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Monografias


Trajetória e idéias de Cásper Líbero

Por Martin Jayo

Cásper Líbero é um nome sem dúvida bastante presente no imaginário de muitos brasileiros, em especial os paulistas. Entre os jornalistas e demais profissionais da mídia não poderia ser diferente, uma vez que muitos deles passaram, nos últimos 50 anos, pelos bancos da conhecida escola de comunicação que leva esse nome. Por outro lado, mesmo para os que não pertencem ao meio e não conhecem a escola, o nome diz alguma coisa. A Fundação Cásper Líbero, com suas emissoras de rádio e televisão, certamente contribui nesse sentido. Além disso, para o habitante de São Paulo, a avenida Cásper Líbero, na região central da cidade, é um importante marco referencial.

No entanto, como costuma acontecer aos personagens que são nome de rua, muito pouco se conhece além do nome. Como observa MARQUES DE MELO (1994: 13), Cásper Líbero é hoje "um personagem quase desconhecido para as novas gerações", o que justificaria resgatar a sua biografia. Uma contribuição importante nesse sentido foi dada por HIME (1997, 1998). O objetivo do presente trabalho é traçar um perfil biográfico do jornalista e empresário Cásper Líbero (o que será feito no item 1, a seguir) e, a partir disso, fazer algumas considerações sobre seu pensamento jornalístico (objeto do item 2).

Como empresário do jornalismo, Cásper Líbero foi proprietário do grupo "A GAZETA" durante 25 anos, de 1918 até sua morte trágica em 1943. Nesse período, capitaneou uma das experiências empresariais e editoriais mais inovadoras e bem-sucedidas da história da imprensa brasileira. Por ocasião da sua morte, tornou-se, em função das disposições do seu testamento, o fundador do ensino universitário de jornalismo no Brasil. Qual era o ideário jornalístico de Cásper, por trás do seu projeto de jornal? O que o motivou a incentivar o ensino de jornalismo? Nos itens a seguir, procuraremos explorar essas discussões.

1. Trajetória biográfica

Natural de Bragança Paulista, no estado de São Paulo, Cásper Líbero nasceu em 2 de março de 1889. Seu pai, Honório Líbero, médico e político, foi um dos primeiros intendentes daquela cidade. De família abastada, Cásper recebeu uma educação aristocrática, primeiro em Bragança, onde passou a primeira infância, em seguida em São Paulo, para onde se transferiu com a família aos onze anos de idade.

Em 1905, Cásper ingressa na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Forma-se advogado em 1909, porém nunca exercerá a profissão: no mesmo ano entra no jornalismo, como repórter do vespertino A GAZETA, o mesmo jornal que alguns anos depois será seu.

Os primeiros anos da carreira jornalística já revelam o dinamismo e o empreendedorismo que marcariam as fases posteriores da vida de Cásper Líbero. Em 1911, Cásper se transfere para o Rio de Janeiro e é um dos fundadores do jornal Última Hora, engajando-se na campanha de Rui Barbosa pela Presidência da República. Em 1913, de volta a São Paulo, funda a Agência Americana, primeira agência noticiosa brasileira. Em 1914, ingressa na redação d'O Estado de S.Paulo, de onde logo retorna ao Rio de Janeiro, desta vez como diretor da sucursal d'O Estado. Deixa o jornalismo por um curto período, no ano de 1917, para assumir cargo público como procurador da Fazenda Nacional no Estado do Mato Grosso. Renunciando ao cargo, retorna a São Paulo ainda em 1917, e volta a atuar como jornalista n'A GAZETA.

A partir daí, Cásper não se desvinculará mais d'A GAZETA. No ano seguinte decide adquirir o jornal, passando de repórter a diretor-proprietário. Nessa ocasião começa a pôr em prática o seu projeto pioneiro. A seguir, procuraremos explicitar esse projeto, bem como a forma encontrada por Cásper para materializá-lo. Para tanto, é conveniente periodizar a trajetória de Cásper n'A GAZETA em duas fases distintas, a seguir detalhadas.

