Monografias
Trajetória
e idéias de Cásper Líbero
Por
Martin Jayo
Cásper
Líbero é um nome sem dúvida bastante presente
no imaginário de muitos brasileiros, em especial os paulistas.
Entre os jornalistas e demais profissionais da mídia
não poderia ser diferente, uma vez que muitos deles passaram,
nos últimos 50 anos, pelos bancos da conhecida escola
de comunicação que leva esse nome. Por outro lado,
mesmo para os que não pertencem ao meio e não
conhecem a escola, o nome diz alguma coisa. A Fundação
Cásper Líbero, com suas emissoras de rádio
e televisão, certamente contribui nesse sentido. Além
disso, para o habitante de São Paulo, a avenida Cásper
Líbero, na região central da cidade, é
um importante marco referencial.
No
entanto, como costuma acontecer aos personagens que são
nome de rua, muito pouco se conhece além do nome. Como
observa MARQUES DE MELO (1994: 13), Cásper Líbero
é hoje "um personagem quase desconhecido para as
novas gerações", o que justificaria resgatar
a sua biografia. Uma contribuição importante nesse
sentido foi dada por HIME (1997, 1998). O objetivo do presente
trabalho é traçar um perfil biográfico
do jornalista e empresário Cásper Líbero
(o que será feito no item 1, a seguir) e, a partir disso,
fazer algumas considerações sobre seu pensamento
jornalístico (objeto do item 2).
Como
empresário do jornalismo, Cásper Líbero
foi proprietário do grupo "A GAZETA" durante
25 anos, de 1918 até sua morte trágica em 1943.
Nesse período, capitaneou uma das experiências
empresariais e editoriais mais inovadoras e bem-sucedidas da
história da imprensa brasileira. Por ocasião da
sua morte, tornou-se, em função das disposições
do seu testamento, o fundador do ensino universitário
de jornalismo no Brasil. Qual era o ideário jornalístico
de Cásper, por trás do seu projeto de jornal?
O que o motivou a incentivar o ensino de jornalismo? Nos itens
a seguir, procuraremos explorar essas discussões.
1.
Trajetória biográfica
Natural de Bragança Paulista, no estado de São
Paulo, Cásper Líbero nasceu em 2 de março
de 1889. Seu pai, Honório Líbero, médico
e político, foi um dos primeiros intendentes daquela
cidade. De família abastada, Cásper recebeu uma
educação aristocrática, primeiro em Bragança,
onde passou a primeira infância, em seguida em São
Paulo, para onde se transferiu com a família aos onze
anos de idade.
Em 1905, Cásper ingressa na Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco. Forma-se advogado em 1909, porém
nunca exercerá a profissão: no mesmo ano entra
no jornalismo, como repórter do vespertino A GAZETA,
o mesmo jornal que alguns anos depois será seu.
Os primeiros anos da carreira jornalística já
revelam o dinamismo e o empreendedorismo que marcariam as fases
posteriores da vida de Cásper Líbero. Em 1911,
Cásper se transfere para o Rio de Janeiro e é
um dos fundadores do jornal Última Hora, engajando-se
na campanha de Rui Barbosa pela Presidência da República.
Em 1913, de volta a São Paulo, funda a Agência
Americana, primeira agência noticiosa brasileira. Em 1914,
ingressa na redação d'O Estado de S.Paulo, de
onde logo retorna ao Rio de Janeiro, desta vez como diretor
da sucursal d'O Estado. Deixa o jornalismo por um curto período,
no ano de 1917, para assumir cargo público como procurador
da Fazenda Nacional no Estado do Mato Grosso. Renunciando ao
cargo, retorna a São Paulo ainda em 1917, e volta a atuar
como jornalista n'A GAZETA.
A
partir daí, Cásper não se desvinculará
mais d'A GAZETA. No ano seguinte decide adquirir o jornal, passando
de repórter a diretor-proprietário. Nessa ocasião
começa a pôr em prática o seu projeto pioneiro.
A seguir, procuraremos explicitar esse projeto, bem como a forma
encontrada por Cásper para materializá-lo. Para
tanto, é conveniente periodizar a trajetória de
Cásper n'A GAZETA em duas fases distintas, a seguir detalhadas.
1.1
1918-32: Modernização e compromissos com São
Paulo
Conforme
apura HIME (1997), ao ser adquirida por Cásper, A GAZETA,
fundada em 1906, passava por uma profunda crise administrativa.
