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Monografias


Rui Barbosa: a imprensa livre como um bem público

Por Richard Romancini*

1. Introdução

Este texto tem como objetivo principal apresentar as idéias sobre o jornalismo do político, jurista e, de certo modo, também jornalista Rui Barbosa. Num primeiro momento, mostraremos o entrelaçamento da atividade jornalística na biografia do autor, pois esta é uma via de compreensão de suas idéias - por hipótese, as práticas ligadas a certa concepção, não necessariamente explícita, de jornalismo. Ao mesmo tempo, isso serve para contextualizar o autor num tempo e num espaço específicos, aspectos fundamentais para o pleno entendimento de suas idéias e atuação.

Faremos também uma breve descrição e comentários sobre trabalhos que o autor publicou na imprensa discutindo, de certo modo, o tipo de jornalismo que praticava; este gênero de texto é exemplificado, principalmente, pelos "artigos-programa", que ele escreveu quando iniciava algum periódico ou quando ingressa num jornal e dá uma nova fase ao mesmo. Há também outros artigos em que Rui Barbosa falará sobre a imprensa nos jornais. Estes trabalhos encontram-se dos volumes 6, 7 e 8 de sua Obras Seletas (Barbosa, 1956) que compreendem parte significativa dos textos jornalísticos de Rui Barbosa.

Por fim, aproximando-se de modo mais efetivo do objetivo do texto, descreveremos os pontos da obra A imprensa e o dever da verdade, a mais sistemática reflexão de Rui Barbosa sobre o jornalismo, que configuram um pensamento do autor sobre a atividade.


2. O jornalismo na biografia de Rui Barbosa

2.1. Rui Barbosa na imprensa: jornalismo de combate

Temos duas tribunas; uma, pela vocação do nosso trabalho: a imprensa; outra, [...]: o Congresso. Não renunciaremos a nenhuma das duas. E, no uso que de uma e outra fizermos, apelaremos dos amigos do Governo para os amigos do país.

Rui Barbosa (Jornal do Brasil, 28 de julho de 1893, in Barbosa, 1956, vol. 7, 63)

Não é sem motivos que Rui Barbosa em determinadas circunstâncias proclamou sua condição de jornalista. Diria também que, ao lado do direito, a imprensa foi a profissão que teria "amado sobre todas" (apud Marques de Melo, 1993, 44). Com efeito, em sua biografia, em vários momentos vemos como ele anima, trabalha ou dirige empreendimentos nesta área. Assim, nascido em Salvador (BA), em 1849, Rui Barbosa, menos de vinte anos depois, se iniciaria na imprensa, escrevendo para jornais acadêmicos, em São Paulo. O jovem Rui foi para esta cidade para continuar o curso de Direito que iniciara no Recife, em 1866. Em São Paulo, conviveria com pessoas do nível de Castro Alves - que também havia sido seu companheiro no colegial - e outras, com quem mais tarde cruzaria em sua trajetória política, como Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves e José Maria da Silva Paranhos Júnior (futuro barão do Rio Branco).

As idéias compartilhadas por essa geração aproximavam-se do romantismo literário, agora numa fase mais política, na qual havia num "forte comprometimento com o liberalismo europeu e seus ideais de liberdade e igualdade" (Gonçalves, 2000, 18). Era também um grupo que não separava a literatura da política, em outras palavras, "só concebiam a atividade política munida do arsenal das belas-letras, da eloqüência e da oratória" (idem, 17). É importante reter este aspecto, ao qual retornaremos, pois ele é outra constante da atividade político-jornalística de Rui Barbosa. Por outro lado, registre-se também que ele se manteve fiel ao ideal político liberal, consolidado neste período estudantil, pelo resto da vida.

O ideário liberal fortificava-se mais no circuito de atividades extra-classe do que na Academia, cujo ensino sofria fortes críticas dos alunos, por ser desatualizado e desinteressante. (O próprio Rui Barbosa, anos depois, em 1882, propôs ao Parlamento uma Reforma do Ensino Superior, no qual se embasava em sua experiência, protestando contra o tipo de ensino e práticas que conhecera, como o protecionismo que substituía o mérito nas avaliações e a incompetência pedagógica generalizada.) Dessa forma, ser estudante direito significava

sobretudo dedicar-se ao jornalismo, fazer literatura, especialmente a poesia, consagrar-se ao teatro, ser bom orador, participar dos grêmios literários e políticos, das sociedades secretas e das lojas maçonicas. (Venâncio Filho apud Gonçalvez, 2000, 19, grifo nosso)

Assim, Rui Barbosa teve uma atuação estudantil típica: não só escrevia na imprensa, mas era ainda membro e orador de ateneus dedicados à arte e à política, fez versos patrióticos; ingressou na maçonaria - envolvendo-se em debates com outros maçons - e na maior sociedade secreta de então, a Burschenschaft. Também se aproximou do grupo mais democrático do Partido Progressista, que havia fundado o Clube Radical, cujo núcleo paulista se chamava Radical Paulistano. Com esse nome, e ligado a este grupo, foi criado um jornal, em 1869, contanto com Rui Barbosa como o principal redator. No mensário Radical Paulistano Rui Barbosa não chegou a defender o fim da Monarquia, pois ainda rechaçava a República, mas publicou textos em defesa de causas progressistas como a eleição dos presidentes de província; do voto universal e direto, e da abolição da escravatura. O artigo "A emancipação progride" escrito por Rui Barbosa para este jornal é considerado um clássico da causa abolicionista.

Esta imprensa animada ou criada por acadêmicos é particularmente importante no caso da São Paulo de então, uma cidade relativamente acanhada, na qual o principal pólo intelectual era a Faculdade de Direito. Como observa Freitas Nobre (1950, 67):

Realmente, se estudamos a imprensa paulista, uma justiça se ressalta imediatamente aos nossos olhos: a de que toda ela surgiu das velhas Arcadas do Largo do São Francisco, onde se exercitaram, nos pequeno e nos grandes jornais, Rui Barbosa, Castro Alves, Álvares de Azevedo, Joaquim Nabuco, Fagundes Varela, Pedro Lessa, Pedro Taques de Almeida Alvim, Quintino Bocaiúva, Celso Garcia [...] e tantos outros.

Esta imprensa ultrapassava os limites da Escola ao atingir "as mais diversas camadas sociais, dada a circulação e penetração interna a que atingiam, logrando, muitas vezes, popularizaram-se na Paulicéia" (Freitas Nobre, 1950, 77), divulgando os ideais abolicionista e republicano.

Retornando ao início da atuação de Rui Barbosa na imprensa, notamos que já aparecem neste momento os elementos recorrentes do trabalho de Rui neste campo: o jornalismo de opinião, suporte para determinadas iniciativas políticas ou jurídicas, o que Marques de Melo (1983) caracteriza como um "jornalismo de combate".

Vale notar, como assinala Gonçalves (2000), que o próprio estilo de atuação política de Rui Barbosa seria marcado pelas campanhas, em outros termos, por "combates" em prol de determinadas causas. Em cada época de sua vida, Rui Barbosa

levantava uma bandeira, uma questão a que dedicava totalmente, que estudava com afinco, e pela qual se batia com ardor. Munia-se de materiais eruditos para fundamentar suas posições e lançava-se em virulentas polêmicas. Tendo alcançado um ponto desejável, ou - no mais das vezes - tendo perdido a batalha, retirava-se da luta para abraçar mais adiante nova campanha. Assim foi sucessivamente com a eleição direta, o anticlericalismo, a abolição, a federação, a oposição a Floriano, a revisão constitucional, a candidatura civilista, a oposição a vários governos, a entrada do Brasil na I Guerra Mundial etc. etc. (Gonçalves, 2000, 29)

Este é o nexo mais evidente entre a atuação de Rui Barbosa no jornalismo e na política; ele procedia em ambas as esferas - uma reforçando a outra, por vezes - sob o parâmetro da disputa de idéias, combate doutrinário, crítica - por vezes violentas - a determinadas posições dos adversários. Não por acaso, ainda em vida, em 1921, ao compilar seus escritos jornalísticos para publicação no conjunto de sua Obra, Rui Barbosa escolheu o nome de "Campanhas Jornalísticas" para sua série de escritos na imprensa (Lacombe, 1956, 3).

O período posterior de Rui Barbosa na imprensa, já de volta à Bahia, mostra, de modo mais saliente ainda, tais características, ligadas também ao seu ingresso e ascensão no mundo político-parlamentar.

2.2. O início da trajetória política de Rui Barbosa

Rui Barbosa regressou à Bahia em 1871, mesmo ano em que se diplomou. Retomaria as atividades jornalistas em 1872, quando passou a colaborar no Diário da Bahia - órgão do Partido Liberal -, graças a Manuel Souza Dantas, o maior líder deste partido, na região, que era amigo de seu pai. Também com a ajuda de Dantas, Rui Barbosa montara um escritório de advocacia. No Diário da Bahia, novamente ele teria uma tribuna para defender a causa abolicionista e desenvolver outras campanhas, entre elas, em prol de uma das principais bandeiras do Partido Liberal - a eleição direta - e contra o serviço militar obrigatório.