1.1 1918-32: Modernização e compromissos com São Paulo

Conforme apura HIME (1997), ao ser adquirida por Cásper, A GAZETA, fundada em 1906, passava por uma profunda crise administrativa. A tiragem, que já atingira 16 mil exemplares diários, decaíra para apenas 2 mil. Em menos de um ano, entre 1917 e 1918, o jornal passara por nada menos do que três proprietários - Adolpho Araújo, João Dente e Antônio Augusto Covello. Ainda de acordo com Hime, ao comprar o jornal de Covello, Cásper não contava com recursos financeiros. Jovem ainda, não possuía patrimônio próprio. A saída foi recorrer ao irmão, o médico José Líbero, e a "amigos como Júlio Prestes e Oscar Rodrigues Alves, que tomaram as primeiras ações da sociedade anônima em organização". (HIME, 1997: 29).

É em parte com dinheiro desses amigos, vinculados à política paulista , que Cásper Líbero não só compra o jornal, como também inicia imediatamente um processo de modernização, que envolverá a reforma das instalações. "A primeira atitude de Cásper é melhorar as instalações. Apesar da falta de dinheiro, consegue o necessário para construir mais um andar no prédio. As dificuldades vão sendo superadas pouco a pouco" (HIME, 1998: 1).

A partir daí e ao longo de toda a década de 20, A GAZETA passará por uma sucessão de inovações, tanto técnicas como editoriais e mercadológicas, absolutamente inéditas no mercado brasileiro. No aspecto tecnológico, o processo de modernização culminará com a importação, em 1928, de equipamentos de rotogravura em cores, fazendo d'A GAZETA, em plena década de 20, o primeiro jornal brasileiro a ser impresso em cores.

Do ponto de vista editorial, o mote das mudanças foi dado pela orientação da pauta. A cidade de São Paulo, pequena e provinciana até o final do século 19, estava entrando em um processo de crescimento de proporções fenomenais, com a industrialização. Nesse contexto, Cásper orienta seu jornal a uma camada nova e numerosa da população - os trabalhadores e profissionais da metrópole em ascensão. O jornal passa a ser pautado de acordo com os interesses dessa nova classe média, em grande parte constituída por trabalhadores imigrantes e seus descendentes. Na sua cobertura de temas de cultura, entretenimento, esportes, problemas de infra-estrutura urbana, entre outros, rompe o viés da imprensa paulista de então, escrita por e para a aristocracia. Em sintonia com essa orientação editorial, o jornal de Cásper passa a promover e/ou patrocinar eventos culturais e esportivos voltados à classe média urbana. A Corrida de São Silvestre, a partir de 1925, é o exemplo mais conhecido.

Outra importante inovação editorial foi o lançamento, pela primeira vez no Brasil, de suplementos encartados, voltados a públicos específicos. Em 1928, aparecem o suplemento infantil Gazetinha e a Gazeta Esportiva. No ano seguinte, a estratégia é complementada com o lançamento da Página Feminina. Estratégia inovadora, tanto para conquistar os leitores como para atrair os anunciantes.

Os retornos positivos da nova orientação editorial são sensíveis. No final da década de 20, o jornal já tem uma tiragem de 120 mil exemplares diários - um crescimento excepcional ante os 2 mil exemplares de dez anos antes, mesmo se levarmos em conta o rápido crescimento de São Paulo no período . No dia 8 de setembro de 1929, a tiragem alcança um pico de 200 mil exemplares, que só não foi maior porque o papel se esgotou, segundo HIME (1997). O número impressiona por si só, mas igualmente ilustrativo do sucesso da estratégia editorial é o motivo que desencadeou o pico de vendas nesse dia: trata-se da cobertura completa do concurso de Miss Universo, realizado nos Estados Unidos, em que saiu vitoriosa a brasileira Yolanda Pereira - uma pauta de apelo inegavelmente popular.

