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Giuliano. Storia degli italiani, Roma-Bari, Laterza, 1990.
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S.F. Antonio Gramsci, Turim, Utet, 1965.
SPRIANO,
Paolo. L'occupazione delle fabbriche: setembre 1920, Turim,
Einaudi, 1964.
Notas
(1)
Este artigo é uma versão condensada do capítulo
3 da dissertação de mestrado intitulada "O
conceito de cultura em Antonio Gramsci: desde as crônicas
turinenses aos Cadernos do Cárcere", que o autor
apresentou à Universidade de São Paulo em 1997.
(2)
Alguns estudos importantes são, por exemplo: Henri Pirenne,
História Econômica e Social da Idade Média;
Giuliano Procacci, Storia degli italiani; Maurice Dobb, A evolução
do Capitalismo; Eugenio Garin, Scienza e vita civile nel Rinascimento
italiano; Christopher Hill, A revolução inglesa
de 1640; Albert Soboul, A Revolução Francesa;
Barrington Moore Jr., As origens sociais da democracia e da
ditadura; G.D.H.Cole, Historia del pensamiento socialista; Max
Beer, Historia do Socialismo e das Lutas Sociais; Eric J. Hobsbawm,
História do Marxismo e A Era das Revoluções;
Annie Kriegel, Las Internacionales obreras (1864-1943); Robert
Michels, La sociologia del partido politico; Norberto Bobbio,
Perfil ideólogico del siglo XX en Itália; A.Chabod,
L'Italia contemporanea (1918-1948); Giuseppe Fiori. Vita di
Antonio Gramsci, Bari, Laterza, 1966. Maurice Finocchiaro. Gramsci
and the history of dialetical thought, Nova York, Cambridge
University Press.
(3)
A base de pesquisa foi composta pela leitura sistemática
e completa das crônicas gramscianas, organizados nos seguintes
volumes: I) Cronache torinesi (1913-1917), 399 artigos; II)
La città futura (1917-1918), 486 artigos; III) Il nostro
Marx (1918-1919), 395 artigos; IV) L'Ordine Nuovo (1919-1920),
230 artigos; V) Socialismo e fascismo. L'Ordine Nuovo, 1921-1922,
218 artigos; VI) La costruzione del partito comunista (1923-1926),
115 artigos; VII) Lettere (1909-1926). Utilizarei nas futuras
citações a seguinte legenda: CT (Cronache Torinesi),
CF (La città futura), NM (Nostro Marx), ON (L'Ordine
Nuovo), SF (Socialismo e fascismo), CPC (La costruzione del
partido comunista), L (Lettere dal carcere). As citações
poderão também estar seguidas da página:
(CT35) significa Cronache Torinesi, página 35. É
importante notar: 1º) as crônicas teatrais, os artigos
"espúrios" e os artigos de "atribuição
incerta" não fizeram parte desta pesquisa. 2º)
As fontes gramscianas foram: palestras, conferências,
reuniões sindicais e do Partido e leituras de jornais,
revistas, livros e correspondências dirigidas ao seu jornal.
(4)
Defronte da tese da neutralidade absoluta da guerra, proclamada
pelo Partido Socialista Italiano em agosto de 1914 e da tese
de Mussolini da neutralidade relativa, publicada no artigo Dalla
neutralità assoluta alla neutralità relativa ed
operante, "Avanti!", em 18 de outubro de 1914, que
defendia a possibilidade da Itália entrar na guerra,
Gramsci em seu artigo publicado em 31 de outubro de 1914, Neutralità
attiva ed operante no "Il Grido del Popolo" (CT10-15),
apurou a situação política e apontou seus
os equívocos.
(5)
Ou seja, se o socialismo não existe até hoje é
porque vigora um estado de coisas determinantes pela relação
entre exploradores e explorados. Eis o primeiro objetivo do
jornalismo crítico: de levar à humanidade a partir
do proletariado a consciência dos próprios valores,
através de reflexões inteligentes sobre as razões
de determinados fatos e sobre o melhor meio para convertê-los
em ocasiões de reconstruções sociais. Faltam
no parágrafo as aspas? Os grifos são nossos, idem,
p. 100.
(6)
Pode-se confrontar o citado em: Giambattista Vico, La scienza
nuova seconda, a cura di F. Niccolini, Laterza, Bari 1953, pp.64-66
e Novalis, Frammenti, a cura di G. Prezzolini, Carabba, Lanciano
1914, ("Cultura dell'anima").
(7)
Já citados na nota 2, p.1: I) Cronache torinense (1913-1917),
205 artigos; II) La città futura (1917-1918), 337 artigos;
III) Il nostro Marx (1918-1919), 204 artigos, IV) L'Ordine Nuovo
(1919-1920), 230 artigos. Ao todo foram 746 artigos escritos
entre janeiro de 1914 a abril de 1919.
