Fórum
O
caso "Titica":
Falhas da cobertura
policial do Jornal Agora
|
Reprodução
|
Por
Paula Milano Sória*
Este
trabalho se propõe a analisar a cobertura policial do
Jornal Agora, da cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul, sobre
o caso do serial killer "Titica". Entre dezembro de
1998 e março de 1999, o pescador Paulo Sérgio
Guimarães da Silva, conhecido por "Titica",
atacou quatro casais, o que resultou na morte de sete pessoas
e deixou tetraplégica uma menina de 14 anos.
Depois
que "Titica" começou a agir, os moradores da
praia do Cassino, onde aconteceram três dos quatro crimes,
tiveram suas rotinas modificadas devido à série
de assassinatos. A imprensa local publicou as reportagens, utilizando
como fonte principal a polícia. Em raros momentos escutou
outras fontes para a composição dos textos, o
que tornou a cobertura burocratizada.
Segundo
Kovack e Rosenstiel, (2003, p. 206) a imprensa gera fóruns
de discussão e pode orientar o trabalho do jornalista
desde o início da cobertura de um fato, seja esse policial
ou não. As pessoas interessadas no tema criam um fórum
público de discussões onde há troca de
idéias e opiniões. Fala-se muito em um grande
crime, principalmente quando ocorre numa praia pequena como
a do Cassino, onde crimes brutais chocam a opinião pública,
especialmente os assassinatos em série. Nessas situações,
o público espera que a imprensa o mantenha informado
sobre os acontecimentos como uma forma de orientar suas rotinas.
A
pressão exercida pela opinião pública e
pela imprensa faz com que a polícia, muitas vezes, sucumba
à pressão dos dois primeiros e divulgue os resultados
antes que as investigações sejam completadas.
Na verdade, polícia e imprensa se precipitam na tentativa
de saciar o desejo de informação da opinião
pública. A informação chega capenga ao
público.
Muitas
vezes baseada em apenas uma fonte.
As
matérias publicadas pelo Jornal Agora, de Rio Grande,
sobre o caso "Titica", num período de cinco
meses, é o objeto deste estudo que procurará responder
as seguintes perguntas: em que fontes se basearam os jornalistas
na cobertura do caso que abalou a cidade de Rio Grande entre
dezembro de 1998 e março de 1999? Houve tentativas de
mostrar os vários lados da história buscando fontes
além da polícia, como, por exemplo, os próprios
suspeitos, seus advogados e especialistas? Ou o jornal, seguindo
uma tendência que prioriza o sensacionalismo e o entretenimento
na cobertura policial, transformou suspeitos em acusados baseando-se
em uma única fonte - a polícia?
Furio
Colombo (1998) acredita que o jornalista é induzido pela
grande quantidade de notícias de seqüências
fechadas e que "o ritmo em cascata acabam por persuadir
o repórter de que se encontra próximo de uma mina
a céu aberto. Não necessita cavar, basta colher"
(p.63).
A
estratégia é contestada por especialistas. Conforme
Nassif (2003) em casos de grande repercussão a polícia
pode não ser a melhor fonte num primeiro momento devido
ao deslumbramento com a imprensa. Por isso, muitas vezes os
jornalistas equivocam-se em dar total credibilidade às
fontes policiais e, pior, em contentar-se apenas com elas.
Um
estudo publicado em novembro de 2004 pelo Newspaper Research
Journal, sob o título Juvenile Crime Stories Use Police
Blotter Without Comment from Suspects, de James Simmon e Sean
Hayes (2004), questiona o uso de fontes oficiais. Quando apenas
a polícia é usada como fonte na cobertura de crimes
e os suspeitos não têm a chance de se defender,
como fica o papel da imprensa que prevê a apresentação
dos dois lados da história? Perguntam-se Simmon e Hayes.
Policiais
e jornalistas têm um papel social importante: a prestação
de serviços à sociedade. E ambos cometem erros.
Há vários problemas na relação fonte
oficial X repórter. O jornalista avalia a informação
da polícia como sendo de grande credibilidade e em muitos
casos noticia erros sem saber, até porque não
se preocupa em ouvir outras fontes.
Além
disso, repórteres desconhecem as áreas jurídicas
e a natureza dos crimes e veiculam nomes e fotografias de suspeitos
como se já tivessem sido acusados.
A
polícia, por sua vez, também está despreparada
para lidar com a imprensa. Segundo o presidente da OAB de São
Paulo, Luís Flávio Borges D'Urso (2004), o inquérito
policial deve servir como uma peça de relevo nas investigações
e pautar-se pela apuração imparcial dos fatos.
Portanto, o delegado que o preside jamais deve acusar ou defender,
pois tem que se portar como uma autoridade imparcial.
Pela
lei, o suspeito só passa a ser acusado após a
denúncia do Ministério Público. Isto não
impede que muitos jornais tratem os suspeitos como acusados.
Em muitos casos, pessoas inocentes ficam, irremediavelmente,
associadas a crimes que não cometeram.
É
prática comum na cobertura policial não publicar
o desfecho das ações judiciais. Ou noticiar a
prisão de um suspeito e mais tarde não esclarecer
que tal pessoa não tem envolvimento com o delito.
