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Monografias


Carlos de Andrade Rizzini: precursor
dos estudos brasileiros de comunicação

Por Osmar Mendes Júnior

A trajetória

Ao seguir pela Via Dutra, em direção ao Rio de Janeiro, o viajante rodoviário que parte de São Paulo certamente vai cruzar, 134 quilômetros depois, com o trevo de acesso à cidade Taubaté. Se for um apreciador da boa literatura brasileira, o passageiro logo irá associar Taubaté com Monteiro Lobato, o consagrado autor de livros, nascido no município, que criou o Jeca Tatu e também a Emília, a Narizinho, o Pedrinho, e todos os famosos personagens do inesquecível Sítio do Pica-pau Amarelo. Se o passante tiver cerca de 50 anos, naturalmente vai se lembrar de Cely Campello, a primeira e festejada cantora brasileira de rock´n´roll, morta em 2003, que também nasceu em Taubaté e, com suas ingênuas, românticas e saudosas canções, ajudou a tornar conhecida nacionalmente, no final dos anos cinqüenta e início dos anos sessenta do século XX, a agradável cidade do Vale do Paraíba.

Mas Taubaté tem outros filhos ilustres que merecem permanecer vivos na memória de todos os brasileiros. Um deles, bem menos popular do que Monteiro Lobato e Cely Campello, é também digno de todas as honrarias, não apenas pelo papel que desempenhou como cidadão e homem de comunicações, mas, e principalmente, pelo enorme legado que deixou para a nação brasileira através de seus livros e escritos sobre a história e a trajetória da Imprensa e do Jornalismo, bem como por suas inúmeras contribuições para o aperfeiçoamento das comunicações nacionais. O nome dele é Carlos de Andrade Rizzini.

Rizzini, como é mais conhecido nos meios acadêmicos e nos bastidores da imprensa brasileira, nasceu em Taubaté há mais de um século, no dia 25 de novembro de 1898. O Brasil era então uma jovem república de apenas nove anos. Dez dias antes do nascimento de Rizzini, tomara posse o novo presidente do País, Manuel Ferraz de Campos Sales, o quarto a ocupar o cargo máximo do poder. Sete anos depois, em 1906, Taubaté chamaria a atenção de todo o País, graças ao histórico "Convênio de Taubaté", acordo assinado entre os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, que garantia aos produtores rurais a compra das safras de café, com financiamento estrangeiro, e que acabou na grande queima dos excedentes estocados, com enormes prejuízos aos cofres públicos. Ao falecer, em 1972, no dia 19 de julho, quatro meses antes de completar 74 anos, Rizzini estava num Brasil que amargava um severo regime militar, mas já contava com uma incipiente televisão em cores que ele próprio ajudara a implantar. A repressão à liberdade de imprensa era dura e violenta.

O semanário "O Pasquim", pioneiro na imprensa alternativa de combate à ditadura, foi proibido de circular durante uma semana. Rizzini morava, então, na cidade de Tremembé, vizinha à Taubaté, onde passara parte da infância e local escolhido por ele para desfrutar de uma merecida aposentadoria, cercado por dezenas de livros, uma de suas grandes e confessadas paixões.

Enquanto homem de comunicações, Rizzini desenvolveu trajetória profissional simplesmente exemplar. Começou aos 18 anos de idade, como repórter de "O Jornal", no Rio de Janeiro. Morava ele então, desde 1907, com um casal de tios na capital do Brasil, para onde fora mandado pelos pais, após conquistar brilhantemente o primeiro lugar num concurso de bolsas de estudos no disputado "Colégio Pedro II", naqueles tempos o mais afamado do País e que tinha o corpo docente composto por algumas das mais ilustres e poderosas personalidades da inteligência e da política brasileiras. Quando começou a trabalhar no "O Jornal", em 1918, Rizzini já era estudante universitário e freqüentava o "Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro".

Em 1921 tornou-se "Secretário de "O Jornal". Até 1922, quando se formou em Direito e mudou-se para Petrópolis, Rizzini atuou, ainda, no "Rio Jornal", como repórter e no "Boa Noite", como redator e redator-chefe. Naquele início de carreira, Rizzini chegou a fazer longos e exaustivos plantões na principal estação da "Estrada de Ferro Central do Brasil", onde, em busca de uma boa entrevista ou de um assunto para suas reportagens, abordava os passageiros bem nutridos e alinhados, na tentativa de localizar algum figurão importante em meio à multidão que ia e vinha sem cessar. Também entrevistou muitos dos artistas que se exibiam nas borbulhantes noites cariocas e que faziam a fama da capital federal.

A partir de 1923, quando já havia completado 25 anos de idade, Rizzini foi dirigir o diário "O Comércio" na histórica cidade de Petrópolis, a 66 quilômetros do Rio de Janeiro, onde também adquiriu o "Jornal de Petrópolis". Viveu por ali durante 11 anos, até 1934, período em que diversificou bastante as suas atividades profissionais. Além de ser um pequeno e próspero empresário no ramo jornalístico, chegou a advogar, foi procurador da Câmara Municipal e enveredou-se pela política, elegendo-se deputado estadual (1927-1930) e vereador (1930).

Saiu-se muito bem em todas essas funções. Diz a história que Rizzini, ao advogar em uma ação de reconhecimento de paternidade e anulação de testamento, chegou a redigir 19 páginas a título de razões finais. Nelas, teria começado invocando o Direito Romano, abordado o Cristianismo e passado, sucessivamente, pela Idade Média com o Direito Canônico e pela Revolução Francesa, até chegar finalmente à legislação brasileira da época. Seu amplo conhecimento sobre os fatos históricos passaria a ser um ponto marcante em suas atividades como homem de letras.

Em 1934, aos 36 anos, de volta à cidade do Rio de Janeiro, Rizzini passou a exercer a função de Secretário em dois importantes jornais: primeiro no "Diário da Noite" e depois em "O Jornal", o mesmo em que iniciara a carreira, e que agora pertencia, junto com o "Diário da Noite", ao controvertido empresário Assis Chateaubriand, que costumava se autodenominar como um autêntico "cangaceiro", numa referência às suas origens nordestinas e ostensiva valentia. Rizzini deu um impulso tão grande aos dois matutinos de Assis Chateaubriand que, em 1938, quando comprou a Rádio Tupi, o "cangaceiro" achou por bem convidá-lo para dirigir a emissora. Mais uma vez o talento de Rizzini foi posto à prova e a Tupi teve um rápido e surpreendente crescimento, não só em termos de audiência, mas também em prestígio e, sobretudo, em faturamento.

