Manchetes
180
anos da legislação
de imprensa no Brasil
Por
Letícia Nunes*
A
imprensa fiscaliza o governo, fiscaliza os empresários,
fiscaliza a sociedade. E quem fiscaliza a imprensa? Esta é
uma questão comum nas discussões sobre deveres
e limites da imprensa. Como em qualquer outra atividade, a exercida
por jornalistas não está acima do bem e do mal.
Supostamente
para estabelecer normas e conter abusos, os governos brasileiros
criaram cinco leis de imprensa, de 1823 até hoje. Desde
1991 tramita no Congresso projeto para uma nova lei. Mesmo assim,
ainda se discute se é mesmo necessário haver uma
lei específica para a imprensa.
Afinal,
as questões tratadas nesta lei específica poderiam
ser incluídas nos códigos Civil e Penal, por exemplo.
Outra possibilidade seria a adoção de um código
de ética profissional para regulamentar o exercício
do jornalismo e conter seus eventuais abusos.
O
Código de Ética dos Jornalistas existe - aprovado
em 1985 em congresso da Federação Nacional dos
Jornalistas -, mas é pouco conhecido pelos próprios
profissionais.
De qualquer modo, hoje há uma Lei de Imprensa datada
de 9 de fevereiro de 1967, promulgada em pleno regime militar.
Pode-se imaginar daí que, em algum momento, seu uso entre
em conflito com os dias democráticos que vivemos.
A
Lei 5.250/67 inovou o conceito tradicional de imprensa, incluindo
nele os meios de radiodifusão e as agências de
notícias. Seu conteúdo é duro, como seria
de se esperar de uma lei concebida num período autoritário,
e contém aspectos muito questionados pelos profissionais
de comunicação, já que regula não
só a liberdade de imprensa mas também a liberdade
de manifestação de pensamento e informação.
A
lei em vigor proíbe publicações clandestinas
e as que atentem contra a moral e os bons costumes, declara
intolerável a propaganda de guerra e de processos de
subversão da ordem pública e social, proíbe
o anonimato - e, no entanto, assegura o respeito ao sigilo de
fontes de informações recolhidas por jornalistas
-, prevê pena de prisão para jornalistas por delito
de opinião, fixa teto para indenizações
por danos morais e não admite prova de verdade em casos
de acusação contra o presidente da República
e integrantes do governo, entre outras considerações.
Muitos
aspectos desta lei entram em desacordo com artigos da Constituição
Federal de 1988. A
Constituição incluiu em seu texto final o capítulo
V, "Da Comunicação Social", e o Artigo
220, inovador com relação às legislações
anteriores, diz:
"A
manifestação do pensamento, a criação,
a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo, não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição".
De
acordo com o parágrafo primeiro deste artigo, nenhuma
lei pode conter "dispositivo que possa constituir embaraço
à plena liberdade de informação jornalística
em qualquer veículo de comunicação social".
Tempo,
tempo, tempo, tempo
A
primeira lei de imprensa no Brasil foi um decreto outorgado
por Dom Pedro I, em 22 de novembro de 1823 - 10 dias depois
de o imperador dissolver a Assembléia Constituinte, insatisfeito
com a disposição dos constituintes de reduzir
o poder imperial. Tendo em vista as circunstâncias em
que surgiu, seria um decreto incoerente? Segundo o professor
emérito da USP José Marques de Melo, esta lei
"juridicamente, não continha inovações,
sendo uma réplica da lei portuguesa de 1821".
Diz
ainda o professor: "Ela tipificava os abusos contra a religião
católica ou a moral cristã, de incitação
à rebelião, de injúria aos poderes constituídos
e aos cidadãos, de incentivo à desobediência
civil etc. Sua vigência prolongou-se até 1830,
quando a Assembléia Nacional aprovou um estatuto para
a imprensa fundamentado na Constituição de 1824".