Há
várias maneiras de contornar situações
como estas. A imprensa pode retratar-se ou auto corrigir-se,
por exemplo. Pode voltar ao assunto e explicar que o "acusado"
foi inocentado ou anunciar que há outros suspeitos e
que as investigações seguiram um rumo diferente.
Em geral, a imprensa não esclarece com exatidão
que a polícia cometeu um engano e/ou que o jornalista
não buscou outras fontes, exagerando na sensacionalização
da violência, promovendo a criação de estereótipos
e arrasando a credibilidade de inocentes, como aponta este estudo.
A
análise da cobertura do caso "Titica" é
uma pequena contribuição ao debate sobre o tratamento
dado à criminalidade pela imprensa, freqüentemente
acusada de ocupar-se de casos isolados e quase nunca apresentar
análises e interpretações sobre as causas
do problema.
Relação repórter X fonte oficial
Os
repórteres que cobrem criminalidade preferem as fontes
oficiais (Simon and Hayes, 2004). É fácil transcrever
o conteúdo de boletins de ocorrência e confiar
nas informações fornecidas por delegados, investigadores
e escrivãos. Segundo Sanford Sherizan, no estudo Social
Creation of Crime News: All thew news fitted to print, mencionado
por Simon and Hayes, "a polícia supre os repórteres
com um fluxo constante de crimes e essas informações
se adaptam às rotinas de trabalho dos repórteres
transformando-se em matéria prima do noticiário
policial" (p.90).
Mesmo
sendo consideradas como as mais confiáveis, Lage (2001)
sustenta que as fontes oficiais falseiam a realidade para preservar
interesses, beneficiar pessoas e grupos.
Comumente
- e isso não é considerado aético -,
sonegam informações de que efetivamente dispõem
(o segredo de estado, os dados confidenciais ou reservados,
constituem uma categoria que costuma expandir-se além
do justificável), destacam aspectos da realidade que
convém às instituições (preferindo,
por exemplo, números relativos a absolutos, ou o contrário),
alegam dificuldades inexistentes para desestimular quem procura
informar-se. Funcionários mentem também por
desleixo e preguiça, por vaidade (para fingir que são
bem informados) e para se livrar do repórter chato.
(Lage, 2001, p. 64).
Para
o autor, a estrutura centralizada do jornalismo convencional
gera uma supremacia absoluta das fontes oficiais.
A
polícia é uma fonte oficial legítima, mas
é papel do jornalista questionar e fiscalizar as suas
ações. No entanto, isso nem sempre ocorre. O jornalista
apressa-se em eleger acusados com base nas informações
da fonte oficial.
Desta
forma, acredita que esta suprindo a opinião pública
com informações e vencendo a concorrência
com outros meios de comunicação.
Para
Luís Nassif, "Esse personagem meio indefinido e
caprichoso, de nome opinião pública, há
alguns anos é o mais importante agente político
do país, e sua importância será cada vez
maior" (2003, p. 224). Esta influência que o público
exerce sobre a notícia acaba por cegá-lo. Se um
jornal apresenta argumentos em defesa de um suspeito e questiona
o rumo das investigações policiais, a opinião
pública pode mobilizar-se contra o veículo. No
entanto, a imprensa deve dar uma chance aos acusados de se defenderem.
Como explica Nassif, "O papel do jornalista é correr
riscos, na defesa do que lhe parece correto. E, nesse clima
de linchamentos que caracteriza o comportamento da mídia,
ter a coragem de remar contra a maré" (p. 226).
O
Caso Escola Base e Bar Bodega são dois grandes exemplos
de como a imprensa comete erros em coberturas policiais. Ambos
ilustram o que pode acontecer quando a pressão pública
orienta o trabalho tanto de policiais quanto de jornalistas.
O
caso Escola Base ganhou notoriedade em abril de 1994, quando
alguns pais denunciaram à polícia a prática
de abuso sexual de alunos por proprietários e funcionários
da instituição. Jornais e emissoras de televisão
não apenas acolheram indícios mal sustentados
como ampliaram as dimensões das denúncias, tomando-as
verdades absolutas.
Os
resultados dessa atitude não tardaram a acontecer. As
sete pessoas envolvidas tiveram o patrimônio depredado,
a liberdade privada e a credibilidade destruída. A imprensa,
que alardeou as acusações e deu pouco espaço
aos suspeitos, pediu desculpas ao perceber os equívocos,
mas era tarde. A justiça absolveu os acusados. Entretanto,
uma parcela da população sustenta para sempre
a suspeita contra aquelas pessoas.
O
mesmo ocorreu no caso do Bar Bodega em agosto de 1996, em São
Paulo, quando bandidos entraram no bar, freqüentado por
jovens de classe média, e mataram a tiros um dentista
e uma estudante.
O
incidente provocou comoção popular e, estimulada
pela imprensa, a população deu início a
uma campanha de justiça. Pressionado, o delegado responsável
pelo caso deteve nove suspeitos, moradores de uma favela das
imediações. Depois de dois meses a promotoria
divulgou a suspeita de que os menores haviam confessado os assassinatos
sob tortura e pediu que fossem liberados. Segundo Nassif (2003),
a imprensa já sabia que os primeiros suspeitos haviam
confessado sob tortura, mas não divulgou uma linha sobre
isso. Contentou-se em ceder aos apelos do público sem
ao menos questionar.