Em 1939, aos 41 anos de idade, novo desafio era proposto para Rizzini pelo mesmo Assis Chateaubriand. Desta vez, seu destino era Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, para onde fora enviado com a missão de recuperar o "Diário de Notícias", que passava por grandes dificuldades. Foi preciso pouco mais de um ano para Rizzini reformular tudo no tradicional matutino gaúcho: do prédio ao maquinário, passando pelo material humano e pela contabilidade, Rizzini reergueu o jornal e deixou o "Diário de Notícias" em saudável situação financeira.

Em 1940, aos 42 anos, Rizzini partiu para a capital paulista, ainda como funcionário da empresa "Diários Associados" de Assis Chateaubriand. Em São Paulo, onde permaneceu até 1946, comandou o "Diário de São Paulo", o "Diário da Noite", a "Rádio Tupi" e a "Rádio Difusora". Naquele tempo, o rádio vivia sua fase áurea e não havia quem não possuísse um receptor em casa ou não dedicasse pelo menos alguns minutos por dia para ouvir algum dos diversos programas radiofônicos que as emissoras mandavam para o ar.

Na Tupi, Rizzini deu início ao "Grande Jornal Falado Tupi", que marcou época pela grande audiência conquistada entre os trabalhadores e operários e por ter sido transformado em referência para os jornais irradiados. Em 1943, Rizzini assumiu o cargo de presidente do Clube de Jornais de São Paulo, onde ficou até 1963. Ainda em 1943 acumulou o cargo de presidente do Sindicato de Proprietários de Jornais e Revistas do Estado de São Paulo, posição que ocupou até 1945.

Em 1946, aos 48 anos, Rizzini demitiu-se dos "Diários Associados" e foi dirigir o "Jornal de Notícias", ainda na capital paulista. Ao mesmo tempo, fez parte da diretoria do Departamento Estadual de Informações de São Paulo. Neste mesmo ano publicou, através da "Editora Kosmos", seu primeiro grande trabalho literário, o clássico "O LIVRO, O JORNAL E A TIPOGRAFIA NO BRASIL", que, quase de imediato, foi reconhecido pela excelente qualidade livreira e de conteúdo e que, anos depois, lhe valeria o justo reconhecimento de ser o precursor dos estudos brasileiros de comunicação. A obra rara, fartamente ilustrada e documentada, desde então, é referência obrigatória para os que quiserem entender melhor os acontecimentos comunicacionais não apenas no Brasil como ao longo da História da Humanidade, a partir do domínio da escrita. Foi reeditada em 1968 pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e, há muito tempo, encontra-se esgotada.

Dois anos depois, em 1948, aos 50 anos, o advogado, jornalista e agora escritor conceituado mudou-se mais uma vez para a cidade do Rio de Janeiro, onde voltou a trabalhar nos "Diários Associados", permanecendo na empresa até 1955 ocupando o cargo de maior prestígio não apenas na organização de Assis Chateaubriand, como do próprio jornalismo brasileiro. Como diretor geral dos "Associados", Rizzini tinha sob seu comando nada menos do que 87 veículos de comunicação, alguns deles considerados como os mais populares e influentes do Brasil. O gigantesco conglomerado estava dividido em 33 jornais, 15 revistas, 23 emissoras de rádio e 16 estações de televisão, entre elas a "TV Tupi" de São Paulo e a "TV Tupi" do Rio de Janeiro, as primeiras emissoras de televisão do País e da América do Sul, que foram inauguradas respectivamente em 18 de setembro de 1950 e 21 de janeiro de 1951, com diferença de tempo de apenas quatro meses.

As duas estações "Tupi" deram início a uma nova e irreversível fase nas comunicações brasileiras e Rizzini foi um dos grandes responsáveis pela implantação do revolucionário sistema de transmissão de som e imagens que, em breve, seduziria todos os brasileiros, de norte a sul do País. Neste mesmo período, em 1951, Rizzini iniciou-se como professor do "Curso de Jornalismo" da "Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil", no Rio de Janeiro, onde permaneceu lecionando "História da Imprensa" durante dez anos, até 1961. Ainda nesta época, de 1952 a 1953, tornou-se presidente do Sindicato dos Proprietários de Revistas e Jornais do Rio de Janeiro, cargo semelhante ao que já havia ocupado anteriormente em São Paulo. E no mesmo ano de 1953, lançou, através do MEC, no Rio de Janeiro, o livro "O ENSINO DO JORNALISMO", outra obra que se tornou clássica, baseada em suas constantes e apuradas pesquisas e em suas experiências pessoais e didáticas.

Em 1955, aos 57 anos, Rizzini voltou a desligar-se dos "Diários Associados" e mudou-se mais uma vez para São Paulo, onde ajudou a recuperar com sucesso o jornal "Última Hora" de Samuel Weiner, que estava vivendo situação muito difícil, à beira da falência. Ao mesmo tempo, organizou o departamento de jornalismo da "TV Paulista", a segunda emissora de televisão da capital de São Paulo, fundada em 14 de março de 1952 por Victor Costa. Em 1957, através da "Coleção Brasiliana" da Companhia Editora Nacional, lançou em livro a biografia "HIPÓLITO DA COSTA E O CORREIO BRAZILIENSE", logo considerada como a melhor, mais completa e definitiva sobre a vida e a obra do homem polêmico, nascido num extinto enclave português da América do Sul e que fundou o primeiro jornal brasileiro enquanto se encontrava no exílio, em Londres, na Inglaterra, antes do Brasil conquistar a sua independência de Portugal. No ano seguinte, em 1958, Carlos de Andrade Rizzini atuou como colaborador diário dos jornais paulistanos "Folha da Tarde" e "Folha da Noite".

Em 1959, aos 61 anos, Rizzini voltou mais uma vez aos "Diários Associados" e, novamente, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde, atendendo a um pedido especial de Assis Chateaubriand, que acabara de comprar o conceituado "Jornal do Commércio", fundado em primeiro de outubro de 1827, foi comandar o centenário, sisudo e histórico diário, tarefa que executou com maestria até 1961. Paralelamente, Rizzini também colaborava com o "Diário de São Paulo", atividade que desempenhou até 1969.