Em 1874, o pai de Rui, um ex-líder político regional que vivia no ostracismo e da renda de uma modesta olaria, morreu; novamente com ajuda de Dantas, Rui Barbosa obteve um favor: a nomeação para o último cargo ocupado por seu pai, o de inspetor da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. É interessante notar, pois, que Rui Barbosa exercia, nessa época e de modo costumeiro, o jornalismo e outras ocupações, indício claro do caráter pouco profissional de sua atuação na imprensa. O jornalismo era uma atividade mais voltada a ser um veículo da defesa de idéias do que um expediente para ganhar a vida.

Como nota Barbosa Lima Sobrinho, ao falar sobre o Rui Barbosa jornalista, "o que lhe interessava era ter nas colunas dos periódicos, a tribuna que precisava, para a defesa de suas idéias [...] não foi, e não quis ser, um jornalista profissional" (apud Marques de Melo, 1993, 44), apesar de sua variada atividade na área. O próprio Rui comentaria que jornalismo não lhe trouxe vantagens pecuniárias, embora tenha servido para que ele ascendesse politicamente (cf. Marques de Melo, 1993, 46).

Com efeito, a necessidade de recursos financeiros - Rui Barbosa desejava casar e precisa de fundos para contrair o matrimônio com Maria Augusta Viana Bandeira, de quem ficara noivo - fez com que ele fosse ao Rio de Janeiro, em 1876. Na Corte, ele se empregou num escritório de advocacia e passou também escrever para o jornal A Reforma e a freqüentar círculos liberais, começando a criar fama como orador, nesse momento, por discursos que causaram polêmica na cidade. Rui Barbosa iniciava com esses pronunciamentos outra de suas campanhas, dessa vez, a respeito do tema religioso. Ele defendia a liberdade de religião e a separação entre o Estado e a Igreja. O debate se colocava no contexto da chamada Questão Religiosa.

Outra ação de Rui Barbosa dentro dessa campanha, mas também uma tentativa de melhorar sua situação econômica, foi a tradução e a elaboração de uma introdução - que, por sinal, acabaria sendo maior em tamanho do que a obra original - para o livro O papa e o concícilio, do autor alemão antipapista Joahann Döllinger. Esse trabalho valeria a Rui Barbosa, por toda a vida, inimigos no campo da Igreja. Ainda que suas críticas fossem ao atraso cultural e econômico devido à ação nefasta do catolicismo oficial, e não à religião em si mesma - Rui defendia a mensagem cristã, o catolicismo original - ele já imaginava uma possível reação negativa, por isso apressou o casamento, temendo que, depois que a obra fosse publicada, não conseguisse celebrá-lo. Assim, casou-se em 1876 e, no ano seguinte, retornou a Salvador, onde assumiu a direção do Diário da Bahia, e continuou a atividade de advogado.

Em janeiro de 1878, ele é eleito deputado provincial e em setembro deputado-geral, para a Câmara do Império. Isso ocorria principalmente em função do retorno dos liberais ao poder, já que as eleições parlamentares no Império eram feitas com o objetivo de referendar o gabinete que assumia. É difícil mensurar totalmente o peso da atuação jornalística de Rui Barbosa, neste estágio, em sua ascendente trajetória política, já que as eleições eram decididas por arranjos internos entre a elite, e nesse sentido o peso político de seu padrinho Manuel Souza Dantas seria fundamental nesse início. Contudo, é fato que a atuação como jornalista e também como orador colocaram Rui Barbosa numa posição de destaque no Partido Liberal.

Na restrita esfera pública brasileira de então, as primeiras campanhas e pronunciamentos de Rui Barbosa garantiam-lhe se não a eleição pelo menos a fama de "orador e escritor capaz de destruir o argumento alheio" (Gonçalves, 2000, 34). Tais características lançavam luz própria sobre sua figura e lhe permitiriam ter participação decisiva em importantes debates nacionais, bem como lutar pela própria democratização política. Novamente a imprensa seria um instrumento de sua ação e agora também daria cobertura a ela, começando a forjar uma figura pública que acabaria se tornando conhecida já durante a Monarquia.

2.3. A projeção nacional de Rui Barbosa e suas novas campanhas

Os discursos de Rui Barbosa em seu primeiro mandato nacional logo lhe garantiram um lugar de destaque na legislatura e também na imprensa. Assim, seu segundo discurso - com a inusitada duração de quatro horas -, no qual defendeu a ação do governo do Império de nomear um gabinete liberal e convocar eleições, provocou a publicação de uma caricatura na Revista Ilustrada, de Ângelo Agostini. Nela, Rui era retratado como um boneco de corda, sob a legenda: "Corda garantida por 24 horas. Privilegiado pelo Governo imperial" (apud Gonçalves, 2000, 35).

Este é o início de uma proliferação de caricaturas no qual os desenhistas exageravam características físicas de Rui Barbosa para fazer rir, e iam, ao mesmo tempo, construindo uma legenda de homem público que se tornaria popular: uma enorme cabeça, sustentada por um corpo frágil e de pequena estatura (ele media 1,58m). Rui foi um dos políticos mais caricaturizados do Brasil em todos os tempos (ver exemplos em Anexo).

O estudioso da caricatura Herman Lima chegou a compilar estes trabalhos num livro (Rui e a caricatura), publicado em 1950. Num país com alto índice de analfabetos, este fato não deve ser negligenciado em termos da divulgação da figura de Rui entre os grupos populares. (Lembre-se, por exemplo, que Joaquim Nabuco referiu-se à Revista Ilustrada como a "Bíblia da abolição dos que não sabem ler", por ela divulgar a causa por meio de desenhos, cf. Sodré, 1999, 218.)

Durante esta experiência parlamentar Rui Barbosa também se envolveria em duelos de retórica com adversários políticos importantes. A vitória de suas posições, em determinados episódios, consolidava sua "fama de orador devastador, e sobre ela [Rui] construiria grande parte de sua carreira" (Gonçalves, 2000, 36). O destaque alcançado permitiria que ele fosse indicado como redator de um projeto de reforma eleitoral - antiga bandeira sua. Do projeto resultaria a chamada Lei Saraiva, uma tentativa de moralização do processo político na Monarquia, que se situava no contexto de reformas que o Império procurava promover para se atualizar. Rui, em sua proposta, mantinha o voto censitário e introduzia a exclusão dos analfabetos do direito ao voto.

Este aspecto fez com que, embora a intenção da nova lei fosse tornar o sistema mais democrático, houvesse uma redução expressiva da parcela da população que poderia votar (caiu de 10 para 1%). Foi um efeito indesejado, mas que também mostrava os limites do reformismo do Império, bem como as posições políticas liberais de Rui Barbosa, que apelava para o exemplo inglês, que não concedia direito de votos aos operários, em defesa de seu projeto. Por outro lado, Rui faria, no âmbito da Lei Saraiva, uma proposta de destinar recursos de um imposto sobre os aluguéis para estabelecer um sistema de educação popular. Esta proposição não foi aceita, porém.

Em 1881, Rui Barbosa candidatou-se à reeleição para o parlamento do Império. Ele teria dificuldade para se eleger; assim como seu adversário conservador não obteve a maioria necessária para ganhar a vaga de deputado. Ele introduziria então

algo totalmente novo, estanho às práticas políticas tradicionais: a campanha política. Acreditava no ideal de que as pessoas votariam em um programa, em idéias, e de que pelo argumento conseguiria seu apoio. (Gonçalves, 2000, 39).

Dessa forma, visitaria todos os eleitores de seu distrito eleitoral e conseguiria ser eleito, por uma pequena margem de votos (444 contra 424 de seu adversário conservador). Atentar para este fato é importante por salientar o papel do convencimento, da persuasão pelas idéias, que Rui Barbosa associava à política, mas, também, tornando o jornalismo uma "tribuna ampliada".

Os primeiros anos do segundo mandato de Rui Barbosa, iniciado em 1882, são marcados pelos debates, nos quais participa ativamente, inclusive apresentando projetos, sobre reformas no ensino brasileiro. Os resultados das discussões, projetos ambiciosos de reforma, não se tornaram, todavia, políticas do Império. Apesar disso, ele receberia, devido a seus esforços pela educação, o prestigioso título de "conselheiro", a maior honraria não-nobiliárquica concedida então.

A indicação para o título de conselheiro fora dada pelo conselheiro Lafaiete, de cujo gabinete Rui Barbosa fora um dos maiores defensores, principalmente em artigos, publicados com pseudônimo no Jornal do Commercio. Observa-se, pois, mais uma vez, a simbiose entre política e jornalismo na atuação de Rui; este servindo de instrumento àquela.

