Monografias
Carlos
de Andrade Rizzini: precursor
dos estudos brasileiros de comunicação
Por
Osmar Mendes Júnior
A trajetória
Ao
seguir pela Via Dutra, em direção ao Rio de Janeiro,
o viajante rodoviário que parte de São Paulo certamente
vai cruzar, 134 quilômetros depois, com o trevo de acesso
à cidade Taubaté. Se for um apreciador da boa
literatura brasileira, o passageiro logo irá associar
Taubaté com Monteiro Lobato, o consagrado autor de livros,
nascido no município, que criou o Jeca Tatu e também
a Emília, a Narizinho, o Pedrinho, e todos os famosos
personagens do inesquecível Sítio do Pica-pau
Amarelo. Se o passante tiver cerca de 50 anos, naturalmente
vai se lembrar de Cely Campello, a primeira e festejada cantora
brasileira de rock´n´roll, morta em 2003, que também
nasceu em Taubaté e, com suas ingênuas, românticas
e saudosas canções, ajudou a tornar conhecida
nacionalmente, no final dos anos cinqüenta e início
dos anos sessenta do século XX, a agradável cidade
do Vale do Paraíba.
Mas
Taubaté tem outros filhos ilustres que merecem permanecer
vivos na memória de todos os brasileiros. Um deles, bem
menos popular do que Monteiro Lobato e Cely Campello, é
também digno de todas as honrarias, não apenas
pelo papel que desempenhou como cidadão e homem de comunicações,
mas, e principalmente, pelo enorme legado que deixou para a
nação brasileira através de seus livros
e escritos sobre a história e a trajetória da
Imprensa e do Jornalismo, bem como por suas inúmeras
contribuições para o aperfeiçoamento das
comunicações nacionais. O nome dele é Carlos
de Andrade Rizzini.
Rizzini,
como é mais conhecido nos meios acadêmicos e nos
bastidores da imprensa brasileira, nasceu em Taubaté
há mais de um século, no dia 25 de novembro de
1898. O Brasil era então uma jovem república de
apenas nove anos. Dez dias antes do nascimento de Rizzini, tomara
posse o novo presidente do País, Manuel Ferraz de Campos
Sales, o quarto a ocupar o cargo máximo do poder. Sete
anos depois, em 1906, Taubaté chamaria a atenção
de todo o País, graças ao histórico "Convênio
de Taubaté", acordo assinado entre os estados de
Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, que garantia
aos produtores rurais a compra das safras de café, com
financiamento estrangeiro, e que acabou na grande queima dos
excedentes estocados, com enormes prejuízos aos cofres
públicos. Ao falecer, em 1972, no dia 19 de julho, quatro
meses antes de completar 74 anos, Rizzini estava num Brasil
que amargava um severo regime militar, mas já contava
com uma incipiente televisão em cores que ele próprio
ajudara a implantar. A repressão à liberdade de
imprensa era dura e violenta.
O
semanário "O Pasquim", pioneiro na imprensa
alternativa de combate à ditadura, foi proibido de circular
durante uma semana. Rizzini morava, então, na cidade
de Tremembé, vizinha à Taubaté, onde passara
parte da infância e local escolhido por ele para desfrutar
de uma merecida aposentadoria, cercado por dezenas de livros,
uma de suas grandes e confessadas paixões.
Enquanto homem de comunicações, Rizzini desenvolveu
trajetória profissional simplesmente exemplar. Começou
aos 18 anos de idade, como repórter de "O Jornal",
no Rio de Janeiro. Morava ele então, desde 1907, com
um casal de tios na capital do Brasil, para onde fora mandado
pelos pais, após conquistar brilhantemente o primeiro
lugar num concurso de bolsas de estudos no disputado "Colégio
Pedro II", naqueles tempos o mais afamado do País
e que tinha o corpo docente composto por algumas das mais ilustres
e poderosas personalidades da inteligência e da política
brasileiras. Quando começou a trabalhar no "O Jornal",
em 1918, Rizzini já era estudante universitário
e freqüentava o "Curso de Ciências Jurídicas
e Sociais da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro".
Em 1921 tornou-se "Secretário de "O Jornal".
Até 1922, quando se formou em Direito e mudou-se para
Petrópolis, Rizzini atuou, ainda, no "Rio Jornal",
como repórter e no "Boa Noite", como redator
e redator-chefe. Naquele início de carreira, Rizzini
chegou a fazer longos e exaustivos plantões na principal
estação da "Estrada de Ferro Central do Brasil",
onde, em busca de uma boa entrevista ou de um assunto para suas
reportagens, abordava os passageiros bem nutridos e alinhados,
na tentativa de localizar algum figurão importante em
meio à multidão que ia e vinha sem cessar. Também
entrevistou muitos dos artistas que se exibiam nas borbulhantes
noites cariocas e que faziam a fama da capital federal.
A partir de 1923, quando já havia completado 25 anos
de idade, Rizzini foi dirigir o diário "O Comércio"
na histórica cidade de Petrópolis, a 66 quilômetros
do Rio de Janeiro, onde também adquiriu o "Jornal
de Petrópolis". Viveu por ali durante 11 anos, até
1934, período em que diversificou bastante as suas atividades
profissionais. Além de ser um pequeno e próspero
empresário no ramo jornalístico, chegou a advogar,
foi procurador da Câmara Municipal e enveredou-se pela
política, elegendo-se deputado estadual (1927-1930) e
vereador (1930).
Saiu-se
muito bem em todas essas funções. Diz a história
que Rizzini, ao advogar em uma ação de reconhecimento
de paternidade e anulação de testamento, chegou
a redigir 19 páginas a título de razões
finais. Nelas, teria começado invocando o Direito Romano,
abordado o Cristianismo e passado, sucessivamente, pela Idade
Média com o Direito Canônico e pela Revolução
Francesa, até chegar finalmente à legislação
brasileira da época. Seu amplo conhecimento sobre os
fatos históricos passaria a ser um ponto marcante em
suas atividades como homem de letras.
Em 1934, aos 36 anos, de volta à cidade do Rio de Janeiro,
Rizzini passou a exercer a função de Secretário
em dois importantes jornais: primeiro no "Diário
da Noite" e depois em "O Jornal", o mesmo em
que iniciara a carreira, e que agora pertencia, junto com o
"Diário da Noite", ao controvertido empresário
Assis Chateaubriand, que costumava se autodenominar como um
autêntico "cangaceiro", numa referência
às suas origens nordestinas e ostensiva valentia. Rizzini
deu um impulso tão grande aos dois matutinos de Assis
Chateaubriand que, em 1938, quando comprou a Rádio Tupi,
o "cangaceiro" achou por bem convidá-lo para
dirigir a emissora. Mais uma vez o talento de Rizzini foi posto
à prova e a Tupi teve um rápido e surpreendente
crescimento, não só em termos de audiência,
mas também em prestígio e, sobretudo, em faturamento.