A tiragem, que já atingira 16 mil exemplares diários,
decaíra para apenas 2 mil. Em menos de um ano, entre
1917 e 1918, o jornal passara por nada menos do que três
proprietários - Adolpho Araújo, João Dente
e Antônio Augusto Covello. Ainda de acordo com Hime, ao
comprar o jornal de Covello, Cásper não contava
com recursos financeiros. Jovem ainda, não possuía
patrimônio próprio. A saída foi recorrer
ao irmão, o médico José Líbero,
e a "amigos como Júlio Prestes e Oscar Rodrigues
Alves, que tomaram as primeiras ações da sociedade
anônima em organização". (HIME, 1997:
29).
É
em parte com dinheiro desses amigos, vinculados à política
paulista , que Cásper Líbero não só
compra o jornal, como também inicia imediatamente um
processo de modernização, que envolverá
a reforma das instalações. "A primeira atitude
de Cásper é melhorar as instalações.
Apesar da falta de dinheiro, consegue o necessário para
construir mais um andar no prédio. As dificuldades vão
sendo superadas pouco a pouco" (HIME, 1998: 1).
A
partir daí e ao longo de toda a década de 20,
A GAZETA passará por uma sucessão de inovações,
tanto técnicas como editoriais e mercadológicas,
absolutamente inéditas no mercado brasileiro. No aspecto
tecnológico, o processo de modernização
culminará com a importação, em 1928, de
equipamentos de rotogravura em cores, fazendo d'A GAZETA, em
plena década de 20, o primeiro jornal brasileiro a ser
impresso em cores.
Do
ponto de vista editorial, o mote das mudanças foi dado
pela orientação da pauta. A cidade de São
Paulo, pequena e provinciana até o final do século
19, estava entrando em um processo de crescimento de proporções
fenomenais, com a industrialização. Nesse contexto,
Cásper orienta seu jornal a uma camada nova e numerosa
da população - os trabalhadores e profissionais
da metrópole em ascensão. O jornal passa a ser
pautado de acordo com os interesses dessa nova classe média,
em grande parte constituída por trabalhadores imigrantes
e seus descendentes. Na sua cobertura de temas de cultura, entretenimento,
esportes, problemas de infra-estrutura urbana, entre outros,
rompe o viés da imprensa paulista de então, escrita
por e para a aristocracia. Em sintonia com essa orientação
editorial, o jornal de Cásper passa a promover e/ou patrocinar
eventos culturais e esportivos voltados à classe média
urbana. A Corrida de São Silvestre, a partir de 1925,
é o exemplo mais conhecido.
Outra
importante inovação editorial foi o lançamento,
pela primeira vez no Brasil, de suplementos encartados, voltados
a públicos específicos. Em 1928, aparecem o suplemento
infantil Gazetinha e a Gazeta Esportiva. No ano seguinte, a
estratégia é complementada com o lançamento
da Página Feminina. Estratégia inovadora, tanto
para conquistar os leitores como para atrair os anunciantes.
Os
retornos positivos da nova orientação editorial
são sensíveis. No final da década de 20,
o jornal já tem uma tiragem de 120 mil exemplares diários
- um crescimento excepcional ante os 2 mil exemplares de dez
anos antes, mesmo se levarmos em conta o rápido crescimento
de São Paulo no período . No dia 8 de setembro
de 1929, a tiragem alcança um pico de 200 mil exemplares,
que só não foi maior porque o papel se esgotou,
segundo HIME (1997). O número impressiona por si só,
mas igualmente ilustrativo do sucesso da estratégia editorial
é o motivo que desencadeou o pico de vendas nesse dia:
trata-se da cobertura completa do concurso de Miss Universo,
realizado nos Estados Unidos, em que saiu vitoriosa a brasileira
Yolanda Pereira - uma pauta de apelo inegavelmente popular.
Os bons resultados animam Cásper a investir na constante
modernização técnica do jornal. Estamos
na São Paulo dos anos 20, econômica e culturalmente
efervescente, onde domina a ideologia do progresso, da modernidade,
do orgulho pela metrópole. Faz parte do projeto de Cásper
fazer d'A GAZETA o jornal paulistano por excelência, e
isso significa torná-lo cada vez mais moderno e arrojado.