Há
lugares onde a imprensa não sabe como agir frente a crimes
que abalam a opinião pública. Para Nassif, "entender
e utilizar os procedimentos judiciais na apuração
de notícias, além de minimizar injustiças,
ajudaria a mídia a pensar melhor e oferecer ao público
um produto de melhor qualidade" (p. 41).
A
relação repórter x fonte para um jornalista
da editoria de polícia baseia-se quase sempre na dependência
de uma única fonte oficial: a própria polícia.
Essa relação é conturbada, pois a polícia
diz o que lhe convém e o jornalista na maioria dos casos
publica sem ressalvas.
A
fonte oficial não está livre de cometer erros
em suas investigações. Colombo (1998, p. 80) diz
que: "o jornalismo tanto quanto parece é enganado
pelo espetáculo e pelas instruções dadas,
de uma vez por todas, pelas fontes autorizadas, e renuncia a
uma investigação independente". Não
convém ao jornalista desconfiar da informação
pronta e avalizada por uma fonte oficial.
Este
tipo de fonte tem notícias recentes, úteis e "confiáveis".
No entanto, Hulteng (1990, p. 127) alerta para o fato de que
"a síndrome da dependência das fontes oficiais"
pode ser um problema, pois afasta o repórter de outras
noticiais para as quais não há porta voz oficial.
O jornalista fica subordinado aos canais de rotina. Institucionaliza
e valida como normal a dependência às fontes autorizadas
com medo de não encontrar fontes substitutas e de cessar
o fluxo de matéria-prima para o seu trabalho.
A
capacidade de informação regular e autorizada
poupa os jornalistas dos "inconvenientes das investigações
em profundidade e da recorrência a especialistas para
decodificação", diz Sousa (2002, p. 52).
Em conseqüência, a utilização rotineira
dessas fontes facilita a manipulação do fato,
fortalecendo a relação entre imprensa e estado.
Como
salienta Sousa (p. 51), o "jornalista burocrático"
é dependente de fontes acessíveis, centralizadas,
sistemáticas e com horários compatíveis.
Isso traz conseqüências diretas à realização
do trabalho jornalístico e asua
função social de informar, vigiar e controlar
os poderes.
As
editorias policiais
A
relação que os jornalistas estabelecem com as
fontes oficiais faz parte do processo de rotinização
das redações. As redações criam
suas normas burocráticas para lidar com as normas burocráticas
das instituições sociais com as quais se relaciona,
como explicam Shoemaker e Reese (1996).
Nesse
sentido, a notícia é o produto de uma burocracia
(a redação) recolhida de outra burocracia (a polícia,
no caso), e muitas vezes importa a linguagem técnica
da burocracia externa onde é captada a informação.
Portanto,
alegam Shoemaker e Reese, as rotinas tem um papel muito importante
na produção do conteúdo da imprensa. O
impacto das rotinas jornalísticas no conteúdo
da imprensa é uma das áreas de estudo da sociologia
da mídia. Os estudos de sociologia da mídia nos
Estados Unidos surgiram na década de 1950 com o as pesquisas
desenvolvidas por David White sobre gatekeeping (o processo
de seleção da informação) e Warren
Breed, que descreveu em detalhes como os jornalistas aprendem
as rotinas de trabalho dentro das redações.
Segundo
Breed (1955), os jornalistas internalizam as normas da redação,
inclusive seus deveres e direitos como profissionais de imprensa.
As políticas editoriais dos jornais, dizia Breed naquela
época, não estão escritas em manuais detalhados.
Elas fazem parte do processo de controle social dentro das redações
e são captadas pelos jornalistas quase que por osmose,
através da prática do dia-a-dia.
Em
muitos casos, o jornalista que trabalha para as editorias policiais
é visto como alguém sem experiência, em
início de carreira e que não recebe apoio à
realização de seu trabalho. Para o jornal, interessa
que o jornalista se adapte à dinâmica interna e
seja socializado à organização inserindo-se
no processo de rotinização. "O jornalista
será sempre constrangido pela política editorial
da empresa e pela forma de fazer as coisas no órgão
de comunicação social para o qual trabalha"
(Souza, p. 55).
Em
algumas redações, por experiência própria,
as informações policiais são obtidas pelo
telefone e, raramente, o jornalista dispõe de carro e
fotógrafo para realizar o trabalho de campo e ir até
a cena de um crime ou falar pessoalmente com os investigadores
e suspeitos. Quando isso acontece é o único momento
em que o jornalista será capaz de fazer uma matéria
com mais detalhes, porque terá contato direto com o fato.
Caso contrário, dependerá da polícia que,
por telefone, nem sempre está disposta a falar.
Raras
são as vezes em que uma empresa retira o jornalista da
rotina da redação e permite que ele investigue
um caso a fundo.
As
editorias de policia limitam-se a publicar, por exemplo, novas
informações sobre um caso. Fatos anteriores são
esquecidos. Em muitos casos não há continuidade
cronológica nem contextualização dos acontecimentos.
