Monografias
José
Reis
A trajetória de um jornalista-educador
Por
Linair de Jesus Martins
|
|
Este
trabalho tem o objetivo de divulgar a história de um
dos mais importantes divulgadores da ciência e tecnologia
em nosso País: José Reis. Ele não foi apenas
um médico, um pesquisador, um administrador, um jornalista.
Foi um dos precursores da divulgação da ciência
e tecnologia no Brasil através dos meios de comunicação
de massa como revistas e jornais, feiras de ciência e
concursos para formação de cientistas. Tinha como
lema "aprender para repartir" e entendia os meios
de comunicação como "magistério sem
classes". Sua trajetória é um exemplo de
dedicação e perseverança e deve servir
de exemplo para qualquer um que tenha o ideal de construir pontes
para uma sociedade mais justa e equilibrada.
I
- Introdução
A
divulgação da ciência e tecnologia no País
de forma mais séria teve início depois da década
de 30, quando o médico e divulgador científico
José Reis tomou posse como bacteriologista no Instituto
Biológico. José Reis nasceu no Rio de Janeiro
a 12 de junho de 1907. Era o décimo segundo de uma família
com treze filhos, sendo seus pais Alfredo de Souza Reis e Maria
Paula Soares Reis. Casou-se com Anita Swensson Reis com quem
teve dois filhos.
José
Reis faleceu às 10 horas da manhã do dia 17 de
maio de 2002 aos 94 anos de idade no Hospital São Luís
em São Paulo em decorrência de pneumonia. O precursor
da divulgação científica no País
e fundador da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) estava internado desde o dia 29 de abril do mesmo ano
com problemas digestivos e pulmonares. Quase um mês antes
de falecer José Reis se alimentava somente através
de uma sonda no estômago.
No
dia de sua morte a Folha de S. Paulo dedicou uma página
do seu jornal para falar de um dos seus mais ilustres jornalistas.
Além de mostrar um panorama geral do que foi o trabalho
do pesquisador-jornalista reuniu uma série de depoimentos
de profissionais ligados à ciência e amigos. Impressionante
a admiração e respeito com que todos se dirigiram
ao trabalho de Reis.
Rogério
Cezar de Cerqueira Leite, físico e professor emérito
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em seu depoimento
frisou que "ele foi muito importante no cenário
científico brasileiro pela constância com que fez
divulgação da ciência. Era um exemplo de
amor à ciência porque escreveu até morrer.
Ele é um exemplo de que o cientista não precisa
ficar dentro de uma redoma, de que ele pode conversar com a
sociedade".
Esper
Cavalheiro, médico, presidente do Conselho Nacional de
Pesquisa (CNPq), por sua vez afirmou que "Zé Reis
é uma pessoa que conheço há muito tempo,
desde quando eu era estudante de graduação. Era
uma referência para nós, que íamos às
reuniões da SBPC. Ele teve o vislumbre de que o cientista
tem dificuldade de expressar o seu cotidiano e ajudou a desfazer
a imagem do cientista como um lunático que não
tem nenhum contato com a realidade. E isso na década
de 50! Até hoje discutimos essas coisas. A gente sente
a perda de um orientador de um paizão".
Warwick
Estevan Kerr, geneticista, membro da Academia Nacional de Ciências
do EUA e fundador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
(Inpa) lamentou a perda do "convívio com o médico,
pesquisador, jornalista e educador José Reis, pioneiro
na divulgação científica no País,
um exemplo indelével de vigor intelectual". Frisou
ainda que José Reis "cedo compreendeu que não
há outro caminho para ampliar o conhecimento em ciência
e tecnologia senão aumentar o alcance e a compreensão
dos textos científicos, em permanente diálogo
com a sociedade.
José
Reis deixa um legado: só o conhecimento permitirá
ao país avançar econômica e socialmente
para integrar, no futuro, o grupo dos países avançados.
Um dos grandes méritos de José Reis foi a obsessão
pela ciência e a obstinação por sua divulgação
e melhor compreensão".
A vida de José Reis se resume, praticamente, em adquirir
conhecimentos e reparti-los com quem não tem acesso a
eles.
Já na infância alfabetizou a empregada e lhe repetia
os sermões que ouvia na igreja todos os domingos com
o intuito de repassar as informações que julgava
importante. Assim passou uma vida tentando levar o conhecimento
através de feiras científicas, artigos em jornais,
livros e revistas a quem interesse tivesse em aprender. Partindo
de seu livro em fase de publicação, "O Caixeiro
Viajante da Ciência e Outros Perfis" foi elaborada
uma breve biografia de José Reis.
II
- História
a)
Tempo de Escola
Apesar
de ter nascido no Rio de Janeiro José Reis nunca esteve
na praia. Desde cedo ajudava seus pais. Segundo Reis, cada um
dos membros da família tinha suas responsabilidades.
Reis se orgulhava do pai que apesar de não ter uma educação
formal aprimorada havia aprendido contabilidade chegando a dirigir
a "Cia. Do Porto do Rio de Janeiro". Falava de sua
mãe com carinho demonstrando o quanto ela era meiga,
religiosa e carinhosa com ele no dia-a-dia. "Minha mãe
era, como muitas mães antigas, silenciosa e mansa, agarrada
ao lar, só deixando a casa aos domingos para a missa,
à qual muitas vezes me levava consigo, presenteando-me,
no caminho de volta, com pés de moleque, de que também
ela gostava muito" (REIS, 2002 pg. 01).
Reis
conta que como sua família era grande (treze irmãos)
e desprovida de recursos era hábito dos pais darem os
filhos mais novos aos irmãos mais velhos para serem batizados.
Essa era uma forma de repartir a tarefa de criação
e educação. Sendo assim, seus padrinhos eram:
Nossa Senhora e o irmão Alfredo Reis. Descrito como "melhor
coração do mundo" (REIS, 2002 pg. 02) seu
irmão Alfredo preocupava-se muito com a saúde
de seu afilhado e irmão mais novo, por isso, às
vezes, praticava alguns exercícios e o levava para longas
caminhadas pelas encostas do Rio Comprido e morro de Santa Tereza.