Na
essência, nossa segunda lei de imprensa, de 20 de setembro
de 1830, repetiu os preceitos da anterior. Nela foram incluídos
novos tipos de crime, com a finalidade de dar garantias aos
agentes do poder público. Esta segunda lei teve rápida
vigência. Em 16 de dezembro de 1830 foi sancionado o primeiro
Código Criminal, que incorporou - com algumas alterações
- as suas disposições. Até a Proclamação
da República, em 1889, o código regulou os abusos
da imprensa no Brasil.
A
primeira Constituição da República, datada
de 24 de fevereiro de 1891, proclamava que em qualquer assunto
"é livre a manifestação do pensamento
pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura,
respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela
forma que a lei determinar".
Mas
a primeira lei de imprensa da Republica só viria em 31
de outubro de 1923. Ela fixava as penas aplicáveis aos
crimes de injúria, difamação e calúnia
que viessem a ser cometidos pela imprensa. Punia também
as expressões dos meios de comunicação
consideradas anárquicas, a publicação de
segredos do Estado, os atentados à honra alheia e de
ofensas à moral e aos bons costumes. Nesta lei, foi instituído
também o direito de resposta.
A
segunda lei de imprensa do período republicano foi um
decreto de Getúlio Vargas, em 1934, alterado em 1937
com a instauração do Estado Novo, que estabeleceu
censura prévia. Segundo o Artigo 122 da Constituição
de 1937, a manifestação de pensamento, por escrito,
oralmente ou por imagens, era permitida apenas "mediante
as condições e nos limites prescritos em lei".
A imprensa sofria ainda uma série de limitações.
Em resumo: com o intuito de se garantir a paz e a ordem, era
permitida a censura prévia. Esta lei durou até
o fim do período ditatorial, em 1945. Com a redemocratização,
o Decreto 24.776, de 1934, é posto em prática
novamente, reestruturado pela Constituição Federal
de 1946.
Em
12 de novembro de 1953, Getúlio Vargas, em seu segundo
mandato, promulga a lei 2.083, que revogava o decreto de 1934.
Esta lei - que vigorou até a edição da
lei atual, de 1967 - restringia o conceito de imprensa a jornais
e periódicos. Os outros meios de comunicação
ficavam sob a responsabilidade do direito comum. Seu alcance
perdeu força já no regime militar, quando o general
Castello Branco baixou o Ato Institucional nº 2, que permitia
ao presidente da República violar a liberdade de imprensa.
Hoje,
o projeto de uma nova Lei de Imprensa, de autoria do então
senador Josaphat Marinho (PFL-BA), está em tramitação
no Congresso desde 1991. Foi aprovado por unanimidade pelas
Comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação
e Informática e de Constituição e Justiça
da Câmara dos Deputados, em 1995 e 1997, respectivamente.
Esse
projeto consagra a liberdade de expressão e de difusão
de informações, e proíbe a censura prévia;
abrange um conceito mais amplo de meios de comunicação
social ("rádio, televisão, cinema, redes
públicas de informática, agências de notícia,
jornais, revistas e similares que utilizem processos de impressão,
caracterização gráfica, filmagem e gravação,
ou que promovam emissão de ondas e sinais por meio de
antenas, satélites, fibras óticas, cabo ou difusores
semelhantes, com a finalidade de exibir, divulgar, exprimir,
ou transmitir, publicamente, som, imagem, informação,
notícias ou qualquer tipo de mensagem"); agiliza
o direito de resposta; e proíbe o uso de referências
discriminatórias sobre raça, religião,
sexo, preferências sexuais, doenças mentais, convicções
políticas e condição social.
A
primeira lei de imprensa a viger no país faz agora 180
anos. A que está em vigor tem 36 anos. O projeto de uma
nova lei tramita há 12 anos. O tempo não passa.
Links
sobre as leis de imprensa
<www.apmp.com.br/deptos/estudos/temas/tm_vaquero1.htm>
Sítio
da Associação Paulista de Ministério Público.
O texto "Direito à liberdade de imprensa",
da promotora Maria de Fátima Vaquero Ramalho Leyser,
fala no item 3 sobre a primeira Lei de Imprensa.
<www.ibict.br/cionline/250396/25039620.pdf>
*Letícia Nunes
é jornalista do Observatório da Imprensa.
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