O gabinete de Lafaiete caiu em junho de 1884, sendo substituído justamente por Manuel Dantas, o antigo protetor de Rui Barbosa. Ele esperava ser indicado para o ministério, o que não ocorreu, no entanto, tornou-se líder do gabinete na Câmara. Esse momento é marcado pela retomada da campanha abolicionista por Rui, que apresenta projeto pela emancipação dos escravos com mais de 60 anos. Defende-o pela imprensa - novamente no Jornal do Commercio e sob pseudônimo e também em O País, no qual Rui ocupou o cargo de redator-chefe por três dias - e em pronunciamentos, por vezes bastante agressivos, na Câmara.

O projeto, embora acusado de ser muito tímido por abolicionistas, provocou uma crise no gabinete, em função da reação conservadora. Rui Barbosa chegaria a ser acusado de "comunista" e foi atacado pelo clero e por senhores de escravos. O gabinete Dantas, por isso, cairia em abril de 1885, Rui perderia espaço no partido e seu projeto não seria aprovado. Ele passaria, então, por relativo ostracismo na vida parlamentar até o fim do mandato. Seria também derrotado nas eleições de 1884, 1886, 1888 e 1889, quando não conseguiu voltar à Câmara de Deputados nacional. Isso demonstra bem a oposição a sua campanha abolicionista por parte da elite, bem como o enfraquecimento do Partido Liberal - no qual Rui passou a ter opositores -, após sair do poder em 1885.

As dificuldades do político baiano para voltar ao Parlamento Imperial impeliam-no a ser mais radical em suas propostas abolicionistas e também, agora, da defesa do regime federativo. Iriam, assim, aproximar Rui Barbosa da República, potencialmente um meio para realizar as reformas que ele considerava importantes.

Até a aprovação da Lei Áurea, porém, a grande causa de Rui Barbosa seria o abolicionismo, que ele defendeu em conferências, promovidas por associações ligadas a esta causa; como advogado, apelando à lei para a soltura de escravos, e, naturalmente, também pela imprensa, escrevendo, por exemplo, para a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, em 1888. Neste ano, a escravidão seria extinta e Rui então se voltaria mais à campanha pela federação e reformas no Império, principalmente por meio de sua atividade como jornalista no Diário de Notícias, naquela que é considerada sua principal fase na imprensa.

2.4. O Diário de Notícias e o apoio ao federalismo: a fase áurea do jornalista

Rui Barbosa assumiu o cargo de redator-chefe do Diário de Notícias em março de 1889. O jornal apoiara a Abolição e seu proprietário era republicano, porém, ele não obrigaria Rui, ainda reticente quando a este sistema político, a adotar o mesmo ponto de vista. O jornal vivera um bom período na campanha abolicionista, mas se encontrava com menor prestígio então. E foi justamente a campanha federalista e as críticas a aspectos do regime monárquico realizadas por Rui que fizeram com que o jornal tivesse um enorme sucesso.

Mesmo críticos de Rui Barbosa, como R. Magalhães Júnior, reconhecem o poder desta campanha por meio do Diário de Notícias. Diz ele:

É Rui quem, a golpes tremendos vai impiedosamente destruindo as bases do velho regime, através de uma argumentação cada vez mais cerrada e envolvente. [...] A pena de Rui, quase tanto quanto a espada de Deodoro, fora responsável pela queda do Império. (apud Gonçalves, 2000, 53-54)

Rui Barbosa utilizou as armas do artigo de opinião - nos parece que sua produção é exemplar daquilo que era chamado por muitos de "artigo de fundo" -, com sua linguagem erudita, por vezes, difícil, entrelaçando elementos do cotidiano político - ações, figuras, efemérides - às suas críticas, realizadas a luz de doutrinas liberais. Esta ancoragem nos fatos afasta a tendência ao ensaísmo puro - de defesa de idéias - desta produção. Um exemplo interessante é dado pelo artigo "Partidos Imperiais" (Barbosa, 1956, vol. 1, 149-150) de 8 de setembro de 1889, no qual seis longos parágrafos esmiúçam a fragilidade do sistema partidário local, numa discussão erudita (apela-se a Guizot, logo no início), crítica (comenta que o "sistema representativo, na sua pureza" não foi experimentado no Brasil) e relativamente abstrata. Contudo, no penúltimo parágrafo o "ontem", o fato que justifica (jornalisticamente) todo o discurso anterior aparece:

Nunca essa situação crônica se desenhou melhor do que no espetáculo das eleições, a que estamos assistindo. Sua Majestade fez render a sua escolta. A de ontem desapareceu, deixando ouvir apenas o murmúrio de queixas por ora inofensivas. Mas, quando tocarem o diapasão perigoso, a máquina eleitoral posta em movimento pela coroa virá demonstrar, por uma unanimidade oposta à de hoje, que o Partido Liberal não é menos nulo do que o conservador, e que um e outro não existem, em última análise, senão por obra e graça da régia vontade.
Também ambos parece não aspirarem a outro destino. (Barbosa, 1956, 150, grifo nosso)

Em meio a esta campanha político-jornalística por reformas no Império, Rui seria convidado para ser ministro, do gabinete liberal chefiado pelo visconde de Ouro Preto que ascendia. Ele vinculou o aceite à adoção da reforma federalista. Isso não ocorreu, e Rui Barbosa passaria a atacar também o governo de seu próprio partido. Sofreria represárias, no âmbito do partido e do jornal. De um lado, era barrado da lista de candidatos liberais baianos; de outro, Ouro Preto tentaria proibir a venda do Diário de Notícias, bem como do jornal O País, dirigido por Quintino Bocaiúva e francamente republicano.

A tentativa de coibir a circulação desses jornais teve, porém, um efeito oposto, já que as vendagens de ambos, justamente pela perseguição, aumentaram. Gonçalves (2000, 55) nota que se "se alguma agitação aconteceu às vésperas do golpe republicano, ela foi sem dúvida dirigida por Rui e Bocaiúva em seus jornais".

O Diário de Notícias passaria também a amplificar os protestos militares, defendendo-os nos diversos âmbitos de conflito da chamada Questão Militar. Rui, por exemplo, escreveria três artigos em defesa de Deodoro da Fonseca, quando este é enviado para Mato Grosso. Estas ações jornalísticas sinalizavam uma aproximação entre ele e o grupo militar que consumaria a República. Com efeito, sem aliados políticos e descrente da possibilidade da realização das reformas tornou-se um dos principais apoiadores civis do golpe que proclamou a República.

É interessante assinalar, como nota Gonçalves (2000, 58-59), que o ímpeto polemista de Rui faria com que ele participasse como político e como jornalista de três questões que tradicionalmente são associadas à queda do Império: a Questão Servil, a Questão Religiosa e a Questão Militar. A despeito disso, Rui Barbosa abandonou a Monarquia menos pelo regime em si, do que pela incapacidade do mesmo em promover reformas no Brasil da época. Os artigo do Diário de Notícias evidenciam uma gradual proximidade entre o tema das reformas que Rui desejava, como o federalismo, e a aceitação da República. Como ele escreve no artigo do Diário de Notícias de 29 de junho de 1889, "Federação e o Trono" (Barbosa, 1956, vol.6, 127):

A federação é o laço de unidade e o tipo normal da organização livre da nação na imensidade e diversidade de um território como o nosso. A monarquia é apenas um meio, ou, para usarmos, como o nosso eminente colega do Jornal do Commercio, uma expressão vulgar na ciência do Governo, é um mero "acidente na vida dos Estados". E os acidentes removem-se, os meios substituem-se, quando, em vez de servir aos fins a que devem obedecer, assumem contra eles o caráter de impedimentos irredutíveis.

Proclamada a República, Rui Barbosa, aos 40 anos, iria ocupar uma posição de destaque nesse momento de mudança de regime. Os conspiradores republicanos tinham-lhe prometido a pasta da Fazenda. E no governo, Rui tentaria lutar pelas reformas que defendia. Saiu do Diário de Notícias que, sintomaticamente, perdeu prestígio e entrou numa fase de declínio.

2.5. Rui Barbosa e a República: apoio e exílio

Atuação de Rui Barbosa no Governo Provisório do marechal Deodoro envolveu sua participação na feitura do arcabouço institucional do país sob a organização republicana. O próprio nome do país mudaria - para Estados Unidos do Brasil -, de modo a refletir anseios federativos, caros a Rui, que neste momento começava a substituir o modelo da Inglaterra pelo dos Estados Unidos em suas preferências liberais.

Num plano mais complexo, Rui Barbosa foi um dos responsáveis, com destaque, pela elaboração da nova Constituição brasileira, sendo de sua autoria, por exemplo, o projeto de separação entre Igreja e Estado. O modelo de organização constitucional defendido por ele consistia numa adaptação do modelo norte-americano, postulando um avanço liberal, mas sem os riscos de uma "superdemocratização" que tivesse efeitos negativos sobre as liberdades individuais. Ia nessa direção sua defesa das eleições indiretas para presidente (opção que, contudo, não prevaleceu no texto constitucional). A Constituinte que acolheu o projeto elaborado pelo governo foi instalada em 1890 e promulgaria a nova Constituição em fevereiro do ano seguinte.

