Monografias
Rui
Barbosa: a imprensa livre como um bem público
Por Richard
Romancini*
1.
Introdução
Este
texto tem como objetivo principal apresentar as idéias
sobre o jornalismo do político, jurista e, de certo modo,
também jornalista Rui Barbosa. Num primeiro momento,
mostraremos o entrelaçamento da atividade jornalística
na biografia do autor, pois esta é uma via de compreensão
de suas idéias - por hipótese, as práticas
ligadas a certa concepção, não necessariamente
explícita, de jornalismo. Ao mesmo tempo, isso serve
para contextualizar o autor num tempo e num espaço específicos,
aspectos fundamentais para o pleno entendimento de suas idéias
e atuação.
Faremos
também uma breve descrição e comentários
sobre trabalhos que o autor publicou na imprensa discutindo,
de certo modo, o tipo de jornalismo que praticava; este gênero
de texto é exemplificado, principalmente, pelos "artigos-programa",
que ele escreveu quando iniciava algum periódico ou quando
ingressa num jornal e dá uma nova fase ao mesmo. Há
também outros artigos em que Rui Barbosa falará
sobre a imprensa nos jornais. Estes trabalhos encontram-se dos
volumes 6, 7 e 8 de sua Obras Seletas (Barbosa, 1956) que compreendem
parte significativa dos textos jornalísticos de Rui Barbosa.
Por
fim, aproximando-se de modo mais efetivo do objetivo do texto,
descreveremos os pontos da obra A imprensa e o dever da verdade,
a mais sistemática reflexão de Rui Barbosa sobre
o jornalismo, que configuram um pensamento do autor sobre a
atividade.
2. O jornalismo na biografia de Rui Barbosa
2.1.
Rui Barbosa na imprensa: jornalismo de combate
Temos
duas tribunas; uma, pela vocação do nosso trabalho:
a imprensa; outra, [...]: o Congresso. Não renunciaremos
a nenhuma das duas. E, no uso que de uma e outra fizermos,
apelaremos dos amigos do Governo para os amigos do país.
Rui
Barbosa (Jornal do Brasil, 28 de julho de 1893, in Barbosa,
1956, vol. 7, 63)
Não
é sem motivos que Rui Barbosa em determinadas circunstâncias
proclamou sua condição de jornalista. Diria também
que, ao lado do direito, a imprensa foi a profissão que
teria "amado sobre todas" (apud Marques de Melo, 1993,
44). Com efeito, em sua biografia, em vários momentos
vemos como ele anima, trabalha ou dirige empreendimentos nesta
área. Assim, nascido em Salvador (BA), em 1849, Rui Barbosa,
menos de vinte anos depois, se iniciaria na imprensa, escrevendo
para jornais acadêmicos, em São Paulo. O jovem
Rui foi para esta cidade para continuar o curso de Direito que
iniciara no Recife, em 1866. Em São Paulo, conviveria
com pessoas do nível de Castro Alves - que também
havia sido seu companheiro no colegial - e outras, com quem
mais tarde cruzaria em sua trajetória política,
como Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves e José Maria da
Silva Paranhos Júnior (futuro barão do Rio Branco).
As
idéias compartilhadas por essa geração
aproximavam-se do romantismo literário, agora numa fase
mais política, na qual havia num "forte comprometimento
com o liberalismo europeu e seus ideais de liberdade e igualdade"
(Gonçalves, 2000, 18). Era também um grupo que
não separava a literatura da política, em outras
palavras, "só concebiam a atividade política
munida do arsenal das belas-letras, da eloqüência
e da oratória" (idem, 17). É importante reter
este aspecto, ao qual retornaremos, pois ele é outra
constante da atividade político-jornalística de
Rui Barbosa. Por outro lado, registre-se também que ele
se manteve fiel ao ideal político liberal, consolidado
neste período estudantil, pelo resto da vida.
O
ideário liberal fortificava-se mais no circuito de atividades
extra-classe do que na Academia, cujo ensino sofria fortes críticas
dos alunos, por ser desatualizado e desinteressante. (O próprio
Rui Barbosa, anos depois, em 1882, propôs ao Parlamento
uma Reforma do Ensino Superior, no qual se embasava em sua experiência,
protestando contra o tipo de ensino e práticas que conhecera,
como o protecionismo que substituía o mérito nas
avaliações e a incompetência pedagógica
generalizada.) Dessa forma, ser estudante direito significava
sobretudo
dedicar-se ao jornalismo, fazer literatura, especialmente
a poesia, consagrar-se ao teatro, ser bom orador, participar
dos grêmios literários e políticos, das
sociedades secretas e das lojas maçonicas. (Venâncio
Filho apud Gonçalvez, 2000, 19, grifo nosso)
Assim,
Rui Barbosa teve uma atuação estudantil típica:
não só escrevia na imprensa, mas era ainda membro
e orador de ateneus dedicados à arte e à política,
fez versos patrióticos; ingressou na maçonaria
- envolvendo-se em debates com outros maçons - e na maior
sociedade secreta de então, a Burschenschaft. Também
se aproximou do grupo mais democrático do Partido Progressista,
que havia fundado o Clube Radical, cujo núcleo paulista
se chamava Radical Paulistano. Com esse nome, e ligado a este
grupo, foi criado um jornal, em 1869, contanto com Rui Barbosa
como o principal redator. No mensário Radical Paulistano
Rui Barbosa não chegou a defender o fim da Monarquia,
pois ainda rechaçava a República, mas publicou
textos em defesa de causas progressistas como a eleição
dos presidentes de província; do voto universal e direto,
e da abolição da escravatura. O artigo "A
emancipação progride" escrito por Rui Barbosa
para este jornal é considerado um clássico da
causa abolicionista.
Esta
imprensa animada ou criada por acadêmicos é particularmente
importante no caso da São Paulo de então, uma
cidade relativamente acanhada, na qual o principal pólo
intelectual era a Faculdade de Direito. Como observa Freitas
Nobre (1950, 67):
Realmente,
se estudamos a imprensa paulista, uma justiça se ressalta
imediatamente aos nossos olhos: a de que toda ela surgiu das
velhas Arcadas do Largo do São Francisco, onde se exercitaram,
nos pequeno e nos grandes jornais, Rui Barbosa, Castro Alves,
Álvares de Azevedo, Joaquim Nabuco, Fagundes Varela,
Pedro Lessa, Pedro Taques de Almeida Alvim, Quintino Bocaiúva,
Celso Garcia [...] e tantos outros.
Esta
imprensa ultrapassava os limites da Escola ao atingir "as
mais diversas camadas sociais, dada a circulação
e penetração interna a que atingiam, logrando,
muitas vezes, popularizaram-se na Paulicéia" (Freitas
Nobre, 1950, 77), divulgando os ideais abolicionista e republicano.
Retornando
ao início da atuação de Rui Barbosa na
imprensa, notamos que já aparecem neste momento os elementos
recorrentes do trabalho de Rui neste campo: o jornalismo de
opinião, suporte para determinadas iniciativas políticas
ou jurídicas, o que Marques de Melo (1983) caracteriza
como um "jornalismo de combate".
Vale
notar, como assinala Gonçalves (2000), que o próprio
estilo de atuação política de Rui Barbosa
seria marcado pelas campanhas, em outros termos, por "combates"
em prol de determinadas causas. Em cada época de sua
vida, Rui Barbosa
levantava
uma bandeira, uma questão a que dedicava totalmente,
que estudava com afinco, e pela qual se batia com ardor. Munia-se
de materiais eruditos para fundamentar suas posições
e lançava-se em virulentas polêmicas. Tendo alcançado
um ponto desejável, ou - no mais das vezes - tendo
perdido a batalha, retirava-se da luta para abraçar
mais adiante nova campanha. Assim foi sucessivamente com a
eleição direta, o anticlericalismo, a abolição,
a federação, a oposição a Floriano,
a revisão constitucional, a candidatura civilista,
a oposição a vários governos, a entrada
do Brasil na I Guerra Mundial etc. etc. (Gonçalves,
2000, 29)
Este
é o nexo mais evidente entre a atuação
de Rui Barbosa no jornalismo e na política; ele procedia
em ambas as esferas - uma reforçando a outra, por vezes
- sob o parâmetro da disputa de idéias, combate
doutrinário, crítica - por vezes violentas - a
determinadas posições dos adversários.
Não por acaso, ainda em vida, em 1921, ao compilar seus
escritos jornalísticos para publicação
no conjunto de sua Obra, Rui Barbosa escolheu o nome de "Campanhas
Jornalísticas" para sua série de escritos
na imprensa (Lacombe, 1956, 3).
O
período posterior de Rui Barbosa na imprensa, já
de volta à Bahia, mostra, de modo mais saliente ainda,
tais características, ligadas também ao seu ingresso
e ascensão no mundo político-parlamentar.
2.2.
O início da trajetória política de Rui
Barbosa
Rui
Barbosa regressou à Bahia em 1871, mesmo ano em que se
diplomou. Retomaria as atividades jornalistas em 1872, quando
passou a colaborar no Diário da Bahia - órgão
do Partido Liberal -, graças a Manuel Souza Dantas, o
maior líder deste partido, na região, que era
amigo de seu pai. Também com a ajuda de Dantas, Rui Barbosa
montara um escritório de advocacia. No Diário
da Bahia, novamente ele teria uma tribuna para defender a causa
abolicionista e desenvolver outras campanhas, entre elas, em
prol de uma das principais bandeiras do Partido Liberal - a
eleição direta - e contra o serviço militar
obrigatório.
