Manchetes
A
simplificação dos
esqueletos sindicais
Por
Carlos Chaparro
O
XIS DA QUESTÃO Nessa discussão sobre
se assessor de imprensa é ou não jornalista, espanta
a incapacidade de se perceber que a importância das assessorias
de imprensa está no fato de se localizarem nos lugares
de origem da notícia, qualificando como fontes, e inserindo-os
nos processos jornalísticos, os sujeitos sociais produtores
dos fatos e das falas que interessam à narração
e à análise jornalística.
Mesmo
no plano corporativo, há complicações que
tornam ridícula a tentativa de enquadrar as coisas em
esqueletos sindicais, como se estivéssemos em tempos
getulistas.
1.
Limites corporativos
Na
pauta das discussões sobre jornalismo, voltou a estar
em evidência a questão da identidade profissional
dos assessores de imprensa: devem eles continuar filiados aos
sindicatos de jornalismo ou o mais correto seria agrupá-los
em outro sindicato? Foi esse o debate da semana no Observatório
da Imprensa (21/09/04), tendo como mote o ponto de vista de
Eugênio Bucci: jornalista e assessor de imprensa são
atividades diferentes, o que justificaria a separação
em sindicatos diferentes, com códigos de ética
específicos.
Assisti
ao debate no Observatório da Imprensa e lamentei que
a discussão tivesse nascido e morrido nos limites da
concepção corporativista.
O
professor Muniz Sodré bem que tentou colocar complexidade
na polêmica, propondo uma abordagem que levasse em conta
as profundas mudanças ocorridas na identidade e na natureza
do jornalismo, nos últimos anos. Tentou, também,
aclarar o conceito de Ética, vinculando-o às escolhas
políticas das sociedades. Em vão. O que preponderou,
no rumo do debate, foram as preocupações com a
divisão instrumental dos territórios de atuação
profissional, discutindo-se jornalismo como ofício definido
por normas e só.
Nessa
linha, um dos argumentos que ganhou corpo foi o de que, enquanto
o jornalista, nas redações, está obrigado
a ouvir os dois lados, o assessor de imprensa não
pode fazer isso. E a tal mediocridade reduziram o jornalismo.
Pena
que esqueceram de perguntar ao Eugênio Bucci se ele, como
presidente da Radiobrás, deve ser qualificado como jornalista
ou como executivo-assessor. Será que deixou de se considerar
jornalista, pelo fato de trabalhar (divulgando-o e assessorando-o)
para um governo democrático, que, legitimamente, defende
espaços próprios nos cenários políticos
do Brasil e do mundo? - um governo que, no seu agir, produz,
e pelo jornalismo socializa, discursos particulares interessados
e conteúdos sem a voz do outro lado, mas
que são indispensáveis aos conflitos dos quais
o jornalismo dá conta e para os quais existe.
Aliás,
acrescente-se, discursos e conteúdos tão legítimos
e interessados quanto os de qualquer empresa ou instituição
produtora de acontecimentos e saberes noticiáveis, que
se relaciona com a imprensa por meio de assessorias especializadas.
2.
Recuo aos tempos de Yve Lee
Um
elogio deve ser feito: o debate realizado no programa do Observatório
da Imprensa esteve destituído daquele ranço preconceituoso
e moralista dos que consideram a assessoria de imprensa território
do pecado, enquanto nas redações estariam todos
os santos.
Em
contrapartida, alguns debatedores recuaram a argumentação
aos tempos de Yve Lee (criador da assessoria de imprensa e do
primeiro escritório de Relações Públicas
do mundo, em 1906), quando associam a atividade de assessoria
de imprensa à função de construir
a imagem das organizações.
É
a isso que deve ser reduzido o trabalho dos jornalistas que
atuam em assessorias do governo para o qual Eugênio Bucci
também trabalha?
É
espantoso que, partilhando diariamente a informação
jornalística, como leitores, ouvintes e telespectadores,
ou até como produtores dessa informação,
os ilustres participantes do debate não percebam que
a importância das assessorias de imprensa (com esse com
qualquer outro nome) está no fato de se localizarem nos
lugares de origem da notícia, qualificando como fontes,
e inserindo-os nos processos jornalísticos, os sujeitos
sociais produtores dos fatos e das falas que interessam à
narração e à análise jornalística.
No
debate, ninguém sequer se lembrou que, sem fontes, não
há como fazer jornalismo, e que sem os discursos particulares,
legítimos, competentes e acessíveis, não
resta função ao jornalismo de hoje.
3.
Simplificação perigosa
A
questão vai, pois, muito além dessa pobre discussão
de mapeamento sindical. Mesmo no plano corporativo, há
complicações que tornam ridícula a tentativa
de enquadrar as coisas em esqueletos sindicais, como se estivéssemos
em tempos getulistas.
Aliás,
uma das variáveis da complicação está
no baixo índice de sindicalização dos jornalistas.
A maioria não é sindicalizada. E, relacionada
com essa variável, está a fisionomia do mercado,
cada vez mais marcada pela moderna característica do
capitalismo, a terceirização, e pela personalização
jurídica dos profissionais de jornalismo.
Nesses
casos, onde está o limite entre ser jornalista-profissional
e jornalista-dono-do-negócio? e a pergunta vale
para uma porção significativa de nomes que a sociedade
respeita como jornalistas brilhantes e confiáveis. Alguns
dos nossos melhores colunistas, por exemplo.
Como
se vê, o debate simplificou perigosamente a discussão.
Simplificou de tal maneira, que roçou a demagogia.
Fonte:
Comunique-se, 24.09.2004.
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