(8)
A primeira divisão reforça a crítica moral
do indivíduo na sociedade: 1) Professores, intelectuais,
cientistas e literatos; 2) Prefeito de Turim; 3) Políticos
em geral; 4) Editores, redatores e instituições
de cultura - A segunda divisão demonstra temas que importam
para a crítica social: 1) Capitalismo; 2) Catolicismo,
religião, igreja católica e cristianismo; 3) Censura;
4) Episódios marcantes; 5) Guerra mundial, pacifismo
e pós-guerra; 6) Questão meridional; 7) Nacionalismo;
8) Ações políticas; 9) Síntese histórica;
10) Socialismo, marxismo, proletariado, Internacional comunista,
sindicalismo, Revolução russa, Lênin e comunismo.
Lembramos que essas divisões só foram destacadas
do material pesquisado, através do qual nos orientamos
neste artigo.
(9)
La luce che si è spenta, 20/11/1915, (CT23). Renato Serra
foi escritor e crítico italiano morto em combate em 20/07/1915.
(10)
Os artigos de referência ao professor Vittorio Cian (1862-1951)
são os seguintes: CT81, CT85, CT317, CT576, CF247, CF338n,
CF472n, CF860, CF862n, NM09, NM281, NM446.
(11)
Capintesta significa quem guia um grupo de pessoas ou dirige
uma empresa. É uma palavra que tem sentido desprezível.
(12)
Disfattismo quer dizer a atividade de quem, em tempo de guerra,
não concorda com o falso patriotismo de quem pensa que
não se possa criticar as decisões tomadas do governo
do país beligerante. O disfattista é então
aquele que deseja e procura segundo suas forças e capacidade
a desfazer o empreendimento bélico do próprio
país.
(13)
Os artigos de referência ao professor Francesco Ruffini
(1863-1934) são os seguintes: CT27, CT159, CT358, CT384,
CT537, CT676n, CF122, NM153n.
(14)
Os artigos referentes ao professor Arnaldo Monti são
os seguintes: CF217-19, CF458, CF524-26, NM104, NM466, NM492.
(15)
Especialista em conduzir para a escola média o nacionalismo,
o professor Monti escrevia: "A escola é uma força
nacional; a nação faz neste momento convergir
todas as forças para a vitória na guerra em que
se empenhou (...) para obter isso, eu portanto não falarei
aos meus escolares outra coisa que de guerra, farei assim que
também fora da escola esses não se ocupem a não
ser de guerra: conselherei a eles portanto de dedicar-se ao
tiro ao alvo, conduzir-lhe-eis através da Itália
a buscar as pólvoras fatais do teatro, promoverei entre
eles associações anti-disfatistas" (In NM104).
Aí o ensino irresponsável, a baixa cultura, a
vulgaridade espiritual.
(16)
Os artigos sobre nacionalismo são os seguintes: CT436,
CT83, CT85, CF80, CT389, CT574, CT265, CT56, CT246, CT27, CT29,
CT466, CF284, CT551.
(17)
In Stenterello (CF84-86). Existem dois significados para a palavra
Stenterello, mas que servem para Gramsci de protótipo
da burguesia italiana: É uma máscara do teatro
florentino que representa o caráter de uma pessoa magra
e apática ou ainda vazia e ridícula.
(18)
Confrontar os seguintes artigos de referência: 1) Achille
Loria CT33, CT60, CT159, CF168, CF536, CF573, CF576, CF614,
CF745, CF769, CF812, NM23, NM140, NM293; 2) Giuseppe Prato CF769,
CF782, CF847, NM22, NM283, NM494; Cesare Foà CF89, CF126,
CF136, 143, 144, 146; 4) Bertarelli CT64, CT158. Sobre o catolicismo
confrontar nota 61.
(19)
Confrontar os artigos sobre a Liga Antialemã CF136, CF144
e NM194. A Liga de ação antialemã iniciou
em Turim em junho de 1916. O objetivo declarado da Liga era
de "opor-se à danosa penetração alemã,
do ponto de vista político, da cultura, da finança,
da indústria, do comércio, para atingir a emancipação
completa: moral, intelectual e econômica de toda hegemonia
teutônica" em CT86. Confrontar os artigos de Pietro
Romano: CT129, CF220 e de Cesare Foà: CF89, CF129, CF139,
CF143.
(20)
Confrontar os seguintes artigos sobre políticos e temas
relacionados a eles: Agostino Berenini (NM70), Alessandro Di
Giovanini (CF765), Bevione (CT135, CT366, CT475, CT244, CF534,
CF561, CF622), Casalegno (CT619), Casalini (CF410), Crítica
aos políticos em geral (CF655), Dante Ferraris (CF159),
Delfino Orsi (CT363, CT489, CF317), Eduardo Verdinois (CT313),
Estado corrupto (CF713), Ex socialistas (NM43), Francesco Ruffini
(CT358, CT384, CF270, CF310), Francesco Saverio Nitti (CF463),
Garafalo (CT616,CF544), Giolitti (NM241), Leuman (CT211), Maffi
(CT430), Morgari (CF527), Muratori (CF629), Orlando (NM322),
Petrolini (CT449), Saverio Fino (CT119, CT121), Tito Livio Cianchettini
(CF493), Tulio Mazoti (NM125), Ulderico Mazzolini (CF776), Zibordi
(CT153).