Em
1874, o pai de Rui, um ex-líder político regional
que vivia no ostracismo e da renda de uma modesta olaria, morreu;
novamente com ajuda de Dantas, Rui Barbosa obteve um favor:
a nomeação para o último cargo ocupado
por seu pai, o de inspetor da Santa Casa de Misericórdia
da Bahia. É interessante notar, pois, que Rui Barbosa
exercia, nessa época e de modo costumeiro, o jornalismo
e outras ocupações, indício claro do caráter
pouco profissional de sua atuação na imprensa.
O jornalismo era uma atividade mais voltada a ser um veículo
da defesa de idéias do que um expediente para ganhar
a vida.
Como
nota Barbosa Lima Sobrinho, ao falar sobre o Rui Barbosa jornalista,
"o que lhe interessava era ter nas colunas dos periódicos,
a tribuna que precisava, para a defesa de suas idéias
[...] não foi, e não quis ser, um jornalista profissional"
(apud Marques de Melo, 1993, 44), apesar de sua variada atividade
na área. O próprio Rui comentaria que jornalismo
não lhe trouxe vantagens pecuniárias, embora tenha
servido para que ele ascendesse politicamente (cf. Marques de
Melo, 1993, 46).
Com
efeito, a necessidade de recursos financeiros - Rui Barbosa
desejava casar e precisa de fundos para contrair o matrimônio
com Maria Augusta Viana Bandeira, de quem ficara noivo - fez
com que ele fosse ao Rio de Janeiro, em 1876. Na Corte, ele
se empregou num escritório de advocacia e passou também
escrever para o jornal A Reforma e a freqüentar círculos
liberais, começando a criar fama como orador, nesse momento,
por discursos que causaram polêmica na cidade. Rui Barbosa
iniciava com esses pronunciamentos outra de suas campanhas,
dessa vez, a respeito do tema religioso. Ele defendia a liberdade
de religião e a separação entre o Estado
e a Igreja. O debate se colocava no contexto da chamada Questão
Religiosa.
Outra
ação de Rui Barbosa dentro dessa campanha, mas
também uma tentativa de melhorar sua situação
econômica, foi a tradução e a elaboração
de uma introdução - que, por sinal, acabaria sendo
maior em tamanho do que a obra original - para o livro O papa
e o concícilio, do autor alemão antipapista Joahann
Döllinger. Esse trabalho valeria a Rui Barbosa, por toda
a vida, inimigos no campo da Igreja. Ainda que suas críticas
fossem ao atraso cultural e econômico devido à
ação nefasta do catolicismo oficial, e não
à religião em si mesma - Rui defendia a mensagem
cristã, o catolicismo original - ele já imaginava
uma possível reação negativa, por isso
apressou o casamento, temendo que, depois que a obra fosse publicada,
não conseguisse celebrá-lo. Assim, casou-se em
1876 e, no ano seguinte, retornou a Salvador, onde assumiu a
direção do Diário da Bahia, e continuou
a atividade de advogado.
Em
janeiro de 1878, ele é eleito deputado provincial e em
setembro deputado-geral, para a Câmara do Império.
Isso ocorria principalmente em função do retorno
dos liberais ao poder, já que as eleições
parlamentares no Império eram feitas com o objetivo de
referendar o gabinete que assumia. É difícil mensurar
totalmente o peso da atuação jornalística
de Rui Barbosa, neste estágio, em sua ascendente trajetória
política, já que as eleições eram
decididas por arranjos internos entre a elite, e nesse sentido
o peso político de seu padrinho Manuel Souza Dantas seria
fundamental nesse início. Contudo, é fato que
a atuação como jornalista e também como
orador colocaram Rui Barbosa numa posição de destaque
no Partido Liberal.
Na
restrita esfera pública brasileira de então, as
primeiras campanhas e pronunciamentos de Rui Barbosa garantiam-lhe
se não a eleição pelo menos a fama de "orador
e escritor capaz de destruir o argumento alheio" (Gonçalves,
2000, 34). Tais características lançavam luz própria
sobre sua figura e lhe permitiriam ter participação
decisiva em importantes debates nacionais, bem como lutar pela
própria democratização política.
Novamente a imprensa seria um instrumento de sua ação
e agora também daria cobertura a ela, começando
a forjar uma figura pública que acabaria se tornando
conhecida já durante a Monarquia.
2.3.
A projeção nacional de Rui Barbosa e suas novas
campanhas
Os
discursos de Rui Barbosa em seu primeiro mandato nacional logo
lhe garantiram um lugar de destaque na legislatura e também
na imprensa. Assim, seu segundo discurso - com a inusitada duração
de quatro horas -, no qual defendeu a ação do
governo do Império de nomear um gabinete liberal e convocar
eleições, provocou a publicação
de uma caricatura na Revista Ilustrada, de Ângelo Agostini.
Nela, Rui era retratado como um boneco de corda, sob a legenda:
"Corda garantida por 24 horas. Privilegiado pelo Governo
imperial" (apud Gonçalves, 2000, 35).
Este
é o início de uma proliferação de
caricaturas no qual os desenhistas exageravam características
físicas de Rui Barbosa para fazer rir, e iam, ao mesmo
tempo, construindo uma legenda de homem público que se
tornaria popular: uma enorme cabeça, sustentada por um
corpo frágil e de pequena estatura (ele media 1,58m).
Rui foi um dos políticos mais caricaturizados do Brasil
em todos os tempos (ver exemplos em Anexo).
O
estudioso da caricatura Herman Lima chegou a compilar estes
trabalhos num livro (Rui e a caricatura), publicado em 1950.
Num país com alto índice de analfabetos, este
fato não deve ser negligenciado em termos da divulgação
da figura de Rui entre os grupos populares. (Lembre-se, por
exemplo, que Joaquim Nabuco referiu-se à Revista Ilustrada
como a "Bíblia da abolição dos que
não sabem ler", por ela divulgar a causa por meio
de desenhos, cf. Sodré, 1999, 218.)
Durante
esta experiência parlamentar Rui Barbosa também
se envolveria em duelos de retórica com adversários
políticos importantes. A vitória de suas posições,
em determinados episódios, consolidava sua "fama
de orador devastador, e sobre ela [Rui] construiria grande parte
de sua carreira" (Gonçalves, 2000, 36). O destaque
alcançado permitiria que ele fosse indicado como redator
de um projeto de reforma eleitoral - antiga bandeira sua. Do
projeto resultaria a chamada Lei Saraiva, uma tentativa de moralização
do processo político na Monarquia, que se situava no
contexto de reformas que o Império procurava promover
para se atualizar. Rui, em sua proposta, mantinha o voto censitário
e introduzia a exclusão dos analfabetos do direito ao
voto.
Este
aspecto fez com que, embora a intenção da nova
lei fosse tornar o sistema mais democrático, houvesse
uma redução expressiva da parcela da população
que poderia votar (caiu de 10 para 1%). Foi um efeito indesejado,
mas que também mostrava os limites do reformismo do Império,
bem como as posições políticas liberais
de Rui Barbosa, que apelava para o exemplo inglês, que
não concedia direito de votos aos operários, em
defesa de seu projeto. Por outro lado, Rui faria, no âmbito
da Lei Saraiva, uma proposta de destinar recursos de um imposto
sobre os aluguéis para estabelecer um sistema de educação
popular. Esta proposição não foi aceita,
porém.
Em
1881, Rui Barbosa candidatou-se à reeleição
para o parlamento do Império. Ele teria dificuldade para
se eleger; assim como seu adversário conservador não
obteve a maioria necessária para ganhar a vaga de deputado.
Ele introduziria então
algo
totalmente novo, estanho às práticas políticas
tradicionais: a campanha política. Acreditava no ideal
de que as pessoas votariam em um programa, em idéias,
e de que pelo argumento conseguiria seu apoio. (Gonçalves,
2000, 39).
Dessa
forma, visitaria todos os eleitores de seu distrito eleitoral
e conseguiria ser eleito, por uma pequena margem de votos (444
contra 424 de seu adversário conservador). Atentar para
este fato é importante por salientar o papel do convencimento,
da persuasão pelas idéias, que Rui Barbosa associava
à política, mas, também, tornando o jornalismo
uma "tribuna ampliada".
Os
primeiros anos do segundo mandato de Rui Barbosa, iniciado em
1882, são marcados pelos debates, nos quais participa
ativamente, inclusive apresentando projetos, sobre reformas
no ensino brasileiro. Os resultados das discussões, projetos
ambiciosos de reforma, não se tornaram, todavia, políticas
do Império. Apesar disso, ele receberia, devido a seus
esforços pela educação, o prestigioso título
de "conselheiro", a maior honraria não-nobiliárquica
concedida então.
A
indicação para o título de conselheiro
fora dada pelo conselheiro Lafaiete, de cujo gabinete Rui Barbosa
fora um dos maiores defensores, principalmente em artigos, publicados
com pseudônimo no Jornal do Commercio. Observa-se, pois,
mais uma vez, a simbiose entre política e jornalismo
na atuação de Rui; este servindo de instrumento
àquela.
O
gabinete de Lafaiete caiu em junho de 1884, sendo substituído
justamente por Manuel Dantas, o antigo protetor de Rui Barbosa.