Em 1939, aos 41 anos de idade, novo desafio era proposto para
Rizzini pelo mesmo Assis Chateaubriand. Desta vez, seu destino
era Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, para
onde fora enviado com a missão de recuperar o "Diário
de Notícias", que passava por grandes dificuldades.
Foi preciso pouco mais de um ano para Rizzini reformular tudo
no tradicional matutino gaúcho: do prédio ao maquinário,
passando pelo material humano e pela contabilidade, Rizzini
reergueu o jornal e deixou o "Diário de Notícias"
em saudável situação financeira.
Em 1940, aos 42 anos, Rizzini partiu para a capital paulista,
ainda como funcionário da empresa "Diários
Associados" de Assis Chateaubriand. Em São Paulo,
onde permaneceu até 1946, comandou o "Diário
de São Paulo", o "Diário da Noite",
a "Rádio Tupi" e a "Rádio Difusora".
Naquele tempo, o rádio vivia sua fase áurea e
não havia quem não possuísse um receptor
em casa ou não dedicasse pelo menos alguns minutos por
dia para ouvir algum dos diversos programas radiofônicos
que as emissoras mandavam para o ar.
Na
Tupi, Rizzini deu início ao "Grande Jornal Falado
Tupi", que marcou época pela grande audiência
conquistada entre os trabalhadores e operários e por
ter sido transformado em referência para os jornais irradiados.
Em 1943, Rizzini assumiu o cargo de presidente do Clube de Jornais
de São Paulo, onde ficou até 1963. Ainda em 1943
acumulou o cargo de presidente do Sindicato de Proprietários
de Jornais e Revistas do Estado de São Paulo, posição
que ocupou até 1945.
Em
1946, aos 48 anos, Rizzini demitiu-se dos "Diários
Associados" e foi dirigir o "Jornal de Notícias",
ainda na capital paulista. Ao mesmo tempo, fez parte da diretoria
do Departamento Estadual de Informações de São
Paulo. Neste mesmo ano publicou, através da "Editora
Kosmos", seu primeiro grande trabalho literário,
o clássico "O LIVRO, O JORNAL E A TIPOGRAFIA NO
BRASIL", que, quase de imediato, foi reconhecido pela excelente
qualidade livreira e de conteúdo e que, anos depois,
lhe valeria o justo reconhecimento de ser o precursor dos estudos
brasileiros de comunicação. A obra rara, fartamente
ilustrada e documentada, desde então, é referência
obrigatória para os que quiserem entender melhor os acontecimentos
comunicacionais não apenas no Brasil como ao longo da
História da Humanidade, a partir do domínio da
escrita. Foi reeditada em 1968 pela Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo e, há muito tempo, encontra-se esgotada.
Dois anos depois, em 1948, aos 50 anos, o advogado, jornalista
e agora escritor conceituado mudou-se mais uma vez para a cidade
do Rio de Janeiro, onde voltou a trabalhar nos "Diários
Associados", permanecendo na empresa até 1955 ocupando
o cargo de maior prestígio não apenas na organização
de Assis Chateaubriand, como do próprio jornalismo brasileiro.
Como diretor geral dos "Associados", Rizzini tinha
sob seu comando nada menos do que 87 veículos de comunicação,
alguns deles considerados como os mais populares e influentes
do Brasil. O gigantesco conglomerado estava dividido em 33 jornais,
15 revistas, 23 emissoras de rádio e 16 estações
de televisão, entre elas a "TV Tupi" de São
Paulo e a "TV Tupi" do Rio de Janeiro, as primeiras
emissoras de televisão do País e da América
do Sul, que foram inauguradas respectivamente em 18 de setembro
de 1950 e 21 de janeiro de 1951, com diferença de tempo
de apenas quatro meses.
As
duas estações "Tupi" deram início
a uma nova e irreversível fase nas comunicações
brasileiras e Rizzini foi um dos grandes responsáveis
pela implantação do revolucionário sistema
de transmissão de som e imagens que, em breve, seduziria
todos os brasileiros, de norte a sul do País. Neste mesmo
período, em 1951, Rizzini iniciou-se como professor do
"Curso de Jornalismo" da "Faculdade Nacional
de Filosofia da Universidade do Brasil", no Rio de Janeiro,
onde permaneceu lecionando "História da Imprensa"
durante dez anos, até 1961. Ainda nesta época,
de 1952 a 1953, tornou-se presidente do Sindicato dos Proprietários
de Revistas e Jornais do Rio de Janeiro, cargo semelhante ao
que já havia ocupado anteriormente em São Paulo.
E no mesmo ano de 1953, lançou, através do MEC,
no Rio de Janeiro, o livro "O ENSINO DO JORNALISMO",
outra obra que se tornou clássica, baseada em suas constantes
e apuradas pesquisas e em suas experiências pessoais e
didáticas.
Em 1955, aos 57 anos, Rizzini voltou a desligar-se dos "Diários
Associados" e mudou-se mais uma vez para São Paulo,
onde ajudou a recuperar com sucesso o jornal "Última
Hora" de Samuel Weiner, que estava vivendo situação
muito difícil, à beira da falência. Ao mesmo
tempo, organizou o departamento de jornalismo da "TV Paulista",
a segunda emissora de televisão da capital de São
Paulo, fundada em 14 de março de 1952 por Victor Costa.
Em 1957, através da "Coleção Brasiliana"
da Companhia Editora Nacional, lançou em livro a biografia
"HIPÓLITO DA COSTA E O CORREIO BRAZILIENSE",
logo considerada como a melhor, mais completa e definitiva sobre
a vida e a obra do homem polêmico, nascido num extinto
enclave português da América do Sul e que fundou
o primeiro jornal brasileiro enquanto se encontrava no exílio,
em Londres, na Inglaterra, antes do Brasil conquistar a sua
independência de Portugal. No ano seguinte, em 1958, Carlos
de Andrade Rizzini atuou como colaborador diário dos
jornais paulistanos "Folha da Tarde" e "Folha
da Noite".
Em
1959, aos 61 anos, Rizzini voltou mais uma vez aos "Diários
Associados" e, novamente, mudou-se para o Rio de Janeiro,
onde, atendendo a um pedido especial de Assis Chateaubriand,
que acabara de comprar o conceituado "Jornal do Commércio",
fundado em primeiro de outubro de 1827, foi comandar o centenário,
sisudo e histórico diário, tarefa que executou
com maestria até 1961. Paralelamente, Rizzini também
colaborava com o "Diário de São Paulo",
atividade que desempenhou até 1969.