Então, como creditar à mídia o papel social
de informar?
Segundo Karam (1997, p.103), para que a informação
jornalística seja exata, imparcial e tenha responsabilidade
social, o jornalista precisa ir além de poucas declarações
ou documentos parciais, revelando publicamente aquilo que atinge
o público no cotidiano.
Mas
o jornalista, de acordo com Cornu (1994), não tem meios
para brincar de polícia e nem é a sua missão.
Sua margem de manobra quando a atenção é
atraída para um fato crítico seria investigar
por conta própria, mas "os jornalistas estão
simplesmente desprovidos das armas capazes de lhes trazer provas
blindadas, irrefragáveis" (p. 79).
Na
maior parte dos casos de homicídio, como por exemplo,
os assassinatos em série, a polícia está
interessada em contar que caminhos seguem a investigação.
O jornalista, interessado em saber o que a fonte tem a dizer
acaba passando por cima das ressalvas e desconfianças
que se deve ter em relação às fontes oficiais.
Conforme
o pesquisador Elias Machado,
A
cobertura setorizada dos meios convencionais, com base em
uma estrutura de redação centralizada e dividida
em editorias reforça o vício do recurso às
fontes oficiais. Uma redação descentralizada
que opera dentro de um projeto de afinidades temáticas
estimula a diversificação das fontes. (http://bocc.ubi.pt/pag/machado-elias-ciberespaco-jornalista.html)
As
notícias policiais
Segundo
Colombo (1998, p. 75), há três tipos de histórias
onde se enquadram as notícias: as truncadas, que são
abandonadas para sempre após terem iniciado com grande
eco nos veículos de comunicação; as cíclicas,
que regressam de tempos em tempos como se fossem novas e não
existissem notícias anteriores, e as suspensas, que durante
algum período não têm seqüência,
embora nem sempre se saiba o que justificou a suspensão
do interesse da notícia, a qual mais cedo ou mais tarde
retornará. Para o autor, "A notícia é
um produto e, instintivamente, não se afigura útil
aos produtores lançar no mercado algo que é discutível
ou não é popular, que não é da preferência
da cultura dominante" (p. 65).
Nos
noticiários policiais os fatos sobre um determinado tema
são expostos exaustivamente até que o vento do
interesse público desvie a notícia de sua rota
e a coloque em outra. (p. 75)
As
matérias que atraem a atenção do público
em todas as escalas sociais têm, segundo Ilana Casoy (2004),
uma característica especial: exercem um fascínio
psicológico nas pessoas.
Para
Casoy, os homicídios são, sem dúvida, os
que causam maior impacto perante a opinião pública,
pois fazem as pessoas se questionarem sobre o contexto que levou
alguém a cometer tais atos. Além do mais, alteram
a rotina pessoal dos indivíduos, em locais com um número
pequeno de habitantes. Não só a população
em geral, mas também os especialistas, se mobilizam,
segundo a autora, "na tentativa de compreender o que leva
uma pessoa a agredir outra mortalmente com sinais de brutalidade,
crueldade e frieza" (p. 25).
O
estímulo gerado no público em relação
às notícias criminais pode se dar de várias
formas. As pessoas têm uma sensação de controle
quando conhecem os fatos. Acreditam que estão distantes
da realidade dos crimes, o que nem sempre é verdade.
Os
valores notícia têm um papel importante na confecção
das notícias policiais e, em conseqüência,
no estimulo gerado no público. O interessante, característica
que se enquadra nos critérios de noticiabilidade, é
privilegiado em casos de homicídio para captar a atenção
do público. As histórias de gente comum que se
encontra em situações insólitas, como no
caso dos assassinatos em série, encaixam-se neste perfil.
Para
chamar a atenção para o interessante, contraria-se
a ética indo contra a objetividade jornalística
e ferindo as esferas legais. Ao empregar a imaginação,
muitos jornalistas e editores "esquentam" as matérias
para torná-las interessantes e transformam simples suspeitos
em acusados praticamente condenados. Equivocam-se, cometendo
um erro legal, ao trocar a palavra suspeito, que se refere a
uma pessoa investigada e sobre a qual recaem apenas indícios,
pela palavra acusado, que diz respeito a uma pessoa contra a
qual já foi proposta a ação, portanto,
um réu. Essa troca talvez seja feita, em alguns casos,
por acreditarem que suspeito e acusado são palavras sinônimas.
Cornu
(1998, p. 107) diz que os jornalistas têm deveres impostos
a eles através das diversas formulações
de sua deontologia profissional. Como aponta o autor, "os
jornalistas são responsáveis, quanto ao conteúdo,
pelo reflexo fiel e completo dos negócios públicos,
pela proposta de uma visão crítica, assegurando
uma informação respeitosa dos fatos e pessoas."
O
caso "Titica"
No
dia 12 de dezembro de 1998, o casal de namorados Felipe Santos,
de 19 anos e Bárbara da Silva, de 22 anos, foi encontrado
morto a tiros ao lado do carro estacionado à beira mar.