Ele esperava ser indicado para o ministério, o que não
ocorreu, no entanto, tornou-se líder do gabinete na Câmara.
Esse momento é marcado pela retomada da campanha abolicionista
por Rui, que apresenta projeto pela emancipação
dos escravos com mais de 60 anos. Defende-o pela imprensa -
novamente no Jornal do Commercio e sob pseudônimo e também
em O País, no qual Rui ocupou o cargo de redator-chefe
por três dias - e em pronunciamentos, por vezes bastante
agressivos, na Câmara.
O
projeto, embora acusado de ser muito tímido por abolicionistas,
provocou uma crise no gabinete, em função da reação
conservadora. Rui Barbosa chegaria a ser acusado de "comunista"
e foi atacado pelo clero e por senhores de escravos. O gabinete
Dantas, por isso, cairia em abril de 1885, Rui perderia espaço
no partido e seu projeto não seria aprovado. Ele passaria,
então, por relativo ostracismo na vida parlamentar até
o fim do mandato. Seria também derrotado nas eleições
de 1884, 1886, 1888 e 1889, quando não conseguiu voltar
à Câmara de Deputados nacional. Isso demonstra
bem a oposição a sua campanha abolicionista por
parte da elite, bem como o enfraquecimento do Partido Liberal
- no qual Rui passou a ter opositores -, após sair do
poder em 1885.
As
dificuldades do político baiano para voltar ao Parlamento
Imperial impeliam-no a ser mais radical em suas propostas abolicionistas
e também, agora, da defesa do regime federativo. Iriam,
assim, aproximar Rui Barbosa da República, potencialmente
um meio para realizar as reformas que ele considerava importantes.
Até
a aprovação da Lei Áurea, porém,
a grande causa de Rui Barbosa seria o abolicionismo, que ele
defendeu em conferências, promovidas por associações
ligadas a esta causa; como advogado, apelando à lei para
a soltura de escravos, e, naturalmente, também pela imprensa,
escrevendo, por exemplo, para a Gazeta de Notícias do
Rio de Janeiro, em 1888. Neste ano, a escravidão seria
extinta e Rui então se voltaria mais à campanha
pela federação e reformas no Império, principalmente
por meio de sua atividade como jornalista no Diário de
Notícias, naquela que é considerada sua principal
fase na imprensa.
2.4.
O Diário de Notícias e o apoio ao federalismo:
a fase áurea do jornalista
Rui
Barbosa assumiu o cargo de redator-chefe do Diário de
Notícias em março de 1889. O jornal apoiara a
Abolição e seu proprietário era republicano,
porém, ele não obrigaria Rui, ainda reticente
quando a este sistema político, a adotar o mesmo ponto
de vista. O jornal vivera um bom período na campanha
abolicionista, mas se encontrava com menor prestígio
então. E foi justamente a campanha federalista e as críticas
a aspectos do regime monárquico realizadas por Rui que
fizeram com que o jornal tivesse um enorme sucesso.
Mesmo
críticos de Rui Barbosa, como R. Magalhães Júnior,
reconhecem o poder desta campanha por meio do Diário
de Notícias. Diz ele:
É
Rui quem, a golpes tremendos vai impiedosamente destruindo
as bases do velho regime, através de uma argumentação
cada vez mais cerrada e envolvente. [...] A pena de Rui, quase
tanto quanto a espada de Deodoro, fora responsável
pela queda do Império. (apud Gonçalves, 2000,
53-54)
Rui
Barbosa utilizou as armas do artigo de opinião - nos
parece que sua produção é exemplar daquilo
que era chamado por muitos de "artigo de fundo" -,
com sua linguagem erudita, por vezes, difícil, entrelaçando
elementos do cotidiano político - ações,
figuras, efemérides - às suas críticas,
realizadas a luz de doutrinas liberais. Esta ancoragem nos fatos
afasta a tendência ao ensaísmo puro - de defesa
de idéias - desta produção. Um exemplo
interessante é dado pelo artigo "Partidos Imperiais"
(Barbosa, 1956, vol. 1, 149-150) de 8 de setembro de 1889, no
qual seis longos parágrafos esmiúçam a
fragilidade do sistema partidário local, numa discussão
erudita (apela-se a Guizot, logo no início), crítica
(comenta que o "sistema representativo, na sua pureza"
não foi experimentado no Brasil) e relativamente abstrata.
Contudo, no penúltimo parágrafo o "ontem",
o fato que justifica (jornalisticamente) todo o discurso anterior
aparece:
Nunca
essa situação crônica se desenhou melhor
do que no espetáculo das eleições, a
que estamos assistindo. Sua Majestade fez render a sua escolta.
A de ontem desapareceu, deixando ouvir apenas o murmúrio
de queixas por ora inofensivas. Mas, quando tocarem o diapasão
perigoso, a máquina eleitoral posta em movimento pela
coroa virá demonstrar, por uma unanimidade oposta à
de hoje, que o Partido Liberal não é menos nulo
do que o conservador, e que um e outro não existem,
em última análise, senão por obra e graça
da régia vontade.
Também ambos parece não aspirarem a outro destino.
(Barbosa, 1956, 150, grifo nosso)
Em
meio a esta campanha político-jornalística por
reformas no Império, Rui seria convidado para ser ministro,
do gabinete liberal chefiado pelo visconde de Ouro Preto que
ascendia. Ele vinculou o aceite à adoção
da reforma federalista. Isso não ocorreu, e Rui Barbosa
passaria a atacar também o governo de seu próprio
partido. Sofreria represárias, no âmbito do partido
e do jornal. De um lado, era barrado da lista de candidatos
liberais baianos; de outro, Ouro Preto tentaria proibir a venda
do Diário de Notícias, bem como do jornal O País,
dirigido por Quintino Bocaiúva e francamente republicano.
A tentativa de coibir a circulação desses jornais
teve, porém, um efeito oposto, já que as vendagens
de ambos, justamente pela perseguição, aumentaram.
Gonçalves (2000, 55) nota que se "se alguma agitação
aconteceu às vésperas do golpe republicano, ela
foi sem dúvida dirigida por Rui e Bocaiúva em
seus jornais".
O
Diário de Notícias passaria também a amplificar
os protestos militares, defendendo-os nos diversos âmbitos
de conflito da chamada Questão Militar. Rui, por exemplo,
escreveria três artigos em defesa de Deodoro da Fonseca,
quando este é enviado para Mato Grosso. Estas ações
jornalísticas sinalizavam uma aproximação
entre ele e o grupo militar que consumaria a República.
Com efeito, sem aliados políticos e descrente da possibilidade
da realização das reformas tornou-se um dos principais
apoiadores civis do golpe que proclamou a República.
É
interessante assinalar, como nota Gonçalves (2000, 58-59),
que o ímpeto polemista de Rui faria com que ele participasse
como político e como jornalista de três questões
que tradicionalmente são associadas à queda do
Império: a Questão Servil, a Questão Religiosa
e a Questão Militar. A despeito disso, Rui Barbosa abandonou
a Monarquia menos pelo regime em si, do que pela incapacidade
do mesmo em promover reformas no Brasil da época. Os
artigo do Diário de Notícias evidenciam uma gradual
proximidade entre o tema das reformas que Rui desejava, como
o federalismo, e a aceitação da República.
Como ele escreve no artigo do Diário de Notícias
de 29 de junho de 1889, "Federação e o Trono"
(Barbosa, 1956, vol.6, 127):
A
federação é o laço de unidade
e o tipo normal da organização livre da nação
na imensidade e diversidade de um território como o
nosso. A monarquia é apenas um meio, ou, para usarmos,
como o nosso eminente colega do Jornal do Commercio, uma expressão
vulgar na ciência do Governo, é um mero "acidente
na vida dos Estados". E os acidentes removem-se, os meios
substituem-se, quando, em vez de servir aos fins a que devem
obedecer, assumem contra eles o caráter de impedimentos
irredutíveis.
Proclamada
a República, Rui Barbosa, aos 40 anos, iria ocupar uma
posição de destaque nesse momento de mudança
de regime. Os conspiradores republicanos tinham-lhe prometido
a pasta da Fazenda. E no governo, Rui tentaria lutar pelas reformas
que defendia. Saiu do Diário de Notícias que,
sintomaticamente, perdeu prestígio e entrou numa fase
de declínio.
2.5.
Rui Barbosa e a República: apoio e exílio
Atuação
de Rui Barbosa no Governo Provisório do marechal Deodoro
envolveu sua participação na feitura do arcabouço
institucional do país sob a organização
republicana. O próprio nome do país mudaria -
para Estados Unidos do Brasil -, de modo a refletir anseios
federativos, caros a Rui, que neste momento começava
a substituir o modelo da Inglaterra pelo dos Estados Unidos
em suas preferências liberais.
Num
plano mais complexo, Rui Barbosa foi um dos responsáveis,
com destaque, pela elaboração da nova Constituição
brasileira, sendo de sua autoria, por exemplo, o projeto de
separação entre Igreja e Estado. O modelo de organização
constitucional defendido por ele consistia numa adaptação
do modelo norte-americano, postulando um avanço liberal,
mas sem os riscos de uma "superdemocratização"
que tivesse efeitos negativos sobre as liberdades individuais.