Antes disso, Rui Barbosa, como ministro da Fazenda de Deodoro, iniciava uma política econômica que acabou conhecida como "encilhamento", com o objetivo de acelerar a industrialização. Como se sabe, a liberalização das emissões monetárias - inspirada em parte na política econômica dos Estados Unidos - provocou mais especulação, inflação e fraudes do que o almejado desenvolvimento. Assim, ainda durante a permanência de Rui no ministério houve uma tentativa de deter a crise inflacionária, controlando as emissões monetárias, num único banco. Porém, os esforços tiveram parco efeito. É principalmente a este desgaste da política econômica que se deve sua saída do ministério, no momento em que há uma renúncia coletiva dos ministros, em dezembro de 1890. Antes, Rui Barbosa já havia pedido demissão várias vezes, mas era sempre dissuadido por Deodoro a manter-se, em geral mais forte, no governo; dessa vez não. Outro ponto que se atribuí à saída de Rui do governo é uma eventual discordância entre ele e Deodoro, em função de tendências autoritárias do presidente provisório, que desejava um Executivo forte.

Foi nesse período como membro do governo - o único de sua vida nessa condição -, que Rui Barbosa faria um gesto que, com o tempo, foi mal interpretado: a queima de documentos relativos à escravidão pertencentes ao ministério da Fazenda. O equívoco consiste em entender que a ação foi um gesto individual, para "apagar" a vergonha da escravidão queimando seu registro. Em verdade, esta era uma reivindicação de abolicionistas históricos, com o objetivo de impedir que os donos de escravos pleiteassem indenizações - o que implicaria, inclusive, no reconhecimento da legitimidade do regime servil. Por isso, a ação da queima dos documentos foi, na época, apoiada por sociedades e líderes abolicionistas.

Após a saída do governo, Rui Barbosa acompanhou do Senado a promulgação da Constituição, a eleição de Deodoro e a crise que resultaria na renúncia do primeiro presidente brasileiro. E também prosperava em negócios ligados à advocacia e outros empreendimentos - o que produzia rumores de que sua atuação no ministério teria lhe favorecido pessoalmente. Rui defendeu-se dessa acusação, discursando no Senado, ocasião em que também atacou a política recessiva do seu sucessor na Fazenda, Tristão de Araripe.

Porém, sua principal atuação pública fora do governo seria a crítica ao apoio dado pelo governo Floriano em favor da deposição de governos estaduais, especialmente no caso da Bahia, no qual seria deposto um aliado de Rui. Nota-se, aqui, como ele se inseria fortemente no contexto da política regional. Rui Barbosa era, agora, de certo modo, um membro da oligarquia regional, que possuía projeção nacional, e dividia as elites locais.

Seria reeleito para o Senado em 1892, recrudescendo as críticas contra Floriano; foi contra o fato dele pretender cumprir o fim do mandato de Deodoro - quando a determinação constitucional exigia novas eleições. A reação de Floriano a críticas como essas foi a instauração de um governo forte e autoritário. Ele mandaria prender vários militares e políticos, que seriam defendidos no Tribunal por Rui Barbosa, que, nesse momento, mostrava-se um exegeta da Constituição contra o arbítrio. Nesse sentido, Gonçalves (2000, 83-84) comenta que:

Com sua atuação junto à Justiça. Rui Barbosa estabeleceu acima de tudo um exemplo de civismo democrático no Brasil que guiou tantas formas de resistência a ditaduras posteriores. Ele legava ao país não só um paradigma de garantia jurídica da liberdade, mas também um modelo de argumentação contra a arbitrariedade. Era a palavra, a razão, contra o autoritarismo da força - é por ações como essas que Rui merece ser lembrado como um grande patrono da liberdade neste país.

A fase seguinte da oposição a Floriano seria marcada por sua atuação na imprensa, por meio do Jornal do Brasil, do qual Rui Barbosa tornou-se um dos donos, diretor e redator, em 1893. Fundado por Rodolfo Dantas e Joaquim Nabuco, logo depois da proclamação da República, o jornal era inicialmente um veículo propagandista da monarquia. O ingresso de Rui no jornal inaugura um novo estágio do veículo(1), quando ele se torna uma tribuna para o combate à ditadura de Floriano Peixoto. Além disso, em meio às crises militares que conturbaram o período, Rui atuou no Senado e como advogado de modo a conter os excessos do presidente, por exemplo, ao defender militares revoltosos, utilizando com freqüência o expediente do habeas-corpus para os envolvidos na chamada "revolta da Armada". Sofreu por isso ameaças, ainda que não estivesse diretamente ligado ao movimento.

Devido ao temor de um possível atentado, depois que Floriano decreta o estado de sítio e ordena diversas prisões, Rui embarcou para a Buenos Aires, em março de 1894. Na capital da Argentina, ele escreveu cartas ao jornal La Nación, nas quais explicava sua situação - negava fazer parte da insurreição, mas criticava o governo, em relação à ausência de liberdades no Brasil. Enquanto isso, o Jornal do Brasil era impedido de circular por Floriano, e o secretário do jornal e de Rui, Tobias Monteiro, era preso.

Esses dissabores, numa República que ajudara a construir, fariam com que Rui Barbosa partisse, depois de ter conseguido reunir a família, para a Europa. Passou por Lisboa, onde suas críticas a Floriano, num jornal local, provocaram um incidente diplomático, por Paris, cidades em que ficou pouco tempo, e, por fim, Londres, na qual morou por cerca de um ano.

Em seu exílio, do qual só regressaria após a morte de Floriano, em junho de 1895, Rui Barbosa aceitou colaborar para o Jornal do Commercio, e para neste jornal escreveu cinco artigos, mais tarde reunidos no livro Cartas da Inglaterra. O mais famoso deles é o primeiro, no qual Rui, de modo pioneiro, defende o capitão judeu francês Alfred Dreyfus, acusado de espionagem e preso. A defesa de Rui não foi a primeira, como por vezes se propala, o próprio artigo traz citações da imprensa britânica de mesmo teor. Todavia, tem méritos inegáveis, pois foi escrito "bem antes que o caso Dreyfus de tornasse uma disputa nacional na França, e [...] três anos antes do célebre J'accuse de Émile Zola" (Gonçalves, 2000, 89). É interessante também notar que o argumento de Rui Barbosa não enfoca o anti-semitismo, na medida em que o problema era visto, a partir do liberalismo que ele adotava, como "da tirania da maioria, de imposição da vontade tirânica do povo sobre o indivíduo" (idem).

2.6. O regresso ao Brasil, o reconhecimento no exterior e o civilismo

O retorno de Rui Barbosa ao Brasil se dava no contexto da "República dos fazendeiros", na qual a corrupção do sistema político poderia ser comparada ao que de pior havia na Monarquia. A principal atuação de Rui, nesse primeiro momento, se daria por meio de uma campanha de moralização dos costumes políticos e da defesa de uma revisão constitucional. Porém, suas propostas enfrentam forte oposição dos governos da época, e esta resistência acaba levando-o a posições cada vez mais democráticas, a ponto dele "se tornar o campeão da democracia no Brasil e uma verdadeira 'reserva moral' da Primeira República" (Gonçalves, 2000, 95).

Assim, no governo do primeiro presidente civil do país, Prudente de Morais, Rui defendeu magistrados que tinham sido compulsoriamente aposentados pelo governo, o que gerou grande debate na imprensa e no ambiente jurídico. Por isso, nos bastidores, a situação tentaria impedir que ele conseguisse a reeleição para o Senado. A articulação é mal sucedida, inclusive por que alguns lembram que fora do Senado ele poderia até ser mais perigoso para o governo, relembrando a atuação de Rui no Diário de Notícias.

Rui seria reeleito com larga maioria, em 1898, e nesse mesmo ano criaria, com o objetivo de fazer oposição ao regime oligárquico, o jornal A Imprensa, que durou até 1901. De acordo com Gonçalves (2000, 100), neste período Rui faria sua mais longa campanha jornalística, escrevendo centenas de editoriais, em que critica diferentes aspectos do governo. Manteve, então, uma constante oposição ao sucessor de Prudentes de Morais, Campos Sales. Oposição quase isolada, pois os "subsídios" aos outros jornais não só faziam com que eles poupassem o governo, mas também atacassem Rui Barbosa, amplificando supostos escândalos em que ele estaria envolvido.

A Imprensa era usada, por isso, também para que Rui se defendesse. A precária condição financeira do jornal, os ataques a Rui e seu isolamento político fizeram com que a campanha jornalística não tivesse êxito. O jornal fecharia em 1901, calando uma das poucas vozes de oposição a Campos Sales. (Não por acaso, este presidente será duramente criticado em A imprensa e o dever da verdade, conforme mostraremos adiante.)