Em
1914 José Reis entra para o curso primário em
escolas públicas do Rio de janeiro. O início de
seu aprendizado, como para qualquer outro garoto de sua idade,
tinha suas dificuldades. A separação (mesmo que
por poucas horas) de sua mãe e do gato "Joli",
com quem brincava nas suas horas de folga, foi uma experiência
dolorosa. Como a escola nem sempre era perto de casa Reis fizera
longa caminhada debaixo de sol e de chuva para poder estudar
até o final da escola primária.
Foram
seis anos (um a mais facultativo) em que José Reis confessa
ter aprendido muito bem o português e ter despertado o
gosto pela poesia, desenho e composições literárias
de fundo moral. Já nessa época escrevia livros
em letras de forma. Um pouco mais tarde com o irmão Ernani
começou a editar revistas escritas à mão,
porém em letra de forma, onde escrevia crônicas
e fazia ilustrações da revista.
Uma
experiência em um retiro espiritual no Colégio
Regina Coeli como preparação para a Primeira Comunhão,
na Tijuca, marcou significativamente o espírito de José
Reis que contou: "Um padre muito sábio e umas irmãs
muito meigas, ajudados por aquele ambiente de paz e recolhimento,
produziam efeito muito grande em minha personalidade. Algo mudou
em mim, tornei-me algo místico e menos revoltado contra
o peso da vida. Ao mesmo tempo nascia em mim o espírito
da comunicação, que se manifestava na alfabetização,
que fiz, da empregada e nos sermões que todo o domingo
eu lhe fazia, repetindo mais ou menos o que ouvira do padre,
na missa", (REIS, 2002 p 5).
De
1920 a 1924 fez o curso secundário no Colégio
Pedro II no Rio de Janeiro. As provas de ingresso no Colégio
assustavam o pequeno Reis que se via pressionado por tamanha
responsabilidade. "Terminara o curso primário. Na
sombria sala de jantar, reunida a família em torno à
mesa, minha irmã mais velha diz que no ano seguinte um
astro ia brilhar no Pedro II. Senti como se me colocasse sobre
os ombros frágeis um terrível encargo. Agora teria
de aplicar as férias em preparar-me para o difícil
exame de admissão" (REIS, 2002 p 6).
Depois
da torturante fase dos exames para conseguir entrar no ginásio,
José Reis guardou uma doce lembrança da época
e lembra dela como "morder uma fruta suculenta, cujo caldo
quase me asfixiasse" (REIS, 2002 pg. 7). De acordo com
Reis, o Colégio Pedro II tinha um quadro de docentes
de dar inveja a qualquer instituição de curso
superior do País e ressalta os professores como o de
português (Carlos de Laet), matemática (Artur Thiré),
geografia (Fernando Raja Gabaglia), línguas (José
Cavalcanti de Barros), desenho (não nomeou), entre muitos
outros (REIS, 2002 pg 7).
Reis
fala com carinho do professor João Ribeiro que o fez
sentir-se "gente" pela forma educada e amigável
com que o tratou logo na primeira vez. "Levado por seu
filho Joaquim, fui à casa do grande professor, que eu
muito admirava. Recebeu-me amigavelmente, tratando-me, desde
logo, como se eu fosse um dos professores, seu colega. Com toda
a paciência, esclareceu os trabalhos em que se encontrava
empenhado e mostrou-me sua excelente biblioteca" (REIS,
2002 pg 84).
José
Reis comenta em seu livro autobiográfico que os cursos
de ciências eram os mais fracos no Colégio Pedro
II. No entanto, foi neles que mais se empenhou. "Por minha
conta dei de estudar essas matérias, especialmente História
Natural e a Biologia com enorme paixão. Freqüentava
o Museu e o Jardim Botânico e ia à Biblioteca Nacional
consultar textos antigos e novos relativos à História
Natural. Eu era um menino que lia as obras de História
Natural de Aristóteles. E como adquirira facilidade em
manejar as línguas, podia valer-me de livros estrangeiros
para enriquecer meus conhecimentos". (REIS, 2002 pg 10).
De
1925 a 1929 fez o curso superior na Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro. Para Reis uma grande decepção
já que acreditava que na faculdade iria alargar seus
conhecimentos, principalmente nas áreas de ciências
físicas e naturais, pelo qual tinha se apaixonado. "A
sonhada Faculdade foi, de um modo geral, decepcionante. Para
quem vinha de um Pedro II cujos professores, em sua maioria,
tinha um nível cultural muito alto e grande largueza
de vistas e conhecimentos, os professores das cadeiras básicas,
em regime de tempo parcial e geralmente, clínicos não
especializados a fundo nas matérias que ensinavam, davam
a idéia de uma regressão" (REIS, 2002 pg
14).
No
entanto, José Reis continuou os estudos à sua
moda. Continuava dando suas aulas particulares para poder se
manter sem ser um peso no orçamento familiar. Freqüentava
os cursos regulares na faculdade e visitava freqüentemente
o Museu Nacional, o Jardim Botânico e à Biblioteca
Nacional. Nesta, lia importantes tratados de biologia, botânica,
zoologia, geologia e mineralogia. Estudou ainda livros antigos
como o de história natural de Aristóteles. Lia
ainda nos arquivos do Museu Paulista as contribuições
de Herm von Lhering, obras de Lund, Warming, Lindman. Loefgren
e outros que escreveram sobre a história natural do Brasil.
Sentia-se
em posição muito privilegiada para estudar sozinho
todos esses assuntos, em obras originais, porquê obtivera
um bom domínio de várias línguas estrangeiras
durante o curso no Colégio Pedro II. Reis não
gostava de estudar em traduções com medo que pudesse
ter deturpações de interpretação.
Outro elemento que reforçou a formação
do divulgador científico foi a abertura para a importação
no País de livros franceses de divulgação
de temas mais atuais em ciência escritos pelos maiores
cientistas da época.