Ia nessa direção sua defesa das eleições
indiretas para presidente (opção que, contudo,
não prevaleceu no texto constitucional). A Constituinte
que acolheu o projeto elaborado pelo governo foi instalada em
1890 e promulgaria a nova Constituição em fevereiro
do ano seguinte.
Antes
disso, Rui Barbosa, como ministro da Fazenda de Deodoro, iniciava
uma política econômica que acabou conhecida como
"encilhamento", com o objetivo de acelerar a industrialização.
Como se sabe, a liberalização das emissões
monetárias - inspirada em parte na política econômica
dos Estados Unidos - provocou mais especulação,
inflação e fraudes do que o almejado desenvolvimento.
Assim, ainda durante a permanência de Rui no ministério
houve uma tentativa de deter a crise inflacionária, controlando
as emissões monetárias, num único banco.
Porém, os esforços tiveram parco efeito. É
principalmente a este desgaste da política econômica
que se deve sua saída do ministério, no momento
em que há uma renúncia coletiva dos ministros,
em dezembro de 1890. Antes, Rui Barbosa já havia pedido
demissão várias vezes, mas era sempre dissuadido
por Deodoro a manter-se, em geral mais forte, no governo; dessa
vez não. Outro ponto que se atribuí à saída
de Rui do governo é uma eventual discordância entre
ele e Deodoro, em função de tendências autoritárias
do presidente provisório, que desejava um Executivo forte.
Foi
nesse período como membro do governo - o único
de sua vida nessa condição -, que Rui Barbosa
faria um gesto que, com o tempo, foi mal interpretado: a queima
de documentos relativos à escravidão pertencentes
ao ministério da Fazenda. O equívoco consiste
em entender que a ação foi um gesto individual,
para "apagar" a vergonha da escravidão queimando
seu registro. Em verdade, esta era uma reivindicação
de abolicionistas históricos, com o objetivo de impedir
que os donos de escravos pleiteassem indenizações
- o que implicaria, inclusive, no reconhecimento da legitimidade
do regime servil. Por isso, a ação da queima dos
documentos foi, na época, apoiada por sociedades e líderes
abolicionistas.
Após
a saída do governo, Rui Barbosa acompanhou do Senado
a promulgação da Constituição, a
eleição de Deodoro e a crise que resultaria na
renúncia do primeiro presidente brasileiro. E também
prosperava em negócios ligados à advocacia e outros
empreendimentos - o que produzia rumores de que sua atuação
no ministério teria lhe favorecido pessoalmente. Rui
defendeu-se dessa acusação, discursando no Senado,
ocasião em que também atacou a política
recessiva do seu sucessor na Fazenda, Tristão de Araripe.
Porém,
sua principal atuação pública fora do governo
seria a crítica ao apoio dado pelo governo Floriano em
favor da deposição de governos estaduais, especialmente
no caso da Bahia, no qual seria deposto um aliado de Rui. Nota-se,
aqui, como ele se inseria fortemente no contexto da política
regional. Rui Barbosa era, agora, de certo modo, um membro da
oligarquia regional, que possuía projeção
nacional, e dividia as elites locais.
Seria
reeleito para o Senado em 1892, recrudescendo as críticas
contra Floriano; foi contra o fato dele pretender cumprir o
fim do mandato de Deodoro - quando a determinação
constitucional exigia novas eleições. A reação
de Floriano a críticas como essas foi a instauração
de um governo forte e autoritário. Ele mandaria prender
vários militares e políticos, que seriam defendidos
no Tribunal por Rui Barbosa, que, nesse momento, mostrava-se
um exegeta da Constituição contra o arbítrio.
Nesse sentido, Gonçalves (2000, 83-84) comenta que:
Com
sua atuação junto à Justiça. Rui
Barbosa estabeleceu acima de tudo um exemplo de civismo democrático
no Brasil que guiou tantas formas de resistência a ditaduras
posteriores. Ele legava ao país não só
um paradigma de garantia jurídica da liberdade, mas
também um modelo de argumentação contra
a arbitrariedade. Era a palavra, a razão, contra o
autoritarismo da força - é por ações
como essas que Rui merece ser lembrado como um grande patrono
da liberdade neste país.
A
fase seguinte da oposição a Floriano seria marcada
por sua atuação na imprensa, por meio do Jornal
do Brasil, do qual Rui Barbosa tornou-se um dos donos, diretor
e redator, em 1893. Fundado por Rodolfo Dantas e Joaquim Nabuco,
logo depois da proclamação da República,
o jornal era inicialmente um veículo propagandista da
monarquia. O ingresso de Rui no jornal inaugura um novo estágio
do veículo(1), quando ele se torna uma tribuna para o
combate à ditadura de Floriano Peixoto. Além disso,
em meio às crises militares que conturbaram o período,
Rui atuou no Senado e como advogado de modo a conter os excessos
do presidente, por exemplo, ao defender militares revoltosos,
utilizando com freqüência o expediente do habeas-corpus
para os envolvidos na chamada "revolta da Armada".
Sofreu por isso ameaças, ainda que não estivesse
diretamente ligado ao movimento.
Devido
ao temor de um possível atentado, depois que Floriano
decreta o estado de sítio e ordena diversas prisões,
Rui embarcou para a Buenos Aires, em março de 1894. Na
capital da Argentina, ele escreveu cartas ao jornal La Nación,
nas quais explicava sua situação - negava fazer
parte da insurreição, mas criticava o governo,
em relação à ausência de liberdades
no Brasil. Enquanto isso, o Jornal do Brasil era impedido de
circular por Floriano, e o secretário do jornal e de
Rui, Tobias Monteiro, era preso.
Esses
dissabores, numa República que ajudara a construir, fariam
com que Rui Barbosa partisse, depois de ter conseguido reunir
a família, para a Europa. Passou por Lisboa, onde suas
críticas a Floriano, num jornal local, provocaram um
incidente diplomático, por Paris, cidades em que ficou
pouco tempo, e, por fim, Londres, na qual morou por cerca de
um ano.
Em
seu exílio, do qual só regressaria após
a morte de Floriano, em junho de 1895, Rui Barbosa aceitou colaborar
para o Jornal do Commercio, e para neste jornal escreveu cinco
artigos, mais tarde reunidos no livro Cartas da Inglaterra.
O mais famoso deles é o primeiro, no qual Rui, de modo
pioneiro, defende o capitão judeu francês Alfred
Dreyfus, acusado de espionagem e preso. A defesa de Rui não
foi a primeira, como por vezes se propala, o próprio
artigo traz citações da imprensa britânica
de mesmo teor. Todavia, tem méritos inegáveis,
pois foi escrito "bem antes que o caso Dreyfus de tornasse
uma disputa nacional na França, e [...] três anos
antes do célebre J'accuse de Émile Zola"
(Gonçalves, 2000, 89). É interessante também
notar que o argumento de Rui Barbosa não enfoca o anti-semitismo,
na medida em que o problema era visto, a partir do liberalismo
que ele adotava, como "da tirania da maioria, de imposição
da vontade tirânica do povo sobre o indivíduo"
(idem).
2.6.
O regresso ao Brasil, o reconhecimento no exterior e o civilismo
O
retorno de Rui Barbosa ao Brasil se dava no contexto da "República
dos fazendeiros", na qual a corrupção do
sistema político poderia ser comparada ao que de pior
havia na Monarquia. A principal atuação de Rui,
nesse primeiro momento, se daria por meio de uma campanha de
moralização dos costumes políticos e da
defesa de uma revisão constitucional. Porém, suas
propostas enfrentam forte oposição dos governos
da época, e esta resistência acaba levando-o a
posições cada vez mais democráticas, a
ponto dele "se tornar o campeão da democracia no
Brasil e uma verdadeira 'reserva moral' da Primeira República"
(Gonçalves, 2000, 95).
Assim,
no governo do primeiro presidente civil do país, Prudente
de Morais, Rui defendeu magistrados que tinham sido compulsoriamente
aposentados pelo governo, o que gerou grande debate na imprensa
e no ambiente jurídico. Por isso, nos bastidores, a situação
tentaria impedir que ele conseguisse a reeleição
para o Senado. A articulação é mal sucedida,
inclusive por que alguns lembram que fora do Senado ele poderia
até ser mais perigoso para o governo, relembrando a atuação
de Rui no Diário de Notícias.
Rui
seria reeleito com larga maioria, em 1898, e nesse mesmo ano
criaria, com o objetivo de fazer oposição ao regime
oligárquico, o jornal A Imprensa, que durou até
1901. De acordo com Gonçalves (2000, 100), neste período
Rui faria sua mais longa campanha jornalística, escrevendo
centenas de editoriais, em que critica diferentes aspectos do
governo. Manteve, então, uma constante oposição
ao sucessor de Prudentes de Morais, Campos Sales. Oposição
quase isolada, pois os "subsídios" aos outros
jornais não só faziam com que eles poupassem o
governo, mas também atacassem Rui Barbosa, amplificando
supostos escândalos em que ele estaria envolvido.
A
Imprensa era usada, por isso, também para que Rui se
defendesse. A precária condição financeira
do jornal, os ataques a Rui e seu isolamento político
fizeram com que a campanha jornalística não tivesse
êxito. O jornal fecharia em 1901, calando uma das poucas
vozes de oposição a Campos Sales. (Não
por acaso, este presidente será duramente criticado em
A imprensa e o dever da verdade, conforme mostraremos adiante.)