Começava aí uma série de sete assassinatos
que abalou a praia do Cassino, na cidade de Rio Grande, RS,
no verão 1998-1999 e se estendeu até a prisão
do réu confesso, o pescador Paulo Sérgio Guimarães
da Silva, conhecido por "Titica", em 1º de maio
de 1999.
O
segundo casal assassinado, Anamaria Soares, de 31 anos e Márcio
Olinto, de 30 anos, foi encontrado no dia 10 de março,
na Praia do Totó, na cidade de Pelotas, distante cerca
de 60 quilômetros de Rio Grande. Na ocasião, a
polícia divulgou que mais de uma pessoa teria cometido
os assassinatos devido às provas coletadas no local do
crime.
Petrick
de Almeida, de 18 anos, e Brenda Graebin, de 14 anos, foram
o terceiro casal a ser atacado no dia 20 de março, na
praia do Cassino. Ele morreu no local e a adolescente, que levou
um tiro na nuca, ficou tetraplégica.
O
quarto casal, Silvio Ibias, de 36 anos e Adriana Simões,
de 28 anos, foi morto na madrugada do dia 26 de março,
também na praia do Cassino.
Treze pessoas foram detidas pelos crimes antes de "Titica"
confessá-los.
Hipóteses
Com
base nos aspectos levantados, segundo os autores utilizados,
este trabalho propõe a investigação das
seguintes hipóteses, relacionadas à cobertura
do caso "Titica":
H1:
O Jornal Agora utilizou a polícia como fonte principal
ao divulgar as notícias referentes aos assassinatos em
série da praia do Cassino, no Rio Grande, RS.
H2:
O jornal tratou os suspeitos como acusados na maioria das reportagens.
H3:
Durante as investigações e após a prisão
de "Titica", o Jornal Agora não divulgou versões
por parte das treze pessoas inocentes que tiveram seus nomes
relacionados aos crimes.
Método
Este
estudo utiliza a Análise de Conteúdo Clássica
para testar as hipóteses propostas acima. As reportagens
analisadas referem-se ao caso Titica: o serial killer da praia
do Cassino. As 47 matérias e 11 capas foram extraídas
do Jornal Agora, durante um período de cinco meses, entre
dezembro de 1998 e maio de 1999. O jornal é publicado
em Rio Grande e tem tiragem de 6.800 exemplares diária,
dos quais 6.200 são para assinantes.
A
Análise de Conteúdo foi escolhida porque não
requer equipamento especial e utilização de pessoal.
A vantagem deste método sobre outros é que caso
sejam constatadas falhas na investigação é
possível repetir o estudo. A desvantagem é que
as categorias de análise podem ser contestadas. (Gaskell
e Bauer, 2002)
A
análise de conteúdo clássica é essencialmente
uma operação de codificação capaz
de medir a freqüência com que um assunto aparece
em um jornal na forma e conteúdo com base em critérios
pré-estabelecidos pelo pesquisador. De acordo com Bauer
e Gaskell (p.190), "no divisor quantidade/qualidade das
ciências sociais, a análise de conteúdo
é uma técnica híbrida que pode medir esta
improdutiva discussão sobre virtudes e métodos".
Segundo
Earl Babie (1989, p. 298), a análise de conteúdo
clássica trabalha com dois tipos de análise: o
conteúdo manifesto e o latente. Para o autor, a utilização
simultânea dos dois tipos de análise é a
melhor forma de estudar um problema, pois no conteúdo
manifesto está a objetividade do estudo enquanto no latente
é preciso investigar as entrelinhas - uma forma de interpretação
subjetiva por parte do pesquisador.
Este
estudo concentrou-se no conteúdo manifesto de 47 reportagens
e onze capas do jornal, que foi analisado segundo três
categorias:
1)
Fontes - Fontes utilizadas nas reportagens e chamadas de capa.
Ex.: polícia, especialistas, suspeitos, advogados dos
suspeitos, familiares, Ministério Público.
2)
Tratamento - Tratamento dado às pessoas mencionadas nas
reportagens e chamadas de capa. Ex.: suspeitos, acusados, culpados
e inocentes.
3)
"O outro lado" - notícias contendo versões
breves ou detalhadas sobre suspeitos inocentados durante ou
após as investigações. Por ex.: entrevistas
com os ex-suspeitos, com os familiares e/ou polícia,
mostrando outros aspectos do caso.
A
seleção da amostra foi intencional, recolhendo-se
todas as reportagens que trataram do caso durante cinco meses.
Os textos foram coletados entre os dias 12 de dezembro de 1998,
data de publicação da reportagem inicial sobre
o primeiro assassinato, e 31 de maio de 1999, data que marca
os trinta dias de prisão de Paulo Sérgio Guimarães
da Silva - o "Titica", réu confesso dos assassinatos.
Optou-se
por analisar todas as reportagens do período para que
a investigação garantisse o mínimo de falhas
em relação aos objetivos propostos. Como uma das
categorias de análise é constatar se houve cobertura
do "outro lado", o estudo de 30 dias após a
prisão de "Titica" tem como objetivo descobrir
se o jornal publicou reportagens com o depoimento de ex-suspeitos
que tiveram suas vidas expostas pela imprensa local.
Resultados
e Análises
1)
H1: O Jornal Agora utilizou a polícia como fonte principal
ao divulgar as notícias referentes aos assassinatos em
série da praia do Cassino, no Rio Grande, RS.