Os bons resultados animam Cásper a investir na constante modernização técnica do jornal. Estamos na São Paulo dos anos 20, econômica e culturalmente efervescente, onde domina a ideologia do progresso, da modernidade, do orgulho pela metrópole. Faz parte do projeto de Cásper fazer d'A GAZETA o jornal paulistano por excelência, e isso significa torná-lo cada vez mais moderno e arrojado. "Nessa época, forja-se o lema 'São Paulo não pára'. É a cidade do progresso, da modernidade. E essa imagem, pouco a pouco, vai sendo incorporada pela GAZETA. Numa primeira instância, na postura administrativa, pelos investimentos na modernização da empresa (...). Numa segunda instância, pela postura editorial, que se revela na linguagem - pela exaltação de tudo que representa desenvolvimento, avanço, modernidade -, na pauta - pelo tratamento privilegiado concedido aos temas vinculados ao progresso ou ao futuro - e nas ações - pela vinculação do nome da empresa a eventos, campanhas e demais promoções que sejam signo de modernidade (aviação, cultura americana) ou que representem o futuro da Nação (estudantes)." (HIME, 1998: 5).

Um ponto importante a ser ressaltado, no entanto, é que todo esse processo de modernização se dá sem que A GAZETA deixe de abraçar causas políticas. As modernizações editoriais convivem, nos termos de HIME (1997:54), com uma "grande afinidade com as idéias do PRP", partido hegemônico no cenário político do final da República Velha. Essa proximidade se expressa em artigos políticos e editoriais, tornando-se particularmente intensa na campanha presidencial pela sucessão de Washington Luís (ocasião em que A GAZETA apóia Júlio Prestes), bem como na Revolução de 1930 (em que o jornal faz oposição feroz à aliança liderada por Getúlio Vargas) e por fim na Revolução Constitucionalista de 1932, na qual o jornal se engaja ativamente.

O engajamento político d'A GAZETA e o alinhamento de Cásper aos interesses do PRP acabam provocando o encerramento desta primeira fase de crescimento do jornal, em meio aos acontecimentos políticos de 1932, com a invasão e destruição das instalações do jornal por partidários de Getúlio Vargas. Nos dois anos seguintes, até 1934, A GAZETA voltaria a passar por dificuldades, e Cásper permaneceria parte do período no exílio, temendo maiores represálias do regime.

1.2 1934-43: Aproximação com o governo Vargas

O ano de 1934 marca o retorno de Cásper Líbero à direção do jornal e também o início de um novo ciclo de prosperidade. Nesta nova fase, o projeto de Cásper - de fazer um jornal moderno, dinâmico e renovador - permanece inalterado, ou até mesmo revigorado. Juntamente com esse projeto, o uso político do jornal também continua, tão intenso como na fase anterior. O que muda é a orientação política, uma vez que, de forte opositora de Vargas, A GAZETA passa a ser uma fervorosa aliada do regime.

A aproximação com Vargas se deve, ao menos num primeiro momento, a uma questão de sobrevivência: "A mudança radical de opinião é justificada não só pela censura rigorosa (...) mas pela necessidade de sobreviver. Decidido a se manter no meio jornalístico, Cásper cede às evidências: deve se curvar ao movimento revolucionário para levar avante a sua empresa" (HIME, 1997: 55). É nesse espírito que, ainda no exílio, Cásper entra na Justiça e negocia com o governo por intermédio de seu irmão Nelson Líbero, conseguindo uma indenização pelos danos materiais de 1932. Voltando ao Brasil, é com recursos que Cásper inicia a reconstrução de A GAZETA.

Os investimentos em modernização são retomados com força. Em 1937, a GAZETA se torna o primeiro jornal brasileiro a ter radiofoto, em associação com a agência internacional Associated Press. O passo mais ousado é dado em 1939, com a inauguração da nova sede d'A GAZETA. Trata-se do "Palácio da Imprensa", situado na rua da Conceição (atual avenida Cásper Líbero), primeiro edifício no Brasil com projeto arquitetônico pensado especificamente para abrigar a estrutura de um jornal. O prédio foi equipado com rotativas de última geração, importados da Alemanha. Nos termos de HIME (1997: 68), são "instalações que impressionarão o País por seu tamanho, luxo e modernidade". Na descrição de FALCIONE (s/d), "toda a planta foi estudada para abrigar as diversas seções do diário. (...) o jornal era impresso no térreo e, através de rampas inclinadas, localizadas no interior do prédio, era deslizado para a garagem, onde os carros o esperavam para distribuí-lo com rapidez". O prédio tinha ainda capacidade para abrigar uma emissora de rádio, que já estava nos planos de Cásper. A rádio Gazeta seria inaugurada em março de 1943.

