Monografias
Trajetória
e idéias de Barbosa Lima Sobrinho
Por
Suzi Garcia Hantke
Resumo
Entre
suas inúmeras e mais conhecidas facetas, Barbosa Lima
Sobrinho esconde a de pensador pioneiro da comunicação
no Brasil. Seu livro O problema da imprensa, de 1923, é
considerado o primeiro tratado de teoria do jornalismo brasileiro.
(1)
Profissional
múltiplo, Barbosa Lima foi advogado, político,
jornalista e escritor em seus 103 anos de vida. Sua importância
como pensador do jornalismo, ainda que pouco divulgada atualmente,
resistiu ao tempo, e sua obra, escrita na segunda década
do século XX, consolidou-se como um clássico comprovando
a veia científica - ainda que não intencional
- do autor.
A
formação intelectual
O
jornalismo foi a área pela qual Barbosa Lima Sobrinho
notabilizou-se, mas não foi sua primeira opção
profissional. Pernambucano de Recife, Barbosa Lima nasceu em
22 de janeiro de 1897 e foi batizado com o nome de Alexandre
José Cintra Lima. O garoto fez parte do curso primário
no Rio de Janeiro e o concluiu no Recife, onde prosseguiu com
os estudos secundários.
Como
era comum à época, o então garoto Alexandre
José Cintra Lima participava, no ginásio, do jornal
de sua escola e ganhou destaque com isso. Por sugestão
de seu pai, o tabelião Francisco Cintra Lima, passou
a adotar o nome completo de seu tio materno, Alexandre José
Barbosa Lima, ex-governador de Pernambuco, por quem o rapaz
nutria forte admiração.
A
influência do tio extrapolou o nome. Barbosa Lima, o tio,
havia estudado na Escola Militar na adolescência e tivera
aula com Benjamin Constant, com quem aprendeu o positivismo
de Augusto Comte, que lhe incutiu a visão da ordem e
do progresso como sustentáculos do crescimento do país.
Barbosa Lima Sobrinho comungará da linha de pensamento
positivista e a carregará em suas obras.
Em
1913, Barbosa Lima Sobrinho dá início à
Faculdade de Direito - sua primeira opção profissional.
Mesmo investindo na formação no Direito, participa
dos jornais locais. Em 1917, forma-se como bacharel em Ciências
Jurídicas e Sociais e, logo em seguida, é nomeado
promotor público substituto. Simultaneamente à
sua atuação como promotor e advogado, escrevia
crônicas para o Jornal do Recife, assinando a coluna Crônica
de Domingo, entre outubro de 1919 e abril de 1921. Participava
ainda com artigos para o Diário de Pernambuco; A Gazeta,
de São Paulo; Correio do Povo, de Porto Alegre; Revista
Americana, Revista de Direito e Jornal do Comércio, todos
os três últimos do Rio de Janeiro.(2)
Ainda
que bastante atuante como jornalista, Barbosa Lima dedicava-se
mesmo a se tornar professor de Direito, almejando especialmente
as cadeiras de Direito Constitucional, Direito Internacional
Público e Direito Internacional Privado. No entanto,
de última hora, o concurso público que prestaria
foi cancelado por intervenção do juiz federal
Sérgio Loreto, que nomeou diretamente seu filho para
o cargo.
Com
a ruptura repentina em seus planos, Barbosa Lima abandona o
Direito e decide estabelecer-se no Rio de Janeiro para se dedicar
ao jornalismo. Chega à cidade em abril de 1921 e começa
uma longa trajetória de destaque na imprensa e na política
nacionais que só seria finalizada com sua morte em 15
de julho de 2000.
Jornalista
a serviço das causas nacionais
Como
era típico no início do século XX, Barbosa
Lima Sobrinho chega ao Rio de Janeiro com uma carta de recomendação,
assinada pelo Barão de Suassuma, amigo de seu pai, e
a leva ao Jornal do Brasil, onde passa a trabalhar como repórter.
Apenas três anos depois, em 1924, é promovido a
redator-chefe aos 27 anos.
Naquele
início dos anos 1920, um debate sobre lei de imprensa
tomava conta do país, desencadeado pela Lei Adolfo Gordo,
em tramitação no Congresso Nacional e que propunha
restrições à liberdade de imprensa. Barbosa
Lima, na tentativa de contribuir
com informações sobre a questão, publica,
em 1923, o livro O problema da imprensa, uma obra pioneira no
pensamento jornalístico nacional, aprofundada no tópico
a seguir.
Somente
no Jornal do Brasil, ao longo de seus 79 anos de trabalho, foram
cerca de 4 mil artigos escritos, focando, principalmente, a
política nacional. Sua atuação como jornalista
refletia a formação primeira na imprensa pernambucana,
carregando os legados de Hipólito da Costa e Rui Barbosa.