Assim,
as atenções de Rui se voltariam, a partir de 1902,
para a discussão sobre o projeto do Código Civil,
ao qual proporia mais de mil emendas. É possível
entender, em parte, sua atitude como um modo de exercer a oposição
ao governo Campos Sales, porém o parecer elaborado por
ele foi também alvo de admiração pela erudição
demonstrada. Em geral, Rui Barbosa propunha correções
gramaticais e estilísticas para melhorar o projeto. Nesse
contexto, ele se envolveu numa polêmica, que ocupou os
jornais da época, com seu antigo professor de francês,
Ernesto Carneiro Ribeiro, que já havia revisado gramaticalmente
o projeto e criticou o parecer de Rui. Este produziria uma alentada
resposta, que se tornaria um de seus textos mais conhecidos,
a Réplica, apresentada ao Senado em 1902, e publicada
em livro no ano seguinte. Foi uma nova consagração
ao senador baiano, que usava novamente sua oratória para
vencer disputas.
Nesse
momento - desde 1902 - Rodrigues Alves já sucedera Campos
Sales na Presidência, e haveria entre ele e Rui Barbosa
uma aproximação. Atribui-se esta aliança
de Rui a um esquema político antes criticado por ele
ao pragmatismo, já que poderia ser um meio de ascensão
futura - Rui desejava ser presidente -, bem como um modo dele
realizar algumas de suas propostas.
A
aliança renderia mais, contudo, em termos da defesa do
Brasil no exterior, sendo o início da grande projeção
que Rui Barbosa acabaria tendo fora do país. Assim, em
1903, ele ganharia o cargo de representante do Brasil nas negociações
do país com a Bolívia a respeito do território
do Acre, junto com o ministro das Relações Exteriores,
o barão do Rio Branco e Assis Brasil. Teve um desentendimento
com Rio Branco e sairia da comissão. Mas, depois disso
e de ter articulado a união de grupos políticos
em torno da candidatura Afonso Pena para a sucessão de
Rodrigues Alves - com o qual Rui acabara entrando em atrito
-, o senador baiano seria indicado para representar o Brasil
na 2ª. Conferência de Paz de Haia, na Holanda.
A
embaixada a Haia, bem organizada por Rui Branco, foi um sucesso,
e a defesa que Rui Barbosa fez das nações menores
repercutiu internacionalmente. Durante a Conferência,
que objetivava, entre outros pontos, discutir a criação
de uma corte de justiça internacional, o representante
brasileiro adquiriu crescente prestígio - superando a
antipatia e talvez preconceito, por ser de um país periférico,
iniciais, de alguns representantes de outros países.
De modo geral, Rui Barbosa apoiou posições defendidas
pelos Estados Unidos; mais marcante seria sua atuação
em favor dos países de menor peso internacional. Rui
lutou pela aprovação de um tribunal internacional
pautado pela igualdade das nações. Sua participação
não fez com que este modelo fosse aprovado, mas conseguiu
"impedir a constituição de um tribunal injusto,
destinado a perpetuar e potencializar as iniqüidades do
sistema internacional" (Gonçalves, 2000, 119).
O
sucesso de Rui no estrangeiro, que lhe valeria, por parte da
imprensa nacional, o apelido de "Águia de Haia",
contribuiria decisivamente para a constituição,
no imaginário local, da figura do sábio brasileiro,
diante do qual o mundo civilizado se curvava. É claro
que existe nessa imagem um tanto de exagero, contudo, exemplo
concreto do prestigio que ele de fato angariou é que
seria, muito depois, em 1921, eleito membro da Suprema Corte
Permanente de Justiça Internacional de Haia, com a maior
votação dentre os eleitos.
No
Brasil, em 1908, Rui Barbosa seria eleito presidente da Academia
Brasileira de Letras, criada em 1897, da qual ele fora membro
fundador. Porém, seu desejo maior era a Presidência
da República, e, ao notar que seria preterido em favor
de outro nome por Afonso Pena, romperia com o presidente e daria
início à sua trajetória na chamada campanha
civilista.
Disputas
no campo da situação fizeram com que a chapa oligárquica
fosse encabeçada pelo marechal Hermes da Fonseca, que,
no início, afirmou que só concorreria se contasse
com o apoio de Rui. Este escreve uma carta, publicada na imprensa,
com uma dura negativa, e em que diria não ser contra
os militares na política, desde que tivessem uma carreira
na área, e não representassem o militarismo. Hermes
ignoraria a carta e seria candidato. Uma defecção
na oligarquia que estava no poder, numa aliança entre
paulistas e baianos, acabaria sustentando a candidatura de Rui
Barbosa, sem, contudo, ter muitas esperanças de êxito.
Apesar
desse ânimo - ou falta de - a candidatura de Rui marcou
a primeira real disputa em eleições presidenciais
no Estado brasileiro. O candidato baiano promoveu uma autêntica
campanha, com base em debates em torno de idéias com
as quais tentava convencer os eleitores, o que era algo incomum
na época. Os itens principais do programa de Rui eram
a reforma eleitoral - defendia o fim do voto aberto - e a reforma
constitucional. Ambas objetivavam efetivar o regime democrático,
livrando-o de suas mazelas. Além disso, ele defenderia
o desenvolvimento da educação pública,
o que seria um modo de reforçar a democracia no país.
A
campanha civilista oporia Rui Barbosa tanto à maioria
das oligarquias estaduais quanto ao setor militar, ou, melhor
dizendo, ao militarismo que ele via como potencialmente tirânico.
A campanha seria, pois, um momento de radicalização
do pensamento democrático de Rui, já que suas
propostas pretendiam tornar real a representação
da sociedade no Estado, por meio das reformas que eram suas
bandeiras.
A
agitação da campanha não produziu um resultado
final diferente do que o esperado: a máquina política
deu a vitória a Hermes da Fonseca, em 1910, num pleito
cercado por fraudes. Rui denunciaria os procedimentos ilegais
ocorridos durante a eleição - ele mesmo teve dificuldade
em encontrar uma seção aberta para votar - e contestaria
o resultado, no Senado. Seu protesto, porém, foi em vão.
A partir daí e da posse de Hermes em novembro de 1910
ele iniciaria uma segunda fase do civilismo, por meio de uma
dura oposição ao governo. Os ataques de Rui teriam
reforço na imprensa, em jornais oposicionistas como O
Imparcial e A Noite e, principalmente, no Diário de Notícias,
naquela que foi a última campanha jornalística
de Rui, o "canto do cisne" do jornalista, na expressão
de Barbosa Lima Sobrinho (apud Marques de Melo, 1993, 50).
2.7.
A última campanha jornalística no combate ao governo
Hermes
A
campanha realizada por Rui Barbosa, no Diário de Notícias,
em sua segunda fase neste jornal, entre 1911 e 1912, é
analisada por Marques de Melo (1993), que destaca o enraizamento
dos artigos nas questões da época, numa perspectiva
eminentemente jornalística - algo que, como vimos, também
ocorre na primeira fase dele no Diário de Notícias.
Assim, Rui dá aos temas discutidos
um
tratamento de maneira persuasiva, começando com a exposição
do fato que suscita sua indignação, como se
fosse uma matéria informativa, para depois analisá-lo
exaustivamente, valendo-se de argumentos contundentes retirados
do manacial jurídico que domina com perfeição.
(Marques de Melo, 1993, 50)
Marques
de Melo (1993, 50) nota, salientando o "faro jornalístico"
de Rui Barbosa que ele, no decurso de seus artigos no Diário
de Notícias, aproveita, em seus artigos, fatos novos,
surgidos no decurso da polêmica, muitos dos quais gerados
por suas próprias críticas jornalísticas.
Todos os textos tiveram o objetivo de combater o governo Hermes,
sob diferentes aspectos, que Marques de Melo (idem) agrupa em
quatro grandes eixos: a defesa ao direito da minoria parlamentar;
a crítica ao militarismo; a questão das inelegibilidades
ministeriais e, por fim, temas da política baiana.
A
primeira temática mostra a face do Rui exegeta da Constituição,
que busca, em exemplos da experiência dos Estados Unidos,
e no próprio texto da Carta argumentos para defender
o direito de representação da minoria em comissões
parlamentares, o que num plano político corresponderia
a um aprofundamento democrático. Nos artigos em que critica
o militarismo, Rui aborda, entre outros pontos, os privilégios
desta classe e sua suposta incompetência para gerir os
governos do país. O tema da inelegibilidade, por sua
vez, é uma oportunidade para ele ao mesmo tempo criticar
aspirações de possíveis candidatos do governo
nos estados - descumprindo requisitos legais -, quanto mostrar
a ineficácia de certas leis no país. O último
bloco de artigos temáticos de Rui Barbosa no Diário
de Notícias compreende uma crítica à política
de "salvações nacionais" do governo
Hermes - que pretendia intervir nos estados, para estabelecer
governos militares de sua confiança em substituição
às oligarquias locais -, especificamente quanto ao exercício
da mesma na Bahia. Neste estado, um aliado de Rui foi forçado
a deixar o governo, bem como seu substituto, este, após
Salvador ter sido bombardeada, em janeiro de 1912.
Além
da dura crítica a esta política, por meio do Diário
Notícias, Rui interviria no episódio - mais uma
vez mostrando a simbiose entre jornalista, político e
advogado - impetrando ações na Justiça
para combater a intervenção na Bahia. Depois de
uma série de incidentes, a situação se
acomodaria no estado. Rui continuaria, porém, a criticar
o governo Hermes, que neste momento, já estava em descrédito,
e perdera apoio da maior parte das oligarquias.