O apoio do jornal a Vargas perdura por todo o período. HIME (1997) chega a argumentar que, se de início a adesão é uma estratégia de sobrevivência, com o tempo ela se transforma em "anuência pessoal" (p.81), e se manifesta no excepcionalmente bom relacionamento com o poder durante o Estado Novo. O sentimento de fervor por São Paulo, tão presente no discurso d'A GAZETA em anos anteriores, se transmuta em um apaixonado nacionalismo, carregado de exaltações ao Governo Federal, muito a gosto do regime autoritário. Mas deixando essa discussão de lado, é certo que, dado o aparato repressivo do governo e em particular a ação controladora do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), teria sido difícil manter qualquer postura crítica nesse período.

Católico fervoroso, por sua formação ideológica e espiritual Cásper tinha restrições ao "materialismo", ao "utilitarismo", enfim à acumulação mercantil, como descreve MARQUES DE MELO (1994: 17, 19). Talvez isso explique, de alguma forma, certas peculiaridades na condu ção da sua empresa, em particular na forma usualmente generosa de se relacionar com os funcionários (HIME, 1997: 181-2). Do mesmo modo, é possível que isso explique as suas disposições testamentárias. Cásper registrou seu Testamento em 16 de março de 1943. Faleceu cerca de cinco meses depois, em 27 de agosto, em um acidente de avião em viagem ao Rio de Janeiro. Nunca tendo se casado e não tendo descendentes, ao morrer Cásper não quis deixar qualquer herança para seus irmãos, Nelson e José Líbero. Ao invés disso, legou seu patrimônio aos funcionários e à coletividade, transformando-o em uma Fundação.

De acordo com o Testamento de Cásper, além de sucedê-lo na propriedade de A GAZETA, a Fundação teria a missão de fundar e manter uma escola de jornalismo, com "cursos de grandes proporções" destinados a formar quadros profissionais para a imprensa. Dizia o Testamento:
"Visto como tudo que possuo devo à Providência que não me há desamparado, e à GAZETA, jornal que é o reflexo e o orgulho de toda a minha existência de labores, sempre a serviço de São Paulo, do Brasil, da justiça e das grandes ideologias, quero e disponho que todos os meus bens remanescentes sejam reunidos e aplicados como patrimônio da fundação que ora crio e instituo (....). Será tríplice a sua finalidade ou objetivo, a saber: a) objetivo patriótico, de iniciativas e campanhas por São Paulo, pelo Brasil, pela justiça, pelos nobres ideais, pela cultura e grandeza de nossa Pátria, servindo-se para isso de A GAZETA, do seu auditório, de seu rádio e dos recursos do patrimônio de que ora a doto; b) objetivo cultural, de criar e manter uma escola de jornalismo e ensinamentos de humanidades, particularmente português, prosa, estilo, literatura, eloqüência, história e filosofia, em cursos de grandes proporções, a começar pelo secundário e finalizar pelo superior; c) objetivo jornalístico, consistente em assegurar e desenvolver o nome, futuro, prosperidade, economia e prestígio de A GAZETA, mantendo-a órgão de genuína opinião pública e interesse da pátria, aparelhada dos inventos e aperfeiçoamentos que o progresso for engendrando (...)".

Essa era a gênese da Fundação Cásper Líbero e da instituição de mesmo nome que seria, em 1947, a primeira escola de jornalismo em nível superior do Brasil.


2. Idéias e motivações de Cásper

Sintetizar o "pensamento jornalístico" de Cásper Líbero não é uma tarefa simples. Seja por seu perfil de homem de negócios, ocupado com a administração de suas empresas, ou mesmo por seu falecimento prematuro, Cásper não deixou nenhuma obra sistematizando seu pensamento, ao contrário do que fizeram outros jornalistas brasileiros insignes. Isso exige reconstituir um pensamento que Cásper nunca organizou formalmente.

A tarefa deve ser feita por meio de inferências e especulações a partir da sua trajetória biográfica, e também a partir de pesquisa junto aos registros escritos deixados pelo jornalista - um quebra-cabeças formado pelos editoriais e matérias jornalísticas publicados por Cásper n'A GAZETA.