De volta à capital paulista, ainda em 1961, Rizzini foi
Secretário de Educação e Cultura da Prefeitura
Municipal de São Paulo, onde ficou até 1965. Um
ano antes, em 1960 passou a integrar o corpo docente da "Faculdade
de Jornalismo Cásper Líbero" de São
Paulo, a mais antiga e tradicional do Brasil, criada em 1947,
onde ficou ensinando "História da Imprensa"
até 1966, acumulando o cargo de diretor-geral da escola,
que conquistara em 1962.
Em 1968, já aos 70 anos, Rizzini publicou em São
Paulo, pela Companhia Editora Nacional, o livro "O JORNALISMO
ANTES DA TIPOGRAFIA" obra inspirada em seus dois títulos
anteriores, os clássicos "O livro, o jornal e a
tipografia no Brasil" e "Hipólito da Costa
e o Correio Braziliense". Reeditado em 1977, "O Jornalismo
antes da Tipografia" neste ano de 2003 ainda pode ser localizado
com facilidade em São Paulo, capital, nos principais
sebos do centro da cidade e também nos do Bairro de Pinheiros.
Em 1969, com 71 anos, Carlos Rizzini afastou-se da profissão,
alegando que gostaria de dedicar algum tempo à leitura.
Em 1972, em 19 de julho, quatro meses antes de completar 74
anos, cercado de livros, faleceu em Tremembé, no Vale
do Paraíba, a mesma cidade onde um dia, na infância,
foi coroinha da Igreja do Bom Jesus.
As
idéias: censura
Rizzini foi um trabalhador incansável. Pode-se dizer,
sem receios de cometer erros, que ele viveu com entusiasmo vários
personagens profissionais ao mesmo tempo, todos eles dedicados
e aplicados nas comunicações humanas. Foi ótimo
historiador, educador, jornalista, pesquisador, escritor, bibliógrafo
e, principalmente, excelente leitor. Através da prática
da leitura constante e metódica ele foi ampliando seus
conhecimentos de forma excepcional.
Por
causa desse hábito saudável, que merece ser copiado
por todos os brasileiros, durante toda a sua existência,
Carlos Rizzini desempenhou uma brava luta a favor da livre expressão
de idéias, da liberdade absoluta de escrever, tornando-se
um dos mais ferrenhos adversários e opositores de qualquer
forma de censura ou de quaisquer imposições por
parte do poder político aos meios de comunicações.
A seguir, alguns de seus textos e frases mais expressivas, extraídas
de vários artigos publicados ao longo da carreira, que
confirmam essa constante preocupação:
"Referimo-nos
à famigerada ´Hora do Brasil`. Os rádio-ouvintes
conhecem bem os seculares sessenta minutos dessa ´hora
inaudita`. O que nem todos sabem é que ela é inteiramente
custeada pelas emissoras e constitui, assim, um enorme ônus,
um tributo forçado, uma finta, uma verdadeira e contínua
penalidade, que aos males econômicos, reúne os
artísticos e sociais. Antes de 1937, a ´Hora do
Brasil` tinha por fim a transmissão de atos e notícias
oficiais. Já era absurdo que pretendesse o governo veicular
o seu expediente à custa alheia. Mas, depois de 1937,
a ´hora` involuiu para a propaganda política. Propaganda
de princípios e pessoas. Sob a capa da neutralidade ali
se gotejaram muitos frascos de veneno nazi-fascistas, e sob
a capa de informação administrativa ali se expandiram
arrobas de elogios descabidos, de interpretações
capciosas e de simples e vazio palavrório ditirâmbico.
Ainda recentemente nela se fizeram pregações proletárias
antidemocráticas". (trecho de "As Armas Secretas
contra a Liberdade de Pensamento", artigo publicado no
"Diário de São Paulo", em 24 de fevereiro
de 1945).
"Inste-se
em puxar dos detentores do poder as liberdades engavetadas antes
de aceitar-se a devolução dos direitos de cidadania.
Primeiro as franquias públicas afim de que possamos manejar
conscientemente aqueles direitos. Ressalvadas as responsabilidades
previstas nas leis democráticas, queremos a plenitude
das liberdades civis. Que cada cidadão possa falar no
rádio e nas ruas e escrever nos jornais, sem o perigo
de cadeia, confinamento, desterro, processo em tribunais inquisitoriais
e interdição profissional. Que as empresas jornalísticas
e as estações de rádio possam franquear
as suas colunas e as suas antenas a todo mundo, sem o risco
de suspensão, intervenção, cancelamento
de prerrogativas fiscais e fechamento. Que os brasileiros possam
viver na república como viveram no império os
seus antepassados. (trecho de "Liberdade para o Rádio",
artigo publicado no "Diário de São Paulo"
em 26 de fevereiro de 1945, sobre o DIP, Departamento de Imprensa
e Propaganda do Estado Novo).
"Uma
das tristes coisas da nossa era é a ignorância
dos indivíduos chamados a intervir em assuntos e debates
que exigem deles um mínimo de conhecimentos gerais. Veja-se,
por exemplo, o caso do líder da Câmara Federal,
a quem, por força da função que exerce,
o Governo cometeu o encargo de encaminhar o seu projeto de lei
contra a liberdade de imprensa. Desconhece ele de tal modo,
a tal ponto, as origens, a conceituação, a experiência
e os efeitos daquela liberdade, que mistura e confunde as limitações
que lhe têm sido opostas ao longo dos séculos.
Não distingue censura prévia de censura posterior,
aquilo que previne daquilo que reprime. Para ele, a medida proibitiva
da circulação de um jornal é... repressiva!
Se o representante do PSD baiano, antes de aventurar-se a defender
absurdos e ostentar a sua clamorosa incultura na Câmara,
se desse ao trabalho de perlustrar alguns compêndios sobre
a história do jornalismo, e de passar a vista na história
político-social da Inglaterra seis e setencista, poupar-se-á
ao dissabor de converter-se em alvo de irrisão pública.
Como o leitor talvez suponha que exageramos, reproduzimos um
trecho "ipsis verbis" das declarações
do doutor Melo: "Os líderes vetaram a apreensão
de jornais. Não poderiam fazê-lo. Ou se admite
a liberdade total da imprensa, sem o confisco de jornais, ou
não se admite". No parco raciocínio do líder,
o que não assegura a liberdade total é o...confisco!
E quem falou em liberdade total?
Há, porém, mais e melhor. Observando alguém
que o confisco implica censura prévia, medida esta inconstitucional,
retrucou o doutor: "Não acho que a apreensão
se confunda com a censura. A apreensão é total,
a censura é parcial. A censura se verifica dentro do
jornal, a apreensão é feita na rua. O que se tem
em vista é impedir a circulação do órgão
subversivo: não é proibir a sua impressão".