"Nessa época, forja-se o lema 'São Paulo
não pára'. É a cidade do progresso, da
modernidade. E essa imagem, pouco a pouco, vai sendo incorporada
pela GAZETA. Numa primeira instância, na postura administrativa,
pelos investimentos na modernização da empresa
(...). Numa segunda instância, pela postura editorial,
que se revela na linguagem - pela exaltação de
tudo que representa desenvolvimento, avanço, modernidade
-, na pauta - pelo tratamento privilegiado concedido aos temas
vinculados ao progresso ou ao futuro - e nas ações
- pela vinculação do nome da empresa a eventos,
campanhas e demais promoções que sejam signo de
modernidade (aviação, cultura americana) ou que
representem o futuro da Nação (estudantes)."
(HIME, 1998: 5).
Um ponto importante a ser ressaltado, no entanto, é que
todo esse processo de modernização se dá
sem que A GAZETA deixe de abraçar causas políticas.
As modernizações editoriais convivem, nos termos
de HIME (1997:54), com uma "grande afinidade com as idéias
do PRP", partido hegemônico no cenário político
do final da República Velha. Essa proximidade se expressa
em artigos políticos e editoriais, tornando-se particularmente
intensa na campanha presidencial pela sucessão de Washington
Luís (ocasião em que A GAZETA apóia Júlio
Prestes), bem como na Revolução de 1930 (em que
o jornal faz oposição feroz à aliança
liderada por Getúlio Vargas) e por fim na Revolução
Constitucionalista de 1932, na qual o jornal se engaja ativamente.
O engajamento político d'A GAZETA e o alinhamento de
Cásper aos interesses do PRP acabam provocando o encerramento
desta primeira fase de crescimento do jornal, em meio aos acontecimentos
políticos de 1932, com a invasão e destruição
das instalações do jornal por partidários
de Getúlio Vargas. Nos dois anos seguintes, até
1934, A GAZETA voltaria a passar por dificuldades, e Cásper
permaneceria parte do período no exílio, temendo
maiores represálias do regime.
1.2
1934-43: Aproximação com o governo Vargas
O ano de 1934 marca o retorno de Cásper Líbero
à direção do jornal e também o início
de um novo ciclo de prosperidade. Nesta nova fase, o projeto
de Cásper - de fazer um jornal moderno, dinâmico
e renovador - permanece inalterado, ou até mesmo revigorado.
Juntamente com esse projeto, o uso político do jornal
também continua, tão intenso como na fase anterior.
O que muda é a orientação política,
uma vez que, de forte opositora de Vargas, A GAZETA passa a
ser uma fervorosa aliada do regime.
A aproximação com Vargas se deve, ao menos num
primeiro momento, a uma questão de sobrevivência:
"A mudança radical de opinião é justificada
não só pela censura rigorosa (...) mas pela necessidade
de sobreviver. Decidido a se manter no meio jornalístico,
Cásper cede às evidências: deve se curvar
ao movimento revolucionário para levar avante a sua empresa"
(HIME, 1997: 55). É nesse espírito que, ainda
no exílio, Cásper entra na Justiça e negocia
com o governo por intermédio de seu irmão Nelson
Líbero, conseguindo uma indenização pelos
danos materiais de 1932. Voltando ao Brasil, é com recursos
que Cásper inicia a reconstrução de A GAZETA.
Os investimentos em modernização são retomados
com força. Em 1937, a GAZETA se torna o primeiro jornal
brasileiro a ter radiofoto, em associação com
a agência internacional Associated Press. O passo mais
ousado é dado em 1939, com a inauguração
da nova sede d'A GAZETA. Trata-se do "Palácio da
Imprensa", situado na rua da Conceição (atual
avenida Cásper Líbero), primeiro edifício
no Brasil com projeto arquitetônico pensado especificamente
para abrigar a estrutura de um jornal. O prédio foi equipado
com rotativas de última geração, importados
da Alemanha. Nos termos de HIME (1997: 68), são "instalações
que impressionarão o País por seu tamanho, luxo
e modernidade". Na descrição de FALCIONE
(s/d), "toda a planta foi estudada para abrigar as diversas
seções do diário. (...) o jornal era impresso
no térreo e, através de rampas inclinadas, localizadas
no interior do prédio, era deslizado para a garagem,
onde os carros o esperavam para distribuí-lo com rapidez".
O prédio tinha ainda capacidade para abrigar uma emissora
de rádio, que já estava nos planos de Cásper.
A rádio Gazeta seria inaugurada em março de 1943.
O apoio do jornal a Vargas perdura por todo o período.