(21)
Tratava-se do conde Teofilo Rossi de Montelera, empresário
da famosa indústria vinícola "Martini e Rossi",
eleito síndico de Turim em 1910 e confirmado no cargo
depois das eleições municipais de junho de 1914.
Será o primeiro alvo preferido de Gramsci para denotar
o modelo imoral de homem público. São-lhe dedicados
ao todo 11 artigos, a maioria durante o ano de 1916, quando
foi deposto. Confrontar os seguintes artigos: CT32, CT36, CT38,
CT57, CT106, CT110, CT123, CT155, CT310, CT326, CT334, CT355.
(22)
Várias greves ou manifestações foram abafadas
com violência injustificada, ocorrendo mortes e prisões.
(23)
Em "L'escluzione" (CT57); Area ai monti (Ares aos
montes) pode ser traduzido por um apelido daquele que anda com
o nariz empinado.
(24)
Confrontar o artigo CT326.
(25)
La beneficenza torinense in un anno di guerra in "La Stampa",
19/05/1916.
(26)
Confrontar os seguintes artigos sobre censura e censuradores:
Censura turinense e milanesa (CT629, CT633, CF36, CF304, CF466,
CF578, NM433); Ofício/Funcionários da censura
(CT619, CF47, CF732, CF744, CF794), Protesto (CF435, CF436,
CF438, CF793, NM373, NM389, NM598), Liga Antialemã (CF541),
Segredo epistolar (CF559), Censura postal (NM371), Censura do
país polichinelo (NM513).
(27)
Confrontar os seguintes artigos sobre os editores, redatores
e instituições de cultura: imprensa católica
(CT132), imprensa italiana (NM615), Jornalismo (CT271, NM91),
Réplicas de Dante Ferraris (CT381), Réplicas de
Castagno (CT546), Notícias de massa (NM440), Informes
(NM380), Prisão Pedro Balocca (NM420), Opinião
Pública (CF102), Crítica ao Città Futura
(CF105), Liga antialemã (CF143), Cottolengo (CF155),
cultura e burguesia turinense (CF175), cultura e estilo literário
(CF344), escritores socialistas: (CF178), Girola Tulin (CF80),
Angelo Muratori (CF729), Roman Rollan (CF753), Mario Viscardini
(NM216), Luigi Covre (NM569), Paulo Mattei Gentili (CF251),
Lucro de guerra (CF181), Fato de Turim (CF289), Socialistas
locais (CF370), Avaliação entre jornais (CT548),
Matérias pagas (CF388), Reflexão sobre jornal
(CF432), Exame jornalismo (CF487),Polêmica entre jornais
(CF495, CF522), Diálogo entre jornais (CF589), Grido
del popolo (CF485, CF652, NM164), Avanti! (NM423, NM426, NM428,
NM449, NM472), Stampa (NM461), Gazetta del popolo (NM391, NM548,
NM561), Preseveranza (NM352), Momento (CF822, NM106, NM363),
artigos do Secolo (CF464), artigos do Idea Nazionale (CF491),
artigos de Delfino Orsi (CF563), artigos de Ítalo Munini
(CF565, CF585, CF609, NM366), diretores e redatores: Giuseppe
Prato (CF847), Ettore Jane (CT74), Podrecca (CT583), Giuseppe
Bevione (CT114), Delfino Orsi (CF286), Olivetti (CF371, CT374),
Prampolini (CF390),Italo Munini (CF470, CF481, NM46), correspondência
(NM474), Cottolengo (CF155), Crítica a Citta Futura (CF105),
Fato de Turim (CF289), Informes (NM380), Jornalismo (CT271,
NM91), Liga antialemã (CF143), Lucro de guerra (CF181),
Notícias de massa (NM440), Opinião Pública
(CF102), Prosa Gramsci (CF456, NM239, NM263), Prisão
Pedro Balocca (NM420), Reflexões sobre escola (CF831,
NM252), Socialistas locais(CF370), Tabela Logaritmo (CF185).
(28)
"Lo stato operaio" in Socialismo e fascimo. L'Ordine
Nuovo 1921-1922, Einaudi, 1966, ps. 3-7.
(29)
As eleições de 15 de maio de 1921 tiveram o seguinte
resultado: 139 cadeiras para os operários (123 socialistas
e 16 comunistas) contra as 156 das eleições passadas.
Os populares católicos obtiveram 110 cadeiras e os fascistas
35.
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