Como
os livros eram muito baratos e estavam ao alcance da bolsa que
recebia para estudar, formou rapidamente uma biblioteca que
denominava de divulgação ou especializados em
várias línguas. Ao mesmo tempo, influenciado pelo
irmão Ernani que estudava direito e gostava muito de
música e literatura, acabou sendo um grande comprador
de romances.
Por
acreditar que a Faculdade tinha muitas deficiências, Reis
se inscreveu em dois cursos de histologia com André Dreyfus
e Mário Magalhães, na própria faculdade,
que dava oportunidade de exercícios práticos.O
curso não ensinava só histologia, mas sim ciência
em geral, psicanálise, biologia e literatura. Para Reis
era um "curso-fermento" que contribuiu fortemente
para estimular seu gosto pela ciência e se especializar
em Manguinhos.
O
curso de especialização no Instituto Oswaldo Cruz
propiciou a José Reis a convivência com grandes
nomes da ciência brasileira como Carlos Chagas, Olimpo
da Fonseca Filho, Aristides Marques da Cunha, José Gomes
de Faria, Costa Cruz, Carneiro Felipe, Cardoso Fontes e outros.
E mais uma vez, uma mudança significativa tomava conta
da vida de José Reis. A partir da experiência em
Manguinhos José Reis deixa de pensar como objetivo de
vida o magistério secundário para ser cientista.
Na
época do curso em Manguinhos ocorreu o surto de febre
amarela no Rio e Reis foi convocado a prestar serviços
no hospital do Instituto fazendo análises clínicas
das pessoas supostamente contaminadas. Foi uma época
cansativa já que José Reis além do curso
de especialização dava aulas particulares e continuava
freqüentando o Museu, Jardim Botânico e a Biblioteca.
Foi nessa época também que Reis cumpriu as obrigações
com o tiro de guerra, as quais não foram nada fáceis
e nem agradáveis.
b)
Instituto Biológico
No
segundo semestre de 1929, José Reis é convidado
a trabalhar no Instituto Biológico de São Paulo
como bacteriologista. O salário de dois contos de réis
por mês e a oportunidade de iniciar a carreira científica
"em ambiente de melhor qualidade" (REIS, 2002 pg.
22) fez com que Reis se mudasse para São Paulo sem pestanejar.
No entanto, Reis tinha algumas dúvidas "o chamado
me atraiu e até quase desnorteou porque surgia em momento
de grande decepção e dúvida. Chegara eu,
de fato, a uma inesperada encruzilhada.
A
idéia de abraçar a medicina surgira quando eu
era criança, empolgado com a figura do médico
de família. Ao fim do ginásio, porém, as
cadeiras que neles eram menos ensinadas - ciências físicas
e naturais me atraíam de tal modo que compensei por meus
próprios esforços as deficiências práticas
e teóricas do ensino e passei até a ensinar essas
matérias a alunos particulares, naquele tempo numerosos."
(REIS, 2002 pg 22).
A
experiência que teve nas enfermarias durante o curso de
medicina também foi um outro fator que proporcionou uma
grande decepção em José Reis quanto à
profissão. "Até hoje guardo em meus olhos
a tristeza, o desencanto, a derrota que, jovem, li nos olhos
grandes e fixos no distante teto da enfermaria, de uma moça
a quem o mestre desnudava sem o menor respeito ante a mocidade
também em grande parte pouco respeitosa. A enorme tristeza
que se apoderou de mim serviu de inspiração para
que eu procurasse nortear minha vida pelo respeito às
pessoas, e muito em particular, pelas pessoas doentes"
(REIS, 2002 pg 23).
A
partir dessa experiência José Reis percebeu o que
verdadeiramente aspirava. "O curso de medicina decepcionou-me,
não fosse a sugestão que nele colhi de que em
Manguinhos poderia encontrar a formação superior
a que verdadeiramente aspirava, o que era bem alta" (REIS,
2002 pg 23). Reis descobriu que não era mais medicina
clínica que gostaria de seguir, mas sim a carreira de
pesquisador. A oportunidade, então, de trabalhar em São
Paulo com Rocha Lima e Artur Neiva no Instituto Biológico
se mostrava mais do que atraente.
Outro
fator que o estimulou a ir para São Paulo foi a implantação
das escolas Oswaldo Cruz e Emílio Ribas, no Rio e em
São Paulo. A iniciativa proporcionou a sistematização
da ciência no País com o objetivo de assegurar
a obtenção de novos conhecimentos básicos
e originais, além de mobilizar os cientistas para a solução
de problemas nacionais.
José
Reis lembra sua chegada a São Paulo como se estivesse
vivendo pela primeira vez. Para tanto cita uma frase de Goethe
"Ah, como sinto a vida. Agora pela primeira vez!"
Tudo em São Paulo lhe parecia novo e surpreendente. Sua
primeira surpresa foi o frio. "Desembarquei em São
Paulo numa manhã do meado de julho de 1929. E ao meio-dia
pude sentir plenamente a alegria de um frio intenso, que se
agüentava bem encapotado, sob um sol que brilhava intensamente
num céu muito azul. Aquilo era novo e auspicioso. À
noite, no antigo Hotel Rex, recém-instalado na esquina
de Santa Efigênia com Duque de Caxias (ou Vitória,
não me lembro bem), a agradável sensação
de adormecer sob uma porção de cobertores"
(REIS, 2002 pg 30).
A
segunda surpresa foi o ambiente do Instituto Biológico
onde diz ter encontrado "o sonhado ambiente de trabalho"
que com Rocha Lima o ajudou a completar sua formação
intelectual. No Instituto, o contrato de José Reis era
para o estudo das mastites bovinas. Sua dedicação
ao caso fez com que descobrisse logo que a causa da doença
não estava no "streptocococcus agalactiae",
mas sim em vários outros. (REIS, 2002 pg 30 e 32).