HIME (1997) chega a argumentar que, se de início a adesão
é uma estratégia de sobrevivência, com o
tempo ela se transforma em "anuência pessoal"
(p.81), e se manifesta no excepcionalmente bom relacionamento
com o poder durante o Estado Novo. O sentimento de fervor por
São Paulo, tão presente no discurso d'A GAZETA
em anos anteriores, se transmuta em um apaixonado nacionalismo,
carregado de exaltações ao Governo Federal, muito
a gosto do regime autoritário. Mas deixando essa discussão
de lado, é certo que, dado o aparato repressivo do governo
e em particular a ação controladora do DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda), teria sido difícil manter
qualquer postura crítica nesse período.
Católico fervoroso, por sua formação ideológica
e espiritual Cásper tinha restrições ao
"materialismo", ao "utilitarismo", enfim
à acumulação mercantil, como descreve MARQUES
DE MELO (1994: 17, 19). Talvez isso explique, de alguma forma,
certas peculiaridades na condu ção da sua empresa,
em particular na forma usualmente generosa de se relacionar
com os funcionários (HIME, 1997: 181-2). Do mesmo modo,
é possível que isso explique as suas disposições
testamentárias. Cásper registrou seu Testamento
em 16 de março de 1943. Faleceu cerca de cinco meses
depois, em 27 de agosto, em um acidente de avião em viagem
ao Rio de Janeiro. Nunca tendo se casado e não tendo
descendentes, ao morrer Cásper não quis deixar
qualquer herança para seus irmãos, Nelson e José
Líbero. Ao invés disso, legou seu patrimônio
aos funcionários e à coletividade, transformando-o
em uma Fundação.
De acordo com o Testamento de Cásper, além de
sucedê-lo na propriedade de A GAZETA, a Fundação
teria a missão de fundar e manter uma escola de jornalismo,
com "cursos de grandes proporções" destinados
a formar quadros profissionais para a imprensa. Dizia o Testamento:
"Visto como tudo que possuo devo à Providência
que não me há desamparado, e à GAZETA,
jornal que é o reflexo e o orgulho de toda a minha existência
de labores, sempre a serviço de São Paulo, do
Brasil, da justiça e das grandes ideologias, quero e
disponho que todos os meus bens remanescentes sejam reunidos
e aplicados como patrimônio da fundação
que ora crio e instituo (....). Será tríplice
a sua finalidade ou objetivo, a saber: a) objetivo patriótico,
de iniciativas e campanhas por São Paulo, pelo Brasil,
pela justiça, pelos nobres ideais, pela cultura e grandeza
de nossa Pátria, servindo-se para isso de A GAZETA, do
seu auditório, de seu rádio e dos recursos do
patrimônio de que ora a doto; b) objetivo cultural, de
criar e manter uma escola de jornalismo e ensinamentos de humanidades,
particularmente português, prosa, estilo, literatura,
eloqüência, história e filosofia, em cursos
de grandes proporções, a começar pelo secundário
e finalizar pelo superior; c) objetivo jornalístico,
consistente em assegurar e desenvolver o nome, futuro, prosperidade,
economia e prestígio de A GAZETA, mantendo-a órgão
de genuína opinião pública e interesse
da pátria, aparelhada dos inventos e aperfeiçoamentos
que o progresso for engendrando (...)".
Essa
era a gênese da Fundação Cásper Líbero
e da instituição de mesmo nome que seria, em 1947,
a primeira escola de jornalismo em nível superior do
Brasil.
2. Idéias e motivações de Cásper
Sintetizar o "pensamento jornalístico" de Cásper
Líbero não é uma tarefa simples. Seja por
seu perfil de homem de negócios, ocupado com a administração
de suas empresas, ou mesmo por seu falecimento prematuro, Cásper
não deixou nenhuma obra sistematizando seu pensamento,
ao contrário do que fizeram outros jornalistas brasileiros
insignes. Isso exige reconstituir um pensamento que Cásper
nunca organizou formalmente.
A
tarefa deve ser feita por meio de inferências e especulações
a partir da sua trajetória biográfica, e também
a partir de pesquisa junto aos registros escritos deixados pelo
jornalista - um quebra-cabeças formado pelos editoriais
e matérias jornalísticas publicados por Cásper
n'A GAZETA.
No que toca ao presente trabalho, vamos nos restringir a dois
temas que consideramos relevantes no pensamento de Cásper.
O primeiro relaciona-se ao papel da política em seu projeto
jornalístico, e o segundo diz respeito às motivações
que teriam levado Cásper a tornar-se precursor do ensino
de jornalismo.