Tabela
1 -
Categoria 1 - Fontes utilizadas nas reportagens
Reportagens
|
Polícia
|
Especialistas
|
Suspeitos
|
Advogados
dos suspeitos
|
Família
|
Ministério
Público
|
Total:
47
|
36
|
01
|
zero
|
zero
|
01
|
03
|
Tabela
2 - Categoria 1 - Fontes utilizadas nas chamadas de capa
Capas
|
Polícia
|
Especialistas
|
Suspeitos
|
Advogados
dos suspeitos
|
Família
|
Ministério
Público
|
Total:11
|
11
|
zero
|
zero
|
zero
|
zero
|
01
|
A
hipótese um foi confirmada. Do total de 47 reportagens,
35 (quase 74%) utilizaram a polícia como fonte primária,
duas utilizaram o Ministério Público e uma, o
depoimento de um familiar do suspeito. Sete reportagens não
tiveram a polícia como fonte direta, pois eram em sua
maioria matérias de retomada ao assunto, enquanto as
autoridades não divulgavam novos fatos.
Nas
onze chamadas de capa sobre o tema foi unânime a utilização
da polícia como fonte, sendo que em uma o Ministério
Público também foi consultado.
Na
única reportagem que utiliza a família como fonte,
a Reportagem 30 intitulada "Polícia já tem
prova material de autoria de chacina", o pai de um dos
suspeitos diz que seu filho é inocente, ressaltando que
ele não tem nenhuma tatuagem e que é bem mais
alto que o homem descrito pela vítima Brenda Graebin,
que sobreviveu ao ataque.
Na
capa em que o Ministério Público foi consultado,
referente a reportagem 44 intitulada "Promotoria vai pedir
suspensão de processos", aparece a única
e primeira entrevista do promotor Luis Rogério Lima Tavares,
abordando a suspensão do processo contra oito suspeitos,
que já haviam sido acusados pelo Ministério Público.
Depois que "Titica" confessou os homicídios
e contou os detalhes das execuções, a polícia
começou a procurar por provas que confirmassem o depoimento
dele. Na reportagem 45 intitulada "Encontra mais uma prova
contra Titica", o jornal informa que a polícia descobriu
um par de tênis supostamente usado pela vítima
Felipe dos Santos na noite do primeiro crime, em um local indicado
por "Titica" em depoimento.
2)
H2: O jornal tratou os suspeitos como acusados na maioria das
reportagens.
Tabela
3 - Categoria 2 - Tratamento dado às pessoas mencionadas
nas reportagens.
Reportagens
|
Suspeitos
|
Acusados
|
Total:
47
|
17
|
14
|
Tabela
4 - Categoria 2 - Tratamento dado às pessoas mencionadas
nas chamadas de capa.
Capas
|
Suspeitos
|
Acusados
|
Total:
11
|
zero
|
01
|
A
segunda hipótese não foi confirmada, pois na maioria
das reportagens os suspeitos receberam o tratamento correto.
Em 17 reportagens (36% do total), as pessoas detidas foram tratadas
como suspeitas e em 14 reportagens, (27%) como acusadas. Mesmo
não sendo maioria, o termo acusado foi usado em grande
quantidade erroneamente, 27% não é uma estimativa
baixa. O restante das reportagens se referia aos casos de homicídios
sem, no entanto, fazer menção a quaisquer nomes.
Das
47 edições analisadas, o jornal publicou "chamadas"
em onze capas, mas só na última foi utilizado
o termo acusado, quando "Titica" já havia confessado
os assassinatos. Isto indica que o Jornal Agora foi mais cuidadoso
em relação às capas, já que das
13 reportagens em que se referia a acusados apenas uma tinha
"chamada" com o mesmo termo.
A
capa 10 não utiliza o termo "acusado", enquanto
a reportagem a qual se refere, a de número 43, intitulada
"'Titica' confessa autoria de mais um duplo homicídio",
menciona-o dessa maneira. As outras nove capas noticiam os novos
fatos descobertos pela polícia e os assassinatos na medida
que vão acontecendo. Na C-8, a chamada "'Muralha'
se entrega pedindo garantia de vida" destaca a prisão
do suspeito Tino Rogério Moura, conhecido por "Muralha",
por participar da morte das vítimas Anamaria Soares e
Márcio Olinto. Já na chamada de capa seguinte
(C-9), "'Serial Killer' confessa assassinatos", "Titica"
se entrega e confessa os assassinatos e na C-10 admite ter matado
um outro casal - Felipe dos Santos e Bárbara da Silva
- cujo crime havia negado num primeiro depoimento.
Na
reportagem 35, "Muralha se entrega à secretaria
de justiça e segurança", a polícia
divulgou um retrato falado, baseado em descrições
da sobrevivente Brenda Graebin e recebeu mais de 1.600 telefonemas,
alguns dizendo tratar-se de um homem de Pelotas, como já
supunha, erroneamente, o delegado que presidia as investigações
naquela cidade.
"Titica",
o criminoso, é de Rio Grande. Após a prisão
deste último, o repórter não questionou
a polícia quanto aos fatos divulgados anteriormente,
que se supunha ser verdade.