Em
1913, o processo de sucessão tem início, e a dissolução
do governo era tal que Hermes, junto com o senador Pinheiro
Machado, que articulara a candidatura do marechal, tentou convencer
Rui a ser candidato de uma aliança governista. O político
baiano recusou, de modo veemente, a proposta. Rui tentaria ser
candidato, mas de oposição e com a defesa de suas
reformas constitucionais como plataforma. Todavia, sua pretensão
foi atropelada pelos acordos entre as oligarquias mineiras e
paulistas que resultaram no início da "República
do café-com-leite". Com efeito, Rui Barbosa nem
seria candidato e Venceslau Brás, em 1914, foi eleito
presidente, recebendo depois o apoio do senador baiano.
Antes
da posse de Venceslau Brás, houve ainda um episódio
digno de menção, no embate entre Rui e o governo.
Em março de 1914, Hermes da Fonseca decretou o estado
de sítio, por suspeitar de uma conspiração.
Rui Barbosa criticaria a medida no Senado e tentou fazer com
que o Supremo Tribunal Federal decretasse sua inconstitucionalidade,
por ter sido instaurado sem maior justificativa. Não
teve êxito neste pleito, mas pela "jurisprudência
então criada, o estado de sítio não poderia
mais limitar a liberdade de imprensa [...] que Rui descreveu
como o ar que a democracia respira" (Gonçalves,
2000, 137).
2.8.
A campanha em prol da guerra e a segunda disputa presidencial
de Rui
A
impopularidade de Hermes Fonseca, por contraste, rendia a Rui
Barbosa, seu principal opositor, uma série de homenagens
ao fim do governo do marechal. Ele seria, por exemplo, eleito
presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros. A consagração
nacional seria acompanhada, posteriormente, por outra aclamação
internacional. Isto se deve ao fato de que Rui, em 1916, num
discurso em Bueno Aires criticou a neutralidade dos países
americanos quanto à guerra, travada na Europa desde 1914.
Segundo ele, o conflito colocava de um lado a democracia - representada
pela Inglaterra, França, Itália e Rússia
- e de outro o despotismo - os impérios alemão,
austro-húngaro e otomano. O discurso teve grande repercussão
internacional, sendo logo publicada em português, espanhol
e francês.
No
Brasil, o discurso também agitou muitos círculos
políticos e Rui Barbosa acabaria sendo o líder
das facções que defenderam a entrada do Brasil
na guerra, ao lado do campo democrático. Rui, porém,
notava que a guerra poderia ser também uma oportunidade
para produzir uma revolução democrática
no país, pois o Brasil não poderia, de acordo
com seu argumento, entrar no conflito se não se reformasse
internamente, ou seja, para lutar na "guerra da democracia"
deveria adotar os verdadeiros parâmetros desta. O Brasil
entraria na guerra, em outubro de 1917, sem, entretanto, reformar-se.
Os costumes políticos não mudavam, e Venceslau
Brás indicaria seu sucessor, contra a posição
de Rui de que ele não deveria intervir no processo sucessório.
A
guerra terminou no final de 1918, ano no qual ocorreu o chamado
Jubileu Cívico e Literário de Rui Barbosa, pois
supostamente há 50 anos ele teria feito seu primeiro
discurso político. Ele recebeu uma série de homenagens,
inclusive do exterior, incluindo passeatas e manifestações
no Brasil em reverência ao significado da data.
Apesar
de já nesta época estar com uma saúde frágil,
o Jubileu não seria a última manifestação
pública de Rui Barbosa. Como o candidato eleito depois
de Venceslau Brás, Rodrigues Alves, faleceu antes de
tomar posse, após uma interinidade de Delfim Moreira
na presidência, foram convocadas novas eleições.
E, mais uma vez, Rui foi candidato. Nilo Peçanha, governador
do estado do Rio, começou a mobilizar uma frente em favor
dele. Porém, o candidato, ao não abrir mão
de suas propostas - e, além disso, radicalizá-las
- acabaria pouco-a-pouco perdendo o apoio das oligarquias. Estas,
por sua vez, encontram no paraibano Epitácio Pessoa um
nome de consenso, para produzir um intervalo na alternância
entre mineiros e paulistas no poder.
Quanto
ao aprofundamento das propostas de Rui Barbosa merece destaque,
em particular, a incorporação de uma pauta de
direitos sociais a sua tradicional plataforma de democratização
política. Ele defenderia, pois, a restrição
ao trabalho infantil, seguros aos operários e limitação
de horas de trabalho, entre outros tópicos. De acordo
com Gonçalves (2000, 157):
Para
Rui, tratava-se agora de complementar uma tarefa iniciada
pelo abolicionismo. Este começara a permitir a civilização
dos trabalhadores brasileiros, processo que agora só
os direitos sociais levariam a cabo.
Novamente
Rui empreenderia uma campanha eleitoral, com viagens a diferentes
pontos do país para divulgar suas idéias. O resultado
da eleição, porém, lhe seria adverso. Em
abril de 1919, Epitácio Pessoa foi declarado vencedor.
Depois da eleição, Rui escreveria um "Manifesto
à ação" no qual, embora reconheça
a vitória do adversário, protesta contra o processo
eleitoral brasileiro e mostra que havia vencido nos principais
pólos de desenvolvimento do país.
Menos
de um ano depois desta eleição, Rui Barbosa acabaria
se envolvendo em outra campanha eleitoral, ao apoiar um dos
candidatos ao governo da Bahia, Paulo Fontes, que era também
apoiado pelos coronéis do sertão baiano. Fontes
foi declarado derrotado na eleição e Rui protestou
em manifestos publicados em jornais baianos. Os coronéis
ao qual se aliara, porém, preferiram impor a posse de
Fontes pelas armas. O governo federal interviria militarmente,
para empossar o outro candidato. Rui criticou os governos federal
e baiano, em particular, devido à intervenção
militar no estado, publicando inclusive artigos, como matéria
paga, no Jornal do Commercio. Estes textos foram mais tarde
reunidos no livro O artigo 6º. da Constituição
e a intervenção de 1920 na Bahia.
Esta
seria a última participação mais marcante
de Rui na política nacional. Continuou no Senado, contudo,
tentando convencer os parlamentares sobre a necessidade das
reformas, e nos anos seguintes, cogitou-se também que
ele poderia ser de novo candidato a presidente. Mas Rui apoiaria
o mineiro Artur Bernardes, no pleito de 1922. Antes disso, escreveu
as conferências A imprensa e o dever da verdade, que ele
não chegou a pronunciar e que foi editada em 1920, e
A oração dos moços, que foi lida por Reynaldo
Porchat, em 1921, na Academia do Largo do São Francisco,
em São Paulo.
Desde
1922 ele se encontrava bastante adoentado, piorando no fim deste
ano; no dia 1º. março de 1923 diagnosticou-se que
ele estava com uma "paralisia bulbar", e Rui Barbosa
acabou falecendo neste mesmo dia.
3.
A reflexão de Rui Barbosa sobre o jornalismo na imprensa
Se
a conferência A imprensa dever da verdade é o maior
legado de Rui Barbosa quanto ao seu pensamento sobre o jornalismo,
isso não significa que ele não tenha escrito mais
nada de teor similar. As Obras Seletas que coletam alguns de
seus textos jornalísticos (volumes 6, 7 e 8[2]) também
trazem alguns artigos em que ele discute a imprensa. Em particular,
no nosso entender, os "artigos-programa" que ele escreveu
em determinadas ocasiões são reveladores de seu
pensamento jornalístico, apesar do caráter conjuntural
destes textos. De outro lado, Rui também escreve sobre
a imprensa em outros artigos. Vamos a esses dois conjuntos.
Os
"artigos-programa" presentes nas Obras Seletas são
em número de quatro, pela ordem cronológica, o
primeiro é o de O País ("Artigo-programa",
1º. de outubro de 1884); seguido pelos do Diário
de Notícias ("O nosso rumo", 7 de março
de 1889), Jornal do Brasil ("Traços de um roteiro",
21 de maio de 1893) e A imprensa ("Projetos e esperanças",
5 de outubro de 1898).
É
significativo que três destes quatro artigos se iniciem
com algum tipo de discurso sobre a necessidade do periódico
dizer "a que vem, que idéias traz", como se
afirma no artigo-programa "Traços de um roteiro".
Por sinal, ligada a esta característica, chama também
a atenção a constância com que ele afirma
a necessidade do jornal dizer "o que pensa, agrade, ou
desagrade à oposição, ou governos"
(artigo de O País), o que não significa uma imprensa
partidária mas que seja "um eco do sentimento público,
interpretando-o com lealdade, ou o modificador do sentimento
público, aconselhando-o com simpatia" (artigo do
Diário de Notícias), ou ainda, nessa mesma direção,
o jornal como "instrumento de doutrina e organização,
de estudo e de resistência, de transação
política e intransigência legal" (artigo do
Jornal do Brasil).