No que toca ao presente trabalho, vamos nos restringir a dois temas que consideramos relevantes no pensamento de Cásper. O primeiro relaciona-se ao papel da política em seu projeto jornalístico, e o segundo diz respeito às motivações que teriam levado Cásper a tornar-se precursor do ensino de jornalismo.

2.1 O papel da política

Conforme vimos, a trajetória de Cásper ficou marcada por uma grande guindada na sua orientação política. Feroz adversário de Vargas e da Revolução de 30, torna-se em seguida um aliado do getulismo, inclusive sob o Estado Novo. Por outro lado, se as posições políticas se transformam com o tempo, o projeto de fazer um jornal moderno e arrojado, sob a égide do "progresso", é invariável do começo ao fim da trajetória de Cásper. A filosofia da modernidade, seja nos equipamentos, nas instalações ou na pauta editorial, orienta as ações de Cásper em 1918 com a mesma intensidade que em 1940.

Esse contraste entre a inconstância política e a constância do projeto de jornal pode nos dizer muito sobre o pensamento jornalístico de Cásper. Numa época em que era comum os jornalistas fazerem uso do jornalismo com o objetivo de galgar posições de destaque na política, Cásper parece fazer exatamente o inverso. Manobra suas relações com o poder de forma a poder concretizar o seu objetivo, que é a viabilização do seu projeto de jornal.

A aparente inconsistência ao abraçar bandeiras políticas parece ser, nesse sentido, a forma ao alcance de Cásper para tornar factível a realização de seu projeto empresarial. Trata-se do Cásper político a serviço do Cásper empresário-jornalista, viabilizando um projeto de renovação técnica e empresarial da atividade jornalística.

2.2 Cásper precursor do ensino de jornalismo

Quais teriam sido as motivações de Cásper ao tomar a iniciativa, em seu testamento, de criar uma escola de jornalismo? De pronto, sabemos que não se tratava de uma idéia original, em 1943. A criação de cursos de formação superior em jornalismo já era um antigo desejo da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), registrada pela primeira vez no Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas, em 1918. Desde então, a ABI vinha lutando para viabilizar o projeto, derrubando entraves legais, o que favoreceu em muito, pelo aspecto prático e burocrático, a criação do curso pelos legatários de Cásper (MARQUES DE MELO, 1994: 13-15).

O que o Cásper fez, portanto, foi avalizar e dar continuidade às ações da ABI, movendo-se, ao menos em parte, pelas mesmas motivações desta última, atribuíveis à necessidade de treinar profissionais preparados para lidar com a crescente modernização técnica da atividade jornalística. MARQUES DE MELO (1994: 19) expressa da seguinte forma essas motivações: "havia (...) demanda de pessoal habilitado para exercer profissionalmente um novo tipo de jornalismo, seguindo padrões que contrastavam com o desempenho da imprensa na época. Logo, a escola de jornalismo impunha-se como instrumento necessário para solucionar tal impasse treinando novas vocações, de acordo com a plataforma editorial, ética e política vigentes nas suas empresas".

Estamos nas primeiras décadas do século passado, quando toda uma geração de jovens de origem modesta, filhos de imigrantes, entrava no mercado de trabalho. Era com essa oferta de trabalho que Cásper e os demais donos de jornal contavam, para fazer o "novo tipo de jornalismo" acima referido. Como empresário, Cásper certamente sentiu de perto a necessidade de formar esses profissionais.

No caso específico de Cásper, no entanto, podemos apontar ao menos duas motivações adicionais, além dessas comuns à ABI. Em primeiro lugar, consta que nos anos que antecederam a sua morte, Cásper realizou diversas viagens aos Estados Unidos (HIME, 1997). Nessas viagens, pode ter entrado em contato com as experiências pedagógicas existentes naquele país. É bem possível que a idéia de implantar uma pedagogia do jornalismo no Brasil tenha sido inspirada pelo que viu por lá, da mesma forma que não é descabida a comparação entre as práticas de jornalismo implantadas por Cásper em suas empresas - um jornalismo moderno, industrial, empresarial - e o próprio modelo de jornalismo norte-americano.

Em segundo lugar, devemos nos referir novamente às convicções ideológico-religiosas do jornalista. Em vida, Cásper cultivou o hábito de financiar pessoalmente os estudos de diversos de seus funcionários no Largo de São Francisco, entre outras formas de ajuda material (HIME, 1997: 22, 181). Diante dessas inclinações, não surpreende o fato de que tenha destinado uma parte de seu patrimônio à criação de uma escola de qualidade, com cursos gratuitos "de grandes proporções", destinados ao ensino do jornalismo.