O
estudo fez com que José Reis se especializasse no assunto
alcançando vôos mais largos na sistemática
bacteriana. Começou a cogitar uma classificação
estatística da espécie chegando a publicar um
trabalho a esse respeito (associação de caracteres
na identificação do chamado esterococo). Chegou
a pensar que sua carreira seria essa, a estreptocologia. Nesta
época José Reis conhece Annita Sodré Swensson,
farmacêutica, que vem a colaborar no trabalho técnico
de laboratório e mais tarde (20 de janeiro de 1932) se
torna a senhora Reis.
José
Reis conhece pessoalmente Rodolfo von Lhering por quem tinha
profunda admiração e logo de imediato se estabeleceu
uma forte amizade. Reis conta que Lhering viajava muito pelo
interior estudando peixes e gostava muito de conversar com os
"caipiras" para inteirar-se dos seus problemas. Foi
dessa forma que Lhering tomou conhecimento da enorme dificuldade
que tinham os sitiantes em criar galinhas em larga escala. "Assim
que a criação atingia certo porte, vinha a 'peste'
e matava tudo". (REIS, 2002 pg 34).
Reis
conta que estava distraído certa manhã em suas
"purezas" estreptocócicas quando Lhering se
aproximou com um sitiante que trazia uma galinha morta. De um
jeito todo peculiar, Lhering mostrou a Reis como seria importante
estudar as doenças de aves para ajudar a população
que desejava dedicar-se à criação desses
animais. Sem pensar duas vezes Reis inicia o trabalho de necropsia
na tentativa de descobrir a causa da morte do animal. A causa
da morte das aves era a cólera. Uma doença que
serviria mais tarde de base para os trabalhos de Pasteur sobre
vacinação (REIS, 2002, pg 34).
Foi
assim que José Reis iniciou o trabalho chamado de "ornitopatologia"
o qual resultou na publicação em 1932 do livro
"Doença das aves domésticas" destinada
a criadores. O manual foi encaminhado a um patologista da Rutger
University (Fred R. Beaudette em New Brunswick) que teceu vários
elogios sobre o trabalho resultando na criação
de uma seção independente de bacteriologia em
1934 no Instituto Biológico.
Em
1935, José Reis consegue através do professor
Thomas M. Rivera do Instituto Rockfeller uma bolsa de estudos
para trabalhar em seu laboratório a fim de se aperfeiçoar
em novas técnicas sobre vírus. Em agosto deste
mesmo ano embarca para Nova York com sua esposa onde ficou por
um ano. Reis recebeu convite para permanecer nos estados Unidos,
mas rejeitou por achar que havia estudado lá para "melhor
servir meu País" e o que lhe interessava era mesmo
a ciência como havia cultivado no Instituto Biológico
(REIS, 2002 pg. 43).
A
experiência pessoal, documentação e dados
bibliográficos permitiram a Reis a preparação
do livro chamado "Tratado de Ornitopatologia" em parceria
com Paulo Nóbrega e Annita Swensson Reis em 1936. A obra
foi reconhecida como uma das mais completas do mundo sobre o
assunto, de acordo com Reis. O livro foi adotado nos Estados
Unidos na "Rutgers University" em português.
No entanto, Reis não se limitava apenas, já nesta
época, a trabalhar com pesquisa, sentia uma necessidade
crescente em divulgar ou "repartir" como ele mesmo
dizia sua descoberta com a sociedade. Assim, preparou folhetos
padronizados contendo informações aos criadores
e ainda ministrou palestra em todo o Estado no combate a disseminação
da doença. O espírito de divulgador científico
começa, então, a aflorar em Reis.
A
partir de 1937 Reis volta para o Instituto Biológico
com o objetivo de reorganizar a seção de vírus
e logo sente uma estranha sensação que as coisas
não corriam muito bem para a ciência. O Estado
Novo inicia um movimento de racionalização dos
serviços públicos liderado pelo Departamento Agrícola
de São Paulo (DASP). O objetivo era criar e manter órgãos
semelhantes (como supersecretarias) que unificassem serviços
que se referissem à administração geral.
Em São Paulo foi criado o Departamento do Serviço
Público (DSP) em meio a geral desconfiança do
funcionalismo. Depois de algumas tentativas fracassadas de reajustamento
dos quadros de funcionários, o interventor Fernando Costa
convida José Reis para ocupar o cargo de diretor do órgão.
José
Reis lembra: "tratei de conhecer bem o departamento e seu
pessoal, aliás, em geral muito bom, e procurei examinar
o orçamento a minha disposição. O primeiro
fato que me espantou foi uma verba vultuosíssima destinada
a armários de aço enquanto na chamada biblioteca
uma excelente profissional, a dra Odília Xavier Leite
se queixava de dirigir uma biblioteca sem livros. Providenciei
imediatamente a transposição da verba dos armários
para a biblioteca e comecei a adquirir livros de administração
e ciências correlatas, assim como revistas. Traçamos
com a bibliotecária, planos para uma biblioteca de livre
acesso e circulante, que instalamos no Largo de São Francisco
e em breve se tornou uma das mais importantes do Estado e do
Brasil em sua área" (REIS, 2002 pg 45).
Esse
foi um dos primeiros atos de José Reis na administração
do DSP onde implantou também o Regime de Tempo Integral
(RTI) e o Departamento Médico do Serviço Civil
do Estado. Reis participou ainda da estruturação
do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT); mantinha
regularmente a publicação da revista "Administração
Pública"; elaborou a primeira lei que disciplinou
o Regime de Tempo Integral (RTI) criando a Comissão Permanente
do Regime de Tempo Integral (CPRTI); organizou o projeto de
criação da Faculdade de Ciências Econômicas
e Administrativas na USP; entre outros.
Para auxiliá-lo no DSP, Reis não quis ter chefes
e muito menos oficiais de gabinete. Preferiu ter uma secretária
que já ocupava o cargo, por concurso, de quinta escrituraria
e servia na Divisão de Organização.
Nair
Lemos Gonçalves lhe servia de recepcionista, assessora
e ainda de secretária. Tornou-se colaboradora indispensável
de Reis que a orientava na ciência da administração
e lhe transmitia o modo de pensar científico. Fez vários
cursos de aperfeiçoamento no DSPG. Cursou a escola de
direito, aprendeu inglês e alemão e por fim Reis
orientou-a no preparo de tese de livre docência. Foram
amigos inseparáveis.