Em
verdade estas não são as únicas similaridades
e recorrências entre os textos que, apesar de haver um
intervalo de 14 anos entre o primeiro e o último, possuem
grande unidade de ideário, próximas ao liberalismo
político de Rui Barbosa. É possível notar,
pelo menos, as seguintes constantes: 1) a imprensa como um meio
de educação nacional e formação
de opinião; 2) como um instrumento de revitalização
social, exercício patriótico, 3) decorrente importância
da liberdade de imprensa, 4) que, estabelecida, impõe
um "dever da verdade" para a imprensa (aspecto cuja
formulação aparece diretamente apenas num dos
artigos, mas cujo espírito não é alheio
aos demais). Seguem-se trechos dos artigos sobre cada um dos
temas mencionados:
A
imprensa como um meio de educação nacional e formação
de opinião
[...]
entre as nações, como esta, onde tão atrasada
corre a educação do espírito popular, a
opinião há de ser, até certo ponto, obra
da imprensa [...] (O País)
Cada
jornalista é, para o comum do povo, ao mesmo tempo, um
mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia
em ação, um advogado e um censor, um familiar
e um magistrado. Bebidas com o primeiro pão do dia, as
suas lições penetram até ao fundo das consciências
inexpertas, onde vão elaborar a moral usual, os sentimentos
e os impulsos, de que depende a sorte dos governos e das nações.
(A imprensa)
Imprensa
como um instrumento de revitalização social, instrumento
fiscalizador, exercício patriótico (daí,
o jornalista como "político do povo")
[...]
fora dos partidos ainda se nos abre vasto espaço ao exercício
da atividade patriótica no jornalismo, onde eles carecem
de órgãos, mas também de aquilatadores
e fiscais. (O País)
Tudo
o que merece durar, na constituição de um povo,
recompõe-se, e tonifica-se pela publicidade, que encerra
em si o princípio regulador das funções
da vida no organismo dos Estados. Por ela se distribui ao corpo
social a nutrição reparadora, e se eliminam os
resíduos tóxicos, elaborados no processo de renovação
vital. Toda a restrição à publicidade importa,
logo, em embaraço de circulação. (Diário
de Notícias)
[...]
persuadidos estamos de que a imprensa é um grande bem,
talvez a mais forte alavanca do bem no mundo moderno. [...]
As nações mais bem governadas são exatamente
aquelas, onde maior é a frutificação e
a pujança do jornalismo, flora intelectual, que não
medra, renovando o oxigênio à atmosfera política,
e absorvendo-lhe os elementos irrespiráveis, senão
nas regiões onde o gênero humano desenvolve os
seus melhores espécimens. (A imprensa)
O
jornalista poderia tomar por divisa o Nihil humanum a me alienum.
Sem trabalho, indústria, comércio, finança,
educação não há política.
A política é, como quiserem, o eixo, a convergência,
ou a resultante de tudo isso. E, perlustrando tudo isso, o jornalista
deve ser o político do povo. (A imprensa)
Importância
da liberdade de imprensa
De
todas as liberdades é a de imprensa a mais necessária
e a mais conspícua: sobranceia e reina entre as mais.
Cabe-lhe, por sua natureza, a dignidade inestimável de
representar todas as outras. Sua importância é
tão incomparável que, entre os anglo-saxônios,
os melhores conservadores e os melhores liberais do mundo, sempre
foi gêmea do governo representativo a crença de
que não se pode levantar a mão contra a liberdade
de imprensa, sem abalar a segurança do estado. The freedom
of the press can not be impaired without danger to the State.
Não se suprime essa liberdade, senão para ocultar
a ausência das demais, e estabelecer em torno dos governos
ruins o crepúsculo favorável à comodidade
dos tiranos. (A imprensa)
A
proteção constitucional da palavra escrita ou
falada, só não se estende à prédica
do crime. (A imprensa)
Toda
a restrição à publicidade importa, logo,
em embaraço de circulação.
Dela depende inteiramente a higiene dos povos e o saneamento
dos governos. É, pois, a garantia conservadora por excelência,
contanto que seja plena e ampla. (Diário de Notícias)
O
"dever da verdade" no jornalismo
Toda
a ciência da administração dos Estados é
um vasto campo de debate e uma lição de transações.
A tolerância constitui a mais preciosa das virtudes de
educação, nas almas habituadas a estudar com filosofia
as coisas humanas. Deve reputar-se, até, qualidade profissional
na imprensa periódica; pois, neste múnus delicado,
onde tão amiúde as sentenças não
passam de emoções arrazoadas, falta à discrição
de seu ofício quem não souber desconfiar dos próprios
juízos.
Nem
por isso, todavia, se acentua menos imperioso ao jornalismo
o dever da verdade, ou menos praticável se torna a obediência
a esse dever. Integridade material dos fatos, integridade moral
da opinião do escritor, nas suas relações
com o público, veracidade e sinceridade: eis, se nos
não enganamos, a fórmula da sua expressão.
(Diário de Notícias, destaque nosso)
Rui
Barbosa também fala do jornalismo em artigos do Jornal
do Brasil ("Liberdade de imprensa", 19 de junho de
1893) e de A imprensa ("Abolição da imprensa",
10 de dezembro de 1898; "O Jubileu da prevaricação",
11 de dezembro de 1898; "A difamação",
13 de dezembro de 1898; "Duas imprensas", 16 de outubro
de 1900 e "A saburra de Pasquino", 17 de outubro de
1900).
No
artigo "Liberdade de imprensa" Rui comenta uma medida
legislativa que o estado de Pernambuco tomava para regulamentar
a imprensa no âmbito de uma "lei da questura".
Ele critica o absurdo legislativo, pois, a
Constituição
proibiu a censura irrestritamente, racialmente, inflexivelmente.
Toda lei preventiva contra os excessos da imprensa, toda lei
de tutela à publicidade, toda lei de inspeção
policial sobre os jornais é, por conseqüência,
usurpatória e tirânica. Se o jornalismo se apasquina,
o Código Penal proporciona aos ofendidos, particulares,
ou funcionários públicos, os meios de responsabilizar
os verrineiros.
Nos
três artigos seguintes cronologicamente, o que se ressalta
é o conhecimento jurídico e histórico que
Rui Barbosa mobiliza para discutir e defender novamente a liberdade
de imprensa, de diferentes ameaças. Assim, em "Abolição
da imprensa", Rui nota que a aprovação de
um projeto que ampliaria a esfera das ações públicas
para denúncias e críticas ao funcionalismo público
representaria um regime "mais severo do que o da prévia
censura", e por isso a "abolição"
da imprensa. No dia seguinte, Rui continua a criticar este projeto
no artigo "O Jubileu da prevaricação",
pois, devido ao cerceamento da imprensa promovido, ele iria
fomentar,
nos vários ramos do poder, a expansão dos vícios
secretos, que a obscuridade alimenta: o mofo das atmosferas
confinadas e baixas, a lepra das clandestinidades criminosas,
as úlceras da prostituição oficial. [...]
Ora, contra esta degeneração dos costumes políticos
o único obstáculo possível reside na
influência da imprensa, e sobretudo na sua influência
preventiva.
Ao
fim, observa com estranheza que a Monarquia "viveu sem
a ação pública nos crimes de imprensa",
sendo, pois, comprometedora a proposta na República.
Além disso:
Não
é a imprensa que faz a opinião, mas a opinião
que faz a imprensa. Toda vez que o governo se arma de restrições
contra esta, é que menos confia naquela. Nem sequer
poderíamos alegar que sejam excessos de zelo pelo sistema
de governo reinante. Não defende o projeto as instituições
constitucionais: abriga da publicidade os maus funcionários.
Publicado
poucos dias depois dos outros dois artigos, o texto "A
difamação" discute o poder dessa prática.
Porém, apelando a exemplos históricos, Rui Barbosa
comenta que, apesar de parecer certo que "os homens úteis
à sua pátria hão de provar a esponja de
fel e vinagre" da difamação isso não
justifica a repressão da imprensa, pois a
experiência
vai mostrando incessantemente a ineficácia da detração
contra os honestos. O caluniai, caluniai continua a ter adeptos;
mas o seu comércio é cada vez mais desprestigiado,
mais ignóbil e mais inofensivo. A lição
incessante do século confirma invariavelmente a sabedoria
daquele estadista da revolução francesa, que,
num discurso a respeito da difamação dos funcionários,
dizia aos caluniados: "Deixai escrever contra vós
o que quiserem. Cedo, ou tarde, irromperá o vosso triunfo
sobre a calúnia. Em relação às
pessoas, a liberdade de imprensa é favorável
aos homens de bem e só perigosa aos maus."
Por
fim, os artigos "Duas imprensas" e "A saburra
de Pasquino" inserem-se na campanha contra as práticas
de imprensa de Campos Sales, no momento em que ele ainda é
presidente e, em decorrência, contra o próprio
governo. No primeiro artigo, Rui aproveita a viagem do presidente
a Buenos Aires para realizar uma comparação entre
a imprensa brasileira e a argentina. Irônico, em vários
momentos do texto, Rui Barbosa escreve que se
essa
semana [da viagem] de embriaguez amavelmente propinada consentisse
ao Sr. Campos Sales receber as lições diretas
e frias da realidade, uma das coisas, que, aos seus olhos,
se contrastariam entre os dois países, de margem a
margem, no rio cujas águas vai sulcar, era a situação
intelectual dos dois povos caracterizada pela situação
material dos seus jornais.