Assim, as atenções de Rui se voltariam, a partir de 1902, para a discussão sobre o projeto do Código Civil, ao qual proporia mais de mil emendas. É possível entender, em parte, sua atitude como um modo de exercer a oposição ao governo Campos Sales, porém o parecer elaborado por ele foi também alvo de admiração pela erudição demonstrada. Em geral, Rui Barbosa propunha correções gramaticais e estilísticas para melhorar o projeto. Nesse contexto, ele se envolveu numa polêmica, que ocupou os jornais da época, com seu antigo professor de francês, Ernesto Carneiro Ribeiro, que já havia revisado gramaticalmente o projeto e criticou o parecer de Rui. Este produziria uma alentada resposta, que se tornaria um de seus textos mais conhecidos, a Réplica, apresentada ao Senado em 1902, e publicada em livro no ano seguinte. Foi uma nova consagração ao senador baiano, que usava novamente sua oratória para vencer disputas.

Nesse momento - desde 1902 - Rodrigues Alves já sucedera Campos Sales na Presidência, e haveria entre ele e Rui Barbosa uma aproximação. Atribui-se esta aliança de Rui a um esquema político antes criticado por ele ao pragmatismo, já que poderia ser um meio de ascensão futura - Rui desejava ser presidente -, bem como um modo dele realizar algumas de suas propostas.

A aliança renderia mais, contudo, em termos da defesa do Brasil no exterior, sendo o início da grande projeção que Rui Barbosa acabaria tendo fora do país. Assim, em 1903, ele ganharia o cargo de representante do Brasil nas negociações do país com a Bolívia a respeito do território do Acre, junto com o ministro das Relações Exteriores, o barão do Rio Branco e Assis Brasil. Teve um desentendimento com Rio Branco e sairia da comissão. Mas, depois disso e de ter articulado a união de grupos políticos em torno da candidatura Afonso Pena para a sucessão de Rodrigues Alves - com o qual Rui acabara entrando em atrito -, o senador baiano seria indicado para representar o Brasil na 2ª. Conferência de Paz de Haia, na Holanda.

A embaixada a Haia, bem organizada por Rui Branco, foi um sucesso, e a defesa que Rui Barbosa fez das nações menores repercutiu internacionalmente. Durante a Conferência, que objetivava, entre outros pontos, discutir a criação de uma corte de justiça internacional, o representante brasileiro adquiriu crescente prestígio - superando a antipatia e talvez preconceito, por ser de um país periférico, iniciais, de alguns representantes de outros países. De modo geral, Rui Barbosa apoiou posições defendidas pelos Estados Unidos; mais marcante seria sua atuação em favor dos países de menor peso internacional. Rui lutou pela aprovação de um tribunal internacional pautado pela igualdade das nações. Sua participação não fez com que este modelo fosse aprovado, mas conseguiu "impedir a constituição de um tribunal injusto, destinado a perpetuar e potencializar as iniqüidades do sistema internacional" (Gonçalves, 2000, 119).

O sucesso de Rui no estrangeiro, que lhe valeria, por parte da imprensa nacional, o apelido de "Águia de Haia", contribuiria decisivamente para a constituição, no imaginário local, da figura do sábio brasileiro, diante do qual o mundo civilizado se curvava. É claro que existe nessa imagem um tanto de exagero, contudo, exemplo concreto do prestigio que ele de fato angariou é que seria, muito depois, em 1921, eleito membro da Suprema Corte Permanente de Justiça Internacional de Haia, com a maior votação dentre os eleitos.

No Brasil, em 1908, Rui Barbosa seria eleito presidente da Academia Brasileira de Letras, criada em 1897, da qual ele fora membro fundador. Porém, seu desejo maior era a Presidência da República, e, ao notar que seria preterido em favor de outro nome por Afonso Pena, romperia com o presidente e daria início à sua trajetória na chamada campanha civilista.

Disputas no campo da situação fizeram com que a chapa oligárquica fosse encabeçada pelo marechal Hermes da Fonseca, que, no início, afirmou que só concorreria se contasse com o apoio de Rui. Este escreve uma carta, publicada na imprensa, com uma dura negativa, e em que diria não ser contra os militares na política, desde que tivessem uma carreira na área, e não representassem o militarismo. Hermes ignoraria a carta e seria candidato. Uma defecção na oligarquia que estava no poder, numa aliança entre paulistas e baianos, acabaria sustentando a candidatura de Rui Barbosa, sem, contudo, ter muitas esperanças de êxito.

Apesar desse ânimo - ou falta de - a candidatura de Rui marcou a primeira real disputa em eleições presidenciais no Estado brasileiro. O candidato baiano promoveu uma autêntica campanha, com base em debates em torno de idéias com as quais tentava convencer os eleitores, o que era algo incomum na época. Os itens principais do programa de Rui eram a reforma eleitoral - defendia o fim do voto aberto - e a reforma constitucional. Ambas objetivavam efetivar o regime democrático, livrando-o de suas mazelas. Além disso, ele defenderia o desenvolvimento da educação pública, o que seria um modo de reforçar a democracia no país.

A campanha civilista oporia Rui Barbosa tanto à maioria das oligarquias estaduais quanto ao setor militar, ou, melhor dizendo, ao militarismo que ele via como potencialmente tirânico. A campanha seria, pois, um momento de radicalização do pensamento democrático de Rui, já que suas propostas pretendiam tornar real a representação da sociedade no Estado, por meio das reformas que eram suas bandeiras.

A agitação da campanha não produziu um resultado final diferente do que o esperado: a máquina política deu a vitória a Hermes da Fonseca, em 1910, num pleito cercado por fraudes. Rui denunciaria os procedimentos ilegais ocorridos durante a eleição - ele mesmo teve dificuldade em encontrar uma seção aberta para votar - e contestaria o resultado, no Senado. Seu protesto, porém, foi em vão. A partir daí e da posse de Hermes em novembro de 1910 ele iniciaria uma segunda fase do civilismo, por meio de uma dura oposição ao governo. Os ataques de Rui teriam reforço na imprensa, em jornais oposicionistas como O Imparcial e A Noite e, principalmente, no Diário de Notícias, naquela que foi a última campanha jornalística de Rui, o "canto do cisne" do jornalista, na expressão de Barbosa Lima Sobrinho (apud Marques de Melo, 1993, 50).

2.7. A última campanha jornalística no combate ao governo Hermes

A campanha realizada por Rui Barbosa, no Diário de Notícias, em sua segunda fase neste jornal, entre 1911 e 1912, é analisada por Marques de Melo (1993), que destaca o enraizamento dos artigos nas questões da época, numa perspectiva eminentemente jornalística - algo que, como vimos, também ocorre na primeira fase dele no Diário de Notícias. Assim, Rui dá aos temas discutidos

um tratamento de maneira persuasiva, começando com a exposição do fato que suscita sua indignação, como se fosse uma matéria informativa, para depois analisá-lo exaustivamente, valendo-se de argumentos contundentes retirados do manacial jurídico que domina com perfeição. (Marques de Melo, 1993, 50)

Marques de Melo (1993, 50) nota, salientando o "faro jornalístico" de Rui Barbosa que ele, no decurso de seus artigos no Diário de Notícias, aproveita, em seus artigos, fatos novos, surgidos no decurso da polêmica, muitos dos quais gerados por suas próprias críticas jornalísticas. Todos os textos tiveram o objetivo de combater o governo Hermes, sob diferentes aspectos, que Marques de Melo (idem) agrupa em quatro grandes eixos: a defesa ao direito da minoria parlamentar; a crítica ao militarismo; a questão das inelegibilidades ministeriais e, por fim, temas da política baiana.

A primeira temática mostra a face do Rui exegeta da Constituição, que busca, em exemplos da experiência dos Estados Unidos, e no próprio texto da Carta argumentos para defender o direito de representação da minoria em comissões parlamentares, o que num plano político corresponderia a um aprofundamento democrático. Nos artigos em que critica o militarismo, Rui aborda, entre outros pontos, os privilégios desta classe e sua suposta incompetência para gerir os governos do país. O tema da inelegibilidade, por sua vez, é uma oportunidade para ele ao mesmo tempo criticar aspirações de possíveis candidatos do governo nos estados - descumprindo requisitos legais -, quanto mostrar a ineficácia de certas leis no país. O último bloco de artigos temáticos de Rui Barbosa no Diário de Notícias compreende uma crítica à política de "salvações nacionais" do governo Hermes - que pretendia intervir nos estados, para estabelecer governos militares de sua confiança em substituição às oligarquias locais -, especificamente quanto ao exercício da mesma na Bahia. Neste estado, um aliado de Rui foi forçado a deixar o governo, bem como seu substituto, este, após Salvador ter sido bombardeada, em janeiro de 1912.