Reis
conta que na direção do DSP sofreu "verdadeiro
martírio" por conta de políticos que desejavam
manipular a administração do órgão
de forma a beneficiar amigos e parentes. Trabalhava das 8 às
23 horas quando se encerravam os cursos e conta que se sentia
"enojado com o ambiente de pérfidas e absurdas pretensões
de elementos geralmente bem apadrinhados" (REIS, 2002 pg
49). Para escapar da angústia por ter que presenciar
tanta insensatez se refugiou na literatura traduzindo para o
português verso do poeta Rilke.
No
entanto, a literatura não era uma novidade para Reis
que chegou até a escrever versos para exprimir seus sentimentos
demonstrando sua postura de que o cientista não é
apenas um ser prático racional.
José Reis também organizou o projeto de criação
da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas
da USP onde criou departamentos em Regime de Tempo Integral
(RTI) considerado um dos mais modernos modelos de administração.
Reis foi convidado pelo interventor do Estado José Carlos
de Macedo Soares e pelo Reitor da Universidade na época
para ser o primeiro professor catedrático de Ciência
e Administração e diretor da Faculdade que acabara
de se instalar, o que foi aceito por ele.
Algum
desentendimento surgido entre a USP (não especificou
quem) e o interventor do Estado, como também a "ciumeira
de alguns professores" provocou uma tristeza em Reis que
desabafou escrevendo versos depois que "o tempo passou
e com ele as incompreensões sobre minha pessoa"
(REIS, 2002 pg. 51).
Tardio
Prêmio (J.R. 22/05/74)
"A
mão que outrora pedra me lançou
Tentando escorraçar-me, sem piedade,
Agora aperta a minha, fortemente,
E louva o meu trabalho e o meu propósito.
Este o prêmio melhor, tardio embora,
Que minha vida mereceu, vivida,
Sinceramente e pura, acreditando,
Que melhor é servir que ser servido.
Lamento apenas, contemplando os dias
Que se passaram e não voltam mais,
Os caminhos que tanta hostilidade
Impediram-me abrir, servindo mais."
A
tristeza de Reis estava em comparar o ambiente em que havia
vivido no Instituto Biológico com o atual decidindo,
por vez, voltar a trabalhar no primeiro no cargo de Diretor
de Divisão de Ensino e Documentação Científica.
Apesar da desilusão com o desenrolar dos acontecimentos
na Faculdade de Administração Reis ainda concluiu
que "não posso dizer que todas as sementes se hajam
perdido" (REIS, 2002 pg 52).
De
volta ao Instituto Biológico trabalhando na seção
de vírus Reis sente o processo de desintegração
atacar os institutos de pesquisas. Mas sua participação
na área administrativa ainda não havia se esgotado.
Participando de várias Comissões inclusive a CPRTI
que apresentou proposta para a organização da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (Fapesp) e a reorganização
do Instituto Oceanográfico que estava em "verdadeiro
estado de revolta" (REIS, 2002 pg.55). Foi nesse período
que Reis começa a desenvolver o trabalho de divulgação
científica nos jornais diários como o Estado de
São Paulo e revistas agrícolas como Chácaras
e Quintais. Mais tarde teve ainda um programa semanal na extinta
Rádio Excelsior sobre divulgação científica
no formato de histórias teatralizadas.
c)
Folha de S. Paulo
De
acordo com registro de Nair Lemos Gonçalves (secretária
e amiga por muitos anos) José Reis começou a trabalhar
na Folha da Noite em 1947 escrevendo artigos de administração
e de assuntos gerais. José Reis explica que "não
me tornei divulgador da noite para o dia. Creio que nasci com
vocação para essa atividade. Menino editava revistas
de circulação doméstica, com meu irmão
Ernani; assim que alfabetizado, alfabetizei a empregada e assim
que fiz a primeira Comunhão, a preparei para o mesmo
ato, ensinando-lhe o catecismo, além dos sermões
que lhe repetia, como já referi noutro lugar." (REIS,
2002 pg 04)
"No
ginásio e na Faculdade era um ativo reformulador de 'pontos',
que organizava a meu jeito, com as lições aprendidas
e com o que encontrava nos muito livros que lia em várias
línguas. No Instituto biológico fiz o meu primeiro
périplo, para divulgar as boas técnicas de criação
de aves e profilaxia e para os criadores organizei folhetos
padronizados, que respondiam às perguntas que, ainda
longamente em revistas agrícolas e em seções
agrícolas de jornais. Mas o trabalho que comecei na Folha
tinha maior amplitude e me permitiu tratar, não apenas
da divulgação de assuntos científicos para
o povo, atendendo às necessidades de uma população
carente nesse tipo de informação, mas também
pondo em foco questões de política científica."
(REIS, 2000 ).
Na
Folha da Noite de 1947 a 1951 José Reis divulga textos
de administração, ciências, saúde,
medicina e sobre plantas, animais e vegetais (PIA) e assuntos
gerais classificados como outros. Em 1947 46.3% dos temas abordam
questões de administração contra 31% de
ciência e saúde e 22% de outros. A partir de 1948
o quadro muda e Reis vai diminuindo significativamente os temas
relativos a administração e valorizando os de
ciência, saúde, medicina (aparecem a partir desta
data) e os classificados como outros. (GIACHETI, 2003, anexo
2).
Em
1948 José Reis começa o trabalho de divulgação
científica pela Folha da Manhã. Reis foi apresentado
por Otávio Frias de Moreira, colega de trabalho no DSP,
a José Nabantino Ramos, diretor editorial da Folha da
Manhã na época. Nabantino procurava alguém
que escrevesse sobre problemas gerais de administração.
No entanto, Nabantino acaba por propor a Reis mais tarde que
desenvolvesse uma seção permanente de ciência
(REIS, 2002 pg 86).
Assim, "No Mundo da Ciência" começou
a ser publicado na última página do jornal Folha
da Manhã a 1º de fevereiro de 1948.