De volta à capital paulista, ainda em 1961, Rizzini foi Secretário de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo, onde ficou até 1965. Um ano antes, em 1960 passou a integrar o corpo docente da "Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero" de São Paulo, a mais antiga e tradicional do Brasil, criada em 1947, onde ficou ensinando "História da Imprensa" até 1966, acumulando o cargo de diretor-geral da escola, que conquistara em 1962.

Em 1968, já aos 70 anos, Rizzini publicou em São Paulo, pela Companhia Editora Nacional, o livro "O JORNALISMO ANTES DA TIPOGRAFIA" obra inspirada em seus dois títulos anteriores, os clássicos "O livro, o jornal e a tipografia no Brasil" e "Hipólito da Costa e o Correio Braziliense". Reeditado em 1977, "O Jornalismo antes da Tipografia" neste ano de 2003 ainda pode ser localizado com facilidade em São Paulo, capital, nos principais sebos do centro da cidade e também nos do Bairro de Pinheiros.

Em 1969, com 71 anos, Carlos Rizzini afastou-se da profissão, alegando que gostaria de dedicar algum tempo à leitura.

Em 1972, em 19 de julho, quatro meses antes de completar 74 anos, cercado de livros, faleceu em Tremembé, no Vale do Paraíba, a mesma cidade onde um dia, na infância, foi coroinha da Igreja do Bom Jesus.

As idéias: censura

Rizzini foi um trabalhador incansável. Pode-se dizer, sem receios de cometer erros, que ele viveu com entusiasmo vários personagens profissionais ao mesmo tempo, todos eles dedicados e aplicados nas comunicações humanas. Foi ótimo historiador, educador, jornalista, pesquisador, escritor, bibliógrafo e, principalmente, excelente leitor. Através da prática da leitura constante e metódica ele foi ampliando seus conhecimentos de forma excepcional.

Por causa desse hábito saudável, que merece ser copiado por todos os brasileiros, durante toda a sua existência, Carlos Rizzini desempenhou uma brava luta a favor da livre expressão de idéias, da liberdade absoluta de escrever, tornando-se um dos mais ferrenhos adversários e opositores de qualquer forma de censura ou de quaisquer imposições por parte do poder político aos meios de comunicações. A seguir, alguns de seus textos e frases mais expressivas, extraídas de vários artigos publicados ao longo da carreira, que confirmam essa constante preocupação:

"Referimo-nos à famigerada ´Hora do Brasil`. Os rádio-ouvintes conhecem bem os seculares sessenta minutos dessa ´hora inaudita`. O que nem todos sabem é que ela é inteiramente custeada pelas emissoras e constitui, assim, um enorme ônus, um tributo forçado, uma finta, uma verdadeira e contínua penalidade, que aos males econômicos, reúne os artísticos e sociais. Antes de 1937, a ´Hora do Brasil` tinha por fim a transmissão de atos e notícias oficiais. Já era absurdo que pretendesse o governo veicular o seu expediente à custa alheia. Mas, depois de 1937, a ´hora` involuiu para a propaganda política. Propaganda de princípios e pessoas. Sob a capa da neutralidade ali se gotejaram muitos frascos de veneno nazi-fascistas, e sob a capa de informação administrativa ali se expandiram arrobas de elogios descabidos, de interpretações capciosas e de simples e vazio palavrório ditirâmbico. Ainda recentemente nela se fizeram pregações proletárias antidemocráticas". (trecho de "As Armas Secretas contra a Liberdade de Pensamento", artigo publicado no "Diário de São Paulo", em 24 de fevereiro de 1945).

"Inste-se em puxar dos detentores do poder as liberdades engavetadas antes de aceitar-se a devolução dos direitos de cidadania. Primeiro as franquias públicas afim de que possamos manejar conscientemente aqueles direitos. Ressalvadas as responsabilidades previstas nas leis democráticas, queremos a plenitude das liberdades civis. Que cada cidadão possa falar no rádio e nas ruas e escrever nos jornais, sem o perigo de cadeia, confinamento, desterro, processo em tribunais inquisitoriais e interdição profissional. Que as empresas jornalísticas e as estações de rádio possam franquear as suas colunas e as suas antenas a todo mundo, sem o risco de suspensão, intervenção, cancelamento de prerrogativas fiscais e fechamento. Que os brasileiros possam viver na república como viveram no império os seus antepassados. (trecho de "Liberdade para o Rádio", artigo publicado no "Diário de São Paulo" em 26 de fevereiro de 1945, sobre o DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo).

"Uma das tristes coisas da nossa era é a ignorância dos indivíduos chamados a intervir em assuntos e debates que exigem deles um mínimo de conhecimentos gerais. Veja-se, por exemplo, o caso do líder da Câmara Federal, a quem, por força da função que exerce, o Governo cometeu o encargo de encaminhar o seu projeto de lei contra a liberdade de imprensa. Desconhece ele de tal modo, a tal ponto, as origens, a conceituação, a experiência e os efeitos daquela liberdade, que mistura e confunde as limitações que lhe têm sido opostas ao longo dos séculos. Não distingue censura prévia de censura posterior, aquilo que previne daquilo que reprime. Para ele, a medida proibitiva da circulação de um jornal é... repressiva!

Se o representante do PSD baiano, antes de aventurar-se a defender absurdos e ostentar a sua clamorosa incultura na Câmara, se desse ao trabalho de perlustrar alguns compêndios sobre a história do jornalismo, e de passar a vista na história político-social da Inglaterra seis e setencista, poupar-se-á ao dissabor de converter-se em alvo de irrisão pública.

Como o leitor talvez suponha que exageramos, reproduzimos um trecho "ipsis verbis" das declarações do doutor Melo: "Os líderes vetaram a apreensão de jornais. Não poderiam fazê-lo. Ou se admite a liberdade total da imprensa, sem o confisco de jornais, ou não se admite". No parco raciocínio do líder, o que não assegura a liberdade total é o...confisco! E quem falou em liberdade total?