Oposto à defesa de jornalismo neutro, isento, que se
consolidou na escola brasileira de jornalismo como influência
da linha norte-americana, Barbosa Lima sempre defendeu a tese
de que o jornalista precisava se colocar a serviço das
causas nacionais e formar intencionalmente a opinião-pública.
Para
ele, o jornalismo poderia ser comparado ao magistério.
O jornalista assumiria o papel de professor, educador da sociedade.
Por isso, sua contrariedade à isenção jornalística.
Seu
destaque no jornalismo foi crescente. Em 1926, aos 29 anos,
é lançado como candidato à presidência
da Associação Brasileira de Imprensa. Eleito,
seu grande feito logo no início do mandato foi unir a
categoria em apenas uma entidade, a ABI. Na época, havia
mais duas entidades de jornalistas: a Associação
da Imprensa Brasileira e o Clube da Imprensa. Graças
a um acordo costurado por Barbosa Lima com os presidentes do
Clube da Imprensa e da Associação da Imprensa
Brasileira, a categoria foi unificada na ABI, que se fortaleceu.
Esse também passou a ser um marco que o jornalista carregou
pela vida: o de ser um aglutinador da profissão.
Em
1930, inicia um segundo mandato à frente da ABI. Novamente
é eleito presidente da entidade em 1978, e, a partir
deste ano, foi eleito para a presidência da ABI em todos
os mandatos subseqüentes. Mais que uma associação
de jornalistas, Barbosa Lima Sobrinho enxergava a ABI como uma
entidade que deveria ser uma eterna defensora da liberdade de
imprensa e da democracia.
Ainda
nos anos 1930, o destaque no jornalismo o leva à vida
política. É eleito deputado federal por Pernambuco
em 1934, mas, três anos depois, seu mandato é cassado
pelo Estado Novo de Getúlio Vargas. Entre 1938 e 1945,
exerceu a presidência do Instituto Nacional do Açúcar
e do Álcool, posição que ajudou a consolidar
sua linha nacionalista, que manteria por toda a vida.
Em
1945, volta ao Congresso Nacional como deputado federal por
Pernambuco e participa da Assembléia Constituinte de
1946. Em 1948, renuncia ao mandato de deputado federal para
assumir o cargo de governador de Pernambuco. Novamente é
eleito deputado federal para o que seria seu último mandato
como político, entre 1959 e 1963.
Em
1973, atendendo a um pedido de Ulisses Guimarães, um
dos líderes da oposição brasileira da época,
aceitou ser o vice-presidente na chapa do Movimento Democrático
Brasileiro encabeçada por Ulisses como forma de protesto
ao regime militar.
Nas
décadas de 1980 e 1990, ainda que não exercendo
nenhum cargo público, Barbosa Lima continuou participando
ativamente da cena política nacional, sendo referência
constante de posicionamento pela liberdade e pela democracia.
Em 1984, foi um dos oradores da campanha pelas eleições
diretas. Em 1992, foi o primeiro cidadão brasileiro a
assinar o pedido de impeachment do presidente Fernando Collor.
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, participou de manifestações
contrárias às privatizações de empresas
estatais.
Na
véspera de ser internado por complicações
respiratórias, Barbosa Lima Sobrinho escreveu, com a
ajuda do filho, o que seria sua última crônica
semanal para o Jornal do Brasil.
Os
oitenta anos de um clássico
Não
é difícil compreender por que, em meio a uma biografia
assim complexa, a faceta de Barbosa Lima Sobrinho como pensador
da comunicação tenha ficado escondida. Seu livro
O problema da imprensa, embora seja considerado um clássico
do pensamento comunicacional brasileiro, não tem dos
cursos de comunicação a atenção
merecida.
Publicado
em 1923, foi reeditado em 1988 pela Edusp por esforço
particular do professor e pesquisador José Marques de
Melo, integrando a coleção Clássicos do
Jornalismo Brasileiro, idealizada por Marques de Melo para que
as novas gerações conhecessem as contribuições
de pensadores que compõem as raízes de nosso pensamento
sobre comunicação e jornalismo.
Antes
de reeditar a obra, o professor Marques de Melo entrou em contato
com Barbosa Lima Sobrinho para que fossem feitas as atualizações
necessárias. Depois da avaliação do autor,
a conclusão é que o livro pôde ser reeditado
quase sem mudanças - prova de sua consistência
analítica.
Barbosa
Lima escreveu O problema da imprensa aos 25 anos, reunindo argumentos
para combater a lei de imprensa proposta pela bancada do Partido
Republicano Paulista, encabeçada pelo senador Adolfo
Gordo, que tramitava no Congresso Nacional. Revelando sua vocação
científica, o autor embasa sua obra com extensa pesquisa
sobre a evolução da imprensa no mundo e suas respectivas
legislações, respondendo a cada artigo proposto
pelo projeto de lei.
