Manchetes
Opinião
x Informação,
uma fraude teórica?
Por
Manual Carlos Chaparro*
O
XIS DA QUESTÃO O discurso da objetividade criou
a verdade, já secular, de que o jornalismo
se divide em opinião e informação. Ora,
como negar a subjetividade e a intervenção opinativa
na informação se, ao relatar o que se passa, qualquer
boa redação ou bom jornalista exercita uma capacidade
própria, sofisticada, de pensar e fazer escolhas? No
plano oposto, como comentar, em artigos, sem o suporte dos fatos
e da informação precisa? O jornalismo se organiza,
isso sim, em esquemas de narração e argumentação
ambos construídos com ajuizamentos, pontos de
vista e informações.
1.
Falsa crença
A
crença de que o jornalismo se divide em opinião
e informação tornou-se, entre os estudiosos, matriz
teórica para a classificação das classes
de texto (gêneros) e, entre os profissionais, uma verdade
de uso moralista, evocada como garantia de rigor e objetividade
na informação.
As
demonstrações de que informação
e opinião não se separam, mas se misturam e interagem,
podem ser observadas, diariamente, em qualquer espaço
da função jornalística. Recorto um caso,
recente e elucidativo. Na edição de 20 de julho,
a Folha de S. Paulo reuniu, num só caderno, quatro reportagens
com foco predominante na crítica ao governo de Lula.
Em uma das matérias, o exagero: por má fé,
desleixo ou incompetência sei lá de quem, saiu
com um título (Lula gasta mais em publicidade do que
em obras) que distorcia números e dados contidos no próprio
texto. Vamos excluí-la do exemplo, por se tratar de um
aleijão jornalístico. Mas, quanto às outras
matérias, vejam só o discurso coerente que os
respectivos títulos compunham:.
Reforma é sonho neoliberal, dizem intelectuais da USP
(pág. A4). Governo Lula estimula cisão,
diz historiador (pág. A5). Historiador critica
arrogância do governo (pág. A12)
As
reportagens socializavam intervenções discursivas
de sujeitos sociais importantes, em ações de confronto
político. O jornalismo cumpria, assim, o seu mais relevante
papel social. Mas os títulos, os enfoques e a disposição
visual dos relatos foram decisões de edição,
tomadas por editores que conhecem bem o Manual da casa. E o
Manual, à página 17 da versão impressa
(verbete Formação de Opinião),
estabelece o seguinte: O jornal é, por excelência,
um órgão formador de opinião. Sua força
se mede pela capacidade de intervir no debate público
e, apoiado em fatos e informações exatas e comprovadas,
mudar convicções e hábitos. (...) O jornal
também é formado pela opinião pública,
que o influencia e pressiona.
Não
existem, pois, no jornalismo, espaços exclusivos ou excludentes
para a opinião e a informação. Até
porque isso seria uma impossibilidade, tanto na dimensão
do conhecimento quanto no plano dos mecanismos da linguagem.
Qualquer
que seja a obra humana e aí se incluem, naturalmente,
as ações jornalísticas é
a opinião que elabora, conserva ou destrói, que
preserva ou transforma.
2.
Notícia, obra da mente
Entretanto,
embora cada vez mais questionado, o discurso da objetividade
persiste, vigoroso, tanto nas redações quanto
na academia. Nas escolas, continua a ensinar-se, como verdade,
e a usar-se, como matriz teórica, a divisão dos
gêneros jornalísticos em classes de Opinião
e Informação. Nas redações,
mais acentuadamente nas dos meios impressos, a teoria se reproduz
em um jargão cultural que divide o espaço
em páginas de opinião e páginas
de informação. Com o tempo, a crença
ganhou viés moralista, gerando um certo marketing
de pureza informativa, em slogans do tipo neste
jornal, opinião e informação não
se misturam, significando o seguinte: podem confiar
nas nossas notícias, porque elas não estão
contaminadas pela opinião.
Trata-se
de uma fraude conceitual que tem raiz de três séculos.
Na origem, está um jornalista genial, Samuel Buckley.
Ao dirigir o Daily Courant (1702/1735), primeiro diário
político do mundo, ele resolveu separar as notícias
dos comentários, fazendo da informação
dita objetiva a alma do jornal. A notícia tornou-se a
espécie de texto predominante no Courant, numa época
em que, pelo articulismo, a argumentação reinava
e reinaria nos periódicos jornalísticos. Buckley
acreditava que as informações não deveriam
ser contaminadas pela análise ou pela opinião,
porque os leitores são capazes de refletir por
eles próprios.
O
que Buckley fez, na realidade, foi incorporar ao jornalismo
as artes e técnicas da narração, como esquema
eficaz para relatar fatos, ou seja, para noticiar. Ao jornalismo,
ele deu essa e outras grandes contribuições. Mas
não separou a opinião da informação.
Porque não há como isolar o componente objetividade
no processo criativo de noticiar.
O
que seria a objetividade? Talvez a capacidade de enxergar o
objeto real, que tem existência fora da mente. Porém,
para a descrição ou o relato jornalístico,
não há como separar o objeto real do ato de pensar
ato que produz um outro objeto, no caso a notícia,
que não é material.
A
notícia não está, portanto, no território
da objetividade. Faz parte, sim, do território da noticiabilidade
dos fatos, que, para a descrição e o relato, devem
ser olhados e qualificados, em técnicas de apuração
e depuração, com a lupa dos valores, das razões
e dos critérios, coisas imateriais.
A
notícia é um produto da mente.
A
propósito do texto da semana passada e dos comentários
produzidos (que bela polêmica, hein?!), duas pequenas
elucidações, em respeito a quem leu (quem escreveu
tem o direito de pensar e dizer o que quer):
1)
Até porque fiz estudos comparativos com método
e sem preconceitos, jamais pensei, disse, escrevi ou acreditei
que o jornalismo português é melhor do que o brasileiro,
ou vice-versa. São experiências diferentes, inseridas
em culturas, histórias, demandas e realidades distintas,
com características discursivas que refletem tais diferenças.
Só.
2)
Houve, de alguém, uma certa insinuação
de que eu jamais teria passado por uma redação,
induzindo a pensar de que falo sobre o que não entendo.
Não é bem assim. Sou jornalista profissional desde
1957; tenho quatro prêmios Esso com trabalhos individuais
de reportagem; passei por jornais como o Diário de Pernambuco,
Jornal do Commercio (do Recife), Folha de S. Paulo, Jornal do
Brasil e Diário Popular; mais recentemente, durante quase
dois anos, dirigi o Jornal do Advogado, órgão
da OAP SP, com tiragem de 170 mil exemplares. Nesse percurso,
vivi experiências de jornalismo policial, político,
econômico, cultural e esportivo. Fiz reportagens, notícias,
artigos, entrevistas. Diagramei, pautei e editei, muito. Depois,
na maturidade dos 45 anos (já lá se vão
duas décadas e meia), procurei a universidade para estudar
e, com as ferramentas das ciências da linguagem, buscar
entendimentos para as contradições e complicações
do jornalismo. É o que continuo a fazer, porque o estudo
serve, principalmente, para iluminar os limites da ignorância
a superar.
*Manual
Carlos Chaparro é professor aposentado do Departamento
de Jornalismo e Editoração, ECA-USP.
Fonte:
Portal Comunique-se, 24/7/2003.
Voltar
|