Há, porém, mais e melhor. Observando alguém que o confisco implica censura prévia, medida esta inconstitucional, retrucou o doutor: "Não acho que a apreensão se confunda com a censura. A apreensão é total, a censura é parcial. A censura se verifica dentro do jornal, a apreensão é feita na rua. O que se tem em vista é impedir a circulação do órgão subversivo: não é proibir a sua impressão". Valerá a pena esvurmar semelhante tolice? A apreensão, de fato, não se confunde com censura prévia: é a própria censura prévia piorada. Como matar um homem, em casa ou na rua, não o deixa vivo, aplicar a violência contra um escrito, na rua ou em casa, também não o deixa circular. O que caracteriza a censura prévia é o impedimento do uso da liberdade de exteriorização do pensamento.

Tanto vale obstar a publicação de um artigo ou de uma notícia antes da sua impressão, como obstá-la depois da impressão, mas antes da sua distribuição ao público. Achar, como acha o líder, ser o objeto do projeto evitar a circulação e não a impressão do órgão tido por subversivo, é rematada parvoíce, pois nada adianta imprimir aquilo que não circula. Do resto esse achado só serve para confirmar o caráter de censura prévia do confisco.

Acreditamos que com tal advogado, o projeto dos srs. Juscelino Kubitschek e Nereu Ramos está antecipadamente condenado à morte. Se a causa não fosse indefensável, mesmo nas mãos de pessoas capazes, aconselharíamos a ambos exercessem rigorosa censura prévia sobre os discursos do líder. ("Caso de Censura Prévia", artigo publicado no jornal "Última Hora" de São Paulo, em 24 de setembro de 1956, sobre o projeto da lei de imprensa).

"O presidente da República (Castelo Branco) resolveu à última hora anuir a certas ponderações e mandar o Congresso rejeitar a emenda do relator da Comissão criando o aleijão da responsabilidade simultaneamente sucessiva e solidária sob a denominação de co-autoria.

Como contribuição ao crasso erro cometido pelo referido relator, publico a elucidação abaixo.

No tocante à responsabilidade dos escritos ou ela é solidária ou sucessiva. Quando solidária, a inculpação recai em todos quantos contribuíram para a sua divulgação - o autor, o editor e o dono da tipografia - cabendo ao ofendido escolher quem processar. Quando sucessiva, o ofendido terá de processar em ordem: o impressor, ou o editor, ou o autor ou o vendedor que tiver distribuído o escrito.

Na nossa legislação, que já data de 145 anos, tem prevalecido sempre o sistema de responsabilidade sucessiva, exceto sob o regime do nosso segundo Código Penal, o de 1890, o qual admitiu a responsabilidade solidária.
A lei de 1923 alterou a ordem sucessiva, encabeçando-a com o autor, como é de boa lógica: o autor, o editor, o dono da oficina e os vendedores ou distribuidores. Por outro lado, condicionou a preferência do ofendido às condições de idoneidade dos responsáveis.

A lei vigente, de 1953, assim enumera a cadeia sucessiva: o autor, o diretor, o redator ou redatores-chefes do jornal, quando o autor não puder ser identificado, ou achar-se ausente do país, ou não tiver idoneidade moral ou financeira; o dono da oficina; os gerentes das oficinas; os distribuidores das publicações ilícitas; os vendedores de tais publicações. "Retomou assim - escreve Darcy de Arruda Miranda - com maiores cautelas, o nosso legislador, esse critério razoável na aferição da responsabilidade por delitos da imprensa, refugindo aos moldes rígidos da responsabilidade solidária e fortalecendo, com medidas acertadas, o sistema da responsabilidade sucessiva, partindo do autor do escrito incriminado, como seria curial".

O projeto do governo estudado na Comissão especial manteve o sistema vigente tal qual se inscreve na lei de 1953. Mas, o relator dessa Comissão, obedecendo não se sabe a que absurdo jurídico, decidido a piorar o quanto pudesse o projeto original, como já fizera com o dispositivo referente à prova da verdade, emendou dito projeto, criando dentro da responsabilidade sucessiva, que se encadeia de um a um, a responsabilidade comum a todos. Assim, o diretor do jornal ou o redator-chefe ou o redator da secção em que sair o escrito, é sempre co-autor dele, mesmo sendo assinado o idôneo moral e financeiramente o verdadeiro autor.

Esse dislate, afinal repudiado, implicaria submeter os colaboradores dos jornais à censura dos diretores e redatores especificados os seus escritos, o que equivaleria a lhes cercear a liberdade de pensamento. Eis como seria possível criar-se, sob o regime constitucional da liberdade de imprimir, uma forma de censura prévia.

Um senador, indignado com semelhante pedrada à consciência jurídica do país, classificou-a de infâmia contra a imprensa.

É o que é. Acabou não sendo. ("Uma Forma de Censura", artigo publicado no "Diário de São Paulo", em 26 de janeiro de 1967).

As idéias: jornalistas com nível superior

Carlos Rizzini foi, também, um grande defensor da preparação dos jornalistas em nível universitário. Em 1961, ele chegou a elogiar o Decreto número 51.218, de 22 de agosto, que franqueava a profissão de jornalista, a partir daquela data, só para quem fosse portador de diploma de curso de jornalismo conquistado em escola reconhecida pelo governo federal. A seguir um texto que prova o seu entusiasmo pelo tema.

"Cumprimenta-se o presidente da República (Jânio Quadros) pelo decreto sobre o registro profissional dos jornalistas. Afinal venceu o princípio da preparação, do estudo, do conhecimento, sobre a esfarrapada teoria do jeito, da embocadura, da bossa. Um americano diria que o decreto liquidou com a velha sandice do "born not made", o que em português de rua quer dizer que liquidou com a crença de que "quem é bom já nasce feito". Bom ou mau, quem nasceu há de fazer-se, e fazer-se queimando as pestanas e fringindo os miolos. O pendor, ou a vocação, influi sem dúvida na vida profissional, mas do seu êxito não decide sem o saber. Por isso, entre as coisas grandes existem sempre as maiores.

Data de 60 anos a luta pela elevação do jornalismo à categoria universitária. Duas figuras eminentes, Pulitzer e Hearst, divergiram sustentando-a. Ambos reconheciam a valiosa contribuição do tirocínio, mas, insistiam, fundado no conhecimento. E apontavam, como exemplo fácil, a medicina. Um médico sem teoria seria um intrujão e um médico teórico seria um diletante. Preciso era reunir a banca de aula à mesa do hospital.