Sua
intenção era contrapor a argumentação
utilizada pelos defensores da Lei Adolfo Gordo, que defendiam
uma lei de imprensa mais restritiva para combater os excessos
cometidos nos jornais da época.
Ele
parte do questionamento sobre como poderia ser entendida a liberdade
de imprensa:
"Quem
ler a expressão 'a imprensa é livre' pensará
que esse termo corresponde a uma licença completa para
dizer tudo o que se quiser. Mais uma vez se verá que
as palavras embaraçam os conceitos. Quando existia o
regime da censura prévia, toda a aspiração
da imprensa se reduzia a fugir desse freio e contra essa restrição
se bateu a fina flor do liberalismo político." (3)
A
questão da liberdade, segundo Barbosa Lima, teria sido
o fator primordial do desenvolvimento da imprensa em todos os
tempos, deixando a questão do fator econômico e
tecnológico num segundo plano. Uma lei mais restritiva
implicaria diretamente na questão do desenvolvimento
de nossa imprensa.
Além
disso, a restrição à liberdade de imprensa
atingiria outro ponto central da "função"
do jornalista segundo a visão de Barbosa Lima Sobrinho:
a de fiscalizador da administração pública.
Essa
visão do jornalista como fiscalizador da administração
pública converge para a linha de engajamento político
que Barbosa Lima esperava de um jornalista. Naquele momento,
o jornalismo começava a mudar de linha, com a conseqüente
alteração no perfil dos profissionais. Barbosa
Lima explicita seu desconforto com os jornais já despontando
como empresas, e com os jornalistas que assumem um perfil mais
técnico, isento.
Outro
fator que Barbosa Lima chama ao centro da discussão sobre
liberdade de imprensa é o papel da sociedade.
"Se
o espírito público se impressiona com os ataques
rudes, se aprecia as notícias sensacionais, se admira
a grosseria da linguagem e a falta de escrúpulo nas acusações,
a imprensa amarela virá fatalmente atendendo às
solicitações do meio em que está destinada
a viver e de cujo apoio precisa para a sua própria subsistência."
(SOBRINHO, 1923: 53)
Resumidamente,
a imprensa seria um espelho da sociedade. Nesse sentido, um
país com alta taxa de analfabetismo, como a registrada
no Brasil, refletir-se-ia como um dos piores males para a imprensa.
Ao chamar a responsabilidade da sociedade na discussão
sobre a imprensa a sociedade, Barbosa Lima reforça sua
tese de que não é uma legislação
rígida que garante uma imprensa correta. Ao contrário:
"Uma
legislação arbitrária destruirá
a imprensa e isso representa um mal infinitamente maior do que
a licenciosidade do jornalismo, enquanto que uma lei sensata
conterá a imprensa sem anular o direito à crítica."
(SOBRINHO, 1923)
Como
alternativa à tentativa de aprimorar a imprensa, Barbosa
Lima Sobrinho destaca a importância da formação
do jornalista, citando o exemplo dos norte-americanos, que instituíram
as escolas de jornalismo para preparar profissionais competentes.
Com
O problema da imprensa, Barbosa Lima Sobrinho revela a precoce
veia científica e a solidez da construção
de seus argumentos. Para se opor a uma situação
pontual - a possibilidade de aprovação de uma
lei de imprensa restritiva -, acaba desenvolvendo um trabalho
teórico sobre jornalismo dos mais completos, recuperando
a história do desenvolvimento da imprensa, que se confunde,
em muitos momentos, com a própria história da
liberdade.
Além
de O problema da imprensa, Barbosa Lima Sobrinho discorreu sobre
jornalismo em monografias preparadas para suplementos especiais
e seminários, e exercitou sua faceta de pensador da comunicação
também em outros dois livros: Antologia do Correio Braziliense
(1977) e Hipólito da Costa, pioneiro da independência
no Brasil (1996).
NOTAS
(1)
MARQUES DE MELO, José. História do pensamento
comunicacional. São Paulo: Paulus, 2003.
(2)
MENDEZ, Rosemary Bars. Olhos de jornalista: o jornalismo segundo
Barbosa Lima Sobrinho. São Bernardo do Campo: UMESP,
1991. Dissertação. (Mestrado em Comunicação
Social).
(3)
SOBRINHO, Barbosa Lima. O problema da imprensa. São Paulo:
Edusp, 1997.
BIBLIOGRAFIA
MARQUES
DE MELO, José. História do pensamento comunicacional.
São Paulo: Paulus, 2003.
MENDEZ,
Rosemary Bars. Olhos de jornalista: o jornalismo segundo Barbosa
Lima Sobrinho. São Bernardo do Campo: UMESP, 1991. Dissertação.
(Mestrado em Comunicação Social).
SOBRINHO,
Barbosa Lima. O problema da imprensa. São Paulo: Edusp,
1997.
Deadline aos 103 anos. In: Revista Imprensa. Agosto de 2000.
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