Era
hábito do matutino ainda publicar na parte final do espaço
reservado aos editoriais uma nota científica, adaptada,
de revista estrangeira de divulgação. A seção
de ciência era dominical e constava de um artigo principal,
algumas notas esparsas e uma seção de resenha
bibliográfica. Havia outras colunas como "Sabatina
Dominical" que eram perguntas relativas a assuntos científicos
já publicados; "Ponto de Vista" que reproduzia
escritos de cientistas ou pensadores de renome sobre o papel
da ciência, em particular, sobre a necessidade de amparar
a "ciência pura"; "Em Foco" que tratava
de problemas da ciência e sua política de organização
no País. (REIS, 2002).
"No
Mundo da Ciência" passou por transformações,
crescendo ou diminuindo conforme a necessidade. Perdeu o título
e passou a se chamar apenas "Ciência" mudando
mais tarde para "Periscópio". Alguns anos depois
(José Reis não precisou em que ano na sua autobiografia)
o jornal dedicou um caderno à ciência e cultura.
Este era representado pela literatura, artes visuais e pela
ciência que vinha na última página (hoje
"Caderno Mais"). Na última página havia,
além de matérias sobre ciência, artigos
menores denominados: "Gota a Gota" sobre descobertas
recentes, "Grãozinho de Sal" particularidades
sobre a vida e o pensamento de cientistas e filósofos
e "Daqui e de Longe" notícias nacionais e internacionais.
Ainda
em 1948 José Reis funda a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) que tem o objetivo de "incentivar
e estimular o interesse público com relação
à ciência e à cultura" (REIS, 2002
pg 89). A Folha de São Paulo tem papel importante na
divulgação dos trabalhos e reuniões da
SBPC.
Em julho de 1948 José Reis lança pela Folha da
Noite o concurso "Em Busca do Talento Científico"
com o objetivo de revelar novos talentos científicos.
Reis acreditava que "o maior desperdício que o homem
pode realizar na face da terra é o de sua própria
energia e de sua própria inteligência. Mas esse
desperdício, santo Deus, é enorme em nosso país".
Para combatê-lo Reis acreditava que deveria descobrir
precocemente novos talentos científicos e encaminhá-los
à ciência. "Que surjam os cientistas do amanhã,
e uma vez surgidos, recebam o apoio e a orientação
necessários". (REIS, 2002 pg 89).
No
entanto, a divulgação da ciência através
da Folha de São Paulo não teria tanto espaço
se não fosse o apoio e interesse de José Nabantino
Ramos, proprietário do jornal até 1962, quando
o vendeu a Otávio Frias de Oliveira. Reis (REIS, 2002
pg. 88) explica que Nabantino chegou até a sonhar com
um departamento de ciência na estrutura do jornal, o que
foi rejeitado pelo conselho editorial do órgão.
A idéia de Nabantino era fazer da Folha um periódico
voltado para as profissões liberais e por isso instituiu
seções de "Biologia e Medicina", "Engenharia
e Arquitetura" e "Direito e Justiça".
Em
1958 José Reis aposenta-se do Instituto Biológico
recebendo o título de"Servidor
Emérito". Funda com José Nabantino Ramos
e Clóvis Queiroga o Instituto Brasileiro de Difusão
de Cultura S.A. (Ibrasa) onde começa a lançar
livros que denominou "livros de fermento". A idéia
era lançar livros que trouxessem idéias novas
e provocassem debates. Reis foi editor da Ibrasa até
1978.
Em
1962 José Nabantino Ramos vende a Folha de São
Paulo para o grupo liderado por Octávio Frias de Oliveira
que realizou verdadeira revolução tecnológica
na empresa. O novo presidente da empresa, Octávio Frias
de Oliveira, convidou José Reis para assumir a direção
da redação do jornal. Uma de suas primeiras providências
como diretor foi contratar a colaboração de Tristão
de Ataíde. "Sabia que minha tarefa seria penosa,
num momento de incerteza para o País e, para o jornal,
de crise econômica, tudo isso logo agravado pelo advento
da Revolução de 64. Tinha, felizmente, colaboradores
dedicados e prudentes, que me ajudam a navegar em água
mais do que turbulentas sem comprometer o espírito de
independência do jornal, que Frias insistia em manter.
Uma de minhas primeiras providências foi contratar a colaboração
de Tristão de Ataíde." (REIS, 2002 pg. 91).
A
partir do momento em que Reis assume a direção
do jornal procurou "desde o início, agir com muita
prudência e extrema imparcialidade, evitando sempre radicalismos
de toda a espécie. Procurei fazer um jornal moderno,
menos austero, de paginação mais arejada. Aproximei-me
muito, nesse momento, de Emir Nogueira, que já possuía
muitos anos de Folha. Pude conhecer-lhe a sua história
no jornal e convenci-me de que era profissional e criatura fora
do comum. Convidei-o para meu assessor e meu mais direto colaborador.
E nesta posição permaneceu até 1967, quando
entendi cumprida minha missão na Folha." (REIS,
2002 pg. 91).
Em
1962 ainda Reis recebe o prêmio "Governador do Estado
de São Paulo de Jornalismo Científico". Em
1964 Reis recebe o "Prêmio John R. Reitemeyer de
Jornalismo Científico" conferido pela primeira vez
pela Sociedade Interamericana de Imprensa e União Pan-americana
de Imprensa. O Livro "Educação é Investimento"
é publicado em 1968 com prefácio de Alceu de Amoroso
Lima. O livro foi editado pela IBRASA.
Os
anos de 1963 e 1964 foram os mais produtivos da fase em que
Reis dirigiu a Folha. O número de textos publicados começa
a aumentar em 1961 (87 textos) da média anual de 55 e
vai para 126 textos em 1962, 261 em 1963, 229 em 1964, 76 em
1975 e volta para a média de aproximadamente 55 textos
nos próximos anos. Neste ano passa também a escrever
editoriais que representam 25.7% da produção total.