Valerá a pena esvurmar semelhante tolice? A apreensão,
de fato, não se confunde com censura prévia: é
a própria censura prévia piorada. Como matar um
homem, em casa ou na rua, não o deixa vivo, aplicar a
violência contra um escrito, na rua ou em casa, também
não o deixa circular. O que caracteriza a censura prévia
é o impedimento do uso da liberdade de exteriorização
do pensamento.
Tanto
vale obstar a publicação de um artigo ou de uma
notícia antes da sua impressão, como obstá-la
depois da impressão, mas antes da sua distribuição
ao público. Achar, como acha o líder, ser o objeto
do projeto evitar a circulação e não a
impressão do órgão tido por subversivo,
é rematada parvoíce, pois nada adianta imprimir
aquilo que não circula. Do resto esse achado só
serve para confirmar o caráter de censura prévia
do confisco.
Acreditamos que com tal advogado, o projeto dos srs. Juscelino
Kubitschek e Nereu Ramos está antecipadamente condenado
à morte. Se a causa não fosse indefensável,
mesmo nas mãos de pessoas capazes, aconselharíamos
a ambos exercessem rigorosa censura prévia sobre os discursos
do líder. ("Caso de Censura Prévia",
artigo publicado no jornal "Última Hora" de
São Paulo, em 24 de setembro de 1956, sobre o projeto
da lei de imprensa).
"O
presidente da República (Castelo Branco) resolveu à
última hora anuir a certas ponderações
e mandar o Congresso rejeitar a emenda do relator da Comissão
criando o aleijão da responsabilidade simultaneamente
sucessiva e solidária sob a denominação
de co-autoria.
Como contribuição ao crasso erro cometido pelo
referido relator, publico a elucidação abaixo.
No tocante à responsabilidade dos escritos ou ela é
solidária ou sucessiva. Quando solidária, a inculpação
recai em todos quantos contribuíram para a sua divulgação
- o autor, o editor e o dono da tipografia - cabendo ao ofendido
escolher quem processar. Quando sucessiva, o ofendido terá
de processar em ordem: o impressor, ou o editor, ou o autor
ou o vendedor que tiver distribuído o escrito.
Na nossa legislação, que já data de 145
anos, tem prevalecido sempre o sistema de responsabilidade sucessiva,
exceto sob o regime do nosso segundo Código Penal, o
de 1890, o qual admitiu a responsabilidade solidária.
A lei de 1923 alterou a ordem sucessiva, encabeçando-a
com o autor, como é de boa lógica: o autor, o
editor, o dono da oficina e os vendedores ou distribuidores.
Por outro lado, condicionou a preferência do ofendido
às condições de idoneidade dos responsáveis.
A lei vigente, de 1953, assim enumera a cadeia sucessiva: o
autor, o diretor, o redator ou redatores-chefes do jornal, quando
o autor não puder ser identificado, ou achar-se ausente
do país, ou não tiver idoneidade moral ou financeira;
o dono da oficina; os gerentes das oficinas; os distribuidores
das publicações ilícitas; os vendedores
de tais publicações. "Retomou assim - escreve
Darcy de Arruda Miranda - com maiores cautelas, o nosso legislador,
esse critério razoável na aferição
da responsabilidade por delitos da imprensa, refugindo aos moldes
rígidos da responsabilidade solidária e fortalecendo,
com medidas acertadas, o sistema da responsabilidade sucessiva,
partindo do autor do escrito incriminado, como seria curial".
O projeto do governo estudado na Comissão especial manteve
o sistema vigente tal qual se inscreve na lei de 1953. Mas,
o relator dessa Comissão, obedecendo não se sabe
a que absurdo jurídico, decidido a piorar o quanto pudesse
o projeto original, como já fizera com o dispositivo
referente à prova da verdade, emendou dito projeto, criando
dentro da responsabilidade sucessiva, que se encadeia de um
a um, a responsabilidade comum a todos. Assim, o diretor do
jornal ou o redator-chefe ou o redator da secção
em que sair o escrito, é sempre co-autor dele, mesmo
sendo assinado o idôneo moral e financeiramente o verdadeiro
autor.
Esse dislate, afinal repudiado, implicaria submeter os colaboradores
dos jornais à censura dos diretores e redatores especificados
os seus escritos, o que equivaleria a lhes cercear a liberdade
de pensamento. Eis como seria possível criar-se, sob
o regime constitucional da liberdade de imprimir, uma forma
de censura prévia.
Um senador, indignado com semelhante pedrada à consciência
jurídica do país, classificou-a de infâmia
contra a imprensa.
É
o que é. Acabou não sendo. ("Uma Forma de
Censura", artigo publicado no "Diário de São
Paulo", em 26 de janeiro de 1967).
As
idéias: jornalistas com nível superior
Carlos Rizzini foi, também, um grande defensor da preparação
dos jornalistas em nível universitário. Em 1961,
ele chegou a elogiar o Decreto número 51.218, de 22 de
agosto, que franqueava a profissão de jornalista, a partir
daquela data, só para quem fosse portador de diploma
de curso de jornalismo conquistado em escola reconhecida pelo
governo federal. A seguir um texto que prova o seu entusiasmo
pelo tema.
"Cumprimenta-se
o presidente da República (Jânio Quadros) pelo
decreto sobre o registro profissional dos jornalistas. Afinal
venceu o princípio da preparação, do estudo,
do conhecimento, sobre a esfarrapada teoria do jeito, da embocadura,
da bossa. Um americano diria que o decreto liquidou com a velha
sandice do "born not made", o que em português
de rua quer dizer que liquidou com a crença de que "quem
é bom já nasce feito". Bom ou mau, quem nasceu
há de fazer-se, e fazer-se queimando as pestanas e fringindo
os miolos. O pendor, ou a vocação, influi sem
dúvida na vida profissional, mas do seu êxito não
decide sem o saber. Por isso, entre as coisas grandes existem
sempre as maiores.
Data de 60 anos a luta pela elevação do jornalismo
à categoria universitária. Duas figuras eminentes,
Pulitzer e Hearst, divergiram sustentando-a. Ambos reconheciam
a valiosa contribuição do tirocínio, mas,
insistiam, fundado no conhecimento. E apontavam, como exemplo
fácil, a medicina. Um médico sem teoria seria
um intrujão e um médico teórico seria um
diletante. Preciso era reunir a banca de aula à mesa
do hospital.