3. Considerações finais

Nos itens anteriores, tentamos sintetizar um perfil biográfico de Cásper Líbero e, a partir dele, inferir alguma coisa sobre seu pensamento jornalístico. Como dissemos, Cásper não deixou seu pensamento documentado organicamente, mas esparso e fragmentado, seja em fatos de sua biografia, seja na forma de textos publicados ao longo de 25 anos n'A GAZETA. Assim, é claro que muita coisa poderia ser acrescentada ao esboço de discussão que fizemos sobre suas idéias.

Para encerrar o trabalho, optamos por reproduzir alguns trechos selecionados de autoria de Cásper, que acreditamos serem sugestivos de seu pensamento.

Em primeiro lugar, uma manifestação da temática do "progresso" e do orgulho por São Paulo, no ideário de Cásper. Para ele,
"Um povo que, em um século, transforma uma quase aldeia de 7 mil habitantes na Metrópole estonteante que aí está, não é um povo apenas: é uma raça de Titãs que, pés fincados nas margens do Tietê, ergue cada vez mais alto a glória do seu berço - São Paulo e da sua terra - o Brasil".

Em seguida, merece destaque a obsessão de Cásper por ver espelhado na sua empresa o mesmo clima de progresso e dinamismo que caracteriza a metrópole:

"Desde que assumimos a direção deste vespertino, todo o empenho do seu atual diretor-proprietário tem sido acompanhar o ritmo acelerado do progresso paulista. Cada inovação, cada melhoramento material e intelectual introduzido nesta folha tem decorrido naturalmente das necessidades do meio. Neste ponto, repetimos hoje o que há alguns anos afirmamos: A GAZETA não quer ser outra coisa senão um reflexo do ambiente em que se formou e em que se desenvolve continuamente. A missão que nos impusemos é de espelhar a agitação da metrópole paulistana, os surtos vigorosos do seu progresso, as transformações contínuas por que passa, enchendo de assombro ao resto do país."

A propósito das relações entre imprensa e poder, numa época em que era comum o jornalismo servir de trampolim à política, Cásper reforça com veemência a sua opção pelo jornalismo em detrimento de cargos públicos:
"Nunca almejei outra coisa, senão, apenas, ser diretor d'A GAZETA. (...) Respondi com fatos e não com palavras, pois que recusara a indicação de meu nome para cargos eletivos, com vitórias garantidas."

E finalmente, sobre o jornalismo:

"[O jornalista] é um tribuno que se exibe numa praça pública especial: os lares, as repartições, os botequins, os agrupamentos políticos e profissionais, enfim a todos. (...) O jornalismo tem os seus espinhos, mas é, na verdade, uma profissão encantadora, se considerada como uma força humana irresistível".

"O jornal informa, o jornal educa, o jornal edifica, se encarado por este aspecto. Se posto a serviço dos ódios e despeitos, a sua eficiência não é menos notável".

Referências bibliográficas

FALCIONE, Gabriel (s/d). "Da imprensa à sentença". Disponível em http://biondi.fcl.com.br/facasper/jornalismo/imprensa/noticia.cfm?secao-5&codigo=190 (acessado em 28/05/2003).

HIME, Gisely Valentim Vaz Coelho (1997). "A hora e a vez do progresso: Cásper Líbero e o exercício do jornalismo nas páginas d'A Gazeta". Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

__________ (1998). "Cásper Líbero e o exercício do jornalismo nas páginas d'A Gazeta". XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Intercom.

__________ (2003). "Cásper Líbero gerou a primeira escola de jornalismo do Brasil". Artigo produzido para publicação na revista Imprensa (no prelo).

MARQUES DE MELO, José (1994). 'Cásper Líbero, pioneiro do ensino de jornalismo no Brasil', in: MARQUES DE MELO, José (org.), "Transformações do jornalismo brasileiro: ética e técnica". São Paulo: Intercom.

__________ (1974). "Contribuições para uma pedagogia da comunicação". São Paulo: Edições Paulinas.

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