Dentre os 41.8% dos textos escritos na classificação
outros 24.7% são de ordem política. Isso implica
que metade da produção textual de Reis neste ano
estava voltada para a política (GIACHETI, 2003).
Reis
conta em que foi uma época difícil para o jornal
em face da crise econômica agravada pela revolução
de 64. Os editoriais eram escritos por Reis, Emir Nogueira e
Paulo Mendonça com a cooperação de editores
especializados. Com a definição da linha política
adotada pelo jornal, que se tornara "liberal democrático",
a Folha se posicionou contra o governo de João Goulart
principalmente contra os discursos do ministro da educação
Darcy Ribeiro. Apesar do golpe de Estado ter sido bem recebido
pela Folha logo a desilusão se tornaria evidente e o
jornal se colocaria bem longe do apoio incondicional de 1964.
"A
marginalização dos estudantes e a tempestade que
se abateu sobre a Universidade de São Paulo e outras
universidades, onde alguns docentes denunciavam colegas, todos
brilhantes, que na maioria acabaram com suas carreiras truncadas,
apesar de absolvidos nos inquéritos policiais-militares
contra eles abertos, mobilizaram o jornal sob minha direção
editorial" (REIS, 2002 pg 92).
José
Reis presenciou toda a reorganização financeiro-administrativa
e tecnológica da Folha de São Paulo com o aumento
do seu parque industrial acarretando a expansão das tiragens,
bem como o aumento do número de páginas das edições
diárias. Outra medida de fundamental importância
foi o aumento da frota de caminhões para a distribuição
dos exemplares. Em 1960 a empresa possuía 24 veículos,
sendo que a distribuição para o interior era feita
através de ônibus e trem, o que atrasava muito
a chegada dos jornais nas mãos dos leitores. Já
em 1965, a frota alcançava 165 veículos.
Foi justamente com a ampliação da frota de veículos
que levava os exemplares para o interior que José Reis
passou a viajar por todo o Estado desenvolvendo duas campanhas:
a primeira combatendo o conceito de educação como
bem de consumo e a segunda na divulgação das Feiras
de Ciência envolvendo professores e alunos dos cursos
primário e secundário. Foi assim que se tornou
o Caixeiro Viajante da Ciência onde passou a disseminar
suas idéias.
José
Reis faz, nesta época, severa crítica aos governantes
que "em geral têm feito da educação
mais objeto de retórica do que ação sistemática"
já que acreditava que pela educação, assim
como pela saúde se poderia aproveitar o máximo
de potencial de trabalho "dessa gente extraordinária
e desassistida" (REIS, 2002 pg. 93). Reis acreditava que
com a utilização dessa mão de obra em um
trabalho produtivo desapareceriam os problemas cruciais em que
viviam sem precisar de soluções teóricas
mirabolantes que não levavam em conta o valor do elemento
humano.
"Pipocavam
as Feiras de Ciência por todo o Estado, ao mesmo tempo
em que incentivávamos a criação de numerosos
clubes de ciência junto às escolas, contornando
assim os problemas de horário que tantas vezes servem,
ainda hoje, de defesa dos professores que, por falta de tempo
ou vocação, acham mais prático aplicar
no ensino a técnica que um educador inglês chama
de "jarro e bacia" em que o aluno é a bacia
que passivamente recebe a água do conhecimento, derramada
pela jarra, símbolo do mestre" (REIS, 2002 pg 94).
Feiras
de Ciência, clubes de ciência e o concurso Cientistas
do Amanhã nasceram então de um projeto elaborado
por Reis na Folha em conjunto com o Instituto Brasileiro de
Educação, Ciência e Cultura (IBECC) da Unesco.
Reis tentou ainda arregimentar um grupo de pesquisadores de
primeira linha para colaboração sistemática
no jornal. Mas foi uma grande decepção. Primeiro
porque os assuntos escolhidos eram muito especializados e quase
se limitavam ao estrito campo de trabalho do pesquisador. Segundo
porque alguns deles, muito ocupados escrevendo artigos e livros,
acabam por escrever sobre generalidades que também não
interessavam. José Reis aqui parece que sente algumas
das dificuldades em divulgar a ciência quando entra em
contato com seus pares.
Outra
iniciativa de Reis foi a inclusão de uma seção
de ciência na Folhinha de S. Paulo quando Frias e seus
colegas de direção imaginaram criar um suplemento
infantil para o jornal. Para a tarefa de criação
do novo suplemento Reis chamou a jornalista e escritora Lenita
Miranda de Figueiredo e a seção de ciência
ficou a cargo da professora Maria Julieta Ormastroni apoiada
pela seção paulista do IBECC.
Mais
uma experiência interessante foi a publicação
de fotos e informações das plantas mais comuns
encontradas na cidade de São Paulo. O trabalho foi realizado
pelo engenheiro agrônomo Helmut Krug que juntamente com
um fotógrafo visitavam praças e logradouros públicos
da cidade fotografando o que depois descrevia nomeando as árvores
e plantas ali encontradas. Reis afirma que as informações
colhidas neste período dariam um interessante livro que
a Prefeitura de S. Paulo poderia patrocinar.
Reis
também abriu espaço para a Associação
dos Amadores de Astronomia que colaborava mensalmente com informações
sobre as estrelas e os planetas. A Associação
fornecia o mapa celeste que era publicado com a descrição
de tudo o que nele se poderia observar. Para Reis a permanência
na direção editorial da Folha de 1962 a 1967 foi
uma experiência muito rica e comparou a redação
do jornal como uma espécie de universidade.
O
trabalho de divulgação científica de José
Reis continuou a ser divulgado pela Folha de S. Paulo até
a data de sua morte em 17 de maio de 2002. O cientista-divulgador
ainda recebeu outros prêmios como o "Prêmio
kalinga" da Unesco em 1975 pelo seu trabalho como divulgador
científico. Em 1979 O Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) institui o Prêmio
José Reis de Divulgação Científica.
Em 1986 Reis deixa suas funções na revista "Ciência
e Cultura" da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC).