Sempre houve bons jornalistas sem curso. Hipólito da Costa, Quintino, Alcindo Guanabara, Júlio Mesquita, Abner Mourão e dezenas de outros foram jornalistas de tope sem estudos especializados. E quantos, pela mesma deficiência, foram reles escribas? As qualidades individuais marcantes superam a especialização. Pode-se, entretanto, perguntar, se tais qualidades, impulsionadas pelos estudos próprios, não produziriam frutos melhores e mais doces.

Acresce que o jornalismo hodierno parece pouco com o de ontem e quase nada com o de anteontem. Eis uma atividade que se transfigurou à força de se desenvolver. O jornal moderno é cada vez mais uma coletânea atualíssima de informações céleres, de reportagens vivas e de comentários do dia. Requer uma corporação ativa e culta, a par dos problemas nacionais e das questões mundiais, um quadro versátil apto a tratar com segurança os mais variados assuntos. Os seus componentes devem possuir amplos conhecimentos gerais e superiores além de saberem, por terem aprendido, como adaptá-los às exposições claras e simples.

Há muitos anos venho defendendo a necessidade de se instruir e ilustrar a classe dos plumitivos. A propósito reuni em 1953, num opúsculo publicado pelo Ministério da Educação, observações colhidas em Universidades Americanas, notadamente na pioneira, a de Missouri. Folgo, portanto, com o decreto em apreço.
Resta ao Governo imprimir às Escolas de Jornalismo existentes no círculo universitário o sentido prático que lhes falta. Nenhuma possui laboratório, isto é, departamento de aplicação, o que torna o ensino apenas teórico. É imprescindível, agora, que o ensino não se limite à banca. Urge adicionar-lhe a mesa do hospital. Noutras palavras, as cadeiras técnicas, como redação de jornal e revista, e publicidade, exigem uma parte prática, a qual por sua vez reclama dotações adequadas". ("Banca e Mesa", artigo publicado no "Diário de São Paulo", em 29 de agosto de 1961).

As idéias: estilo elegante de usar o idioma português

Rizzini tinha uma maneira elegante de redigir e sempre fez bom uso do português, que parecia conhecer profundamente. Seus textos, pródigos em termos pouco usados na imprensa diária e no dia-a-dia dos brasileiros, ainda fascinam os que costumam ler e escrever na norma culta da língua. Para ilustrar a alta qualidade de seu estilo, reproduzimos um pequeno trecho, onde Rizzini descreve as dificuldades que os paulistas tiveram antes de a tipografia ser implantada no estado de São Paulo.

"S. Paulo foi a décima província do Império a contar com a letra de forma. Quatro meses após a Independência, o ministro da Fazenda Martim Francisco mandou por Aviso remeter uma tipografia à sua Junta Governativa. Mas, o Aviso foi tornado sem efeito pelo seu sucessor. O presidente da Junta, Lucas Monteiro de Barros, declarou contentar-se com prelo e tipos usados, que prestassem para imprimir papéis oficiais e um periódico que calasse os boatos dos "indivíduos malévolos". Prometia, em troca, tirar cópias do prelo, um Stanhope, em ferro fundido da Fábrica de S. João do Ipanema, e fornecê-los a Tipografia Nacional.

Concordando, determinou o governo fosse o material encaixotado. Como não embarcasse, oficiou Monteiro de Barros, em junho de 1824, ao então ministro da Fazenda, Mariano da Fonseca, alegando com exagero ser S. Paulo talvez a única província desprovida de tipografia, "tão necessária para dar a devida extensão às ciências e correr o fluz da civilização". Precavido, ajuntava: "quando não possa vir gratuita, peço aos menos licença para a sua ereção à custa dos particulares, que não duvidam subscrever para um fim tão interessante". Inerte Mariano da Fonseca, voltou-se para o ministro do Império, Maciel da Costa, que obteve de Pedro I este decisivo despacho: "Ao ministro da Fazenda que remeta a tipografia; quando ao impressor, pergunte-se à Junta (da Tipografia Nacional) se tem quem vá. Tinha. Certo Gaspar Monteiro dispunha-se a vir. O decisivo despacho do monarca liquidou o caso: nada veio e não se falou mais em tipografia.

Passados três anos, em janeiro de 1827, José da Costa Carvalho, deputado e presidente da Câmara, para publicar um periódico, O Farol Paulistano, fundou na capital de S. Paulo a sua primeira tipografia.

No meio tempo, em 1823, circulou, fugaz e insignificante, uma folha bissemanal manuscrita, O Paulista, redigida por Antônio Mariano de Azevedo Marques, o Mestrinho, assim chamado por ter começado a lecionar latim e retórica aos quinze anos. Pouco se sabe desse gazetim, além do exposto pelo próprio Mestrinho no "Prospeto" e no "Plano de um estabelecimento patriótico para suprir a falta de uma tipografia". Saiu em setembro, em duas pequenas laudas formando oito páginas mensais, distribuído a quarentas assinantes, cabendo um exemplar a cada grupo de cinco e tocando a um deles apanhar o respectivo exemplar na casa do redator, o qual trabalhava por amor à glória.

Defendia a monarquia constitucional representativa, sentido-se feliz o redator "se fossem ouvidas as vozes que bradasse para reconduzir a paz e o sossego à sua querida pátria". Impetrada licença para a publicação, D. Pedro I despachou: "Para isso não precisa de licença, contanto que não abuse, e deve por isso o Redator assinar cada folha, visto não ser impressa". Acredita-se não tenha O Paulista vivido mais de dois ou três meses. Não se conhece nenhum exemplar". (Texto 17 - A tipografia em São Paulo, do capítulo VI - Da letra de forma no Novo Mundo, do livro "O jornalismo antes da tipografia", Companhia Editora Nacional, 1968).