Sempre houve bons jornalistas sem curso. Hipólito da
Costa, Quintino, Alcindo Guanabara, Júlio Mesquita, Abner
Mourão e dezenas de outros foram jornalistas de tope
sem estudos especializados. E quantos, pela mesma deficiência,
foram reles escribas? As qualidades individuais marcantes superam
a especialização. Pode-se, entretanto, perguntar,
se tais qualidades, impulsionadas pelos estudos próprios,
não produziriam frutos melhores e mais doces.
Acresce que o jornalismo hodierno parece pouco com o de ontem
e quase nada com o de anteontem. Eis uma atividade que se transfigurou
à força de se desenvolver. O jornal moderno é
cada vez mais uma coletânea atualíssima de informações
céleres, de reportagens vivas e de comentários
do dia. Requer uma corporação ativa e culta, a
par dos problemas nacionais e das questões mundiais,
um quadro versátil apto a tratar com segurança
os mais variados assuntos. Os seus componentes devem possuir
amplos conhecimentos gerais e superiores além de saberem,
por terem aprendido, como adaptá-los às exposições
claras e simples.
Há muitos anos venho defendendo a necessidade de se instruir
e ilustrar a classe dos plumitivos. A propósito reuni
em 1953, num opúsculo publicado pelo Ministério
da Educação, observações colhidas
em Universidades Americanas, notadamente na pioneira, a de Missouri.
Folgo, portanto, com o decreto em apreço.
Resta ao Governo imprimir às Escolas de Jornalismo existentes
no círculo universitário o sentido prático
que lhes falta. Nenhuma possui laboratório, isto é,
departamento de aplicação, o que torna o ensino
apenas teórico. É imprescindível, agora,
que o ensino não se limite à banca. Urge adicionar-lhe
a mesa do hospital. Noutras palavras, as cadeiras técnicas,
como redação de jornal e revista, e publicidade,
exigem uma parte prática, a qual por sua vez reclama
dotações adequadas". ("Banca e Mesa",
artigo publicado no "Diário de São Paulo",
em 29 de agosto de 1961).
As
idéias: estilo elegante de usar o idioma português
Rizzini tinha uma maneira elegante de redigir e sempre fez bom
uso do português, que parecia conhecer profundamente.
Seus textos, pródigos em termos pouco usados na imprensa
diária e no dia-a-dia dos brasileiros, ainda fascinam
os que costumam ler e escrever na norma culta da língua.
Para ilustrar a alta qualidade de seu estilo, reproduzimos um
pequeno trecho, onde Rizzini descreve as dificuldades que os
paulistas tiveram antes de a tipografia ser implantada no estado
de São Paulo.
"S.
Paulo foi a décima província do Império
a contar com a letra de forma. Quatro meses após a Independência,
o ministro da Fazenda Martim Francisco mandou por Aviso remeter
uma tipografia à sua Junta Governativa. Mas, o Aviso
foi tornado sem efeito pelo seu sucessor. O presidente da Junta,
Lucas Monteiro de Barros, declarou contentar-se com prelo e
tipos usados, que prestassem para imprimir papéis oficiais
e um periódico que calasse os boatos dos "indivíduos
malévolos". Prometia, em troca, tirar cópias
do prelo, um Stanhope, em ferro fundido da Fábrica de
S. João do Ipanema, e fornecê-los a Tipografia
Nacional.
Concordando, determinou o governo fosse o material encaixotado.
Como não embarcasse, oficiou Monteiro de Barros, em junho
de 1824, ao então ministro da Fazenda, Mariano da Fonseca,
alegando com exagero ser S. Paulo talvez a única província
desprovida de tipografia, "tão necessária
para dar a devida extensão às ciências e
correr o fluz da civilização". Precavido,
ajuntava: "quando não possa vir gratuita, peço
aos menos licença para a sua ereção à
custa dos particulares, que não duvidam subscrever para
um fim tão interessante". Inerte Mariano da Fonseca,
voltou-se para o ministro do Império, Maciel da Costa,
que obteve de Pedro I este decisivo despacho: "Ao ministro
da Fazenda que remeta a tipografia; quando ao impressor, pergunte-se
à Junta (da Tipografia Nacional) se tem quem vá.
Tinha. Certo Gaspar Monteiro dispunha-se a vir. O decisivo despacho
do monarca liquidou o caso: nada veio e não se falou
mais em tipografia.
Passados
três anos, em janeiro de 1827, José da Costa Carvalho,
deputado e presidente da Câmara, para publicar um periódico,
O Farol Paulistano, fundou na capital de S. Paulo a sua primeira
tipografia.
No meio tempo, em 1823, circulou, fugaz e insignificante, uma
folha bissemanal manuscrita, O Paulista, redigida por Antônio
Mariano de Azevedo Marques, o Mestrinho, assim chamado por ter
começado a lecionar latim e retórica aos quinze
anos. Pouco se sabe desse gazetim, além do exposto pelo
próprio Mestrinho no "Prospeto" e no "Plano
de um estabelecimento patriótico para suprir a falta
de uma tipografia". Saiu em setembro, em duas pequenas
laudas formando oito páginas mensais, distribuído
a quarentas assinantes, cabendo um exemplar a cada grupo de
cinco e tocando a um deles apanhar o respectivo exemplar na
casa do redator, o qual trabalhava por amor à glória.
Defendia
a monarquia constitucional representativa, sentido-se feliz
o redator "se fossem ouvidas as vozes que bradasse para
reconduzir a paz e o sossego à sua querida pátria".
Impetrada licença para a publicação, D.
Pedro I despachou: "Para isso não precisa de licença,
contanto que não abuse, e deve por isso o Redator assinar
cada folha, visto não ser impressa". Acredita-se
não tenha O Paulista vivido mais de dois ou três
meses. Não se conhece nenhum exemplar". (Texto 17
- A tipografia em São Paulo, do capítulo VI -
Da letra de forma no Novo Mundo, do livro "O jornalismo
antes da tipografia", Companhia Editora Nacional, 1968).
As
idéias: um cuidadoso pesquisador
Rizzini foi um atento pesquisador histórico. Em suas
descrições, minuciosas, sempre houve espaço
para os detalhes que enriquecem o texto e transformam a leitura
em tarefa agradável, interessante e até estimulante.
A seguir, a curiosa descrição que Rizzini fez
sobre Gutenberg e seu invento, a prensa:
"Quase
tudo o que se sabe de João Gensfleich, dito Gutenberg
(ao pé da letra, João Carne de Ganso, dito Boa
Montanha, nome de sua terra natal), entre 1400, ano incerto
de seu nascimento, e 1468, ano certo de sua morte, são
dívidas e demandas: 1424, exílio em Estrasburgo;
1439, processo movido pelos herdeiros do seu sócio Dritzehen;
1441, empréstimo de dinheiro da caixa paroquial de S.