Além da dura crítica a esta política, por meio do Diário Notícias, Rui interviria no episódio - mais uma vez mostrando a simbiose entre jornalista, político e advogado - impetrando ações na Justiça para combater a intervenção na Bahia. Depois de uma série de incidentes, a situação se acomodaria no estado. Rui continuaria, porém, a criticar o governo Hermes, que neste momento, já estava em descrédito, e perdera apoio da maior parte das oligarquias.

Em 1913, o processo de sucessão tem início, e a dissolução do governo era tal que Hermes, junto com o senador Pinheiro Machado, que articulara a candidatura do marechal, tentou convencer Rui a ser candidato de uma aliança governista. O político baiano recusou, de modo veemente, a proposta. Rui tentaria ser candidato, mas de oposição e com a defesa de suas reformas constitucionais como plataforma. Todavia, sua pretensão foi atropelada pelos acordos entre as oligarquias mineiras e paulistas que resultaram no início da "República do café-com-leite". Com efeito, Rui Barbosa nem seria candidato e Venceslau Brás, em 1914, foi eleito presidente, recebendo depois o apoio do senador baiano.

Antes da posse de Venceslau Brás, houve ainda um episódio digno de menção, no embate entre Rui e o governo. Em março de 1914, Hermes da Fonseca decretou o estado de sítio, por suspeitar de uma conspiração. Rui Barbosa criticaria a medida no Senado e tentou fazer com que o Supremo Tribunal Federal decretasse sua inconstitucionalidade, por ter sido instaurado sem maior justificativa. Não teve êxito neste pleito, mas pela "jurisprudência então criada, o estado de sítio não poderia mais limitar a liberdade de imprensa [...] que Rui descreveu como o ar que a democracia respira" (Gonçalves, 2000, 137).

2.8. A campanha em prol da guerra e a segunda disputa presidencial de Rui

A impopularidade de Hermes Fonseca, por contraste, rendia a Rui Barbosa, seu principal opositor, uma série de homenagens ao fim do governo do marechal. Ele seria, por exemplo, eleito presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros. A consagração nacional seria acompanhada, posteriormente, por outra aclamação internacional. Isto se deve ao fato de que Rui, em 1916, num discurso em Bueno Aires criticou a neutralidade dos países americanos quanto à guerra, travada na Europa desde 1914. Segundo ele, o conflito colocava de um lado a democracia - representada pela Inglaterra, França, Itália e Rússia - e de outro o despotismo - os impérios alemão, austro-húngaro e otomano. O discurso teve grande repercussão internacional, sendo logo publicada em português, espanhol e francês.

No Brasil, o discurso também agitou muitos círculos políticos e Rui Barbosa acabaria sendo o líder das facções que defenderam a entrada do Brasil na guerra, ao lado do campo democrático. Rui, porém, notava que a guerra poderia ser também uma oportunidade para produzir uma revolução democrática no país, pois o Brasil não poderia, de acordo com seu argumento, entrar no conflito se não se reformasse internamente, ou seja, para lutar na "guerra da democracia" deveria adotar os verdadeiros parâmetros desta. O Brasil entraria na guerra, em outubro de 1917, sem, entretanto, reformar-se. Os costumes políticos não mudavam, e Venceslau Brás indicaria seu sucessor, contra a posição de Rui de que ele não deveria intervir no processo sucessório.

A guerra terminou no final de 1918, ano no qual ocorreu o chamado Jubileu Cívico e Literário de Rui Barbosa, pois supostamente há 50 anos ele teria feito seu primeiro discurso político. Ele recebeu uma série de homenagens, inclusive do exterior, incluindo passeatas e manifestações no Brasil em reverência ao significado da data.

Apesar de já nesta época estar com uma saúde frágil, o Jubileu não seria a última manifestação pública de Rui Barbosa. Como o candidato eleito depois de Venceslau Brás, Rodrigues Alves, faleceu antes de tomar posse, após uma interinidade de Delfim Moreira na presidência, foram convocadas novas eleições. E, mais uma vez, Rui foi candidato. Nilo Peçanha, governador do estado do Rio, começou a mobilizar uma frente em favor dele. Porém, o candidato, ao não abrir mão de suas propostas - e, além disso, radicalizá-las - acabaria pouco-a-pouco perdendo o apoio das oligarquias. Estas, por sua vez, encontram no paraibano Epitácio Pessoa um nome de consenso, para produzir um intervalo na alternância entre mineiros e paulistas no poder.

Quanto ao aprofundamento das propostas de Rui Barbosa merece destaque, em particular, a incorporação de uma pauta de direitos sociais a sua tradicional plataforma de democratização política. Ele defenderia, pois, a restrição ao trabalho infantil, seguros aos operários e limitação de horas de trabalho, entre outros tópicos. De acordo com Gonçalves (2000, 157):

Para Rui, tratava-se agora de complementar uma tarefa iniciada pelo abolicionismo. Este começara a permitir a civilização dos trabalhadores brasileiros, processo que agora só os direitos sociais levariam a cabo.

Novamente Rui empreenderia uma campanha eleitoral, com viagens a diferentes pontos do país para divulgar suas idéias. O resultado da eleição, porém, lhe seria adverso. Em abril de 1919, Epitácio Pessoa foi declarado vencedor. Depois da eleição, Rui escreveria um "Manifesto à ação" no qual, embora reconheça a vitória do adversário, protesta contra o processo eleitoral brasileiro e mostra que havia vencido nos principais pólos de desenvolvimento do país.

Menos de um ano depois desta eleição, Rui Barbosa acabaria se envolvendo em outra campanha eleitoral, ao apoiar um dos candidatos ao governo da Bahia, Paulo Fontes, que era também apoiado pelos coronéis do sertão baiano. Fontes foi declarado derrotado na eleição e Rui protestou em manifestos publicados em jornais baianos. Os coronéis ao qual se aliara, porém, preferiram impor a posse de Fontes pelas armas. O governo federal interviria militarmente, para empossar o outro candidato. Rui criticou os governos federal e baiano, em particular, devido à intervenção militar no estado, publicando inclusive artigos, como matéria paga, no Jornal do Commercio. Estes textos foram mais tarde reunidos no livro O artigo 6º. da Constituição e a intervenção de 1920 na Bahia.

Esta seria a última participação mais marcante de Rui na política nacional. Continuou no Senado, contudo, tentando convencer os parlamentares sobre a necessidade das reformas, e nos anos seguintes, cogitou-se também que ele poderia ser de novo candidato a presidente. Mas Rui apoiaria o mineiro Artur Bernardes, no pleito de 1922. Antes disso, escreveu as conferências A imprensa e o dever da verdade, que ele não chegou a pronunciar e que foi editada em 1920, e A oração dos moços, que foi lida por Reynaldo Porchat, em 1921, na Academia do Largo do São Francisco, em São Paulo.

Desde 1922 ele se encontrava bastante adoentado, piorando no fim deste ano; no dia 1º. março de 1923 diagnosticou-se que ele estava com uma "paralisia bulbar", e Rui Barbosa acabou falecendo neste mesmo dia.

3. A reflexão de Rui Barbosa sobre o jornalismo na imprensa

Se a conferência A imprensa dever da verdade é o maior legado de Rui Barbosa quanto ao seu pensamento sobre o jornalismo, isso não significa que ele não tenha escrito mais nada de teor similar. As Obras Seletas que coletam alguns de seus textos jornalísticos (volumes 6, 7 e 8[2]) também trazem alguns artigos em que ele discute a imprensa. Em particular, no nosso entender, os "artigos-programa" que ele escreveu em determinadas ocasiões são reveladores de seu pensamento jornalístico, apesar do caráter conjuntural destes textos. De outro lado, Rui também escreve sobre a imprensa em outros artigos. Vamos a esses dois conjuntos.

Os "artigos-programa" presentes nas Obras Seletas são em número de quatro, pela ordem cronológica, o primeiro é o de O País ("Artigo-programa", 1º. de outubro de 1884); seguido pelos do Diário de Notícias ("O nosso rumo", 7 de março de 1889), Jornal do Brasil ("Traços de um roteiro", 21 de maio de 1893) e A imprensa ("Projetos e esperanças", 5 de outubro de 1898).

É significativo que três destes quatro artigos se iniciem com algum tipo de discurso sobre a necessidade do periódico dizer "a que vem, que idéias traz", como se afirma no artigo-programa "Traços de um roteiro". Por sinal, ligada a esta característica, chama também a atenção a constância com que ele afirma a necessidade do jornal dizer "o que pensa, agrade, ou desagrade à oposição, ou governos" (artigo de O País), o que não significa uma imprensa partidária mas que seja "um eco do sentimento público, interpretando-o com lealdade, ou o modificador do sentimento público, aconselhando-o com simpatia" (artigo do Diário de Notícias), ou ainda, nessa mesma direção, o jornal como "instrumento de doutrina e organização, de estudo e de resistência, de transação política e intransigência legal" (artigo do Jornal do Brasil).