As idéias: um cuidadoso pesquisador

Rizzini foi um atento pesquisador histórico. Em suas descrições, minuciosas, sempre houve espaço para os detalhes que enriquecem o texto e transformam a leitura em tarefa agradável, interessante e até estimulante. A seguir, a curiosa descrição que Rizzini fez sobre Gutenberg e seu invento, a prensa:

"Quase tudo o que se sabe de João Gensfleich, dito Gutenberg (ao pé da letra, João Carne de Ganso, dito Boa Montanha, nome de sua terra natal), entre 1400, ano incerto de seu nascimento, e 1468, ano certo de sua morte, são dívidas e demandas: 1424, exílio em Estrasburgo; 1439, processo movido pelos herdeiros do seu sócio Dritzehen; 1441, empréstimo de dinheiro da caixa paroquial de S. Tomás; 1445, regresso a Mogúncia; 1448, empréstimo de 150 florins de ouro de um tio; 1450, empréstimo de 800 florins do banqueiro João Fust; 1452, tomada de outros 800 florins ao mesmo credor, desta vez com penhor da oficina e participação nos lucros; 1455, cobrança judicial promovida por Fust para haver capital e juros. Um fato excepcional: em 1465 o arcebispo-eleitor de Mogúncia nomeava Gutenberg gentil-homem da sua câmara. Um fato último: para cumprir obrigação assumida, chamou-o à justiça em 1437 a dama Ana Zur Isernem Thur (Ana do Portão de Ferro), com que, ao que parece, ele casou.

O cotejo dessa parca cronologia com elementos circunstanciais e conclusões técnicas dos primeiros incunábulos autorizam a reconstituição da existência sem praz e sem brilho de Gutenberg. Expatriado em Estrasburgo e ganhando a vida como gravador em ferro e madeira, organizou em 1436 uma empresa para a exploração de um "segredo" na fabricação de Spiegeln, isto é, de livrinhos ou folhetos devocionais, ao tempo manuscritos ou xilográficos, de grande saída nas romarias e festas católicas. O segredo, conforme as testemunhas ouvidas na mencionada ação dos herdeiros do sócio André Dritzehen, encobria fôrmas, metais, algo conexo com a impressão. Ele apenas aludia a "uma nova e artística novidade", talvez um meio de acelerar a tiragem dos espelhos, alheios aos caracteres, mas ligado à estrutura ou ao manejo do prelo. Baldada a empresa, Gutenberg continuou as suas experiências no Convento de Santo Arbogasto com os recursos obtidos da caixa da Igreja de S. Tomás. Teria então conseguido a liga consistente e maleável de chumbo para a fundição de tipos?

É o que se pode supor, pois no ano seguinte, 1445, de volta a Mogúncia, compunha e imprimia com caracteres de chumbo o primeiro livro de que há memória, o Weltgericht, o Juízo Final, do qual só resta, entesourada na Biblioteca Estadual de Berlim, uma folha de 28 linhas (teria 74 páginas) com sinais de haver sido utilizada em encadernação. A precedência desse venerável paleótipo é, entretanto, conjetural, maxime considerando-se só ter descoberto em 1892 o seu fragmento conhecimento. Não há motivo para se afirmar gastasse Gutenberg seis ou mais anos em tentativas infrutíferas. Provavelmente elas resultaram em impressos arruinados ou sumidos nos arquivos, ou ainda grudados a capas de caducos códices, como sucedeu aos dois pedaços de pergaminho achados em 1901 na Biblioteca de Wiesbaden, ambos pertencentes ao Calendário astronômico, de 1447, tido pelo segundo livro tipográfico. Desse ano em diante as pegadas de Gutenberg são mais visíveis. (Texto 7 - "Gutenberg e seu invento", do capítulo V - "Da letra de fôrma na Europa", do livro "O Jornalismo antes da Tipografia", São Paulo, SP. Companhia Editora Nacional. 1968).

Outro trecho das obras de Rizzini que mostra o cuidado e o apuro com que ele registrava suas pesquisas, é o que cita o surgimento do termo "jornalismo amarelo":

" 4 - A resistência dos meios de imprensa dos Estados Unidos ao ensino jornalístico tinha de ceder ao contacto da evidência e à pressão do progresso. No fim do século passado (XIX), ao acender-se a disputa sobre aquele ensino, era já marcante o desenvolvimento dos jornais, desde sessenta anos antes impelidos pela industrialização das manufaturas e dos transportes, por numerosos inventos e melhoramentos no campo das artes gráficas, e também pelo arrojo de novos profissionais, notadamente Gordon Bennet, o fundados do "New York Herald", cujos processos de ganhar leitores e dinheiro assinalaram o berço do que depois se chamou imprensa amarela.

Neste passo, é interessante, senão útil, breve digressão sobre a imprensa amarela e sua influência no progresso do jornalismo dos Estados Unidos e de todo o mundo. O apelido pejorativo, qualificador até hoje de imprensa imoderada, demagógica e sensacionalista, brotou de um atrito de competição entre Pulitzer e Hearst. Foi o caso que o caricaturista R.F. Outcault celebrizara na edição dos domingos do "World" uma página de crítica intitulada "Hogan´s Alley", composta de crianças traquinas e sabidas. Ao aparecer, em 1893, no "World", a recentíssima novidade de um suplemento em cores, a característica camisola do personagem central do "cartoon" apresentou-se pintada de amarelo.

Dois anos depois, em 1896, Outcault resolveu passar-se para o "Journal", de Hearst, levando na bagagem a página famosa, inclusive o personagem e a camisola amarela. Mas, Pulitzer não se deu por achado e continuou a estampar regularmente o mesmo "yellow kid", agora desenhado por George B. Luks. Das colunas dos dois órgãos rivais, o garoto de amarelo saltou para as ruas e paredes em berrantes cartazes, e daí para o music-hall, tomando conta da cidade. Símbolo de uma ardente competição, converteu-se o "yellow kid" em símbolo dos competidores, isto é, símbolo dos princípios e dos métodos a que recorriam para atrair e empolgar o público". ("O Ensino do Jornalismo", MEC - Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1953).

O assunto é... Rizzini

Embora bastante festejado e aplaudido por seu talento, cidadania e capacidade profissional, Carlos de Andrade Rizzini não foi uma unanimidade nacional. A seguir, algumas notas, pequenas notícias e breves acontecimentos que envolveram sua pessoa e que bem definem a personalidade de um cidadão que nunca passou despercebido.

O pai de Carlos de Andrade Rizzini chamava-se Carlos Maglia Rizzini, e era italiano naturalizado brasileiro. Já a mãe, Maria Angélica de Moura Andrade Rizzini, era descendente dos primeiros portugueses que vieram colonizar o Brasil. Era, portanto, uma brasileira "quatrocentona", como se dizia na época.