2.1
O papel da política
Conforme vimos, a trajetória de Cásper ficou marcada
por uma grande guindada na sua orientação política.
Feroz adversário de Vargas e da Revolução
de 30, torna-se em seguida um aliado do getulismo, inclusive
sob o Estado Novo. Por outro lado, se as posições
políticas se transformam com o tempo, o projeto de fazer
um jornal moderno e arrojado, sob a égide do "progresso",
é invariável do começo ao fim da trajetória
de Cásper. A filosofia da modernidade, seja nos equipamentos,
nas instalações ou na pauta editorial, orienta
as ações de Cásper em 1918 com a mesma
intensidade que em 1940.
Esse contraste entre a inconstância política e
a constância do projeto de jornal pode nos dizer muito
sobre o pensamento jornalístico de Cásper. Numa
época em que era comum os jornalistas fazerem uso do
jornalismo com o objetivo de galgar posições de
destaque na política, Cásper parece fazer exatamente
o inverso. Manobra suas relações com o poder de
forma a poder concretizar o seu objetivo, que é a viabilização
do seu projeto de jornal.
A
aparente inconsistência ao abraçar bandeiras políticas
parece ser, nesse sentido, a forma ao alcance de Cásper
para tornar factível a realização de seu
projeto empresarial. Trata-se do Cásper político
a serviço do Cásper empresário-jornalista,
viabilizando um projeto de renovação técnica
e empresarial da atividade jornalística.
2.2
Cásper precursor do ensino de jornalismo
Quais
teriam sido as motivações de Cásper ao
tomar a iniciativa, em seu testamento, de criar uma escola de
jornalismo? De pronto, sabemos que não se tratava de
uma idéia original, em 1943. A criação
de cursos de formação superior em jornalismo já
era um antigo desejo da ABI (Associação Brasileira
de Imprensa), registrada pela primeira vez no Primeiro Congresso
Brasileiro de Jornalistas, em 1918. Desde então, a ABI
vinha lutando para viabilizar o projeto, derrubando entraves
legais, o que favoreceu em muito, pelo aspecto prático
e burocrático, a criação do curso pelos
legatários de Cásper (MARQUES DE MELO, 1994: 13-15).
O
que o Cásper fez, portanto, foi avalizar e dar continuidade
às ações da ABI, movendo-se, ao menos em
parte, pelas mesmas motivações desta última,
atribuíveis à necessidade de treinar profissionais
preparados para lidar com a crescente modernização
técnica da atividade jornalística. MARQUES DE
MELO (1994: 19) expressa da seguinte forma essas motivações:
"havia (...) demanda de pessoal habilitado para exercer
profissionalmente um novo tipo de jornalismo, seguindo padrões
que contrastavam com o desempenho da imprensa na época.
Logo, a escola de jornalismo impunha-se como instrumento necessário
para solucionar tal impasse treinando novas vocações,
de acordo com a plataforma editorial, ética e política
vigentes nas suas empresas".
Estamos
nas primeiras décadas do século passado, quando
toda uma geração de jovens de origem modesta,
filhos de imigrantes, entrava no mercado de trabalho. Era com
essa oferta de trabalho que Cásper e os demais donos
de jornal contavam, para fazer o "novo tipo de jornalismo"
acima referido. Como empresário, Cásper certamente
sentiu de perto a necessidade de formar esses profissionais.
No
caso específico de Cásper, no entanto, podemos
apontar ao menos duas motivações adicionais, além
dessas comuns à ABI. Em primeiro lugar, consta que nos
anos que antecederam a sua morte, Cásper realizou diversas
viagens aos Estados Unidos (HIME, 1997). Nessas viagens, pode
ter entrado em contato com as experiências pedagógicas
existentes naquele país. É bem possível
que a idéia de implantar uma pedagogia do jornalismo
no Brasil tenha sido inspirada pelo que viu por lá, da
mesma forma que não é descabida a comparação
entre as práticas de jornalismo implantadas por Cásper
em suas empresas - um jornalismo moderno, industrial, empresarial
- e o próprio modelo de jornalismo norte-americano.
Em
segundo lugar, devemos nos referir novamente às convicções
ideológico-religiosas do jornalista. Em vida, Cásper
cultivou o hábito de financiar pessoalmente os estudos
de diversos de seus funcionários no Largo de São
Francisco, entre outras formas de ajuda material (HIME, 1997:
22, 181). Diante dessas inclinações, não
surpreende o fato de que tenha destinado uma parte de seu patrimônio
à criação de uma escola de qualidade, com
cursos gratuitos "de grandes proporções",
destinados ao ensino do jornalismo.