Em verdade estas não são as únicas similaridades e recorrências entre os textos que, apesar de haver um intervalo de 14 anos entre o primeiro e o último, possuem grande unidade de ideário, próximas ao liberalismo político de Rui Barbosa. É possível notar, pelo menos, as seguintes constantes: 1) a imprensa como um meio de educação nacional e formação de opinião; 2) como um instrumento de revitalização social, exercício patriótico, 3) decorrente importância da liberdade de imprensa, 4) que, estabelecida, impõe um "dever da verdade" para a imprensa (aspecto cuja formulação aparece diretamente apenas num dos artigos, mas cujo espírito não é alheio aos demais). Seguem-se trechos dos artigos sobre cada um dos temas mencionados:

A imprensa como um meio de educação nacional e formação de opinião

[...] entre as nações, como esta, onde tão atrasada corre a educação do espírito popular, a opinião há de ser, até certo ponto, obra da imprensa [...] (O País)

Cada jornalista é, para o comum do povo, ao mesmo tempo, um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado e um censor, um familiar e um magistrado. Bebidas com o primeiro pão do dia, as suas lições penetram até ao fundo das consciências inexpertas, onde vão elaborar a moral usual, os sentimentos e os impulsos, de que depende a sorte dos governos e das nações. (A imprensa)

Imprensa como um instrumento de revitalização social, instrumento fiscalizador, exercício patriótico (daí, o jornalista como "político do povo")

[...] fora dos partidos ainda se nos abre vasto espaço ao exercício da atividade patriótica no jornalismo, onde eles carecem de órgãos, mas também de aquilatadores e fiscais. (O País)

Tudo o que merece durar, na constituição de um povo, recompõe-se, e tonifica-se pela publicidade, que encerra em si o princípio regulador das funções da vida no organismo dos Estados. Por ela se distribui ao corpo social a nutrição reparadora, e se eliminam os resíduos tóxicos, elaborados no processo de renovação vital. Toda a restrição à publicidade importa, logo, em embaraço de circulação. (Diário de Notícias)

[...] persuadidos estamos de que a imprensa é um grande bem, talvez a mais forte alavanca do bem no mundo moderno. [...] As nações mais bem governadas são exatamente aquelas, onde maior é a frutificação e a pujança do jornalismo, flora intelectual, que não medra, renovando o oxigênio à atmosfera política, e absorvendo-lhe os elementos irrespiráveis, senão nas regiões onde o gênero humano desenvolve os seus melhores espécimens. (A imprensa)

O jornalista poderia tomar por divisa o Nihil humanum a me alienum. Sem trabalho, indústria, comércio, finança, educação não há política. A política é, como quiserem, o eixo, a convergência, ou a resultante de tudo isso. E, perlustrando tudo isso, o jornalista deve ser o político do povo. (A imprensa)

Importância da liberdade de imprensa

De todas as liberdades é a de imprensa a mais necessária e a mais conspícua: sobranceia e reina entre as mais. Cabe-lhe, por sua natureza, a dignidade inestimável de representar todas as outras. Sua importância é tão incomparável que, entre os anglo-saxônios, os melhores conservadores e os melhores liberais do mundo, sempre foi gêmea do governo representativo a crença de que não se pode levantar a mão contra a liberdade de imprensa, sem abalar a segurança do estado. The freedom of the press can not be impaired without danger to the State. Não se suprime essa liberdade, senão para ocultar a ausência das demais, e estabelecer em torno dos governos ruins o crepúsculo favorável à comodidade dos tiranos. (A imprensa)

A proteção constitucional da palavra escrita ou falada, só não se estende à prédica do crime. (A imprensa)

Toda a restrição à publicidade importa, logo, em embaraço de circulação.
Dela depende inteiramente a higiene dos povos e o saneamento dos governos. É, pois, a garantia conservadora por excelência, contanto que seja plena e ampla. (Diário de Notícias)

O "dever da verdade" no jornalismo

Toda a ciência da administração dos Estados é um vasto campo de debate e uma lição de transações. A tolerância constitui a mais preciosa das virtudes de educação, nas almas habituadas a estudar com filosofia as coisas humanas. Deve reputar-se, até, qualidade profissional na imprensa periódica; pois, neste múnus delicado, onde tão amiúde as sentenças não passam de emoções arrazoadas, falta à discrição de seu ofício quem não souber desconfiar dos próprios juízos.

Nem por isso, todavia, se acentua menos imperioso ao jornalismo o dever da verdade, ou menos praticável se torna a obediência a esse dever. Integridade material dos fatos, integridade moral da opinião do escritor, nas suas relações com o público, veracidade e sinceridade: eis, se nos não enganamos, a fórmula da sua expressão. (Diário de Notícias, destaque nosso)

Rui Barbosa também fala do jornalismo em artigos do Jornal do Brasil ("Liberdade de imprensa", 19 de junho de 1893) e de A imprensa ("Abolição da imprensa", 10 de dezembro de 1898; "O Jubileu da prevaricação", 11 de dezembro de 1898; "A difamação", 13 de dezembro de 1898; "Duas imprensas", 16 de outubro de 1900 e "A saburra de Pasquino", 17 de outubro de 1900).

No artigo "Liberdade de imprensa" Rui comenta uma medida legislativa que o estado de Pernambuco tomava para regulamentar a imprensa no âmbito de uma "lei da questura". Ele critica o absurdo legislativo, pois, a

Constituição proibiu a censura irrestritamente, racialmente, inflexivelmente. Toda lei preventiva contra os excessos da imprensa, toda lei de tutela à publicidade, toda lei de inspeção policial sobre os jornais é, por conseqüência, usurpatória e tirânica. Se o jornalismo se apasquina, o Código Penal proporciona aos ofendidos, particulares, ou funcionários públicos, os meios de responsabilizar os verrineiros.

Nos três artigos seguintes cronologicamente, o que se ressalta é o conhecimento jurídico e histórico que Rui Barbosa mobiliza para discutir e defender novamente a liberdade de imprensa, de diferentes ameaças. Assim, em "Abolição da imprensa", Rui nota que a aprovação de um projeto que ampliaria a esfera das ações públicas para denúncias e críticas ao funcionalismo público representaria um regime "mais severo do que o da prévia censura", e por isso a "abolição" da imprensa. No dia seguinte, Rui continua a criticar este projeto no artigo "O Jubileu da prevaricação", pois, devido ao cerceamento da imprensa promovido, ele iria

fomentar, nos vários ramos do poder, a expansão dos vícios secretos, que a obscuridade alimenta: o mofo das atmosferas confinadas e baixas, a lepra das clandestinidades criminosas, as úlceras da prostituição oficial. [...] Ora, contra esta degeneração dos costumes políticos o único obstáculo possível reside na influência da imprensa, e sobretudo na sua influência preventiva.

Ao fim, observa com estranheza que a Monarquia "viveu sem a ação pública nos crimes de imprensa", sendo, pois, comprometedora a proposta na República. Além disso:

Não é a imprensa que faz a opinião, mas a opinião que faz a imprensa. Toda vez que o governo se arma de restrições contra esta, é que menos confia naquela. Nem sequer poderíamos alegar que sejam excessos de zelo pelo sistema de governo reinante. Não defende o projeto as instituições constitucionais: abriga da publicidade os maus funcionários.

Publicado poucos dias depois dos outros dois artigos, o texto "A difamação" discute o poder dessa prática. Porém, apelando a exemplos históricos, Rui Barbosa comenta que, apesar de parecer certo que "os homens úteis à sua pátria hão de provar a esponja de fel e vinagre" da difamação isso não justifica a repressão da imprensa, pois a

experiência vai mostrando incessantemente a ineficácia da detração contra os honestos. O caluniai, caluniai continua a ter adeptos; mas o seu comércio é cada vez mais desprestigiado, mais ignóbil e mais inofensivo. A lição incessante do século confirma invariavelmente a sabedoria daquele estadista da revolução francesa, que, num discurso a respeito da difamação dos funcionários, dizia aos caluniados: "Deixai escrever contra vós o que quiserem. Cedo, ou tarde, irromperá o vosso triunfo sobre a calúnia. Em relação às pessoas, a liberdade de imprensa é favorável aos homens de bem e só perigosa aos maus."

Por fim, os artigos "Duas imprensas" e "A saburra de Pasquino" inserem-se na campanha contra as práticas de imprensa de Campos Sales, no momento em que ele ainda é presidente e, em decorrência, contra o próprio governo. No primeiro artigo, Rui aproveita a viagem do presidente a Buenos Aires para realizar uma comparação entre a imprensa brasileira e a argentina. Irônico, em vários momentos do texto, Rui Barbosa escreve que se

essa semana [da viagem] de embriaguez amavelmente propinada consentisse ao Sr. Campos Sales receber as lições diretas e frias da realidade, uma das coisas, que, aos seus olhos, se contrastariam entre os dois países, de margem a margem, no rio cujas águas vai sulcar, era a situação intelectual dos dois povos caracterizada pela situação material dos seus jornais.