A
partir da reportagem 40, "Autor de assassinatos em série
confessa os crimes", quando "Titica" é
preso e confessa os assassinatos, ele passa a ser chamado de
acusado, mesmo sem a denúncia do Ministério Público,
que é quando um suspeito pode ser assim chamado.
De
acordo com o advogado Rafael Lanau, em entrevista concedida
on-line, o processo de acusação funciona da seguinte
maneira: depois de concluídas as investigações
do delegado de polícia, contidas no inquérito,
a pessoa é indiciada caso existam indícios de
autoria e materialidade da prática do crime. Assim, o
inquérito é enviado ao Ministério Público,
onde o promotor denuncia a pessoa, ou seja, vai acusá-la
pela prática do crime.
A
partir desse momento a pessoa pode ser chamada de acusada. Isso
indica que o Jornal Agora se precipitou ao chamar os suspeitos
de acusados. O jornal estava à mercê da fonte oficial
e tornou-se presa da "síndrome da dependência
das fontes oficiais", como aponta a revisão da literatura.
Não houve em nenhum momento um questionamento sobre o
rumo das investigações policiais. O jornal contentou-se
em reproduzir a versão policial para suprir as necessidades
da opinião pública por informações.
Os jornalistas do Agora que trabalharam no caso desconheciam
a diferença entre os termos "suspeito" e "acusado".
Talvez o fato de o jornal ter acertado mais que errado, utilizando
o termo "suspeito" ao invés de "acusado",
seja simplesmente por terem reproduzido a linguagem da fonte.
3)
H3: Durante as investigações e após a prisão
de "Titica" o Jornal Agora não divulgou versões
por parte das treze pessoas inocentes que tiveram seus nomes
relacionados aos crimes. Categoria 3 - "O outro lado".
A terceira hipótese foi comprovada, pois em 46 reportagens
das 47 o jornal não mencionou o "outro lado":
familiares, advogados, especialistas e até mesmo os próprios
suspeitos.
Na
reportagem 17, intitulada "Sepultado o casal de amigos
assassinados", o repórter relata que o delegado
Adilson Mazzin, de Pelotas, forneceu informação
extra-oficial. Delegados podem ser citados como fonte extra-oficial?
Segundo o delegado, naquele momento, sabia-se que duas armas
tinham sido utilizadas na execução de Anamaria
Soares e Márcio Olinto.
Como
aponta a reportagem 43, após a prisão de "Titica",
apenas uma arma foi encontrada.
Na
reportagem 18, "Ainda não há pistas sobre
autoria do duplo assassinato", testemunhas disseram ter
visto o carro da vítima Márcio Olinto com várias
pessoas na praia do Totó, onde os corpos foram encontrados.
E também viram o suspeito Tino Rogério Moura,
conhecido por "Muralha", descontando um cheque de
Márcio, fato que não ocorreu.
A
análise mostra que o jornal publicou detalhes sobre as
atividades dos primeiros suspeitos com base em informações
oficiais e extra-oficiais da polícia, todas elas não
confirmadas. Nos trinta dias após a prisão de
"Titica", o jornal não retornou ao assunto
para relatar o porquê do inquérito policial ter
apontado 13 pessoas inocentes como suspeitas.
A
investigação indicou ainda, que nas duas reportagens
publicadas após a prisão de "Titica"
o jornal não se referiu à inocência dos
primeiros suspeitos. Na reportagem 44, intitulada "Promotoria
vai pedir suspensão de processos", publicada em
7 de maio de 1999, a repórter Carmen Ziebell, da editoria
de polícia, relatou: "não há provas
suficientes contra os oito acusados, apenas indícios",
mesmo tendo "Titica" confessado os crimes e a promotoria
suspendido o processo criminal. A reportagem não explica
que os suspeitos eram inocentes e que foram colocados em liberdade
por falta de provas.
Durante
as investigações, antes da confissão de
"Titica", 10 pessoas foram apontadas no inquérito
policial pelo assassinato de Felipe dos Santos e Bárbara
Silva. Na reportagem 13, intitulada "Entregue à
justiça inquérito do duplo homicídio",
o repórter relata constar nos autos, baseado em informações
do delegado Moacir Bernardo, que Flávio Agostino Leonor,
conhecido por "Boy", é apontado como o autor
dos disparos que vitimaram o casal.
Charles
Barbosa, o "Charlão"; Robson da Silva, Anderson
Ferraz, o "Meio" e o Policial Militar Gladiomar da
Silva, conhecido por "Calcinha", são indicados
como co-autores dos assassinatos e mais cinco pessoas têm
os nomes citados por estarem envolvidas em ambas mortes. Inclusive
a reportagem descreve em detalhes como ocorreram os crimes,
relatando os passos de cada suspeito na execução
das vítimas Felipe e Bárbara.
Segundo
a reportagem, Anderson Ferraz, o "Meio", suspeito
de ter participado do homicídio, "conta os crimes
em detalhes, deixando a impressão de que acompanhou a
execução do casal".