Em 1905, aos 7 anos de idade, quando a família mudou-se para o município de Tremembé, a poucos quilômetros de Taubaté, no Vale do Paraíba, Carlos Rizzini tornou-se coroinha da Igreja do Bom Jesus que existe na cidade. Rizzini freqüentava a basílica com freqüência e, numa prova da religiosidade herdada da família, chegava a conversar com o Santo, pedindo-lhe que desse um jeito na sua vida, pois queria "crescer" e "ter nome".

No início dos anos 20, morando num quarto de pensão no Rio de Janeiro pelo qual pagava 110 mil réis por mês, Rizzini foi obrigado a encontrar uma maneira de aumentar seus rendimentos. O salário que ganhava como repórter de "O Jornal", cerca de 150 mil réis, não era suficiente. Assim, foi ser professor de história e geografia no Liceu Francês, dando início a uma segunda e próspera carreira profissional que jamais abandonaria.

Bom conhecedor dos idiomas Inglês e Francês, ainda nos anos 20, Rizzini ganhou algum dinheiro ao especializar-se na tradução de artigos e reportagens extraídos de publicações inglesas e francesas, que eram largamente utilizados pela imprensa brasileira sem que houvesse a preocupação de se pagar pelos direitos autorais. Na época ainda não havia uma regulamentação sobre o assunto.

Carlos Rizzini foi casado com Áurea Ferreira Rizzini, com quem teve um casal de filhos: Antônio Ferreira Rizzini e Maria Angélica Ferreira Rizzini.

Quando, por pouco tempo, atuou como Diretor do Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério de Educação e Cultura, no Rio de Janeiro, entre 1952 e 1953, Rizzini implantou na Rádio Ministério (que mais tarde seria conhecida como Rádio MEC) o programa "Colégio no Ar", transmitido ao vivo, com aulas de 15 disciplinas diferentes, ministradas por renovados professores da cidade e acompanhado por milhares de alunos. Foi a realização de um antigo projeto de Roquete Pinto, o fundador da emissora.

Na mesma Rádio Ministério, Rizzini implantou um curso para redatores numa tentativa de melhor a qualidade dos textos lidos pelos locutores da emissora e criou o programa "Pensando no Brasil", que levava ao ar apenas crônicas de nomes consagrados na cultura nacional, todas elas enaltecendo as qualidades do Brasil.

Em artigo publicado na edição comemorativa dos 150 anos do "Jornal do Commercio", em 1977, Austregesilo de Athayde escreveu: "O Jornal do Commercio" foi entregue às mãos experientes do jornalista Carlos Rizzini, também pesquisador da história da imprensa".

Em 1986, Gilberto Freyre, concedeu uma entrevista exclusiva à Leda Rivas, que preparava dissertação para o seu Mestrado de História. A tese era "O Diário de Pernambuco e a Segunda Guerra Mundial - O Conflito visto por um Jornal de Província", defendida pela jornalista em julho de 1989 na Universidade Federal de Pernambuco. Ao ser perguntado sobre a atuação de Carlos Rizzini na direção do "Diário de Pernambuco", que, na época da II guerra, pertencia ao grupo comandado por Assis Chateaubriand, o autor de "Casa Grande & Senzala" foi taxativo na resposta: "Era inteiramente cretino. Quem tinha o comando mesmo era Aníbal Fernandes. Rizzini não participava de nada. Tudo era Aníbal que fazia".

No dia 24 de agosto de 2002, na Internet, o site "La Mansarde", especializado em leilões de raridades, estava aceitando ofertas para um único exemplar disponível, "em bom estado" da obra de Carlos Rizzini, "O livro, o jornal e a tipografia no Brasil", editado em 1946 pela Editora Kosmos. O lance inicial era de R$ 160,00.

Convidado a compor o Corpo Docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em meados 1969, a convite do Professor José Marques de Melo, onde assumiria a cadeira "História da Imprensa", Carlos Rizzini declinou gentilmente, alegando que pretendia retirar-se para Tremembé, onde se dedicaria a ler os livros que acumulou durante toda a vida e nunca teve tempo para saboreá-los. Mesmo assim, Rizzini concordou em fazer uma palestra na escola sobre Hipólito da Costa. A platéia, em sua maioria, era composta por formandos da primeira turma da ECA.

Áurea Ferreira Rizzini, a viúva de Carlos Rizzini, faleceu em São Paulo aos 81 anos, no dia 23 de outubro de 2002. Duas semanas depois, na mesma capital paulista, no dia 8 de novembro de 2002, também faleceu, aos 57 anos, um dia antes de fazer aniversário, a filha de Carlos Rizzini e de Áurea Rizzini, Maria Angélica Ferreira Rizzini. O outro filho do casal, Antônio Ferreira Rizzini já era falecido.

Entre as homenagens publicas dedicadas a Carlos Rizzini constam o nome de uma rua no bairro de Engenho Velho, na cidade de Ilhabela, litoral norte do estado de São Paulo. Também na cidade de São Paulo há uma rua batizada com o nome de Professor Carlos Rizzini, situada em Moema, zona sul da cidade. Há, ainda, na capital paulista, uma escola municipal de primeiro grau chamada Carlos Rizzini, que fica no bairro de Santo Amaro, zona sul da cidade.

Carlos Rizzini foi condecorado por dois países estrangeiros, tornando-se Comendador da República da Itália e premiado com a Gravata Especial da Estrela Brilhante da República da China.

Entre as inúmeras medalhas que recebeu em sua longa carreira, destacam-se as de Rui Barbosa, Medalha de Guerra, Atlântico Sul, Instituto Histórico de Petrópolis, Hahnemaniane, Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, Imperatriz Leopoldina, Pirajá da Silva, D. João VI, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Cidadão Carioca, Museu da República, Colégio Internacional dos Cirurgiões, Cândido Rondon, Monteiro Lobato, Gaspar Viana, Benito Juarez, Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Amigo do Livro, Patriarca, Mérito Jornalístico APISP, Cavaleiros de São Paulo e Pen Clube.

Rizzini participou da Academia Paulista de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Pen Clube de São Paulo e Instituto Histórico de Petrópolis.