Tomás; 1445, regresso a Mogúncia; 1448, empréstimo
de 150 florins de ouro de um tio; 1450, empréstimo de
800 florins do banqueiro João Fust; 1452, tomada de outros
800 florins ao mesmo credor, desta vez com penhor da oficina
e participação nos lucros; 1455, cobrança
judicial promovida por Fust para haver capital e juros. Um fato
excepcional: em 1465 o arcebispo-eleitor de Mogúncia
nomeava Gutenberg gentil-homem da sua câmara. Um fato
último: para cumprir obrigação assumida,
chamou-o à justiça em 1437 a dama Ana Zur Isernem
Thur (Ana do Portão de Ferro), com que, ao que parece,
ele casou.
O cotejo dessa parca cronologia com elementos circunstanciais
e conclusões técnicas dos primeiros incunábulos
autorizam a reconstituição da existência
sem praz e sem brilho de Gutenberg. Expatriado em Estrasburgo
e ganhando a vida como gravador em ferro e madeira, organizou
em 1436 uma empresa para a exploração de um "segredo"
na fabricação de Spiegeln, isto é, de livrinhos
ou folhetos devocionais, ao tempo manuscritos ou xilográficos,
de grande saída nas romarias e festas católicas.
O segredo, conforme as testemunhas ouvidas na mencionada ação
dos herdeiros do sócio André Dritzehen, encobria
fôrmas, metais, algo conexo com a impressão. Ele
apenas aludia a "uma nova e artística novidade",
talvez um meio de acelerar a tiragem dos espelhos, alheios aos
caracteres, mas ligado à estrutura ou ao manejo do prelo.
Baldada a empresa, Gutenberg continuou as suas experiências
no Convento de Santo Arbogasto com os recursos obtidos da caixa
da Igreja de S. Tomás. Teria então conseguido
a liga consistente e maleável de chumbo para a fundição
de tipos?
É o que se pode supor, pois no ano seguinte, 1445, de
volta a Mogúncia, compunha e imprimia com caracteres
de chumbo o primeiro livro de que há memória,
o Weltgericht, o Juízo Final, do qual só resta,
entesourada na Biblioteca Estadual de Berlim, uma folha de 28
linhas (teria 74 páginas) com sinais de haver sido utilizada
em encadernação. A precedência desse venerável
paleótipo é, entretanto, conjetural, maxime considerando-se
só ter descoberto em 1892 o seu fragmento conhecimento.
Não há motivo para se afirmar gastasse Gutenberg
seis ou mais anos em tentativas infrutíferas. Provavelmente
elas resultaram em impressos arruinados ou sumidos nos arquivos,
ou ainda grudados a capas de caducos códices, como sucedeu
aos dois pedaços de pergaminho achados em 1901 na Biblioteca
de Wiesbaden, ambos pertencentes ao Calendário astronômico,
de 1447, tido pelo segundo livro tipográfico. Desse ano
em diante as pegadas de Gutenberg são mais visíveis.
(Texto 7 - "Gutenberg e seu invento", do capítulo
V - "Da letra de fôrma na Europa", do livro
"O Jornalismo antes da Tipografia", São Paulo,
SP. Companhia Editora Nacional. 1968).
Outro trecho das obras de Rizzini que mostra o cuidado e o apuro
com que ele registrava suas pesquisas, é o que cita o
surgimento do termo "jornalismo amarelo":
"
4 - A resistência dos meios de imprensa dos Estados Unidos
ao ensino jornalístico tinha de ceder ao contacto da
evidência e à pressão do progresso. No fim
do século passado (XIX), ao acender-se a disputa sobre
aquele ensino, era já marcante o desenvolvimento dos
jornais, desde sessenta anos antes impelidos pela industrialização
das manufaturas e dos transportes, por numerosos inventos e
melhoramentos no campo das artes gráficas, e também
pelo arrojo de novos profissionais, notadamente Gordon Bennet,
o fundados do "New York Herald", cujos processos de
ganhar leitores e dinheiro assinalaram o berço do que
depois se chamou imprensa amarela.
Neste passo, é interessante, senão útil,
breve digressão sobre a imprensa amarela e sua influência
no progresso do jornalismo dos Estados Unidos e de todo o mundo.
O apelido pejorativo, qualificador até hoje de imprensa
imoderada, demagógica e sensacionalista, brotou de um
atrito de competição entre Pulitzer e Hearst.
Foi o caso que o caricaturista R.F. Outcault celebrizara na
edição dos domingos do "World" uma página
de crítica intitulada "Hogan´s Alley",
composta de crianças traquinas e sabidas. Ao aparecer,
em 1893, no "World", a recentíssima novidade
de um suplemento em cores, a característica camisola
do personagem central do "cartoon" apresentou-se pintada
de amarelo.
Dois anos depois, em 1896, Outcault resolveu passar-se para
o "Journal", de Hearst, levando na bagagem a página
famosa, inclusive o personagem e a camisola amarela. Mas, Pulitzer
não se deu por achado e continuou a estampar regularmente
o mesmo "yellow kid", agora desenhado por George B.
Luks. Das colunas dos dois órgãos rivais, o garoto
de amarelo saltou para as ruas e paredes em berrantes cartazes,
e daí para o music-hall, tomando conta da cidade. Símbolo
de uma ardente competição, converteu-se o "yellow
kid" em símbolo dos competidores, isto é,
símbolo dos princípios e dos métodos a
que recorriam para atrair e empolgar o público".
("O Ensino do Jornalismo", MEC - Ministério
da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1953).
O
assunto é... Rizzini
Embora bastante festejado e aplaudido por seu talento, cidadania
e capacidade profissional, Carlos de Andrade Rizzini não
foi uma unanimidade nacional. A seguir, algumas notas, pequenas
notícias e breves acontecimentos que envolveram sua pessoa
e que bem definem a personalidade de um cidadão que nunca
passou despercebido.
O pai de Carlos de Andrade Rizzini chamava-se Carlos Maglia
Rizzini, e era italiano naturalizado brasileiro. Já a
mãe, Maria Angélica de Moura Andrade Rizzini,
era descendente dos primeiros portugueses que vieram colonizar
o Brasil. Era, portanto, uma brasileira "quatrocentona",
como se dizia na época.
Em 1905, aos 7 anos de idade, quando a família mudou-se
para o município de Tremembé, a poucos quilômetros
de Taubaté, no Vale do Paraíba, Carlos Rizzini
tornou-se coroinha da Igreja do Bom Jesus que existe na cidade.
Rizzini freqüentava a basílica com freqüência
e, numa prova da religiosidade herdada da família, chegava
a conversar com o Santo, pedindo-lhe que desse um jeito na sua
vida, pois queria "crescer" e "ter nome".