Enquanto,
segundo Rui, Buenos Aires tinha "143 periódicos,
dos quais 22 diários e 44 semanais", com recursos
técnicos superiores, independência de meios e isenção
de atitude, no Rio de Janeiro, uma cidade mais populosa, "uns
quatro nomes antigos, cheios de tradições, entretêm
modestamente as aparência da sua dignidade", o número
de leitores não aumenta, ao contrário das difamações
publicadas com o
anonimato
dos apedidos, esse ignóbil vezo de converter o jornalismo
em lavanderia geral de roupa suja, [que] é instituição
privativamente brasileira. A intuição dos fundadores
da República, admiravelmente perspicaz, anteviu os
imensos benefícios morais da propagação
da mazela, e, para a desenvolver, fez o mesmo que a outras
coisas dignas de animação legal: proibiu-o na
Constituição. Não podia haver receita
mais feliz. [...] Depois que a Constituição
Federal excomungou da imprensa o anonimato, o anonimato fez
da imprensa a sua ceva. Se essa Constituição
banisse a república, é possível que começássemos
a ter o regímen republicano.
A
crítica ao estado da imprensa local - a viagem de Campos
Sales é apenas o "gancho" do texto - continua
com Rui condenando os veículos que se prestam à
chantagem ou ao servilismo bem remunerado pelos governantes.
Estes, porém, recebem por seu pagamento um produto que
"apenas serve para adoçar, pela manhã, o
café do Governo com uma sacarina extraída a substâncias
bem diversas do alcatrão". O artigo "A saburra
de Pasquino", publicado no dia seguinte, dá continuidade
ao assunto, acrescentando outros aspectos aos pontos já
criticados e conclamando por uma "reação
nacional, como a que lutou contra a escravidão"
para emancipar a imprensa de práticas condenáveis.
Mas, nota Rui, sem o "predomínio do balcão"
o "governismo de todas as situações perderia
uma de suas pernas".
Alguns
dos temas vistos nestes artigos de jornal reaparecem em A imprensa
e o dever da verdade, conforme mostraremos a seguir.
4.
A imprensa e o dever da verdade
A
conferência A imprensa e o dever da verdade, que Rui Barbosa
não chegou a pronunciar, por motivo de doença,
foi editada pela primeira vez, em 1920, na Bahia. O resultado
da venda do livro foi revertido para uma entidade social, conforme
Rui objetivara, por um lado, ao escrevê-la. Por outro
lado, como nota Freitas Nobre (2003, 14), a conferência
tinha também um
objetivo
político que significa a revolta de Rui contra a corrupção
que alcançou a imprensa e o chamamento aos princípios
éticos que devem nortear a atividade profissional do
jornalista e da empresa, [que] encontram-se conjugados com
o profundo espírito de fraternidade que caracterizou
toda a sua vida.
Nesse
sentido, identificam-se claramente dois temas neste trabalho:
um elogio do papel ideal da imprensa e a crítica à
situação da imprensa brasileira. Neste caso, tema
que ocupa a maior parte da parte inicial do trabalho, Rui Barbosa
critica as práticas da relação imprensa/governo
na Primeira República, em particular, a política
de "subvenções" - o "hábito
de lubrificar Marinonis com o azeite do Tesouro" (Barbosa,
2003, 51), na verdade um suborno -, comumente adotada,entre
outros, por Campos Sales (nomeado no texto). Esta atitude corrompe
a imprensa, impedindo que ele cumpra suas funções
de vigilância e papel regenerador da sociedade, que Rui
vê, também nessa conferência, como um elemento
constitutivo da missão da imprensa:
Entre
as sociedades modernas, esse grande aparelho de elaboração
e depuração reside na publicidade organizada,
universal e perene: a imprensa. Eliminai-a da economia desses
seres morais, ou envenenai-a, e será como se obstruísseis
as vias respiratórias a um vivente, o pusésseis
no vazio, ou o condenásseis à inspiração
de gases letais. (Barbosa, 2003, 38)
Disso
decorre a importância do "dever da verdade"
que a imprensa tem. Uma imprensa não corrompida, e sem
outros impedimentos à sua liberdade, poderá agir,
conforme Rui descreveu de modo bastante eloqüente, como
a
vista da Nação. Por ela é que a Nação
acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que
lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o
que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam,
mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interesse,
e se acautela do que a ameaça. (Barbosa, 2003, 37)
É
por isso que a corrupção da imprensa pelos governantes
na República oligárquica adquire para Rui Barbosa
um aspecto condenável e, mais que isso, criminoso (uma
forma de peculato).
No
segundo eixo do livro, Rui, como era comum também em
seus escritos jurídicos, políticos e jornalísticos,
dará exemplos concretos de situações em
países nos quais as liberdades estavam mais avançadas
- Inglaterra e EUA - para explicar o que entende que deveria
ser o papel da imprensa: capaz de denunciar e criticar livremente
os governos, contribuindo assim para seu ajuste. "Nenhum
país salva a sua reputação com os abafos,
capuzes e mantilhas da corrupção encapotada",
afirma Rui Barbosa (2003, 58)
O
papel de desvelamento da realidade, denúncia de situações
é destacado, então, no modo como o Times criticou
a organização da campanha da Criméia, pela
administração militar da Grã-Bretanha -
sendo elogiado pelo governo da Rainha Vitória por isso.
O mesmo ocorre na atuação da imprensa norte-americana
face a atitudes corruptas por parte de políticos. Para
Rui Barbosa esse tipo de denúncia é importante
e não rebaixa um país, mas o engrandece, pois
de qualquer modo a corrupção seria conhecida.
E denunciada poderá permitir a correção.
Como ele diz:
Em
falando verdade, por muito acerba, cruel e desabrida que seja
ela, na substância ou na expressão, bem fora
de rebaixar nossa nacionalidade, não servirá
senão para honrar no conceito das outras, mostrando-lhes
que a sociedade brasileira, a opinião brasileira, a
consciência brasileira não morreram, e reagem,
ao menos intelectualmente e moralmente, contra os cancros
da nossa política, da nossa administração
e do nosso governo. (Barbosa, 2003, 73)
A
transparência deve prevalecer na vida pública,
e ser resguardada pela imprensa livre. Assim, para Rui Barbosa,
o homem público, deve saber que seus atos não
podem estar ao abrigo do sigilo, já que
O
poder não é um antro: é um tablado. A
autoridade não é uma capa, mas um farol. A política
não é uma maçonaria, e sim uma liça.
Queiram ou não queiram, os que se consagram à
vida pública, até à sua particular deram
paredes de vidro. [...] para a Nação não
há segredos; na sua administração não
se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores
não cabe mistério e toda encoberta, sonegação
ou reserva, em matéria de seus interesses importa,
nos homens públicos, traição ou deslealdade
aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo,
do cidadão para com o país. (Barbosa, 2003,
75)
Acreditamos,
pelo que foi exposto, que A imprensa e o dever da verdade¸
como também a própria trajetória do autor
como jornalista, projeta um ideal de imprensa livre como um
"bem público", um instrumento para o aperfeiçoamento
da sociedade, seja por meio da crítica, da denúncia,
seja pelo debate que proporciona maior esclarecimento ao cidadão-leitor.
Esta talvez seja a síntese do pensamento jornalístico
de Rui Barbosa.
Referências
bibliográficas
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Rui. 2003. A imprensa e o dever da verdade. São Paulo,
4ª. Edição, São Paulo: EDUSP.
_____________.
1956. Obras seletas. Rio de Janeiro: MinC/Fundação
Biblioteca Nacional / Departamento Nacional do Livro, Vols.
6, 7 e 8.
FERREIRA,
Marieta de Moraes. 1993. A reforma do jornal do Brasil. In:
MARQUES DE MELO, José (ed.). Anuário da pesquisa
em jornalismo, n. 2, São Paulo: USP/ECA/CJE.
FREITAS
NOBRE. 2003. Um livro com dois objetivos. In: BARBOSA, Rui,
A imprensa e o dever da verdade. São Paulo, 4ª.
Edição, São Paulo: EDUSP.
_____________.
1950. História da imprensa de São Paulo. São
Paulo: Edições Leia.
GONÇALVES,
João Felipe. 2000. Rui Barbosa: pondo as idéias
no lugar. Rio de Janeiro: Ed. FGV.
LACOMBE,
Américo Jacobina. 1956. Prefácio. In: BARBOSA,
Rui. Obras seletas. Rio de Janeiro: MinC/Fundação
Biblioteca Nacional / Departamento Nacional do Livro, Vols.
6.
MARQUES
DE MELO, José. 1993. O jornalismo de Rui Barbosa (Campanhas
e combates, 1911-1912). In: ___ (ed.). Anuário da pesquisa
em jornalismo, n. 2, São Paulo: USP/ECA/CJE.
SODRÉ,
Nelson Werneck. 1999. História da Imprensa no Brasil.
Rio de Janeiro: Mauad, 4ª. ed..
Notas
(1)
Existente até hoje, o Jornal do Brasil passou por várias
e diferenciadas fases, a respeito da trajetória deste
jornal ver Ferreira (1993).
(2)
Estes três volumes estão disponíveis gratuitamente
em um site da Internet, no formato eletrônico, no endereço:
http://cultvox.locaweb.com.br/gratis_filosofia_politica.asp.
Como o próprio nome dos volumes diz, não colidem
todos os escritos de Rui em jornais, no entanto, dão
um panorama significativo do trabalho do autor na imprensa.
*Richard
Romancin é doutorando na ECA/USP.
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