Quando
o verdadeiro assassino confessa os crimes na reportagem 40,
o delegado regional Pedro Álvares diz ter convicção
de que "Titica" foi o autor dos duplos homicídios
devido aos detalhes narrados. Como podem "Titica"
e "Meio" - citado no parágrafo anterior como
tendo contado a execução das vítimas Felipe
e Bárbara em pormenores - falarem com detalhes de um
crime cometido por apenas um deles, "Titica", conforme
confissão deste último?
A
análise aponta que houve graves equívocos cometidos
tanto pela polícia quanto pelos repórteres em
relação à divulgação das
informações. A polícia não quis
perder a chance de estar em evidência e mostrar-se eficiente,
divulgando tudo que parecesse um novo indício de envolvimento
dos supostos criminosos, inclusive opiniões pessoais
dos delegados. O jornalista, como apontou a revisão da
literatura, interessado em produzir as reportagens, passa por
cima de desconfianças que deveria ter em relação
às fontes oficiais e publica o que lhe dizem. Talvez
essa tenha sido a atitude dos repórteres do Jornal Agora
que cobriram o caso "Titica", embora o que se pode
fazer aqui em relação ao caso é especular
.
Considerações
finais
Com
base no que foi analisado, pode-se afirmar que o uso exclusivo
das fontes policiais na cobertura do caso "Titica"
prejudicou o desenvolvimento da cobertura jornalística
e confundiu a opinião pública de Rio Grande, porque
os repórteres descreviam as atividades e ações
dos suspeitos baseados em uma única fonte oficial, que
estava equivocada.
A
análise da cobertura do Jornal Agora indica ainda que
os jornalistas locais desconhecem os termos técnicos,
embora a palavra "suspeito" tenha sido mais utilizada
que a "acusado". Entrevista realizada com o atual
editor de polícia do Jornal Agora, Valério Cabral,
que cobriu o julgamento do formalmente acusado Paulo Sérgio
Guimarães da Silva - o "Titica" -, confirma
o fato.
Questionado
sobre a diferença entre os termos legais, o editor disse
erroneamente que suspeito é "aquele sobre o qual
recai suspeita de participação em algum delito
e que pode ter a prisão preventiva decretada". E
acusado é "'aquele que geralmente é pego
em flagrante pela polícia".
Segundo
Cabral, atualmente, a política do Jornal Agora é
de não divulgar os nomes de suspeitos até a sua
condenação por crimes, pois o veículo já
teve muitos problemas com a publicação de nomes
e fotografias. De acordo com o editor houve na cidade casos
de pessoas que confessaram crimes, mas foram inocentadas no
fim do processo. Estas pessoas acionaram judicialmente a empresa
pela publicação de seus nomes. Por isso, o Jornal
Agora atualmente publica apenas as iniciais e a profissão
dos suspeitos.
O
editor disse não ter conhecimento da linguagem jurídica,
mas acredita que o jornal explica ao leitor de forma clara como
ocorrem os fatos. Para Cabral, o Jornal se preocupa em cobrir
crimes que abalam a opinião pública para que a
comunidade esteja bem informada sobre o que está acontecendo.
Reconhece que toda história tem dois lados, mas admite
que dá preferência à fonte policial porque
"é uma informação oficial, existe
um boletim de ocorrência, um registro, embora seja sempre
questionável".
Em
muitos casos, disse o editor, é a única informação
que se tem, pois ouvir outra fonte é mais difícil.
Para Cabral, é quase impossível ouvir o suspeito,
pois ele se resguarda a falar em juízo. Entretanto ouvir
a família e o advogado é mais fácil, mas
foram poucas às vezes em que ele utilizou esse recurso.
Se for possível publicar o outro lado, aquele que não
é oriundo da polícia, a história ficaria
mais fácil, explica Cabral: "Assim o leitor poderia
tirar suas próprias conclusões". De acordo
com o editor, os jornalistas devem se policiar para não
"assumir" a notícia, usando a emoção
ao invés da informação, principalmente
em casos de grande repercussão.
O
caso "Titica" identifica-se de certa forma com o da
Escola Base. Naquela ocasião a cobertura da imprensa
foi considerada burocrática por depender exclusivamente
das fontes oficiais.
A
análise do caso "Titica" demonstra que o jornal
não procurou ouvir os suspeitos, exercendo um jornalismo
pobre por não cercar o fato por todos os lados. Além
disso, deixou de fazer aquilo que Nassif (2002) propõe
como sendo o ideal: dar a chance aos acusados de se defenderem.
Como explica Hulteng (1990), os jornalistas, em geral, excluem
a possibilidade de defesa por parte dos suspeitos.
Futuros
estudos sobre a cobertura policial poderão indicar mais
falhas nessa relação entre jornalista e fonte
oficial, na qual o primeiro fica à mercê do segundo
e não cumpre o seu papel social de informar os vários
lados de um problema ou as várias versões de um
fato. É importante também que novos estudos avaliem
os dilemas éticos da relação que os jornalistas
enfrentam no relacionamento com as fontes oficiais.
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*Paula
Milano Sória é especialista em Jornalismo e Mídia
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), graduada em
Comunicação Social pela Universidade Católica
de Pelotas (UCPel-RS) e trabalha atualmente no jornal "O
Estado", em Florianópolis.
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