Enquanto, segundo Rui, Buenos Aires tinha "143 periódicos, dos quais 22 diários e 44 semanais", com recursos técnicos superiores, independência de meios e isenção de atitude, no Rio de Janeiro, uma cidade mais populosa, "uns quatro nomes antigos, cheios de tradições, entretêm modestamente as aparência da sua dignidade", o número de leitores não aumenta, ao contrário das difamações publicadas com o

anonimato dos apedidos, esse ignóbil vezo de converter o jornalismo em lavanderia geral de roupa suja, [que] é instituição privativamente brasileira. A intuição dos fundadores da República, admiravelmente perspicaz, anteviu os imensos benefícios morais da propagação da mazela, e, para a desenvolver, fez o mesmo que a outras coisas dignas de animação legal: proibiu-o na Constituição. Não podia haver receita mais feliz. [...] Depois que a Constituição Federal excomungou da imprensa o anonimato, o anonimato fez da imprensa a sua ceva. Se essa Constituição banisse a república, é possível que começássemos a ter o regímen republicano.

A crítica ao estado da imprensa local - a viagem de Campos Sales é apenas o "gancho" do texto - continua com Rui condenando os veículos que se prestam à chantagem ou ao servilismo bem remunerado pelos governantes. Estes, porém, recebem por seu pagamento um produto que "apenas serve para adoçar, pela manhã, o café do Governo com uma sacarina extraída a substâncias bem diversas do alcatrão". O artigo "A saburra de Pasquino", publicado no dia seguinte, dá continuidade ao assunto, acrescentando outros aspectos aos pontos já criticados e conclamando por uma "reação nacional, como a que lutou contra a escravidão" para emancipar a imprensa de práticas condenáveis. Mas, nota Rui, sem o "predomínio do balcão" o "governismo de todas as situações perderia uma de suas pernas".

Alguns dos temas vistos nestes artigos de jornal reaparecem em A imprensa e o dever da verdade, conforme mostraremos a seguir.

4. A imprensa e o dever da verdade

A conferência A imprensa e o dever da verdade, que Rui Barbosa não chegou a pronunciar, por motivo de doença, foi editada pela primeira vez, em 1920, na Bahia. O resultado da venda do livro foi revertido para uma entidade social, conforme Rui objetivara, por um lado, ao escrevê-la. Por outro lado, como nota Freitas Nobre (2003, 14), a conferência tinha também um

objetivo político que significa a revolta de Rui contra a corrupção que alcançou a imprensa e o chamamento aos princípios éticos que devem nortear a atividade profissional do jornalista e da empresa, [que] encontram-se conjugados com o profundo espírito de fraternidade que caracterizou toda a sua vida.

Nesse sentido, identificam-se claramente dois temas neste trabalho: um elogio do papel ideal da imprensa e a crítica à situação da imprensa brasileira. Neste caso, tema que ocupa a maior parte da parte inicial do trabalho, Rui Barbosa critica as práticas da relação imprensa/governo na Primeira República, em particular, a política de "subvenções" - o "hábito de lubrificar Marinonis com o azeite do Tesouro" (Barbosa, 2003, 51), na verdade um suborno -, comumente adotada,entre outros, por Campos Sales (nomeado no texto). Esta atitude corrompe a imprensa, impedindo que ele cumpra suas funções de vigilância e papel regenerador da sociedade, que Rui vê, também nessa conferência, como um elemento constitutivo da missão da imprensa:

Entre as sociedades modernas, esse grande aparelho de elaboração e depuração reside na publicidade organizada, universal e perene: a imprensa. Eliminai-a da economia desses seres morais, ou envenenai-a, e será como se obstruísseis as vias respiratórias a um vivente, o pusésseis no vazio, ou o condenásseis à inspiração de gases letais. (Barbosa, 2003, 38)

Disso decorre a importância do "dever da verdade" que a imprensa tem. Uma imprensa não corrompida, e sem outros impedimentos à sua liberdade, poderá agir, conforme Rui descreveu de modo bastante eloqüente, como

a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interesse, e se acautela do que a ameaça. (Barbosa, 2003, 37)

É por isso que a corrupção da imprensa pelos governantes na República oligárquica adquire para Rui Barbosa um aspecto condenável e, mais que isso, criminoso (uma forma de peculato).

No segundo eixo do livro, Rui, como era comum também em seus escritos jurídicos, políticos e jornalísticos, dará exemplos concretos de situações em países nos quais as liberdades estavam mais avançadas - Inglaterra e EUA - para explicar o que entende que deveria ser o papel da imprensa: capaz de denunciar e criticar livremente os governos, contribuindo assim para seu ajuste. "Nenhum país salva a sua reputação com os abafos, capuzes e mantilhas da corrupção encapotada", afirma Rui Barbosa (2003, 58)

O papel de desvelamento da realidade, denúncia de situações é destacado, então, no modo como o Times criticou a organização da campanha da Criméia, pela administração militar da Grã-Bretanha - sendo elogiado pelo governo da Rainha Vitória por isso. O mesmo ocorre na atuação da imprensa norte-americana face a atitudes corruptas por parte de políticos. Para Rui Barbosa esse tipo de denúncia é importante e não rebaixa um país, mas o engrandece, pois de qualquer modo a corrupção seria conhecida. E denunciada poderá permitir a correção. Como ele diz:

Em falando verdade, por muito acerba, cruel e desabrida que seja ela, na substância ou na expressão, bem fora de rebaixar nossa nacionalidade, não servirá senão para honrar no conceito das outras, mostrando-lhes que a sociedade brasileira, a opinião brasileira, a consciência brasileira não morreram, e reagem, ao menos intelectualmente e moralmente, contra os cancros da nossa política, da nossa administração e do nosso governo. (Barbosa, 2003, 73)

A transparência deve prevalecer na vida pública, e ser resguardada pela imprensa livre. Assim, para Rui Barbosa, o homem público, deve saber que seus atos não podem estar ao abrigo do sigilo, já que

O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram ou não queiram, os que se consagram à vida pública, até à sua particular deram paredes de vidro. [...] para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país. (Barbosa, 2003, 75)

Acreditamos, pelo que foi exposto, que A imprensa e o dever da verdade¸ como também a própria trajetória do autor como jornalista, projeta um ideal de imprensa livre como um "bem público", um instrumento para o aperfeiçoamento da sociedade, seja por meio da crítica, da denúncia, seja pelo debate que proporciona maior esclarecimento ao cidadão-leitor. Esta talvez seja a síntese do pensamento jornalístico de Rui Barbosa.

Referências bibliográficas

BARBOSA, Rui. 2003. A imprensa e o dever da verdade. São Paulo, 4ª. Edição, São Paulo: EDUSP.

_____________. 1956. Obras seletas. Rio de Janeiro: MinC/Fundação Biblioteca Nacional / Departamento Nacional do Livro, Vols. 6, 7 e 8.

FERREIRA, Marieta de Moraes. 1993. A reforma do jornal do Brasil. In: MARQUES DE MELO, José (ed.). Anuário da pesquisa em jornalismo, n. 2, São Paulo: USP/ECA/CJE.

FREITAS NOBRE. 2003. Um livro com dois objetivos. In: BARBOSA, Rui, A imprensa e o dever da verdade. São Paulo, 4ª. Edição, São Paulo: EDUSP.

_____________. 1950. História da imprensa de São Paulo. São Paulo: Edições Leia.

GONÇALVES, João Felipe. 2000. Rui Barbosa: pondo as idéias no lugar. Rio de Janeiro: Ed. FGV.

LACOMBE, Américo Jacobina. 1956. Prefácio. In: BARBOSA, Rui. Obras seletas. Rio de Janeiro: MinC/Fundação Biblioteca Nacional / Departamento Nacional do Livro, Vols. 6.

MARQUES DE MELO, José. 1993. O jornalismo de Rui Barbosa (Campanhas e combates, 1911-1912). In: ___ (ed.). Anuário da pesquisa em jornalismo, n. 2, São Paulo: USP/ECA/CJE.

SODRÉ, Nelson Werneck. 1999. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 4ª. ed..

Notas

(1) Existente até hoje, o Jornal do Brasil passou por várias e diferenciadas fases, a respeito da trajetória deste jornal ver Ferreira (1993).

(2) Estes três volumes estão disponíveis gratuitamente em um site da Internet, no formato eletrônico, no endereço:
http://cultvox.locaweb.com.br/gratis_filosofia_politica.asp. Como o próprio nome dos volumes diz, não colidem todos os escritos de Rui em jornais, no entanto, dão um panorama significativo do trabalho do autor na imprensa.

*Richard Romancin é doutorando na ECA/USP.

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