3.
Considerações finais
Nos itens anteriores, tentamos sintetizar um perfil biográfico
de Cásper Líbero e, a partir dele, inferir alguma
coisa sobre seu pensamento jornalístico. Como dissemos,
Cásper não deixou seu pensamento documentado organicamente,
mas esparso e fragmentado, seja em fatos de sua biografia, seja
na forma de textos publicados ao longo de 25 anos n'A GAZETA.
Assim, é claro que muita coisa poderia ser acrescentada
ao esboço de discussão que fizemos sobre suas
idéias.
Para encerrar o trabalho, optamos por reproduzir alguns trechos
selecionados de autoria de Cásper, que acreditamos serem
sugestivos de seu pensamento.
Em
primeiro lugar, uma manifestação da temática
do "progresso" e do orgulho por São Paulo,
no ideário de Cásper. Para ele,
"Um povo que, em um século, transforma uma quase
aldeia de 7 mil habitantes na Metrópole estonteante que
aí está, não é um povo apenas: é
uma raça de Titãs que, pés fincados nas
margens do Tietê, ergue cada vez mais alto a glória
do seu berço - São Paulo e da sua terra - o Brasil".
Em
seguida, merece destaque a obsessão de Cásper
por ver espelhado na sua empresa o mesmo clima de progresso
e dinamismo que caracteriza a metrópole:
"Desde
que assumimos a direção deste vespertino, todo
o empenho do seu atual diretor-proprietário tem sido
acompanhar o ritmo acelerado do progresso paulista. Cada inovação,
cada melhoramento material e intelectual introduzido nesta folha
tem decorrido naturalmente das necessidades do meio. Neste ponto,
repetimos hoje o que há alguns anos afirmamos: A GAZETA
não quer ser outra coisa senão um reflexo do ambiente
em que se formou e em que se desenvolve continuamente. A missão
que nos impusemos é de espelhar a agitação
da metrópole paulistana, os surtos vigorosos do seu progresso,
as transformações contínuas por que passa,
enchendo de assombro ao resto do país."
A
propósito das relações entre imprensa e
poder, numa época em que era comum o jornalismo servir
de trampolim à política, Cásper reforça
com veemência a sua opção pelo jornalismo
em detrimento de cargos públicos:
"Nunca almejei outra coisa, senão, apenas, ser diretor
d'A GAZETA. (...) Respondi com fatos e não com palavras,
pois que recusara a indicação de meu nome para
cargos eletivos, com vitórias garantidas."
E
finalmente, sobre o jornalismo:
"[O
jornalista] é um tribuno que se exibe numa praça
pública especial: os lares, as repartições,
os botequins, os agrupamentos políticos e profissionais,
enfim a todos. (...) O jornalismo tem os seus espinhos, mas
é, na verdade, uma profissão encantadora, se considerada
como uma força humana irresistível".
"O
jornal informa, o jornal educa, o jornal edifica, se encarado
por este aspecto. Se posto a serviço dos ódios
e despeitos, a sua eficiência não é menos
notável".
Referências
bibliográficas
FALCIONE,
Gabriel (s/d). "Da imprensa à sentença".
Disponível em http://biondi.fcl.com.br/facasper/jornalismo/imprensa/noticia.cfm?secao-5&codigo=190
(acessado em 28/05/2003).
HIME,
Gisely Valentim Vaz Coelho (1997). "A hora e a vez do progresso:
Cásper Líbero e o exercício do jornalismo
nas páginas d'A Gazeta". Dissertação
de Mestrado. Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo.
__________
(1998). "Cásper Líbero e o exercício
do jornalismo nas páginas d'A Gazeta". XXI Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação, Intercom.
__________ (2003). "Cásper Líbero gerou a
primeira escola de jornalismo do Brasil". Artigo produzido
para publicação na revista Imprensa (no prelo).
MARQUES
DE MELO, José (1994). 'Cásper Líbero, pioneiro
do ensino de jornalismo no Brasil', in: MARQUES DE MELO, José
(org.), "Transformações do jornalismo brasileiro:
ética e técnica". São Paulo: Intercom.
__________
(1974). "Contribuições para uma pedagogia
da comunicação". São Paulo: Edições
Paulinas.
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