No início dos anos 20, morando num quarto de pensão
no Rio de Janeiro pelo qual pagava 110 mil réis por mês,
Rizzini foi obrigado a encontrar uma maneira de aumentar seus
rendimentos. O salário que ganhava como repórter
de "O Jornal", cerca de 150 mil réis, não
era suficiente. Assim, foi ser professor de história
e geografia no Liceu Francês, dando início a uma
segunda e próspera carreira profissional que jamais abandonaria.
Bom conhecedor dos idiomas Inglês e Francês, ainda
nos anos 20, Rizzini ganhou algum dinheiro ao especializar-se
na tradução de artigos e reportagens extraídos
de publicações inglesas e francesas, que eram
largamente utilizados pela imprensa brasileira sem que houvesse
a preocupação de se pagar pelos direitos autorais.
Na época ainda não havia uma regulamentação
sobre o assunto.
Carlos Rizzini foi casado com Áurea Ferreira Rizzini,
com quem teve um casal de filhos: Antônio Ferreira Rizzini
e Maria Angélica Ferreira Rizzini.
Quando, por pouco tempo, atuou como Diretor do Serviço
de Radiodifusão Educativa do Ministério de Educação
e Cultura, no Rio de Janeiro, entre 1952 e 1953, Rizzini implantou
na Rádio Ministério (que mais tarde seria conhecida
como Rádio MEC) o programa "Colégio no Ar",
transmitido ao vivo, com aulas de 15 disciplinas diferentes,
ministradas por renovados professores da cidade e acompanhado
por milhares de alunos. Foi a realização de um
antigo projeto de Roquete Pinto, o fundador da emissora.
Na mesma Rádio Ministério, Rizzini implantou um
curso para redatores numa tentativa de melhor a qualidade dos
textos lidos pelos locutores da emissora e criou o programa
"Pensando no Brasil", que levava ao ar apenas crônicas
de nomes consagrados na cultura nacional, todas elas enaltecendo
as qualidades do Brasil.
Em artigo publicado na edição comemorativa dos
150 anos do "Jornal do Commercio", em 1977, Austregesilo
de Athayde escreveu: "O Jornal do Commercio" foi entregue
às mãos experientes do jornalista Carlos Rizzini,
também pesquisador da história da imprensa".
Em 1986, Gilberto Freyre, concedeu uma entrevista exclusiva
à Leda Rivas, que preparava dissertação
para o seu Mestrado de História. A tese era "O Diário
de Pernambuco e a Segunda Guerra Mundial - O Conflito visto
por um Jornal de Província", defendida pela jornalista
em julho de 1989 na Universidade Federal de Pernambuco. Ao ser
perguntado sobre a atuação de Carlos Rizzini na
direção do "Diário de Pernambuco",
que, na época da II guerra, pertencia ao grupo comandado
por Assis Chateaubriand, o autor de "Casa Grande &
Senzala" foi taxativo na resposta: "Era inteiramente
cretino. Quem tinha o comando mesmo era Aníbal Fernandes.
Rizzini não participava de nada. Tudo era Aníbal
que fazia".
No dia 24 de agosto de 2002, na Internet, o site "La Mansarde",
especializado em leilões de raridades, estava aceitando
ofertas para um único exemplar disponível, "em
bom estado" da obra de Carlos Rizzini, "O livro, o
jornal e a tipografia no Brasil", editado em 1946 pela
Editora Kosmos. O lance inicial era de R$ 160,00.
Convidado a compor o Corpo Docente da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo, em meados 1969,
a convite do Professor José Marques de Melo, onde assumiria
a cadeira "História da Imprensa", Carlos Rizzini
declinou gentilmente, alegando que pretendia retirar-se para
Tremembé, onde se dedicaria a ler os livros que acumulou
durante toda a vida e nunca teve tempo para saboreá-los.
Mesmo assim, Rizzini concordou em fazer uma palestra na escola
sobre Hipólito da Costa. A platéia, em sua maioria,
era composta por formandos da primeira turma da ECA.
Áurea
Ferreira Rizzini, a viúva de Carlos Rizzini, faleceu
em São Paulo aos 81 anos, no dia 23 de outubro de 2002.
Duas semanas depois, na mesma capital paulista, no dia 8 de
novembro de 2002, também faleceu, aos 57 anos, um dia
antes de fazer aniversário, a filha de Carlos Rizzini
e de Áurea Rizzini, Maria Angélica Ferreira Rizzini.
O outro filho do casal, Antônio Ferreira Rizzini já
era falecido.
Entre as homenagens publicas dedicadas a Carlos Rizzini constam
o nome de uma rua no bairro de Engenho Velho, na cidade de Ilhabela,
litoral norte do estado de São Paulo. Também na
cidade de São Paulo há uma rua batizada com o
nome de Professor Carlos Rizzini, situada em Moema, zona sul
da cidade. Há, ainda, na capital paulista, uma escola
municipal de primeiro grau chamada Carlos Rizzini, que fica
no bairro de Santo Amaro, zona sul da cidade.
Carlos Rizzini foi condecorado por dois países estrangeiros,
tornando-se Comendador da República da Itália
e premiado com a Gravata Especial da Estrela Brilhante da República
da China.
Entre as inúmeras medalhas que recebeu em sua longa carreira,
destacam-se as de Rui Barbosa, Medalha de Guerra, Atlântico
Sul, Instituto Histórico de Petrópolis, Hahnemaniane,
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, Imperatriz
Leopoldina, Pirajá da Silva, D. João VI, Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Cidadão
Carioca, Museu da República, Colégio Internacional
dos Cirurgiões, Cândido Rondon, Monteiro Lobato,
Gaspar Viana, Benito Juarez, Sindicato dos Jornalistas Profissionais
no Estado de São Paulo, Amigo do Livro, Patriarca, Mérito
Jornalístico APISP, Cavaleiros de São Paulo e
Pen Clube.
Rizzini participou da Academia Paulista de Letras, do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, Pen
Clube de São Paulo e Instituto Histórico de Petrópolis.
Cronologia
1898
- Nasce, em 25 de novembro, Carlos de Andrade Rizzini, na cidade
de Taubaté, Vale do Paraíba, Estado de São
Paulo, filho do italiano naturalizado brasileiro Carlos Maglia
Rizzini e da brasileira Maria Angélica de Moura Andrade
Rizzini.
1905 - Carlos Rizzini muda-se com a família para Tremembé,
município vizinho a Taubaté, onde torna-se coroinha
da Igreja do Bom Jesus.