Em
1992 foi criado o Núcleo José Reis de Divulgação
Científica na Escola de Comunicação e Artes
(ECA) da Universidade de São Paulo em homenagem a Reis.
O Núcleo tem o objetivo de promover e realizar pesquisas,
cursos, seminários, consultorias, edição
de publicações e outras atividades de natureza
acadêmica. A idéia é contribuir para o estudo
e aperfeiçoamento das teorias, técnicas e formas
da divulgação da ciência e tecnologia.
Pelo
avançado da idade (94 anos) José Reis deixou suas
atividades de educador e pesquisador. No entanto, a coluna "Periscópio"
continuou a ser alimentada por matérias de ciência,
medicina e tecnologia no caderno "Mais" da Folha de
São Paulo aos domingos até a data de sua morte.
A obra de Reis é composta de vários livros como
"Tratado de Ornitopatologia", "Rasgando Horizontes",
"Methoden der Virusforschung", "Educação
é Investimento".
Para
crianças, com o objetivo de divulgar a ciência,
publicou: "A Cigarra e a Formiga" (adaptação
da fábula à realidade brasileira), "As Galinhas
de Juca", "Que Formiga!", "O Menino Dourado",
"Aventura no Mundo da Ciência", além
de várias traduções de obras literárias
e de divulgação e especialidade científica.
José
Reis deixa gravado em seu memorial-currículo encaminhado
a Unesco para justificar a proposição do seu nome
ao "Premo Kalinga" que percebeu logo cedo em sua carreira
que a poesia e a filosofia satisfazem mais do que a ciência,
principalmente quando exercida esta friamente, sem preocupação
com suas implicações na sociedade. Sendo assim,
data desta época a sua preocupação com
a filosofia, a história da ciência e comunicação
da ciência ao público.
Nas
suas divagações filosóficas Reis deixa
transparecer que o seu trabalho de pesquisador só foi
completo porque não ficou reduzido na dissecação
de animais e plantas para identificação de doenças.
O que o satisfazia era observar que o seu trabalho era um meio
de servir a coletividade humana. "Essa busca de um sentido
humano em toda ciência parece-me fundamental à
felicidade do cientista. Ela o coloca em harmonia consigo mesmo
e também em harmonia com a natureza". (REIS, 1978
pg. 62).
Ele
completa que "no humanismo e na comunicação,
no amor pelas pessoas como pessoas, no interesse pelas minorias
desprotegidas, na procura da sabedoria além da ciência,
na busca de uma visão geral dos problemas e na convicção
de que a ciência, por mais elaborada, jamais será
tudo, encontro-me, não raro surpreso, muitas vezes, na
velha sala de "Refrat" do Instituto Biológico,
ouvindo Artur Neiva dizer-nos, a nós ainda muito jovens,
que era preciso 'sair da placa de Petri'. Acredito que consegui
sair dela a tempo de não me tornar um cientista cuja
satisfação se esgota no ato de dissecar ou registrar
os fatos, incapaz todavia de perceber a beleza que existe embutida
neles" (REIS, 1978 pg. 69).
Reis
termina seu relato no memorial com um verso de Novalis:
WENH
NICHT MEHR ZAHLEN UMD FIGUREN - NOVALIS
Quando
afinal os números e os dados
Não forem mais a chave de todas as criaturas,
Quando o poeta e os amantes
Disso entenderem mais do que os doutores,
Quando o mundo retornar
À vida livre a si mesmo,
Quando novamente a luz e as sombras
Gerarem a verdadeira claridade,
E o homem das lendas e nos cantos
Reconhecer a eterna história deste mundo,
Então bastará o mistério de uma palavra
Para que à ordem volte o que jaz em desordem.
III
- Conclusão
Através
da bibliografia de José Reis observa-se que o autor tinha
um grande sonho: o de ser um difusor do conhecimento em geral.
Apesar da sua formação médica e do seu
trabalho de pesquisador no Instituto Biológico, Reis
não se contentava apenas em adquirir o conhecimento para
diagnosticar as doenças e resolver as patologias ou em
adquirir conhecimentos na área de administração
e por em prática na reestruturação de diversos
órgãos. Reis queria compartilhar com o maior número
de pessoas o saber que havia adquirido. Seus dois maiores prazeres
na vida: aprender e repartir.
José
Reis foi um educador, acima de tudo, seu objetivo sempre foi
o de levar a informação a todos indistintamente.
Esse comportamento pode ser observado desde criança quando
alfabetizou a empregada sem ao menos ter terminado o curso primário.
Reis também se dedicava a ensinar aos colegas com dificuldades
nas disciplinas cursadas no Colégio D. Pedro II. Hábito
que se tornou seu sustento até terminar o curso de medicina.
Já no Instituto Biológico, além de estudar
os assuntos relativos a doenças de animais, Reis divulgava
através de revistas e jornais suas descobertas e tratava
de ensinar aos criadores como diagnosticar e combater as doenças.
Chegou até a proferir palestras no interior do Estado
e preparar folhetos padronizados com as informações
sobre o diagnóstico das doenças para os criadores
e como tratá-las.
Assim,
a conclusão é de que José Reis entendia
o jornalismo como "magistério sem classes"
como ele mesmo já o havia afirmado. Sua intenção
era de fazer chegar à informação como forma
de educar a todos indistintamente. Reis não via a informação
como notícia deteriorável, mas sim algo que pudesse
ser acumulado como conhecimento.
BIBLIOGRAFIA
CANDOTTI,
E. Cientistas do Brasil: Depoimentos. São Paulo: SBPC,
1998.
GIACHETI,
L.J.M. José Reis - A ciência que fala. São
Paulo, 2003. Dissertação de Mestrado (Curso de
Jornalismo e Editoração). Escola de Comunicação
e Artes da Universidade de São Paulo (USP). São
Paulo, 2003.
REIS,
J. O caixeiro viajante da ciência e outros perfis. São
Paulo, inédito.
Texto
apresentado no GT História do Jornalismo do II Encontro
Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, realizado em Florianópolis
em abril de 2004.
Voltar
|