Cronologia

1898 - Nasce, em 25 de novembro, Carlos de Andrade Rizzini, na cidade de Taubaté, Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, filho do italiano naturalizado brasileiro Carlos Maglia Rizzini e da brasileira Maria Angélica de Moura Andrade Rizzini.
1905 - Carlos Rizzini muda-se com a família para Tremembé, município vizinho a Taubaté, onde torna-se coroinha da Igreja do Bom Jesus.
1907 - É enviado para o Rio de Janeiro, onde passa a morar com os tios Francisco e Aida, após ter conquistado o primeiro lugar no exame de seleção para bolsistas do tradicional Colégio Pedro II, o mais respeitado do Brasil.
1918 - Começa a trabalhar como repórter no diário carioca "O Jornal".
1921 - Torna-se "Secretário" de "O Jornal". Trabalha, ainda, no jornal "Boa Noite", do Rio de Janeiro
1922 - Conclui o "Curso de Ciências Jurídicas e Sociais" da "Faculdade de Direito do Rio de Janeiro", tornando-se advogado.
1923 - Muda-se para a cidade de Petrópolis, na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, onde vai dirigir o diário "O Comércio". Torna-se proprietário do diário "Jornal de Petrópolis".
1925 - Passa a ser advogado da Câmara Municipal de Petrópolis
1927 - É eleito deputado estadual pelo Rio de Janeiro.
1930 - É eleito vereador da cidade de Petrópolis.
1934 - Volta a morar no Rio de Janeiro e vai trabalhar nos "Diários Associados", onde atua como Secretário do "Diário da Noite" e "O Jornal".
1938 - Assume a direção da "Rádio Tupi" do Rio de Janeiro.
1939 - Muda-se para Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, onde recupera o "Diário de Notícias", que pertencia aos "Diários Associados".
1940 - Volta a morar em São Paulo, onde assume a direção dos jornais "Diário de São Paulo" e Diário da Noite" e das rádios "Tupi" e "Difusora", todos pertencentes aos "Diários Associados".
1943 - Assume a presidência do Sindicato de Proprietários de Jornais e Revistas de São Paulo. No mesmo ano, passa a ser presidir o Clube de Jornais de São Paulo.
1946 - Lança "O livro, o jornal e a tipografia no Brasil".
1947 - Sai dos "Diários Associados" e assume a direção do "Jornal de Notícias", de São Paulo, SP. Acumula, ainda, o cargo de diretor do Departamente Estadual de Informações de São Paulo.
1948 - Muda-se mais uma vez para a cidade do Rio de Janeiro e volta a trabalhar nos "Diários Associados", onde, até 1955, assume o importante e cobiçado cargo de diretor-geral da empresa. Passa, então, a comandar 33 jornais, 15 revistas, 23 emissoras de rádio e 16 estações de televisão, num total de 87 veículos.
1951 - Passa a ser professor do "Curso de Jornalismo" da "Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil", onde ensina "História da Imprensa".
1952 - Assume a presidência do Sindicato dos Proprietários de Jornais e Revistas do Rio de Janeiro. Passa a dirigir o Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério de Educação e Cultura.
1953 - Lança o livro "O ensino do jornalismo".
1955 - Volta a residir na cidade de São Paulo e vai trabalhar como diretor do jornal diário "Última Hora".
1957 - Lança o livro "Hipólito da Costa e o Correio Braziliense".
1958 - Passa a assinar colunas diárias nos jornais "Folha da Manhã" e "Folha da Noite", de São Paulo, SP.
1959 - Volta a morar no Rio de Janeiro, onde assume a direção do centenário "Jornal do Commércio", que passara a pertencer aos "Diários Associados".
1959 - Passa a colaborar com o "Diário de São Paulo".
1960 - Passa a ser professor de "História da Imprensa" na "Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero de São Paulo", SP.
1961 - Passa a ser Secretário de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal da cidade de São Paulo, SP.
1962 - Passa a ser diretor-geral da 'Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, em São Paulo", SP, onde acumula a função de professor.
1965 - Toma posse da cadeira número 31 da Academia Paulista de Letras.
1968 - Lança o livro "O jornalismo antes da tipografia".
1969 - Deixa de colaborar com o "Diário de São Paulo", onde tinha coluna diária, e se aposenta da profissão de jornalista
1972 - Em 19 de julho, morre na cidade de Tremembé, no Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, onde viveu parte da infância.

Fontes

COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense, ou, Armazém literário / Hipólito José da Costa. São Paulo, SP. Edição fac-similar. Imprensa Oficial do Estado, Brasília, DF, Correio Braziliense, 2001.

MARQUES DE MELO, José. História do pensamento comunicacional - Cenários e Personagens. São Paulo, SP. Editorial Paulus, 2003.

MENDES JR, Osmar. O despertar da TV - Anotações de um telespectador pioneiro. São Paulo, SP. Scortecci, 2002.

MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo, SP. Companhia das Letras, 1994.

ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo, SP. Summus Editorial, 1985.

RIZZINI, Carlos. Liberdade de Imprensa, livro póstumo org. por Antonio F. Costela. Campos de Jordão, SP. Editora Mantiqueira, 1998.

RIZZINI, Carlos. O Jornalismo antes da Tipografia. São Paulo, SP. Companhia Editora Nacional, 1968.

RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil. São Paulo, SP. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1988.

RIZZINI, Carlos. Hipólito da Costa e o Correio Braziliense. São Paulo, SP. Coleção Brasiliana. Companhia Editora Nacional,1957.

RIZZINI, Carlos. O ensino do Jornalismo. Rio de Janeiro, RJ. MEC, 1953.

RIZZINI, Carlos. História da Imprensa. Apostila para o 1º ano do curso de Jornalismo da Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, São Paulo, SP, 1964.

RIZZINI, Carlos. Técnica de Jornal. Apostila para o 1º ano do curso de Jornalismo da Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, São Paulo, SP, 1959.

ROCHA DIAS, Paulo da. Três precursores dos estudos latino-americanos: Rizzini, Otero e De la Suarée. São Paulo, SP. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, vol. XXIV, n.1, Intercom, 2001, p. 123-141.

Outras Referências

BIBLIOTECA VIRTUAL GILBERTO FREIRE
http/www.bvgf.fgf.org.br

SITE DO "JORNAL DO COMMERCIO"
www2.uol.com.br/JC

ARQUIVOS DO JORNAL "O ESTADO DE SÃO PAULO"
http/www.estadao.com.br

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www.eca.usp.br/prof/josemarques