1907 - É enviado para o Rio de Janeiro, onde passa a
morar com os tios Francisco e Aida, após ter conquistado
o primeiro lugar no exame de seleção para bolsistas
do tradicional Colégio Pedro II, o mais respeitado do
Brasil.
1918 - Começa a trabalhar como repórter no diário
carioca "O Jornal".
1921 - Torna-se "Secretário" de "O Jornal".
Trabalha, ainda, no jornal "Boa Noite", do Rio de
Janeiro
1922 - Conclui o "Curso de Ciências Jurídicas
e Sociais" da "Faculdade de Direito do Rio de Janeiro",
tornando-se advogado.
1923 - Muda-se para a cidade de Petrópolis, na região
serrana do Estado do Rio de Janeiro, onde vai dirigir o diário
"O Comércio". Torna-se proprietário
do diário "Jornal de Petrópolis".
1925 - Passa a ser advogado da Câmara Municipal de Petrópolis
1927 - É eleito deputado estadual pelo Rio de Janeiro.
1930 - É eleito vereador da cidade de Petrópolis.
1934 - Volta a morar no Rio de Janeiro e vai trabalhar nos "Diários
Associados", onde atua como Secretário do "Diário
da Noite" e "O Jornal".
1938 - Assume a direção da "Rádio
Tupi" do Rio de Janeiro.
1939 - Muda-se para Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do
Sul, onde recupera o "Diário de Notícias",
que pertencia aos "Diários Associados".
1940 - Volta a morar em São Paulo, onde assume a direção
dos jornais "Diário de São Paulo" e
Diário da Noite" e das rádios "Tupi"
e "Difusora", todos pertencentes aos "Diários
Associados".
1943 - Assume a presidência do Sindicato de Proprietários
de Jornais e Revistas de São Paulo. No mesmo ano, passa
a ser presidir o Clube de Jornais de São Paulo.
1946 - Lança "O livro, o jornal e a tipografia no
Brasil".
1947 - Sai dos "Diários Associados" e assume
a direção do "Jornal de Notícias",
de São Paulo, SP. Acumula, ainda, o cargo de diretor
do Departamente Estadual de Informações de São
Paulo.
1948 - Muda-se mais uma vez para a cidade do Rio de Janeiro
e volta a trabalhar nos "Diários Associados",
onde, até 1955, assume o importante e cobiçado
cargo de diretor-geral da empresa. Passa, então, a comandar
33 jornais, 15 revistas, 23 emissoras de rádio e 16 estações
de televisão, num total de 87 veículos.
1951 - Passa a ser professor do "Curso de Jornalismo"
da "Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do
Brasil", onde ensina "História da Imprensa".
1952 - Assume a presidência do Sindicato dos Proprietários
de Jornais e Revistas do Rio de Janeiro. Passa a dirigir o Serviço
de Radiodifusão Educativa do Ministério de Educação
e Cultura.
1953 - Lança o livro "O ensino do jornalismo".
1955 - Volta a residir na cidade de São Paulo e vai trabalhar
como diretor do jornal diário "Última Hora".
1957 - Lança o livro "Hipólito da Costa e
o Correio Braziliense".
1958 - Passa a assinar colunas diárias nos jornais "Folha
da Manhã" e "Folha da Noite", de São
Paulo, SP.
1959 - Volta a morar no Rio de Janeiro, onde assume a direção
do centenário "Jornal do Commércio",
que passara a pertencer aos "Diários Associados".
1959 - Passa a colaborar com o "Diário de São
Paulo".
1960 - Passa a ser professor de "História da Imprensa"
na "Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero
de São Paulo", SP.
1961 - Passa a ser Secretário de Educação
e Cultura da Prefeitura Municipal da cidade de São Paulo,
SP.
1962 - Passa a ser diretor-geral da 'Faculdade de Jornalismo
Cásper Líbero, em São Paulo", SP,
onde acumula a função de professor.
1965 - Toma posse da cadeira número 31 da Academia Paulista
de Letras.
1968 - Lança o livro "O jornalismo antes da tipografia".
1969 - Deixa de colaborar com o "Diário de São
Paulo", onde tinha coluna diária, e se aposenta
da profissão de jornalista
1972 - Em 19 de julho, morre na cidade de Tremembé, no
Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, onde viveu
parte da infância.
Fontes
COSTA,
Hipólito José da. Correio Braziliense, ou, Armazém
literário / Hipólito José da Costa. São
Paulo, SP. Edição fac-similar. Imprensa Oficial
do Estado, Brasília, DF, Correio Braziliense, 2001.
MARQUES
DE MELO, José. História do pensamento comunicacional
- Cenários e Personagens. São Paulo, SP. Editorial
Paulus, 2003.
MENDES
JR, Osmar. O despertar da TV - Anotações de um
telespectador pioneiro. São Paulo, SP. Scortecci, 2002.
MORAIS,
Fernando. Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand.
São Paulo, SP. Companhia das Letras, 1994.
ORTRIWANO,
Gisela Swetlana. A informação no rádio:
os grupos de poder e a determinação dos conteúdos.
São Paulo, SP. Summus Editorial, 1985.
RIZZINI,
Carlos. Liberdade de Imprensa, livro póstumo org. por
Antonio F. Costela. Campos de Jordão, SP. Editora Mantiqueira,
1998.
RIZZINI,
Carlos. O Jornalismo antes da Tipografia. São Paulo,
SP. Companhia Editora Nacional, 1968.
RIZZINI,
Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil. São
Paulo, SP. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1988.
RIZZINI,
Carlos. Hipólito da Costa e o Correio Braziliense. São
Paulo, SP. Coleção Brasiliana. Companhia Editora
Nacional,1957.
RIZZINI,
Carlos. O ensino do Jornalismo. Rio de Janeiro, RJ. MEC, 1953.
RIZZINI,
Carlos. História da Imprensa. Apostila para o 1º
ano do curso de Jornalismo da Faculdade de Jornalismo Cásper
Líbero, São Paulo, SP, 1964.
RIZZINI,
Carlos. Técnica de Jornal. Apostila para o 1º ano
do curso de Jornalismo da Faculdade de Jornalismo Cásper
Líbero, São Paulo, SP, 1959.
ROCHA
DIAS, Paulo da. Três precursores dos estudos latino-americanos:
Rizzini, Otero e De la Suarée. São Paulo, SP.
Revista Brasileira de Ciências da Comunicação,
vol. XXIV, n.1, Intercom, 2001, p. 123-141.
Outras
Referências
BIBLIOTECA VIRTUAL GILBERTO FREIRE
http/www.bvgf.fgf.org.br
SITE
DO "JORNAL DO COMMERCIO"
www2.uol.com.br/JC
ARQUIVOS
DO JORNAL "O ESTADO DE SÃO PAULO"
http/www.estadao.com.br
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